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O Nahuatl e a conquista espanhola - histórias mexicas

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Eduardo Henrique Gorobets Martins


University of Texas at Austin
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Ficha Catalográfica elaborada por Rejane do Desterro de Moura Alves CRB8ª-6169
Capítulo 22
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O Nahuatl* e a conquista
espanhola: histórias mexicas
Eduardo Henrique Gorobets Martins**

A
ntes da chegada dos espanhóis, Mexicas e povos das nahuatl provém dos estudos realizados pelos franciscanos
regiões da Mixteca e de Puebla produziram uma na escola de San José de los Naturales, fundada no fim da
série de manuscritos de diversos gêneros, chamados década de 1520, e no colégio de Santa Cruz de Tlatelolco,
genericamente de códices1. Embora os espanhóis tenham fundado em 1536. Além disso, a produção de manuscritos,
associado esses objetos aos livros europeus, os códices como as histórias e outros tipos, passaram a ser resultado de
tinham características bem diferentes. Esses manuscritos trabalho conjunto (porém não decorrente necessariamente
utilizavam o sistema pictoglífico pré-hispânico, cujo registro de relações horizontais) de membros e descendentes das
combinava representações pictóricas ou figurativas com elites das cidades do centro do México e informantes indí-
glifos calendários, numéricos, toponímicos, antroponímicos genas, bem como missionários e funcionários espanhóis.
e fonéticos, dando origem a registros com organização e Durante o período colonial, o Nahuatl também se tornou
lógicas próprias2. Além disso, um dos principais atributos uma espécie de língua franca, utilizada na comunicação
desse sistema de notação era a não vinculação a uma lín- entre espanhóis e povos indígenas que falavam outras lín-
gua específica, o que permitia o compartilhamento de um guas, mas tinham ao menos um intérprete falante da língua
mesmo conjunto de glifos entre populações que falavam mexica, que foi difundida amplamente na Mesoamérica
diferentes idiomas. antes da chegada dos europeus.

Após a conquista castelhana, ocorreram as primeiras ten- O processo de transcrição da língua nahuatl para o alfabeto
tativas de evangelização empreendidas por conquistadores foi baseado em padrões gráfico-fonológicos que existiam
e missionários que, munidos de intérpretes bilíngues, bus- no idioma espanhol e que estava ainda em processo de es-
caram eliminar os manuscritos que tratavam, entre outras tandardização desde finais do século XV. Assim, a escrita
coisas, do que era chamado por eles de “idolatria”, ou seja, dessa língua nahuatl não contou com o apoio de linguistas
do culto às deidades pré-hispânicas. Além disso, muitos munidos de sistemas fonéticos para realizar a transcrição
manuscritos foram destruídos ou escondidos pelos próprios de maneira que os sons de cada uma das letras e palavras
indígenas que os haviam confeccionado e, posteriormente, fossem preservados ao longo dos séculos. É por isso que
substituídos por outros mais adequados à nova realidade nos textos nahuas é possível encontrar uma mesma palavra
colonial3. Ao longo desse processo de mudanças, também com diferentes grafias, além de notarmos a utilização de
ocorreu a transcrição de línguas indígenas para o alfabeto letras da língua espanhola no Nahuatl, como o “ç” (que
latino, sobretudo por meio do trabalho missionário. depois deixou de ser utilizada pelos espanhóis). Além disso,
é importante destacar que os vocabulários (dicionários)
Muito do que conhecemos sobre o funcionamento da língua produzidos nos séculos XVI e XVII, que aproximavam os
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significados das palavras entre as línguas Nahuatl e espa-
nhola, também foram permeados por algumas limitações,
como as origens conceituais distintas das palavras em cada * Utilizo alguns dos critérios definidos por outros pesquisadores brasilei-
ros, como Eduardo Natalino dos Santos: 1) o acento gráfico foi suprimido
um dos mundos, ameríndio e europeu. da palavra nahuatl, pois deriva da oxitonização de palavras, frequente na
normatização da língua espanhola, e também porque a maioria das palavras
Para entendermos as transformações que essa língua pas- em nahuatl, transcritas no século XVI, não possuía tal sinal gráfico e eram
geralmente paroxítonas; 2) a letra h no interior da palavra nahuatl foi man-
sou ao longo do período colonial, pode-se recorrer às três tida, pois, embora não seja pronunciada em português, foi grafada no século
etapas propostas por James Lockhart4. Segundo esse autor, XVI dessa maneira e, atualmente, muitas variantes dessa língua pronun-
ciam a letra h como um som aspirado. Além disso, utilizar o gentílico apor-
durante a primeira etapa, ocorrida entre 1519 e as décadas tuguesado nauas poderia gerar ambiguidade com o gentílico da etnia naua
de 1540–1550, os textos nahuas faziam poucas inclusões de (também nomeada como nawa), grupo indígena proveniente do estado do
palavras castelhanas, utilizando, ao invés disso, uma série Acre, Brasil. SANTOS, Eduardo Natalino dos. Tempo, espaço e passado
na Mesoamérica: o calendário, a cosmografia e a cosmogonia nos códices
de termos em Nahuatl que procuravam descrever novidades e textos nahuas. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2009.
de origem hispânica. Um exemplo é a expressão totecuyo, ** Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo e pesquisa-
utilizada para se referir a Deus ou antecedendo a palavra dor-associado do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da Univer-
sidade de São Paulo. Coordena o Grupo de Estudos de Nahuatl do CEMA/
Dios em espanhol nos textos nahuas5. Essa expressão é USP desde 2015.
composta por um prefixo pronominal to- (nosso), pelo 1 LEÓN-PORTILLA, Miguel. Códices – os antigos livros do Novo Mun-
substantivo tecuhtli (senhor) e pelo sufixo de substantivo do. (Trad. Carla de Jesus Carbone). Florianópolis: Editora da Universidade
Federal de Santa Catarina, 2012. DÍAZ ÁLVAREZ, Ana. Las formas del
abstrato –yotl abreviado, que tem como significado algo tiempo. Tradiciones cosmográficas en los documentos calendá-
como “nossa senhoridade”. ricos indígenas del México Central. Tese. (Doutorado em História).
México: Facultad de Filosofía y Letras – UNAM, 2011.
2 SANTOS, pp. 84-105. BROTHERSTON, Gordon. Traduzindo a lingua-
Já na segunda etapa, cujo período foi das décadas de 1540– gem visível da escrita. Literatura e Sociedade, 4 (4), São Paulo: USP,
1550 até 1640–1650, os elementos castelhanos chegam a 1999. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ls/article/view/18018.
3 NAVARRETE LINARES, Federico. Los libros quemados y los nuevos li-
penetrar em todos os aspectos da vida nahua, mas com
bros. Paradojas de la autenticidad en la tradición mesoamericana. DALLAL,
limitações. Nas histórias produzidas por nahuas durante Alberto (ed.). La abolición del arte – XXI Coloquio Internacional de
esse período é possível observar a introdução de uma série Historia del Arte. México: Instituto de Investigaciones Estéticas – UNAM,
1998, p. 53-71.
de palavras castelhanas relacionadas ao calendário e aos 4 LOCKHART, James. Los nahuas después de la Conquista. Historia
ritos cristãos, à administração colonial, às localidades do social y cultural de los indios del México Central, del siglo XVI al XVIII.
mundo hispânico, por exemplo, além da incorporação de (Tradução Roberto Ramón Reyes Mazzoni; 1ª ed. em inglês, 1992). México:
Fondo de Cultura Económica, 1999.
notas introdutórias e da utilização de gêneros da cultura 5 Os exemplos citados podem ser encontrados em histórias como o Códice
escrita castelhana6. Assim, os textos nahuas passam a ter Aubin e Manuscrito 40. DIBBLE, Charles E. Codex Aubin. Historia de la
uma série de palavras castelhanas, como miercoles, no- nación mexicana. Reproducción a todo color del Códice de 1576. Colección
Chimalistac, v. 16. Madrid: Ediciones José Porrúa Turanzas, 1963. Manus-
viembre, emperador, oidor, Florida e China 7. crito 40 – Historia mexicana desde 1221 hasta 1594. Estudo e comentá-
rios por Elia Rocío Hernández Andón. In Proyecto Amoxcalli – CIESAS/
Por fim, a terceira etapa, datada entre 1640–1650 e até CONACyT. Projeto de microfilmagem, paleografia, tradução e estudo dos
manuscritos do Fundo de Manuscritos Mexicanos da Biblioteca Nacional da
o início do século XIX, é caracterizada pelo aumento de França (2000–2010). Disponível em: amoxcalli.org.mx.
elementos castelhanos nos textos nahuas, criando uma 6 MARTINS, Eduardo Henrique Gorobets. A incorporação de elementos da
espécie de amálgama entre as duas tradições, segundo cultura escrita castelhana nas histórias dos códices mexicas dos séculos XVI
e início do XVI. Revista Cantareira, n. 30, Rio de Janeiro: UFF, 2019.
Lockhart. Podemos compreender essa etapa ao observar 7 Os exemplos citados podem ser encontrados, por exemplo, em histórias
a utilização de diversas palavras castelhanas nas histórias como o Códice Aubin e Manuscrito 40, cujas referências foram menciona-
das anteriormente.
produzidas por indígenas que tiveram, por exemplo, seu
plural formado segundo a gramática nahuatl. Assim, até
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mesmo em narrativas produzidas algumas décadas antes, econômica e cultural, mas isso não significou adotar como
pode-se encontrar alguns exemplos como a palavra juez idioma nacional a língua indígena que, à independência, já
(juiz), que aparece com o plural jueztin, utilizando o sufixo estava marginalizada socialmente. Ainda assim, o Nahuatl
de plural de substantivo -tin, ou a palavra cristiano (cris- sobreviveu nas regiões mais ruralizadas ou de pequenos
tão), que é grafada com o sufixo de plural de substantivo povoados e é falada atualmente por mais de um milhão e
da língua Nahuatl -me, originando a palavra cristianome 8. meio de pessoas somente no México, além de outras 200
mil pessoas na América Central e Estados Unidos.
Após o período colonial, durante os séculos XIX e XX, a
língua nahuatl continuou passando por transformações e Dessa maneira, a língua nahuatl é um exemplo de língua a
desenvolveu algumas variantes regionais (atualmente, são ser celebrada no Ano Internacional das Línguas Indígenas,
30 no México) de tal maneira que houve a introdução das instituído pela Unesco em 2019, por pelo menos dois gran-
letras k e w, que foram incluídas no alfabeto nahua para des motivos. Primeiramente porque é uma língua ameríndia
especificar alguns sons de que a grafia das transcrições co- que foi ameaçada constantemente após a chegada dos espa-
loniais não dava conta ou foi interpretado como um fonema nhóis no atual México, tanto pela catástrofe demográfica que
diferente pelos espanhóis. Outro processo que ocorreu ao assolou a população indígena com epidemias, quanto pelas
longo desses séculos foi a mudança na tônica das sílabas mudanças culturais e sociais implicadas na evangelização
de palavras nahuas que se popularizaram sobretudo dentro e na reorganização política com a implantação do regime
da língua espanhola mexicana: muitas deixaram de ser pa- colonial. E em segundo lugar porque, apesar de todas as
roxítonas ou proparoxítonas e se tornaram oxítonas, como transformações que a língua nahuatl sofreu ao longo dos
ocorre na maioria das palavras em espanhol. últimos cinco séculos, ela sobreviveu e segue viva como a
língua indígena mais falada no México.
Com a independência mexicana, o Nahuatl perdeu o papel
de língua franca, como ocorreu durante o período colonial
8 Também esses exemplos podem ser encontrados no Códice Aubin e no
nos contatos entre espanhóis e grupos indígenas que fala-
Manuscrito 40.
vam outras línguas. O México independente glorificou o
passado de amplo domínio dos Mexicas nas esferas política,

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