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P o B r E Z A

P o r Q u E de
o iGUalda
e des
edUcaÇÃ

refletir, sentir e mobilizar


caderno
P o B r E Z A
Por QuE Ç Ã o e
ldade
desiGUa
edUc a

refletir, sentir e mobilizar


caderno

fundação roberto marinho


2014
FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO CURADORIA
José Roberto Marinho - Presidente Marisa Vassimon
Hugo Barreto - Secretário geral
Nelson Savioli - Superintendente executivo PROJETO, COORDENAÇÃO E TEXTO FINAL
André Lázaro
CANAL FUTURA
Lúcia Araújo - Gerente geral COORDENAÇÃO EDITORIAL
Débora Garcia - Gerente de conteúdo e novas mídias Kitta Eitler
João Alegria - Gerência de programação, jornalismo e engenharia Ana Paula Brandão
Vanessa Jardim - Gerente de produção e ativos Priscila Pereira
Monica Dias Pinto - Desenvolvimento Institucional
Ana Paula Brandão - Coordenadora Geral de mobilização e articulação comunitária PESQUISA, REFERÊNCIA E TEXTOS INICIAIS
Renata Montechiare
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA) Jorge Teles
Marcelo Côrtes Neri - Presidente Sueli Lima
Maíra Mascarenhas
AGRADECIMENTOS
Às instituições sociais que gentilmente doaram materiais ANÁLISE DOS FILMES
para compor a Maleta Por Que Pobreza? Educação e Desigualdade Marcos Hecksher (IPEA)

Maleta Futura Por que Pobreza? educação e desigualdade PRODUÇÃO


Copyright © Fundação Roberto Marinho Fabianna Amorim
Rio de Janeiro, 2014
Todos os direitos reservados MOBILIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA
Ana Amélia Melo
Carlos Humberto Filho
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cinthia Sarinho
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Debora Galli
Por que pobreza? : educação e desigualdade : Érica Carvalho
caderno : refletir, sentir e mobilizar / KittaEitler, Ana Paula Brandão(organizadoras) ; André Fabiana Cecy
Lazaro, (coordenador) . -- Rio de Janeiro :Fundação Roberto Marinho, 2014. -- (Por quepobreza?) Lizely Borges
Melina Marcelino
Vários autores. Renata Gazé
Bibliografia Roberto Sousa
ISBN 978-85-7484-699-6 Vanessa Pipinis
Zilda Piovesan
1. Desigualdade social 2. Educação 3. Participação política 4. Pobreza I. Eitler,
Kitta. II. Brandão, Ana Paula. III. Lazaro, André. IV. Série.
Programação visual: rec design
14-03363 CDD-362.5
Revisão: Sheila Kaplan e Natércia Rossi
Índices para catálogo sistemático:
1. Pobreza : Desigualdades sociais : Problemas sociais
362.5
sumário
apresentacao 5
almanaque 9
Paz janeiro 10
CARNAVAL & FESTAS POPULARES fevereiro 24
MULHERES março 38
POVOS INDígenas abril 52
TRABALHO E POBREZA maio 72
meio ambiente junho 96
moradia e pobreza julho 118
Expressões populares agosto 136
independência setembro 160
Infância: educação, diversidade e desigualdade outubro 180
República, consciência negra novembro 206
DIREITOS HUMANOS E POBREZA dezembro 224
Para conhecer, compreender e mobilizar
através da educação contra a produção
e reprodução da pobreza
André Lázaro

Este Caderno quer ganhar vida nas mãos dos educadores – escolares e não escolares – promovendo a re-
flexão, a compreensão e a ação sobre as condições de produção e reprodução da pobreza. A pobreza tem
impacto sobre a vida, presente e futura, de todas as pessoas e comunidades, pobres e não pobres.

A educação tem sido apontada como o caminho seguro para a superação da pobreza e para o rompimento
do ciclo de sua transmissão geracional. A educação – formal ou informal – tem muito a contribuir no com-
bate à pobreza. Ela dá acesso a informações para compreender o mundo em que vivemos, estimula habili-
dades e capacidades para a inserção ativa como cidadão e produtiva como trabalhador e empreendedor.
Ao mesmo tempo, promove valores como justiça, solidariedade, liberdade e respeito ao próximo, diante
dos quais a pobreza é uma afronta e uma ofensa.

A pobreza tem muitas faces, arestas seria melhor dizer. A educação, para tratar da pobreza, deve ser capaz
de informar, de sensibilizar e de motivar para a ação. Conhecer, compreender e mobilizar são os grandes
objetivos deste Caderno II. Como veremos ao longo dos textos, pobreza está relacionada com desigualda-
de e diversidade. Para falar de pobreza, desigualdade e diversidade, foi escolhida a forma do almanaque. O
almanaque tem algo de maravilhoso por sua antiguidade e pela capacidade de manter lado a lado temas
tão diversos e ligados por um fio, uma trama.

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Neste Caderno, utilizamos um conjunto de temas que estão presen- abrir espaço para a voz de pessoas e grupos que enfrentam essas
tes em nosso calendário popular e escolar. Para cada mês do ano, condições. Para compreender, é preciso reconhecer a força, as lu-
foi escolhido um assunto central e há sugestões para que a escola tas, as conquistas e a criatividade desses que se mobilizam e en-
e a comunidade explorem novos. Os temas, por sua vez, estão rela- frentam as condições de pobreza. Não se trata, portanto, de ficar
cionados com os materiais que fazem parte da Maleta: oito docu- imobilizado na denúncia, mas motivado à ação pelas lutas e con-
mentários do Why Poverty? legendados em português e o guia de quistas. Não há ação sem empatia.
uso feito pela Steps International, mais de 50 programas do Futura
A Maleta e o Caderno trazem propostas de atividades e de com-
que dialogam com a temática, o livro “Para compreender a pobreza
partilhamento da ação. Há muitas possibilidades de mobilizar e de
no Brasil”, de Victor Valla e outros, o Anuário Brasileiro da Educação
agir tanto para escola como para as comunidades. Criar, por exem-
básica – 2013, o jogo Torre de Hanói e materiais de instituições de
plo, um “diário de bordo”, um registro do trabalho ao longo do ano,
referência em educação, pobreza e desigualdade.
criar um mural onde as pessoas da escola ou das comunidades
A proposta de cada mês se inicia com um texto informativo que possam afixar textos, informações, poemas, músicas pode ser uma
busca relacionar dimensões da pobreza, da desigualdade e da di- forma de demonstrar que a pobreza não é natural, que podemos e
versidade. É quando são apresentados dados e informações sobre devemos agir para superá-la. E os educadores sempre nos lembram
o Brasil a partir de pesquisas recentes. Foram utilizados o Censo de que conhecer é uma forma de agir. Podemos investigar a histó-
Demográfico, a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar ria da comunidade, registrá-la e compartilhar por meio de blogs,
(PNAD), publicações do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada revistas, impressos, músicas, filmes e vídeos.
(IPEA), estatísticas educacionais do Instituto Nacional de Estudos
O Caderno propõe que cada escola, cada grupo e comunidade que
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e informações de
participa do projeto Maleta Futura tome iniciativas, crie materiais,
outras fontes seguras e acessíveis a todos. Além disso, documen-
compartilhe e distribua o que produziu. É muito importante que a
tos nacionais e internacionais também foram consultados e inclu-
gente saiba que não está sozinho neste trabalho de enfrentar e su-
ídos com a finalidade de trazer diferentes pontos de vista sobre os
perar a pobreza. É um desafio global e, embora cada um tenha sua
assuntos. Um dos objetivos do Caderno é indicar fontes de dados
própria responsabilidade, como governo, empresa, organização so-
para fortalecer a cidadania ativa e informada.
cial, comunidade, grupo, família e indivíduos, será a ação de todos
Em cada mês, há uma segunda sessão: para saber mais. O objetivo que poderá levar à superação da pobreza. Há tensões, conflitos, vi-
dessa parte é ser um espaço destinado a pessoas e grupos que co- sões distintas de como alcançar o resultado, mas essas tensões e
nhecem e vivem a situação de pobreza. Se uma condição imposta conflitos fazem parte de todo processo de mudança. Isso não deve
pela pobreza é o silêncio, um modo de combater essa violência é assustar ninguém. O que deve nos preocupar é a indiferença e o

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silêncio frente às injustiças. A pobreza, como dizem os documentos
firmados por todos os países, é o maior desafio a ser enfrentado. E
ele deve ser enfrentado.

O Caderno e os materiais que integram a Maleta pretendem ser um


ponto de partida, um caminho que se abre para muitos outros ca-
minhos, mantendo um rumo e uma direção: informar, sensibilizar
e mobilizar cada um de nós para que, sozinhos ou em grupos, pos-
samos agir, pela educação, pelo diálogo, pela troca de informações,
para superar a pobreza, transformando as condições de sua produ-
ção e reprodução.

Boa viagem!

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calendário
janeiro

paz
Se quisermos paz, devemos superar a pobreza
Muhammad Yunus
JANEIRO
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

1
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

01 Ano novo | 09 Dia do astronauta | 15 Dia do compositor | 18 dia internacional do riso | 30 Dia na não violência
Ano trópico Nosso Caderno da Maleta “Por que Pobreza? os calendários e as estações, há diferentes
Um ano trópico, também chamado ano das es- Refletir, Sentir e Mobilizar” no mês de janei- formas de contar o ano, como mostram os
tações ou ano solar, é o intervalo de tempo que ro, elegeu a PAZ como tema central. O dia 1o calendários judaico, islâmico, maia, chinês.
o Sol, em seu movimento aparente pelo céu, de janeiro é consagrado à paz e à confrater- Há calendários que combinam anos solares
leva para partir de algum dos quatro pontos nização universal. É o começo do ano, dia de e lunares, outros que acrescentam dias a
que definem as estações e retornar ao mesmo descanso, feriado, dia de pensar no que pas- cada período de anos (como nossos anos
ponto, ou seja, é o tempo entre duas passa-
sou e no que vai passar. O começo do ano é o bissextos) ou meses a cada grupo de anos.
gens pelo equinócio de primavera, pelo sols-
recomeço de um ciclo. Recomeçar é alimen- A partir da observação do céu ou por meio
tício de verão, pelo equinócio de outono ou
tar a esperança de que as coisas podem ser de regras que se referem a datas religiosas,
pelo solstício de inverno. O ano civil se baseia
transformadas, recriadas, que podemos evi- uma das funções fundamentais de todos
no ano trópico, que tem uma duração de 365
tar os erros e confirmar os acertos. O reco- os calendários é criar um marco no tempo,
dias 5 horas 48 minutos e 46 segundos. Como
o ano trópico não tem uma quantidade exata
meço a cada ano é uma chance que damos a estabelecer relações entre o passado, o pre-
de dias, torna-se necessário introduzir corre-
nós mesmos para que possamos ser melho- sente e o futuro. E anunciar que um novo
ções periódicas e regulares no ano civil, para res, para que as coisas possam ser melhores. ciclo começou.
que este se mantenha sincronizado com as Dedicar o primeiro dia do ano à paz univer-
estações. Os egípcios antigos faziam uso de um sal talvez seja a maior das esperanças que
ano de 12 meses de 30 dias, mas posteriormen- renovamos a cada ano. Paz e pobreza
te acrescentaram cinco dias ao final do ano,
Estamos acostumados a pensar no ano que Dedicar o nosso primeiro dia do ano à paz e
fazendo um total de 365 dias. O ano romano
se inicia no dia 1o de janeiro como se todos à confraternização universal é expressar um
foi estabelecido por Júlio César, com 365 dias
os calendários começassem nessa data, desejo e uma utopia. O projeto Por que Po-
e uma correção de um dia extra em fevereiro a
como se a própria natureza tivesse estabe- breza? tem também sua utopia: contribuir
cada quatro anos, os chamados anos bissex-
tos. O ano juliano é cerca de 11 minutos maior
lecido esse marco – mas não é bem assim para que possamos compreender melhor a
(Ano trópico). Como a gente sabe, um ano
que o ano trópico, ao longo dos séculos esta pobreza, sua relação com a educação, e para
diferença foi se acumulando. A correção foi marca o período que o planeta Terra leva
pensarmos em como podemos colaborar,
feita por ordem do papa Gregório XIII, que para completar uma volta em torno do Sol.
individual e coletivamente, para superá-la. A
estabeleceu em 1582 o calendário gregoriano. Durante o período de um ano, as distâncias
paz é uma utopia, um desejo e um horizonte.
Por este sistema, os anos que são múltiplos de e inclinações com relação ao Sol definem as
100, mas não são múltiplos de 400 (por exem- estações. Mas a lua também tem seus ciclos Há muitas definições de paz. O prêmio Nobel
plo, 1700, 1800, 1900) não serão anos bissextos. e pode ser um indicador da passagem do da Paz em 2006 (Nobel da Paz), Muhammad
(Fonte: Wikipédia) tempo. Apesar da relação existente entre Yunus, no discurso que fez quando recebeu a

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comenda, afirmou: “A pobreza é uma ameaça A pobreza não é simples de ser definida, 1964

PRêmio NOBEL
Martin Luther King Jr.
à paz”. A paz deve ser entendida numa pers- mas seus efeitos são dolorosos, visíveis e
(EUA)
pectiva ampla, que inclui aspectos econômi- duradouros. Pobreza significa, em grande 1980
cos, sociais e políticos. Se “a pobreza é a au- parte, ausências: de condições, de direitos, Adolfo Pérez Esquivel
(Argentina)
sência dos direitos humanos”, como Yunus de possibilidades e de oportunidades. A po-
1984
observou, ela traz em si mesma uma violên- breza está determinada por condições eco- Desmond Tutu
cia, é a negação da paz. As pessoas e comuni- nômicas, políticas e sociais e nem sempre (África do Sul)

pode ser superada pela ação individual das 1989


dades que vivem em condições de pobreza Dalai Lama
sofrem um acúmulo de violências e a vio- pessoas que atinge. Enfrentar a pobreza (Tibete)

lência acaba tornando-se uma linguagem impõe às pessoas e comunidades imensos 1992
Rigoberta Menchú
que diferentes pessoas, grupos e comuni- esforços e sacrifícios cotidianos, exige que (Guatemala)
dades utilizam para alcançarem resultados, criem estratégias de sobrevivência, afeta 2004

serem ouvidas e lembradas. “Para construir a própria imagem que fazem de si, de sua Wangari Maathai
(Quênia)
uma paz sustentada é necessário encontrar família e sua comunidade. A pobreza impõe
2006
formas de criar oportunidades para que as marcas que podem permanecer ao longo Muhammad Yunus
da vida. Pobreza, no entanto, é também (Bangladesh) 1
pessoas possam ter uma vida decente”1, diz
o economista bengali, ganhador do Nobel. resistência e luta. A experiência bem-suce-
Para ele, a confiança nas pessoas é o primei- dida de Yunus está diretamente ligada a calendário Maia
ro passo para a criação das oportunidades. essa compreensão de que as condições de
O seu relato traz a força dos grupos de Ban- pobreza exigiam das pessoas tal força, cria-
gladesh que o banco criado por ele apoiou, tividade e determinação que o apoio mais
oferecendo microcrédito para milhões de simples, como, nesse caso, o microcrédito,
havia conseguido ser o ponto a partir do
famílias, em especial para mulheres pobres.
qual as transformações puderam ocorrer.
A partir de algumas oportunidades baseadas
Mas nem sempre é assim.
na confiança, esses grupos adquiriram auto-
nomia, mudaram para melhor suas vidas, de Costuma-se associar à pobreza e aos po-
seus filhos e de suas comunidades. bres visões que lhes retiram um pouco do
que têm e construíram. Já se tentou dizer
1 Ver o tema do trabalho, fundamental quando se fala
em “vida decente”, que é abordado no nosso Caderno de
que os pobres são os responsáveis por sua
Atividades no mês de maio. condição, que a pobreza é inevitável, que

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criminalização e pobreza sempre haverá pobres. Essas formas de na- mais pobres e marginalizados, em particu-
Criminalização da violência no Brasil é o título turalização da pobreza talvez seja o primei- lar, dos moradores das favelas, como ‘cri-
do relatório alternativo submetido a 42ª Sessão
ro problema que temos que enfrentar se minosos’. Esse rótulo também se estende
do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais da Organização das Nações Unidas queremos mesmo superar a pobreza e suas aos indivíduos e movimentos engajados na
(ONU) em maio de 2009. Esse estudo teve como consequências. Quando se trata de falar da promoção e proteção dos direitos humanos
objetivo a elaboração de políticas de direitos relação entre paz e pobreza, para além do desses e de outros grupos desfavorecidos.
humanos da entidade. O projeto foi financiado que falta aos pobres, para além de sua capa- O fenômeno da criminalização, alimentado
pela União Europeia e preparado pela ONG Jus- cidade de luta para enfrentar as condições em parte por representantes da mídia e de-
tiça Global, junto com o Movimento Nacional
adversas, é preciso falar da pobreza como clarações de alguns oficiais e políticos, con-
de Meninos e Meninas de Rua e a Organização
Mundial Contra Tortura. uma incidência constante de violências. tribui para abusos arbitrários e recorrentes
dos pobres nas mãos da polícia, pontuados
muitas vezes por episódios intensos de vio-
Criminalização da pobreza lência letal e indiscriminada, direcionada
contra comunidades inteiras”.
Sobre os pobres costumam recair diferen-
tes formas de violência, em geral combina- A associação entre pobreza e mundo do cri-
das e somadas contra as mesmas pessoas, me tem sido uma constante na história bra-
os mesmos grupos e territórios. Recente- sileira. A criminalização da pobreza soma
mente, um grupo de entidades fez um es- mais uma violência contra os pobres. Já no
tudo e preparou um relatório sobre o tema início do século 20, quando os trabalhado-
da criminalização da pobreza no Brasil (Cri- res urbanos praticavam as primeiras greves
minalização e pobreza). O relatório con- por jornadas de trabalho mais humanas, os
clui: “As comunidades mais pobres e mar- poderes constituídos tratavam a questão
ginalizadas do Brasil estão envolvidas em social como caso de polícia, reprimindo du-
um ciclo de violência e pobreza, um ciclo ramente as lutas por melhores condições
que para muitos acaba sendo mortal (...). A de vida. Do mesmo modo, durante a dita-
discriminação no Brasil tem muitas dimen- dura militar que governou o Brasil de 1964
sões, incluindo gênero, cor da pele, etnia, lo- a 1985, as reivindicações populares eram
cal de residência e status sócioeconômico. associadas a protestos políticos e tratadas
Uma das manifestações mais danosas é a com repressão, violência policial, até tortu-
identificação indiscriminada dos cidadãos ra e morte. Mesmo depois da Constituinte

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de 1988, que reconheceu e ampliou direitos pobreza apontam dificuldades e restrições dos homicídios no Brasil, edição de 2012 do
da população, inclusive de quilombolas de acesso a serviços básicos como mora- Mapa da Violência, pesquisa que acompanha
e povos indígenas, a violência contra os dia, emprego, saúde, educação, transporte, e analisa a evolução da violência no país des-
pobres continua a deixar suas marcas, no segurança, para ficar nestes aspectos que de 1998, consta que os homicídios de negros
campo e nas cidades, contra trabalhadores, constituem nosso dia a dia, a vida que vive- no país aumentaram 29,8% entre 2002 e 2010.
camponeses, indígenas, políticos, jornalis- mos num espaço determinado. É isso que
A violência do Estado contra as populações
tas e professores que participaram de ati- chamamos de violência estrutural contra
mais pobres se manifesta de diferentes
vidades e organizações para defender me- a pobreza – a precariedade de condições
maneiras e intensidades, como a violência
lhores condições de vida para a população. de moradia, com acesso restrito à água en- policial nas “invasões” de territórios que o
O regime democrático, com suas importan- canada, falta de esgotamento sanitário e próprio Estado abandonou ao domínio de
tes conquistas no campo dos direitos, não tratamento de resíduos sólidos, condições facções criminosas. As populações residen-
impediu que a violência contra os pobres ambientais degradadas em seu entorno. A tes, em geral pobres, sofrem duplamente no
se mantivesse ativa, diluída em suas justifi- essas condições se somam, em geral, situa- confronto e há muitas denúncias de crian-
cativas de ordem, mas concentrada contra ções de violência física e psicológica que, na ças, jovens e adultos que foram vítimas das
os mesmos grupos da população. Os defen- ausência de uma atuação do poder público trocas de tiros entre policiais e criminosos
sores dos direitos humanos2 e da paz, não para promoção da justiça e segurança públi- 1
em territórios pobres e favelas. Em outras,
raro, são também vítimas da violência que ca, assumem proporções ameaçadoras. a organização de milícias imprime o terror
combatem. Em territórios disputados pelas
em nome da ordem e retira daí rendimentos
armas, inocentes tornam-se alvos para os
econômicos e dividendos políticos. Há situ-
que estão em disputa. Violência e estado ações em que os conflitos territoriais, seja
É possível identificar diferentes formas de A linguagem da violência permeia a vida so- por terras cultiváveis, reservas indígenas ou
violência, aquelas explícitas, que atingem cial. O próprio Estado, a quem se atribui o habitação, são marcados por ações violen-
diretamente as pessoas em seu corpo e tas. A parte mais vulnerável da população,
monopólio da violência legítima, não raro, se
sua dignidade, e muitas outras menos evi- que sofre com a negação do acesso à terra
utiliza da violência ilegítima contra os mais
dentes, estruturais. É importante observar e à moradia, é multiplamente expropriada.
pobres. O relatório sobre a criminalização da
que todos os indicadores sociais sobre a
pobreza no Brasil chama a atenção para o Mas além da violência ilegítima do Estado,
2 Ver o tema dos direitos humanos, abordado no mês elevado número de jovens mortos pela ação negligente com os direitos humanos, há
de dezembro em nosso Caderno. Lá você vai encontrar da polícia. Segundo as entidades que elabo- uma violência que a própria sociedade to-
um histórico da classificação dos direitos em gerações
desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos
raram o estudo, os jovens negros têm sido lera e justifica. A naturalização da desigual-
Humanos pela ONU em 1948. os mais atingidos pela violência. Em A cor dade é um processo de violência simbólica

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que envolve, afeta e fratura a sociedade um juízo punitivo e lhes é negado o direito
brasileira. Chama-se de “naturalização da de defesa.
desigualdade” esse processo social que,
Um exemplo doloroso dessa naturalização
apesar de identificar e reconhecer a sepa-
pode ser visto na questão da posse da ter-
ração que nega a determinados grupos o
ra no Brasil. Há uma enorme concentração
exercício de seus direitos, aceita essa desi-
da propriedade rural nas mãos de poucos
gualdade como necessária e parte natural
proprietários que controlam grandes ex-
da vida em sociedade.
tensões de terra. Os impasses na implanta-
Assim, torna-se natural que nas favelas ção de uma reforma agrária que alcance os
não haja condições de saneamento ade- objetivos sociais previstos na Constituição
quadas, que o campo não tenha escolas, têm provocado a ação de diversas organiza-
que os negros sofram processos de exclu- ções dos trabalhadores do campo, incluin-
são. Há muitas interpretações sociológi- do manifestações como o fechamento de
cas e políticas para a “naturalização das estradas e invasão de propriedades que,
desigualdades” na sociedade brasileira, alegam, não são produtiva.
mas quaisquer que sejam essas explica-
ções, o processo produz dor e violência Nesses conflitos, tem sido comum a justifica-
nos grupos mais pobres, pois lhes retira tiva do uso da violência policial, mesmo em
até mesmo o direito à revolta e à reivindi- situações em que a reintegração de posse não
cação. A naturalização das desigualdades se traduz em retomar atividades produtivas
acaba até mesmo por justificar a violência que, em muitas dessas terras, jamais ocorre-
policial e também violências institucio- ram. A violência no campo acaba atingindo
nais contra os mais pobres. Sempre co- segmentos bastante pobres da população
locado como principal suspeito desde o brasileira. Ainda recentemente, houve casos
início, parte-se do pressuposto de que o de assassinatos de pessoas ligadas à luta pela
pobre é culpado pelo simples fato de viver terra, como o que ocorreu com a irmã Dorothy.
na pobreza, automaticamente associada Como tantos que apoiam a luta dos agriculto-
com criminalidade e indolência. A presun- res, a missionária recebeu diversas ameaças
ção de culpa arrasta os mais pobres para de morte e foi assassinada no Pará em 2005.
o lugar de condenados e merecedores de Os conflitos do campo não envolvem apenas a

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posse da terra, mas também o acesso à água, a meiros construtores, metalúrgicos, médicos, de indígenas no Brasil, sendo 36 naquele es-
criação de barragens, a derrubada de florestas carpinteiros, mas ainda hoje sua contribuição tado. Como anota o relatório da Pastoral da
para a criação de gado, entre outros motivos3. é ignorada ou diminuída frente à condição de Terra: “Estas 36 mortes, mesmo não estando
vítima. A vítima acaba responsabilizada pela ligadas diretamente a um conflito específico
violência que se abateu sobre ela. Não haverá por terra, na realidade são todas decorrência
Naturalização da desigualdade paz enquanto a violência do racismo buscar de um absurdo grande conflito por terra, pois
razões para oprimir os negros, reproduzindo as áreas em que viviam lhes foram confisca-
O discurso de naturalização da desigualdade
antigas formas de violação de direitos e crian- das em meados do século passado, e eles aca-
se apoia em processos históricos por meio
do novas. Não haverá paz enquanto não se re- baram confinados a pequenas áreas que não
dos quais são justificadas exclusões e pre-
conhecer todos os negros e negras com seus lhes dão as mínimas condições dignas de so-
conceitos. Alimentado pela escravidão, que
direitos plenos de cidadãos e, mais ainda, en- brevivência, o que os submete às mais severas
demorou a ser combatida em nosso país, o
quanto as culturas que praticam permanece- situações de violência imagináveis”4.
racismo fincou raízes, criou frutos, gerou há-
bitos. O racismo ainda procura justificar, aqui rem escondidas ou negadas, quer sua música, A cultura da violência cria um ambiente
e em outras partes do mundo, a violência que suas festas, suas formas estéticas de beleza, no qual se formam hábitos e costumes, no
se pratica contra parte da população negra. práticas religiosas e atos de fé. qual as palavras perdem seu valor diante
Exclusão e preconceito se articulam como
1
Do mesmo modo, os povos indígenas vivem da força e da intimidação, no qual o diálo-
uma cadeia de transmissão de valores. go já não tem hora nem vez. A violência é
situações de tensão e violência quando sua
A histórica exclusão dos negros dos direitos reivindicação por terra entra em conflito com muda e se impõe pela força e pelo silêncio.
mais básicos da cidadania, herança da escra- a sociedade não indígena. O assassinato de Ela emudece também os mais pobres, re-
vidão, oferece argumentos para que se con- indígenas é um fato de extrema violência, in- tirando seu direito à voz diante da nega-
tinue imputando a eles as marcas que foram clusive simbólica, que ainda nos assusta. A di- ção dos seus demais direitos. Ela cerceia
causadas pela condição em que viveram. A versidade e ancestralidade indígena acabam os canais de transmissão e reivindicação
participação da população negra na constru- sendo destruídas por argumentos de progres- das demandas não atendidas, reforçando
ção do país foi muito além do trabalho escra- so que, não raro, antecedem e justificam as os mecanismos de reprodução da pobreza.
vo. Os negros trazidos da África foram os pri- violências. Se em algumas regiões do Norte do Essa cultura atinge de modo cruel as crian-
Brasil as populações indígenas mantêm terri- ças, que sofrem duplamente: a violência
3 Conflitos no Campo – Brasil 2012 (Coordenação: Anto-
tórios protegidos, em outras regiões do país os lhes tira a alegria da infância e comprome-
nio Canuto, Cássia Regina da Silva Luz , Flávio
Lazzarin (Goiânia): CPT Nacional – Brasil, 2013. 188 conflitos são intensos, como em Mato Grosso te toda a vida com suas marcas permanen-
páginas, fotos e tabelas. Vários autores. Indexado na
Geodados – http://www.geodados.uem.br ISBN 978-85-
do Sul. Apenas em 2012 o Conselho Indigenis- 4 Veja mais sobre a questão indígena, no mês de abril de
7743-222-6. ta Missionário (Cimi) registrou 57 assassinatos nosso Caderno.

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tes. A violência se multiplica e parece con- conviver, a aceitar diferenças e a ser inclusi- evidente injustiça, como são as situações
tagiosa. Qualquer fato, qualquer diferença vos. Aprender a ser e aprender a conviver es- de pobreza. Mas enfrentar a desigualdade
pode ser motivo para que a linguagem da tão intrinsecamente relacionados. Não basta e combater a injustiça podem ser ações
violência expresse sua eloquência brutal. reconhecer as diferenças, é preciso respeitá não violentas.
É preciso, portanto, criar condições para -las. O caminho da palavra e do diálogo deve
Esse desafio tem sido vivido intensamen-
superar as muitas formas de violência que levar para além da violência e do desprezo,
te por muitas pessoas. Algumas se tornam
atingem as populações mais pobres. Supe- para a integração, a participação e o acolhi-
exemplos da prática de valores humanos
rar a pobreza é condição necessária para mento. Em todas as situações em que se dá
vencer a violência que hoje ameaça a so- o processo de educação, seja em escolas, co- que são referência para todos. Por suas atu-
ciedade como um todo. munidades, grupos, o importante é garantir ações, ficamos conhecendo possibilidades
que a palavra e o argumento sejam capazes e forças até então ignoradas: a resistência
de construir o ambiente de paz e cooperação. não violenta de Gandhi, a atuação de Mar-
A educação como resposta tin Luther King, o trabalho de Betinho e a
A Unesco desenvolve um projeto voltado luta de Chico Mendes.
A educação tem sido a resposta quando as para a promoção da paz nas escolas (Cul-
sociedades modernas pensam em práticas tura de Paz) a partir da iniciativa de lan- Superar a pobreza e construir a paz pode
capazes de gerar transformações sociais pro- çamento do Manifesto 2000, assinado por ser um lema para nossos tempos que co-
fundas e pacíficas. Pela educação, acredita- personalidades laureadas com o Prêmio meçam neste mês de janeiro, um lema
mos, vamos criar valores comuns, comparti- Nobel da Paz e depois aberto à adesão das para inspirar nossas ações e pensamen-
lhar métodos e práticas, admirar diferenças, pessoas em todo o mundo. As iniciativas tos, uma mensagem para levarmos adian-
promover o diálogo. A educação, portanto, dos programas de cultura de paz têm a in- te. Para atuarmos pela paz é preciso co-
deve promover e estimular a reflexão sobre tenção de criar nas escolas um ambiente nhecer o que a impede e os fatores que a
valores importantes, como a não violência, de diálogo que permita a resolução pacífi- tornam possível. É preciso também com-
o aprender a viver em comum. Para as esco- ca de conflitos. A vida em sociedade é re- preender, ouvir outras vozes, entre as mui-
las, o desafio de enfrentar as diversas formas pleta de conflitos e a questão decisiva para tas vozes reunidas nesta Maleta. E é preci-
de violência não deve se diluir na expressão a paz é aprendermos a lidar com os confli- so agir. Não vamos esperar a ação heroica,
“bullying”. Há uma violência entre grupos, tos sem adotar a linguagem da violência, que em um gesto transforma o mundo.
disputas de lideranças, processos grupais de saber ouvir, compreender, ser generoso e Isto não é ação, é mágica. E a mágica de
aproximação e isolamento, que não podem buscar o diálogo e a construção da solida- que necessitamos para criar a paz é aque-
ser ignorados nem criminalizados. São situ- riedade. Não é simples nem fácil, especial- la que praticamos diariamente, no diálogo
ações intensas em que se pode aprender a mente quando lidamos com situações de e na solidariedade.

18
Cultura de Paz Texto Do Manifesto 2000 Por Uma Cultura De Paz
E Não Violência:
Respeitar a vida e a diversidade, rejeitar a violên-
cia, ouvir o outro para compreendê-lo, preservar o “Reconhecendo a cota de responsabilidade de
planeta, redescobrir a solidariedade, buscar equi- cada um com o futuro da humanidade, especial-
líbrio nas relações de gênero e étnicas, fortalecer mente com as crianças de hoje e as das gerações
a democracia e os direitos humanos. Tudo isso faz futuras, cada indivíduo deve se comprometer – em
parte da Cultura de Paz e Convivência. É impor- sua vida diária, em sua família, no seu trabalho, na
tante ressaltar que a Cultura de Paz não significa sua comunidade, no seu país e na sua região, a:
a ausência de conflitos, mas sim a busca por solu-
• Respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa,
cioná-los pelo do diálogo, do entendimento e pelo
sem discriminação ou preconceito;
respeito à diferença.
• Praticar a não violência ativa, rejeitando a violên-
Os movimentos de Cultura de Paz propagam va-
cia sob todas as suas formas: física, sexual, psico-
lores humanistas, como o de que o “ser” é maior
lógica, econômica e social, em particular contra
do que o “ter”. Eles têm como fontes inspiradoras
os grupos mais desprovidos e vulneráveis como as
o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não-
crianças e os adolescentes;
violência, elaborado pelos ganhadores do prêmio
Nobel da Paz juntamente com as Nações Unidas e • Compartilhar o seu tempo e seus recursos mate- 1
a Unesco. Toda e qualquer ação cultural que seja riais em um espírito de generosidade visando ao
fundamentada em uma atitude de compreensão fim da exclusão, da injustiça e da opressão política
é, em si mesma, um exercício de aceitação da di- e econômica;
versidade cultural. Por isso, a disseminação dos
valores da Cultura de Paz é imprescindível para • Defender a liberdade de expressão e a diversida-
que a sociedade possa construir um novo paradig- de cultural, dando sempre preferência ao diálogo
ma de desenvolvimento. A Cultura de Paz é a alma e escuta no lugar do fanatismo, da difamação e da
do reencantamento do mundo, sem ela não have- rejeição ao outro;
rá mudanças substanciais, equilíbrio planetário e • Promover um comportamento de consumo que
mundos poeticamente habitáveis. seja responsável e práticas de desenvolvimento
TEXTO DO MANIFESTO 2000 POR UMA CULTURA DE que respeitem todas as formas de vida e preservem
PAZ E NÃO VIOLÊNCIA: o equilíbrio da natureza do planeta;

• Contribuir para o desenvolvimento de sua comu-


nidade, com a ampla participação da mulher e o
respeito pelos princípios democráticos, de modo a
construir novas formas de solidariedade.”

19
para saber mais
A seguir, algumas sugestões de livros, fil- até a sua morte, depois de se ter tornado o - Paz, como se faz – semeando cultura de
mes, documentários e entrevistas, onde líder espiritual da Índia, após a sua luta con- paz nas escolas. Diskin, Lia; Roizman, Lau-
podemos ver e ouvir as pessoas que lidam tra o domínio colonial britância e por uma ra Gorresio. Brasilia, Unesco, Fundação
mais diretamente com as condições de po- sociedade e cultura indiana integrada. Vale,  2008. http://www.unesco.org/new/
breza, que enfrentam e superam as pres- pt/brasilia/about-this-office/single-view/
Na internet
sões da violência. Podemos aprender com news/paz_como_se_faz_semeando_cultu-
Leia mais: http://www.cinemanasaladeau-
elas. ra_de_paz_nas_escolas_3ed/#.Uo-if2RxsVk
la.com/filmes-sobre-a-tematica-dos-direi-
Filmes tos-humanos/ - A criminalização da pobreza. Relatório
Aqui você encontra as sinopses de alguns sobre as causas econômicas, sociais e cul-
Crie seu site grátis: http://www.webnode.
filmes que fazem parte da filmografia sobre turais da tortura e de outras formas de
com.br
o tema deste mês e que vale a pena assistir. violência no Brasil. http://www.omct.org/
Vídeos do Futura files/2010/10/20938/addressing_the_crimi-
Cidade de Deus, direção de Fernando Mei-
Veja no caderno de textos a lista completa nalisation_of_poverty_brazil_por.pdf
relles e Kátia Lund, 2002. Sinopse: Adapado
dos vídeos, sinopses e tempo de duração,
do romance de Paulo Lins, mostra o cresci- - Mapa da Violência 2012 – A cor dos ho-
assim como sugestão de uso por tema/mês.
mento do crime organizado na Cidade de micídios no Brasil, de Julio Jacobo Waisel-
Deus (RJ) entre as décadas de 1960 e 1980. Documentos de referência fisz. http://www.mapadaviolencia.org.br/
- Discurso de Martin Luther King da Marcha pdf2012/mapa2012_cor.pdf
Notícias de uma guerra particular, docu-
sobre Washington (que completou 50 anos
mentário de João Moreira Salles, 1999. Si-
em agosto de 2013). http://www.youtube.
nopse: Depoimentos de pessoas ligadas ao
com/watch?v=-QT1IogxcZo
tráfico de drogas, moradores e policiais aju-
dam a traçar o cotidiano dos que vivem na - Trechos do discurso do prêmio Nobel da
favela Santa Marta (RJ). Paz de 2006, Muhammad Yunus. http://
www.permear.org.br/pastas/documentos/
Gandhi, filme de Richard Attenborough.
permacultor4/Banco-Grameen.pdf
1982. Sinopse: O filme conta a história de
Mohandas K. Gandhi, desde o início da sua - Manifesto 2.000 por uma cultura de paz,
carreira como advogado na África do Sul, Unesco. http://www.uel.br/prograd/trote/
protestando contra a discriminação racial, documentos/manifesto_unesco_2000.pdf

20
mobilizar
O Caderno do projeto “Por que Pobreza? Tipo de atividade: pesquisa e produção de Tipo de atividade: pesquisa e produção de
Refletir, Sentir e Mobilizar” quer colaborar campanha. imagem.
para que pessoas e grupos conheçam me-
Objetivo: levantar causas da violência con- Objetivo: registro de situações de superação.
lhor os muitos desafios da paz no Brasil,
tra jovens.
especialmente no contexto de condições 1ª etapa: as comunidades buscam a paz e
que produzem e reproduzem a pobreza. 1ª etapa: paz e violência são temas que afe- se mobilizam para viver em paz. Às vezes,
Conhecer não é suficiente: é preciso com- tam todas as pessoas. No texto apareceram para alcançar a paz é preciso “ir à luta”, lu-
preender, ouvir a voz daqueles que vivem alguns números e indicadores, como a vio- tar para que determinadas condições de
e convivem diretamente com a pobreza, lência contra os jovens, por exemplo. Pro- vida sejam alcançadas. Muitas comunida-
experimentam as situações descritas e cure em jornais, revistas, internet e junto a des se empenharam para conquistar pos-
analisadas. A compreensão é parte fun- autoridades como a violência contra a ju- tos de saúde, escolas, transporte público,
damental, pois implica diálogo, empatia, ventude tem ocorrido em sua comunidade, segurança e outros direitos. A sugestão é
mudança de pontos de vista, alargamento bairro e cidade. Pesquise como e porque ela fazer documentários, utilizando câmeras
da visão e generosidade. Conhecer, refle- acontece. fotográficas ou mesmo celulares, que recu-
tir, sentir e compreender possibilitam a perem histórias das comunidades e escolas
2ª etapa: faça um relatório apontando as 1
ação. Ação consciente, refletida, constru- sobre situações superadas, lutas e conquis-
principais causas.
tiva. Mobilização. tas como postos de saúde.
3ª etapa: crie uma campanha (jornal, rádio
O tema da paz e sua relação com a pobre- 2ª etapa: promova uma exibição desses do-
ou internet) para diminuir a violência na
za motiva diferentes formas de ação. cumentários na sua escola, bairro, ou região.
sua comunidade.

21
Tipo de atividade: produção de imagem Tipo de atividade: elaboração de campa-
nha.
Objetivo: busca da identidade
Objetivo: promover a paz.
1ª etapa: O prêmio Nobel da Paz, Muhammad
Yunus, comentou em seu discurso: “Acredito 1ª fase: exiba documentário De volta que
convictamente que podemos criar um mundo é um registro de 4 dias atípicos na vida de
livre de pobreza se todos acreditarmos em 4 presidiários do Rio de Janeiro durante o
conjunto. Num mundo livre de pobreza, o úni- período da saída temporária de Natal (veja
co lugar onde será possível ver pobreza será sinopse completa no caderno de textos).
nos museus. Quando as crianças em idade es-
2ª fase: promova um debate para discutir o
colar fizerem visitas aos museus da pobreza
que pode ser feito para alimentar a paz en-
ficarão escandalizadas com a miséria e a in-
tre os homens.
dignidade que alguns seres humanos tiveram
de sofrer. Culparão os seus antepassados por 3ª fase: planeje com os participantes uma
terem tolerado esta condição desumana que campanha para promover a paz que possa
durante tanto tempo existiu para tanta gen- ser veiculada pela internet, jornal, rádio, etc.
te”. Um museu é mais do que um lugar para
guardar o passado – um museu é também um
lugar onde as pessoas podem encontrar refe-
rências de sua história e de seu presente, ele-
mentos que dão identidade àquele grupo ou
comunidade. Se você concorda que a pobreza
deve ser superada e só lembrada em museus,
segue uma sugestão de atividade: O que você
poria hoje no museu para representar a po-
breza? Que tal desenhar, fotografar, inventar
esse museu e o que deveria estar nele?

2ª etapa: promova um debate sobre as ima-


gens produzidas.

22
1
fevereiro
CARNAVAL &
FESTAS POPULARES
“Que sobe lá para o poleiro/ esquece cá do galinheiro...”
Seu Doutor (Francisco Alves, carnaval de 1929)
fevereiro
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

2
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29

13 Dia Mundial do Rádio | 19 Dia do esportista | 26 Dia do comediante | 27 Dia do livro didático | Carnaval
Além do cotidiano O segundo mês do ano começa com a ex- fano, confrontos e disputas, homenagens
Rituais são sequências de ações ou eventos pectativa da festa: fevereiro é tradicional- e lembranças emergem e convivem nessas
especiais que se caracterizam pela forma e mente o mês do carnaval! Esta manifesta- ocasiões. Momentos de afirmação de iden-
repetição e têm valor simbólico para um grupo ção popular tem diferentes formas em todo tidades e de demonstração de diferenças,
social. Eles podem ser religiosos, profanos, de memória que recupera símbolos antigos
o país e está associada à alegria, às férias,
festivos, formais, informais, simples ou elabora-
ao verão, à liberdade. Para muitas pessoas, e os faz reviver no ambiente da festa, mo-
dos. São eventos extracotidianos que dotam de
significado e organizam a vida social. Desta for- o mês de fevereiro traz apenas essas asso- mentos de socialização, de ver e de ser visto
ma, estruturam as posições de certos grupos, ciações com o prazer e a diversão, mas nem na comunidade onde se vive. As festas con-
os valores morais e as visões de mundo de uma só de celebração é feita a festa. O carnaval tam e expressam a história, os conflitos e as
sociedade, contribuindo para sua continuidade dinâmicas sociais dos grupos e das regiões
– e, na verdade, todas as festas populares –
e para o aumento da coesão social. Ver: Rituais
acontece a partir de muito trabalho, muito onde acontecem, participando, assim, da
ontem e hoje, de Mariza Peirano. Rio de Janeiro,
editora Jorge Zahar, 2003. esforço e muita organização. formação de identidades sociais e da me-
mória coletiva. Por meio delas podemos
As festas populares trazem consigo histó- conhecer e compreender as pessoas, os
rias que ressaltam aspectos importantes grupos e as culturas das sociedades e dos
do Brasil. Ao mesmo tempo que produzem lugares onde se produzem.
a imagem de povo alegre, festeiro e amigo,
revelam também profundas desigualdades As festas populares desempenham múlti-
que afetam os grupos que, nesses dias, são plos papéis na sociedade, pois criam e re-
o centro das atenções. No mês de fevereiro, forçam laços sociais, enaltecendo os víncu-
aqui no nosso Caderno da Maleta “Por que los de pertencimento ao grupo, ao mesmo
Pobreza?”, vamos ter a oportunidade de tempo em que podem distinguir aquele
pensar as relações entre as festas popula- grupo específico no conjunto da socieda-
de. Identidade e diferença brincam nos jo-
res e a sociedade brasileira, em especial no
gos de integração que as festas motivam
que se refere à desigualdade e à pobreza.
e autorizam. Religiosas ou profanas, elas
As festas populares são rituais (Além do co- são momentos extraordinários, em que a
tidiano) que mobilizam a participação de supressão e a transgressão do cotidiano
diversos grupos da sociedade em ações que levam à reafirmação das regras, valores e
portam e representam significados para es- crenças dos grupos e da vida em sociedade.
ses grupos. Dimensões do sagrado e do pro- Desta forma, reforçam a experiência coleti-

26
va de cada participante que se reconhece
como integrante de uma família, religião
ou grupo.

Na maior parte das regiões do Brasil, as fes-


tas populares estão associadas à presença
da cultura negra – o som dos batuques e
a dança. No caso do carnaval, enquanto a
tradição portuguesa importou o Entrudo
da metrópole, os pardos e negros se diver-
tiam nas ruas a seu modo. A festa popular
negra comportava diferentes significados.
Em grande parte do país, os negros escra-
vizados pertenciam a distintos grupos, de
línguas e culturas diversas. Comentando as
festas dos negros na Bahia do século 19, o 2
historiador João José Reis observa que, “a
partir e em torno dela, muita coisa se tor-
nava possível: rituais de identidade étnica,
reunião solidária de escravos libertos, com-
petição e conflito entre os festeiros, en-
saios para levantes contra brancos”. Diante
destas festas, os senhores de escravos ado-
tavam posturas opostas: proibição total,
temendo as tramas da revolta; permissão
controlada, para dar uma folga no cotidia-
no de permanente violência da escravidão.
A urbanização crescente no país fortaleceu
as misturas das festas populares e a partici-
pação de diferentes segmentos sociais nos
mesmos espaços.
Carnaval nas ladeiras de Olinda

27
De gregos a cariocas Festas e suas manifestações Foi somente em meados da década de 1930
O carnaval se originou na Grécia em meados que se atribuiu a esse estilo musical a ca-
dos anos 600 a 520 a.C.. Nessa festa, os gregos O Brasil é rico em festas populares, tanto pela pacidade de representar o país, acima de
realizavam seus cultos em agradecimento aos fusão de datas católicas com festejos africa-
deuses pela fertilidade do solo e pela produção. classes e de grupos étnicos. Não foi de uma
nos e indígenas, quanto pelas culturas apor- hora para outra que o samba deixou de ser
Passou a ser uma comemoração adotada pela
Igreja Católica em 590 d.C.. Na Idade Média, pas- tadas com os migrantes que se tornaram bra- proibido para virar símbolo da identidade
sou a demarcar um período de festas cristãs sileiros. Em meio a essa grande diversidade, nacional. O antropólogo Hermano Vianna
regidas pelo ano lunar. O período era marcado escolhemos uma das maiores festas popula- estudou essa transformação e levantou
pelo “adeus à carne” ou do latim “carne vale”, res do país como fio condutor: o carnaval. algumas pistas importantes. O Brasil vivia
dando origem ao termo “carnaval”. Durante o
carnaval havia uma grande concentração de Hoje, o carnaval é um símbolo da alegria um momento de fortalecimento da centra-
festejos populares. Cada cidade brincava a seu brasileira, utilizado tanto para promover em lização política e carecia de símbolos capa-
modo, de acordo com seus costumes. O car-
nosso país as cidades onde a festa é mais zes de colaborar com o reconhecimento de
naval moderno, feito de desfiles e fantasias, é uma identidade nacional.
produto da sociedade vitoriana do século 19. A
famosa, como o Rio de Janeiro, São Paulo,
cidade de Paris foi o principal modelo exporta- Salvador, Recife, Olinda, como também para Naquele período se estabeleceram rela-
dor da festa carnavalesca para o mundo, inspi- apresentar ao exterior a imagem de um povo ções mais próximas entre os grupos po-
rando outras, como Nice, Nova Orleans, Toronto unido, alegre, democrático. A imagem de um pulares que participavam do samba e os
e Rio de Janeiro. Já o Rio de Janeiro criou e ex- país onde todos podem se divertir em condi- músicos e intelectuais da cultura erudita,
portou o estilo de fazer carnaval com desfiles
ções de igualdade. Mas isso é bem recente, mescla de gente oriunda das classes po-
de escolas de samba para outras cidades do
mundo, como São Paulo, Tóquio e Helsinque. pois no início do século 20, o samba, seus pulares da cidade e das famílias brancas
(Fonte Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/ músicos e compositores – em sua maioria ne- da elite carioca. A junção destes diferen-
Carnaval#cite_note-1) gros, moradores de bairros pobres e favelas tes grupos e a influência política nascida
da cidade do Rio de Janeiro – eram discrimi- deste encontro possibilitaram que o sam-
nados e impedidos de se reunir sem a autori- ba começasse a ser visto como manifes-
zação prévia da polícia. Donga, Pixinguinha, tação da cultura popular brasileira, uma
Tia Ciata e João da Baiana são alguns perso- unidade que se sobrepunha às diversida-
nagens desses primeiros tempos, quando o des. O início dos meios de comunicação de
samba estava associado à marginalidade, massa, como o rádio e posteriormente o
violência e pobreza. Algumas décadas se pas- cinema, contribuíram para a consolidação
saram até o samba ser aceito, e depois exal- dessa imagem do samba como expressão
tado, como tradição brasileira. nacional.

28
Do samba de fundo de quintal às escolas Apesar de o Brasil ser visto internacional- Carnaval de Oruro
de samba organizadas a partir da década mente como o “país do carnaval”, sabemos Oruro é uma cidade mineira localizada na parte
oeste da Bolívia, que realiza dez dias de festa
de 1930, muitos outros carnavais se forma- que esta festa teve início na Europa da An-
de carnaval desde os tempos coloniais, tendo
ram pelo país. Algumas cidades brasileiras, tiguidade (De gregos a cariocas) e sua ce- entrado para a lista de Patrimônio Imaterial
atualmente, recebem grande parte de seus lebração é compartilhada por diferentes da Humanidade da Unesco no ano de 2001.
turistas nesta época do ano, o que faz com povos ao redor do planeta. Há alguns exem- Trata-se de uma comunidade essencialmente
que a experiência de moradores e turistas plos de famosos carnavais celebrados em agrícola e indígena que se utiliza destes feste-
jos como um importante momento de coesão
em convívio na cidade seja mediada por outros países, como o de Veneza, na Itália; o
social e afirmação de sua identidade étnica. O
uma festa em que estão presentes diversas Mardi Gras, famoso na França e também no carnaval é bastante conhecido por suas fanta-
outras simbologias e ações práticas. sul dos Estados Unidos; o de Oruro, na Bo- sias e máscaras e pela procissão de cerca de 20
lívia (Carnaval de Oruro). A América Latina, horas dançadas por diversos grupos.
O carnaval ocorre no período do verão no
em especial, compartilha com o Brasil este
hemisfério Sul, época de muito calor, das
feriado anual, em que os trabalhadores têm
famosas chuvas de verão, das praias cheias
alguns dias de descanso e de festa, mas isso
de turistas nacionais e estrangeiros. É uma
não ocorre na maior parte dos calendários
época em que surgem muitas oportunidades 2
pelo mundo: na maioria dos países, para o
de trabalho para as populações mais pobres,
estranhamento dos brasileiros que vivem
trabalhos informais, frutos de esforços e em-
fora ou viajam nessa época do ano, a tem-
preendedorismo dessas pessoas. O carnaval
porada de carnaval é dia normal de traba-
tem também seu próprio “mundo do traba-
lho. Sem festa e sem descanso, acredite!
lho”, com a mobilização de milhares de pes-
soas, particularmente em cidades como Rio Quando se fala em carnaval, uma dimensão
e São Paulo, Salvador, Recife, Olinda, onde o importante a ser lembrada é a sua relação
desfile das escolas de samba já ganhou as com a religiosidade. A data do carnaval é
dimensões de uma atividade econômica de marcada a partir do calendário cristão: são
porte. Da formação de identidades à geração exatos 47 dias antes da celebração da Pás-
de trabalho e renda, o carnaval possibilita di- coa, que por sua vez, tem sua data definida
ferentes e ricas manifestações da vida social a partir de um complicado cálculo utilizado
e cultural brasileira, criando também inter- há séculos. Os historiadores divergem so-
pretações variadas sobre o que somos como bre o sentido da expressão “carnaval”, mas
sociedade e como cultura. concordam que a escolha da data segue a

29
tradição cristã: o carnaval ocorre nos dias Essa combinação de elementos sagrados e energias de revolta e insatisfação para, na
anteriores à Quarta-feira de cinzas, quan- profanos não é a única mistura que a festa verdade, contribuir com a manutenção da
do começa o período denominado de Qua- promove. As análises sobre o carnaval bra- desigualdade e da pobreza? Uma manifesta-
resma. Na tradição cristã, a Quaresma é o sileiro destacam a oposição que acontece ção cultural tão plural e diversa certamente
período de 40 dias que antecede a Páscoa. no comportamento dos grupos e indivídu- permite e pede análises mais amplas.
Durante a Quaresma, os cristãos adotam os, moralmente contidos na vida cotidiana
O carnaval já foi analisado como um modo
uma atitude de recolhimento e restrições, e desregrados nos dias de festa. A interpre-
de manter a ilusão de uma sociedade aber-
inclusive com a prática do jejum. Dizem, tação de que no carnaval os foliões expe-
ta: como são os pobres que se vestem de
então, que os dias que antecedem o início rimentam uma “inversão” de valores, em
nobres e oferecem uma festa opulenta a
da Quaresma são de “adeus à carne”. O car- que pobres se vestem de nobres, homens
todos, já se disse que este é um momento
naval moderno, a partir do século 19, está de mulheres, empregados de patrões foi
de desabafo frente às injustiças cotidianas
inspirado no carnaval de Paris e os france- apresentada na década de 1970 pelo an-
e, ao mesmo tempo, um modo de contri-
ses chamam a véspera da Quarta-feira de tropólogo brasileiro Roberto Da Matta. Em
buir para que nada mude. Como se os dias
cinzas de Terça-feira gorda (Mardi Gras), ou suas palavras, “a inversão carnavalesca
de festa e fantasia fossem uma válvula de
seja, um dia de exageros de vários tipos. brasileira situa-se como um princípio que
escape, dispersando a energia transforma-
suspende temporariamente a classifica-
No Brasil, a festa motivada pelo calendário dora dos mais pobres. Essas observações ig-
ção precisa das coisas, pessoas, gestos, ca-
cristão incorporou muitos elementos das noram que a força e a vitalidade das cama-
tegorias e grupos no espaço social, dando
culturas negras, cultivados pelas populações das pobres da população são empenhadas
margem para que tudo e todos possam es-
que foram escravizadas, mas não abandona- ao longo do ano em muitas outras lutas, a
tar deslocados. É precisamente por poder
ram seus valores e ritos. Assim, as religiões começar pela a da sobrevivência. Conde-
colocar tudo fora do lugar que o carnaval é
de matrizes africanas mantêm uma estreita nar a alegria do carnaval é excluir a alegria
frequentemente associado a ‘uma grande
ligação com a história do carnaval e ainda como um direito e uma dimensão essencial
ilusão’, ou ‘loucura’”.
hoje são grupos atuantes na organização e da vida. O fato de serem os grupos sociais
realização das festas, junto aos demais seg- A ideia da inversão temporária também nos pobres os que mais se envolvem no plane-
mentos sociais. O sincretismo, a devoção, leva a pensar que o conflito e a opressão jamento, preparação e realização da festa
a fé e os personagens religiosos são temas cotidianos são mascarados e fantasiados não significa perda de energia, mas forta-
frequentemente presentes nas narrativas momentaneamente, para que retornem à lecimento de identidades, estreitamento
apresentadas no carnaval brasileiro, espe- passividade e aceitação logo após a Quar- de laços comunitários e orgulho de serem
cialmente nas das músicas, mostrando que a ta-feira de cinzas. Mas seria, então, o carna- admirados por todos que acompanham e
festa pagã incorpora elementos do sagrado. val apenas um meio de descarregar essas valorizam a festa.

30
Em todos os lugares do Brasil, são os grupos cantilização, como produtos vendidos no Fogueiras de junho
mais pobres que estão vivamente mobiliza- mercado turístico. As festas juninas – outra Antigos cultos pagãos celebravam duas datas
dos nos preparativos e na distribuição da festividade importante do calendário popu- astronômicas marcantes: no hemisfério Nor-
alegria. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o lar brasileiro –, especialmente no Nordeste, te, o dia mais longo do ano ocorre em junho
carnaval é obra de comunidades da perife- se tornaram importantes roteiros turísticos (solstício de verão) e o dia mais curto do ano
em dezembro (solstício de inverno). As duas
ria das cidades, das favelas e regiões onde nacionais e internacionais.
datas motivavam festas e rituais, como as fo-
prevalece a pobreza. Em Pernambuco, o gueiras de junho que a Igreja católica buscava
Originárias de antigos cultos pagãos (Foguei-
maracatu rural traz a força das populações reprimir. A partir do Concílio de Trento (1545-
ras de junho), as festas juninas representam
do campo, igualmente pobres e destituídas 1563), ao invés de combater as fogueiras pagãs,
bem a tensão entre as dimensões populares elas passaram a ser utilizadas para simbolizar
de muitos de seus direitos. A relação entre
e oficiais na organização do tempo. Depois “fogos eclesiásticos”, sinônimo de purificação.
as festas populares e a pobreza expressa,
de um período aclimatada no mundo rural, a No Brasil, a vinda da Corte portuguesa, em
não são um conformismo diante da opres-
partir anos 1950, com o processo de urbani- 1808, fortaleceu as festas religiosas e pagãs. A
são, mas a escolha de um momento para co- presença da Coroa trouxe inovações, inclusive
zação do país, a quadrilha retorna ao cenário
memorar a vida comunitária, dividir o que na dança da quadrilha, que não se restringia
urbano, trazendo, com uma ótica cômica, o
se tem como expressão de força e genero- ao período junino. Foi após a proclamação da
universo do Jeca Tatu, dos caipiras. As qua- República que a dança da quadrilha abandona 2
sidade, demonstrar superioridade diante
drilhas juninas têm componentes inspira- as cidades para reaparecer no campo.
das apreensões cotidianas. Força e não fra-
dos em acontecimentos reais e cotidianos
queza, inteligência vital e não ignorância,
do mundo rural, como o casamento na roça.
potência do coletivo e não fracasso indivi-
Em muitos lugarejos, não havia padres ou
dual. Ainda temos muito que aprender com
cartórios, e os casamentos se faziam junto
os mistérios da alegria carnavalesca.
às fogueiras, num ritual presenciado e reco-
O mundo globalizado consome as festas po- nhecido pela comunidade. A comicidade que
pulares como destinos turísticos, mobilizan- a cena adquire nas festas juninas represen-
do recursos, imagens, infraestrutura e mão ta uma forma de superioridade com que o
de obra. As cidades disputam entre si o rótu- público urbano olha para o rural, percebido
lo de “o maior carnaval do mundo” e as fes- como atrasado, supersticioso e ingênuo. E,
tas populares passam por estágios bem mais talvez por essas mesmas características, fes-
complexos de financiamento, organização e tejado pelos grupos aos quais a vida urbana
participação. No Brasil, as festas populares, impôs a dureza da competição e exigiu saga-
e não só o carnaval, participam dessa mer- cidade para enfrentar as dificuldades.

31
Indústria do carnaval No mundo globalizado, as festas juninas Diversidade cultural
É este o nome dado ao conjunto de atividades oferecem oportunidade para que as cida-
para produção de fantasias, adereços, mate- O carnaval e as festas populares são tam-
des organizem suas tradições em busca
riais para os carros alegóricos. São, em sua bém modos de reelaborar as formas de
maioria, empregos informais para milhares de de um lugar no mercado turístico. Se no
carnaval são construídos sambódromos, convivência e sociabilidade entre os habi-
costureiras. Atividades que, segundo dados de
1997, movimentam anualmente cerca de R$ 13 em cidades do Nordeste antigas constru- tantes das comunidades envolvidas. Não
bilhões e geram mais de 300 mil empregos. Só ções são recuperadas para que se tornem são eventos momentâneos, mas produtos
as escolas de samba do grupo especial gastam palco das festas juninas. Ocorre que a de tradições culturais e dependem do es-
cerca de R$ 100 milhões em matérias-primas — forço coletivo para se realizarem – seja de
centralização do espaço da festa e do ca-
sem contar salários e serviços — para pôr seu núcleos de pessoas, grupos de parentesco,
enredo na avenida. lendário confronta tradições dos bairros
da cidade, que realizavam suas festas em amizade ou vizinhança, até organizações
dias alternados e distintos espaços. A co- especializadas, como as comunidades das
mercialização turística retira das comu- escolas de samba e do Boi-Bumbá. Assim,
nidades o protagonismo da organização um espaço comum de vida pode tornar-se
da festa e as mantém na condição de con- o centro de uma articulação comunitária.
sumidores. Ao mesmo tempo, os recursos Clubes sociais, escolas, a sede de uma paró-
de patrocínio e investimentos públicos quia, de um terreiro de Candomblé, as qua-
substituem as relações de cooperação dras das escolas de samba são exemplos
que mantinham a celebração. A comercia- destes espaços.
lização das tradições populares, neste e No caso do carnaval, para que os desfiles
em outros casos, torna-se oportunidade aconteçam, encantem turistas, mobilizem
de concentração de riqueza e poder nas indústrias e TVs, gerem renda e lucrativida-
mãos de grupos empresariais associados de, o trabalho das comunidades populares
ao poder político local. Ao ampliar a fes- que se organizam no entorno da escola de
ta e oferecê-la como atrativo turístico ou samba avança ao longo de todo o ano (In-
como benesse comercial e política, rom- dústria do carnaval). No carnaval do Rio,
pem-se relações comunitárias, formas de São Paulo e de outras cidades, a divisão
socialização e participação ativa. deste trabalho – entre a escolha do enredo,
pesquisa histórica, festas para disputa do
samba-enredo, preparação das fantasias,

32
adereços e carros alegóricos, ensaio da ba- uma dimensão importantíssima quando o Chico Science e manguebeat
teria etc. – requer o encontro de pessoas tema da diversidade é apresentado: a tra- Francisco de Assis França, mais conhecido
interessadas na construção da festa ano a dição do carnaval do campo. O maracatu como Chico Science (Olinda, 13 de março de
ano. O que assistimos pela TV é, assim, fru- rural ficou bastante conhecido em todo o 1966 — Recife, 2 de fevereiro de 1997) foi um
to de um longo trabalho que envolve um país a partir de Chico Science e da Nação cantor e compositor brasileiro, um dos princi-
pais colaboradores do movimento manguebeat
número enorme de pessoas durante o ano Zumbi (Chico Science e manguebeat) e as
em meados da década de 1990. Líder da banda
inteiro. E cada escolha feita, seja sobre a “nações”, como são chamados os grupos, se Chico Science & Nação Zumbi, deixou dois dis-
história a ser contada no desfile, seja sobre reúnem durante o carnaval em uma grande cos gravados: Da Lama ao Caos e Afrociberde-
o orçamento necessário para contá-la, de- festa na cidade de Nazaré da Mata. De volta lia, tendo sua carreira precocemente encerrada
pende de negociações com diversos outros à cidade, o carnaval em Recife atrai muitos por um acidente de carro numa das vias que
grupos. A complexidade de tomar o carna- turistas que também desejam conhecer ligam Olinda e Recife. Seus dois álbuns foram
incluídos na lista dos 100 melhores discos
val como tema vai aos poucos se tornando Olinda, com sua tradição de blocos de rua
da música brasileira da revista Rolling Stone,
evidente: não há apenas os que trabalham e bonecos gigantes – os Mamulengos –, que elaborada a partir de uma votação com 60
pela festa e os que se divertem. É possível percorrem as ladeiras cantando músicas e, jornalistas, produtores e estudiosos de música
destacar diferentes sentidos nas festas car- por meio delas, contando suas histórias. brasileira. Em outubro de 2008, a revista Rolling
navalescas, quer como válvula de escape Stone promoveu a Lista dos Cem Maiores Artis- 2
A cidade de Salvador, quando o assunto é tas da Música Brasileira, cujo resultado colocou
frente à insatisfação da pobreza, expressão
carnaval, pede para ser reconhecida como Chico Science em 16ª lugar.
pura e simples de uma alegria vital, celebra-
o melhor carnaval do Brasil! E a diversida-
ção de vínculos comunitários. Fonte Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/
de de manifestações culturais reunida nos Chico_Science
Como apontamos anteriormente, Recife dias de festa representa bem os habitantes
e Olinda, em Pernambuco, e Salvador, na da região e justifica o título. Os circuitos ur-
Bahia, são outras cidades famosas pelas banos de passagem dos trios elétricos e os
festas de carnaval que realizam. A de Recife, desfiles dos grupos afros e afoxés agrupam
chamada de Carnaval Multicultural, apre- os foliões do país inteiro, interessados em
senta grupos bastante diversos – do frevo festejar, se divertir e também compartilhar
à música eletrônica, do Galo da Madruga- identidades culturais e tradições, tornando
da ao samba. O carnaval de Recife parece a festa um espaço de reafirmação de valo-
aproximar as diferentes linguagens inte- res, crenças e patrimônios. Dali surgiram
ressadas em fazer, cada uma a seu modo, os carnavais fora de época, as chamadas
uma festa popular. Pernambuco traz ainda “micaretas”, e grupos percussivos como

33
Olodum e Timbalada, o que nos ajuda a en- Nas cidades em que o carnaval traz desfiles
Conexão compartilhada
xergar um ponto de partida para pensar a de escolas de samba, os ricos e exuberan-
O sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) diversidade cultural que o Brasil é capaz de tes camarotes contrastam com a pobreza
chamou de “efervescência coletiva” o mo- apresentar. dos grupos que ficam pendurados nos mu-
mento no qual as pessoas compartilham
ros para ver a festa passar. Chico Buarque
um sentimento, uma conexão ou um esta- Em sua complexidade, o carnaval nos
do emocional. Esta noção tem sua origem tematizou essa distância em uma de suas
mostra muitos aspectos da sociedade bra-
nos seus estudos sobre os fenômenos canções (Quem te viu, quem te vê). Parti-
sileira. Se, por um lado, é um momento de
religiosos, que provocariam essa comoção cipar do carnaval e divertir-se com ele não
coletiva nas pessoas. Alguns estudiosos “efervescência coletiva” (Conexão com-
nos exime do senso crítico e da capacidade
identificam nas festas populares, momen- partilhada), quando diversos segmentos de identificar questões que, ao serem repe-
tos de efervescência coletiva. sociais festejam juntos, por outro, ele nos tidas todos os anos, contribuem para a ma-
revela a dura marca da desigualdade que nutenção da desigualdade. É justamente
se mantém no país. reconhecendo os problemas que somos ca-
Quem te viu, quem te vê
Além do árduo trabalho na montagem pazes de agir para mudar nossa condição.
Assista no http://www.youtube.com/wat-
da festa, que já mencionamos, há outra Garantir a diversidade cultural traz como
ch?v=GxkNXKS-IZQ
questão importante que está presente consequência a aproximação de experiên-
nas diferentes celebrações no país: a mar- cias e formas de estar no mundo, que, quan-
cada divisão entre pobres e ricos. Muitas do postas em diálogo, contribuem para a
vezes podemos identificar lugares privi- inclusão e participação de todos. A Unes-
legiados destinados à participação das co - Organização das Nações Unidas para a
elites, enquanto aos mais pobres são re- Cultura e a Educação – publicou em 2002 a
servados outros espaços. “Pular carnaval” Declaração Universal sobre a Diversidade
dentro ou fora da “corda”, como no carna- Cultural, que diz, em seu primeiro artigo: “A
val de Salvador, indica que a divisão dos cultura adquire formas diversas através do
espaços, apesar da suposta subversão tempo e do espaço. Essa diversidade se ma-
das regras nesse período, ainda aparece nifesta na originalidade e na pluralidade de
como meio de distinção entre os que têm identidades que caracterizam os grupos e
a possibilidade de escolher e os que não as sociedades que compõem a humanida-
têm, seja durante o carnaval, seja ao lon- de. Fonte de intercâmbios, de inovação e de
go do resto do ano. criatividade, a diversidade cultural é, para o

34
gênero humano, tão necessária como a di-
versidade biológica para a natureza. Nesse
sentido, constitui o patrimônio comum da
humanidade e deve ser reconhecida e con-
solidada em beneficio das gerações pre-
sentes e futuras”1.

A diversidade das festas (Folguedos dos


bois e outras festas) não significa que a de-
sigualdade social esteja justificada. Diver-
sidade e desigualdade têm andado juntas
no Brasil e é exatamente este ciclo perver-
so que precisa ser rompido e superado. Re-
conhecer a força criativa, a generosidade
e o vigor das festas populares é também
abrir os olhos para uma riqueza oculta sob 2
as condições de pobreza a que está subme-
tida boa parte dos que fazem dessas festas
um momento de afirmação de sua dignida-
de e de sua capacidade de ensaiar um ou-
tro mundo mais justo e alegre. Folguedos dos bois e outras festas

Um modo de reconhecer a diversidade cultural brasileira pode ser jus-


tamente através das diferentes festas populares realizadas no país. Os
Folguedos dos bois – “boi-bumbá”, no Amazonas e no Pará ; “bumba meu
boi”, no Maranhão; “boi calemba”, no Rio Grande do Norte; “cavalo-ma-
rinho”, na Paraíba ; “bumba de reis” ou “reis de boi”, no Espírito Santo;
“boi pintadinho”, no Rio de Janeiro; “boi de mamão”, em Santa Catarina
– a Folia de Reis; a Festa de São João, no Nordeste; o Círio de Nazaré, no
Pará; a Festa do Divino, a Festa de Yemanjá, o Maracatu, a Oktoberfest,
as festas de colonos no sul e muitas outras, são a prova desta grande
1 Para acessar o texto completo da Declaração Univer-
sal da Diversidade Cultural http://unesdoc.unesco.org/ variedade de tradições e influências que caracterizam o Brasil.
images/0012/001271/127160por.pdf

35
para saber mais
Filmes Vídeos do Futura “As mediações culturais da festa à brasi-
Aqui você encontra as sinopses de alguns Veja no caderno de textos a lista comple- leira”, artigo de Rita Amaral. In: TAE- Traba-
filmes que fazem parte da filmografia so- ta dos vídeos, sinopses e tempo de du- lhos de Antropologia e Etnologia - Revista
bre o tema deste mês e que vale a pena ração, assim como sugestão de uso por Inter e Intradisciplinar de Ciências So-
assistir. tema/mês. ciais. Sociedade Portuguesa de Antropo-
logia, Porto, v. 40, n. 1/2, 2000.
Carnaval, bexiga, funk e sombrinha, de Livros
Marcos Vinicius Faustini, 2006. Sinopse: O mistério do samba, de Hermano Vianna, Páginas na internet
Rodado durante o carnaval de 2005, apre- editora UFRJ, 1995. Pimpolhos da Grande Rio. Promove ações
senta o desconhecido universo dos mais educativas e culturais para mais de 3.000
A morte é uma festa – Ritos fúnebres e re-
de 70 grupos de “Clóvis” ou “bate-bolas” famílias do município de Duque de Caxias
volta popular no Brasil do século XIX, de
existentes na Zona Oeste carioca. e do Rio de Janeiro, como desfiles de car-
João José Reis, Companhia das Letras, 2002.
naval mirim e oficinas lúdico pedagógi-
Orfeu negro, de Marcel Camus, 1959. Si-
Carnaval, malandros e heróis. Roberto Da cas. http://pimpolhos.org.br
nopse: A partir da peça teatral Orfeu da
Matta, Zahar Editores, 1978.
Conceição, de Vinicius de Moraes, parte Museu do Mamulengo.
do mito de Orfeu e Eurídice para contar O Brasil não é para principiantes – Carna-
http://www.overmundo.com.br/guia/mu-
uma história que acontece numa favela vais, malandros e heróis 20 anos depois.
seu-do-mamulengo-espaco-tirida
do Rio de Janeiro durante o carnaval. Organizado por Laura Graziela Gomes,
Lívia Barbosa e José Augusto Drummond, Documentos de referência
Séries
editora FGV, 2000. Declaração Universal da Diversidade Cul-
Filhos do carnaval, de Cao Hamburguer,
tural, Unesco, 2002. http://unesdoc.unesco.
2006. Sinopse: Exibida pelo canal de tele- “As grandes festas”, artigo de Maria Laura
org/images/0012/001271/127160por.pdf
visão HBO, a série retrata o cotidiano dos Cavalcanti, in: Um olhar sobre a cultura
bicheiros cariocas e como usam o carna- brasileira, organizado por M. Souza e F.
val para lavar dinheiro. Weffort, Funarte/Ministério da Cultura,
pp. 293-311,1998.

“Festa e cidade: entrelaçamentos e proxi-


midades”, artigo de Amélia Cristina Alvez
Bezerra, revista Espaço e Cultura/Uerj, n.
23, p. 7-18, jan/jun 2008.

36
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: pesquisa tência e reprodução da própria vida, a
des complementares, individuais ou cole- diversidade biológica e a diversidade
Objetivo: mapear a influencia do Carna-
tivas, associadas às questões apresenta- cultural. Debate: como o seu grupo na
val na sua localidade.
das ao longo dos textos e vídeos. A ideia escola ou na comunidade apresentaria
é que seja útil para sua prática e para mo- 1ª etapa: pesquise com seu grupo como é sua diversidade cultural para outros
bilizar e exercitar o pensamento crítico. o carnaval da sua região. Veja se tem in- grupos da cidade?
fluência de religiões de matizes africanas
2ª etapa: elabore uma apresentação na
como em muitas outras festas pelo país:
qual a diversidade cultural da região seja
Tipo de atividade: pesquisa e imagem. em Salvador, o Bankoma e o Afoxé Filhos
mostrada pela da dança, música e outras
de Gandi; em Recife a Noite dos Tambo-
Objetivo: mapear festas populares. expressões artísticas.
res Silenciosos e suas nações de maraca-
1ª etapa: proponha aos participantes que tu. Pergunte aos moradores o que muda
se dividam em grupo e elaborem um ques- quando chega o carnaval e de que forma
Tipo de atividade: pesquisa da cultura oral
tionário para pesquisa. As perguntas nor- afeta sua vida.
teadoras são: como são as festas popula- Objetivo: pesquisar a cultura local para 2
2ª etapa: Junte as informações e faça um pe-
res em seu bairro, sua escola, sua cidade? as próximas gerações.
queno caderno com as histórias colhidas.
Pode-se notar nessas festas a separação
1ª fase: após assistir – “Vou te Contar”
entre pobres e ricos, no trabalho de pre-
Causos Maranhenses – com seus alunos,
paração e nos dias dos festejos? Peça para
Tipo de atividade: apresentação. parceiros ou comunidade, proponha uma
fotografarem os grupos entrevistados.
pesquisa junto aos moradores mais anti-
Objetivo: divulgar a diversidade cultural
2ª etapa: pense junto com o grupo qual a gos para recolher “causos” locais.
da região.
melhor maneira de divulgar os resultados
2ª fase: junte os causos e proponha que
da pesquisa juntando texto e imagem. 1ª etapa: a Declaração Universal da Di-
sejam ilustrados com a foto de quem con-
versidade Cultural da Unesco chama a
tou o causo.
atenção para a valorização da diversi-
dade cultural, comparando sua impor- 3ª fase: monte um livro e procure junto à
tância à própria diversidade biológica. sua escola ou comunidade uma forma de
Repare que a palavra diversidade ganha imprimir e distribuir para outras escolas
a força de uma condição para a exis- e regiões.

37
março

MULHERES
Ninguém nasce mulher; torna-se mulher.
Simone de Beauvoir
março
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

3
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

08 Dia da mulher | 10 Dia do telefone | 20 Dia Universal da felicidade | 22 Dia Mundial da água | 27 Dia do circo
Data marca luta pelos direitos das mulheres O Caderno “Por que pobreza? Refletir, Sentir
A data de 8 de março foi escolhida para comemorar o Dia Internacional da Mulher por diferentes e Mobilizar” dedica o mês de março a um
motivos. Um deles foi a morte de 146 costureiras em uma fábrica em Nova Iorque, a partir de um tema fundamental para a compreensão,
incêndio em seu local de trabalho, em 1911. Esse fato, que segundo historiadores ocorreu em 25 de enfrentamento e superação da pobreza: os
março, associou-se à data porque, já desde fins do século 19, no mês de março, mulheres organiza- direitos das mulheres e a luta das mulheres
vam manifestações reivindicando melhores condições de trabalho. pela garantia de seus direitos. O movimento
Trabalhadoras de diversos países eram obrigadas a suportar duras jornadas de 15 horas nas fábricas, das mulheres se fortaleceu no mundo oci-
além de assistirem à violência do trabalho infantil, bastante comum naquele período. Alguns anos dental no século 19, atravessou o século 20
antes do incêndio, o primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado nos Estados Unidos, em 1908, e permanece vivo com grandes conquistas e
quando as mulheres se mobilizaram pela igualdade econômica e política. Se as atuais pesquisas nos
grandes desafios. O Dia Internacional da Mu-
mostram que as mulheres ainda hoje têm rendimentos inferiores aos homens, não é difícil supor as
precárias condições do início do século 20. Sabemos também que as mulheres não eram considera-
lher é celebrado em 8 de março (Data marca
das cidadãs e, portanto, não podiam votar, situação que nos dias de hoje nos parece sem sentido, luta pelos direitos das mulheres) e a origem
mas ainda ocorre em alguns países. desta data traz histórias que nos ajudam a
pensar nas mudanças da condição da mu-
Diante das várias manifestações do início do século, especialmente na Europa e nos Estados Unidos,
a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada na Dinamarca em 1910, decidiu lher ao longo das décadas. A partir do tema
sobre a criação de uma data anual que marcasse a luta pelos direitos das mulheres. Em 1917, ano dos direitos da mulher, vamos buscar com-
da Revolução Russa, um grupo de operárias realizou uma grande manifestação de cerca de 100 mil preender questões centrais sobre a pobreza,
mulheres contra o Czar Nicolau II. Tudo indica que a data desta manifestação tenha dado origem desigualdade e diversidade.
ao 8 de março. No entanto, apesar das lutas femininas ao redor do mundo, somente décadas depois
a data passou a ser celebrada: em 1977, ou seja, 60 anos depois, as Nações Unidas reconheceram A data de 8 de março tem funcionado como
oficialmente o dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher. um dia para lembrar as conquistas, avaliar
os desafios, fortalecer a união e reafirmar as
pautas ainda não alcançadas. Uma das im-
portantes conquistas do movimento de mu-
lheres de todo o mundo encontra expressão
na campanha desenvolvida pelas Nações
Unidas em torno dos oito Objetivos do Milê-
nio (ver na Introdução do Caderno). Aprova-
dos no ano 2.000 para serem alcançados até
2015, os Objetivos do Milênio (Declaração do
Milênio) foram adotados pela maioria dos

40
países do mundo, que acompanham seus a) um novo conjunto de objetivos interna- Declaração do Milênio
resultados ano a ano e, assim, podem medir cionais deve se comprometer a eliminar a “A adoção da Declaração do Milênio, em 2000,
como está sendo enfrentada e superada a violência contra as meninas e as mulheres; por 189 Estados Membros das Nações Uni-
pobreza em cada um desses países. das, 147 dos quais estavam representados
b) homens e mulheres devem ter igualdade pelos seus chefes de Estado, foi um momento
Ao estabelecer os Objetivos do Milênio, a de oportunidades, recursos e responsabili- decisivo para a cooperação internacional no
questão do direito das mulheres ganhou dades; século 21”, diz o relatório nacional de acompa-
grande impulso, pois, além de ser uma meta nhamento dos Objetivos de Desenvolvimento
c) as mulheres devem ter condições para do Milênio, publicado em 2010. http://www.
específica – é o terceiro item do documento
participar em pé de igualdade em todos os slideshare.net/Hele_nice/relatrio-nacional-dos
–, as demais metas também podem oferecer
âmbitos da vida, na vida doméstica, nos ne- -objetivos-e-desenvolvimento-do-milnio-2010
informações sobre a condição das meninas
gócios, na política e na administração.
e das mulheres em cada país. No caso do Dentre os oito objetivos apresentados (ver
Para tratar dos direitos das mulheres, um Introdução do Caderno de Atividades), o
Brasil, foi desenvolvida uma plataforma de
terceiro trata especificamente da questão das
informações que permite acompanhar os ob- tema de grande importância é a questão da
mulheres. Recomenda: “Promover a igualdade
jetivos do Milênio em cada município1. Os ob- pobreza. O Brasil tem avançado bastante entre os sexos e o empoderameno das mulhe-
jetivos do Milênio foram compromissos as- na superação da pobreza e da miséria, fato res”. Segundo o documento, as disparidades de 3
sumidos para serem cumpridos até 2015, ano reconhecido em todo o mundo. Muitos paí- gênero em todos os níveis de ensino deverão
que já está bem próximo. As Nações Unidas ses, aliás, têm vindo aqui para estudar como ser eliminadas, o mais tardar, até 2015.
têm promovido uma ampla consulta mun- o país avançou no enfrentamento desse
dial sobre quais devem ser os novos objeti- problema. No entanto, apesar dos muitos
vos globais após a conclusão do prazo inicial avanços, a pobreza e a miséria ainda persis-
estabelecido. As mulheres, por meio de seus tem e, em 2012, as mulheres eram 51,3% dos Presença feminina entre os pobres

movimentos, já apresentaram propostas. 16,7 milhões de pessoas pobres no Brasil Segundo estudo publicado em 2013 pela Fuda-
(Presença feminina entre os pobres). ção Perseu Abramo, a redução da pobreza no
O debate sobre a questão dos direitos da Brasil não diminuiu a proporção de mulheres
mulher no pós-2015 leva em conta como os entre a população pobre. Veja a tabela:
Objetivos do Milênio têm sido alcançados e Mulheres: desafios e conquistas Gênero 2002 2012
identifica desafios urgentes. Três áreas são
apontadas como de maior relevância: São muitas as razões pelas quais as mulhe- Masculino 19.310.838 8.035.106
res acabam por sofrer de forma mais vio-
Feminino 19.955.745 8.678.840
lenta as condições de pobreza e miséria.
1 Veja o portal Acompanhamento Municipal dos Objeti-
vos do Milênio: http://www.portalodm.com.br/ Tradicionalmente, inclusive no Brasil, às

41
mulheres foi reservado o espaço doméstico,
Afazeres domésticos
o mundo privado, enquanto os homens são
A conciliação entre vida produtiva, vida familiar e atividades pessoais é um tema importante na estimulados a conquistar o mundo público,
agenda do trabalho decente. O número de horas semanais dedicadas aos afazeres domésticos é o mundo da rua, do trabalho, da política e
um dado significativo para avaliar aspectos da vida familiar. Assim, para o grupo de 10 a 15 anos
dos negócios. As importantes conquistas
de idade, que concilia estudos com vida familiar e pessoal, 40,1% dos meninos e 71,3% das meni-
nas declararam cuidar de afazeres domésticos, sendo que o número de horas dedicadas a esta que as mulheres alcançaram a partir da me-
atividade também é superior para as meninas (em média, 13,3 horas semanais, contra 8,3 horas tade do século 20 levaram a que ocupassem
semanais para os meninos). Para o grupo de 18 a 24 anos, aumenta a proporção de mulheres um crescente número de atividades fora de
que realizam afazeres domésticos, atingindo 82,4% delas, que dedicam, em média, 21,2 horas casa, nos estudos, no mundo profissional,
semanais. Na mesma faixa etária, para as mulheres ocupadas, ou seja, que precisam conciliar na política, nos esportes e nas artes. No
o tempo dedicado ao trabalho, à família e aos cuidados pessoais, a proporção que cuidava de
entanto, esse movimento de conquista de
afazeres domésticos praticamente não se altera (79,9%), mas percebe-se que o tempo médio
dedicado aos afazeres domésticos diminui para 17,1 horas. Pesquisa Nacional por Amostra de espaços no mundo público não reduziu na
Domicílios - PNAD 2011-IBGE, p. 40, tabelas 1.21 e 1.22. prática as responsabilidades que lhes são
atribuídas na vida doméstica. É o que se
Percebe-se, assim, que o trabalho doméstico é uma atividade predominantemente feminina. A
jornada média semanal das mulheres nessas atividades é 2,5 vezes maior que a masculina. Em convencionou chamar de “dupla jornada de
2011, as mulheres dedicavam, em média, 27,7 horas semanais a afazeres domésticos, enquanto trabalho feminino”. Assim, as mulheres pre-
os homens destinavam somente 11,2 horas de seu tempo para tais atividades. Estes indicadores cisam dar conta dos cuidados com a famí-
mostram que a desigualdade de gênero se manifesta não somente por meio dos rendimentos, lia, com a casa, eventualmente cuidar das
mas também com relação à distribuição do tempo, visto que a jornada total das mulheres ocu- pessoas doentes da família ou vizinhança
padas excede a jornada masculina em quase seis horas.
e também responder por suas atividades
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2011-IBGE, p. 142.
de estudo e de trabalho (Afazeres domésti-
cos). Há mulheres que vivem a tripla jorna-
da: trabalham, estudam e ainda cuidam da
casa, do marido e filhos.

Outro fator que impõe restrições às mulhe-


res é que, em geral, cabe a elas a guarda e o
cuidado dos filhos quando o casal se separa,
fato que tem se tornado cada vez mais fre-
quente nas sociedades modernas. No Brasil,
16,4% dos arranjos familiares, residentes em

42
domicílios particulares, são monoparentais dimensão social (gênero) da dimensão bio- Voto feminino
femininos. Isso quer dizer: de todas as famí- lógica (sexo) entre homens e mulheres. A Ao longo do século 19, em muitos países, as mulhe-
lias brasileiras, 16,4% são mulheres sozinhas, dimensão social nos mostra que os papéis res se organizaram para lutar pelo direito ao voto,
que cuidam de seus filhos. E, do conjunto de de homem e de mulher são socialmente conquistado inicialmente na Nova Zelândia (1892).
No entanto, foi apenas no século 20, após a Primeira
arranjos familiares monoparentais, 88,7% construídos. Como afirmou a escritora e
Grande Guerra (1914-1918), que progressivamente os
são chefiados por mulheres. filósofa francesa Simone de Beauvoir, “nin- países europeus adotaram em sua legislação o direi-
guém nasce mulher; torna-se mulher”. Os to ao voto feminino. No Brasil, as sufragistas – como
A desigualdade, desse modo, atinge mais ficaram conhecidas as mulheres que reivindicaram
estudos de gênero e o feminismo abordam
fortemente as mulheres, em diversas di- o direito ao voto – ganharam força nas décadas
a questão a partir das relações sociais, ob-
mensões. É importante lembrar aqui que a de 1920 e 1930, conquistando em 1932 a previsão
servando, analisando e criticando o siste- constitucional do voto estendido às mulheres. Votar
questão de igualdade e diferença deve ser ma de relações de poder ligado à masculi- e ser votada passou a ser um direito exercido sem
levada em conta quando refletimos sobre nidade. Isso significa que, deste ponto de distinção de sexo. Como importante fato histórico,
as relações sociais entre homens e mulhe- vista, as sociedades teriam construído pa- o Rio Grande do Norte foi o estado pioneiro no
res. Como sabemos, nenhum de nós é igual reconhecimento deste direito: já em 1927, a primeira
drões culturais que valorizam as atividades
mulher brasileira conquistou o direito de votar na
a outra pessoa, nem nunca houve ou have- masculinas em detrimento das femininas, cidade de Mossoró/RN, por de lei estadual.
rá duas pessoas iguais. Portanto, a igual- resultando em atitudes discriminatórias e 3
dade é uma construção da sociedade, um Nomes importantes na luta pelo direito ao voto no
pressupostos estereotipados. Reivindica- Brasil são os de Bertha Lutz, que criou a Liga pela
ideal que buscamos alcançar, exatamente se, então, igualdade de oportunidades e Emancipação Feminina, e de Jerônima Mesquita, que
porque somos todos muito diferentes, mas igualdade de tratamento. fundou o Movimento Bandeirante do Brasil, ambos
comungamos da mesma dignidade, da mes- em 1919. No entanto, embora tenha sido o primeiro
ma condição humana. Algumas diferenças Ao longo da história das sociedades ociden- país latino-americano a conceder o direito de voto
tais, pode-se ver como a diferença gerou de- às mulheres, o Brasil é um dos últimos do continente
se tornam modos de organizar o funciona- em representação feminina no poder legislativo.
mento da sociedade, com o estabelecimen- sigualdades. Um bom exemplo é o da luta
Apenas 9,6% dos assentos no Congresso Nacional
das mulheres pelo direito ao voto (Voto fe-
to de hierarquias. Essas desigualdades são são ocupados por mulheres, um número muito
minino). As lutas pelo voto e por melhores abaixo da vizinha Argentina, que apresenta 40% de
tidas como naturais. É o caso da diferença
condições de trabalho e remuneração for- mulheres parlamentares.
entre homens e mulheres, que se tornou
taleceram os movimentos feministas, que No poder executivo, apesar de ter eleito sua primeira
desigualdade.
questionaram também a submissão das mulher presidente em 2010, o Brasil aparece na 26ª
Para pensar essa diferença, utiliza-se o mulheres aos homens em outros âmbitos posição no ranking de participação política feminina,
conceito de gênero. Gênero é um conceito, da vida, inclusive na vida privada, na educa- com apenas dez ministérios, do total de 37, nas mãos
de mulheres. A Noruega, primeiro lugar nesta lista, con-
criado na década de 1960, para distinguir a ção dos filhos e na vida sexual. ta com dez mulheres à frente de seus 19 ministérios.

43
Escolaridade maior A submissão atribuída às mulheres pelos as proporções se equilibram e após os 40
“Em 2011, 61% das mulheres de 18 a 24 anos de homens está relacionada com o papel femi- anos a porcentagem de mulheres na popu-
idade tinham ensino médio completo ou mais, nino na esfera doméstica, com as responsa- lação supera à de homens. A escolaridade
enquanto esse indicador era de 48% para os bilidades com os filhos, a família e a casa, das mulheres (Escolaridade maior) também
homens. A maior escolaridade feminina é um enquanto aos homens parece “naturalmen- é superior a dos homens em todos os níveis
resultado encontrado na maioria dos países da te” destinada a esfera pública. O fato de a educacionais, do ensino fundamental ao
OCDE (Organização para a Cooperação e Desen-
mulher engravidar, ser mãe, amamentar é superior, até os 59 anos. Só na faixa acima
volvimento Econômico) e o caso brasileiro não
foge à regra. Entretanto, importantes diferen- frequentemente utilizado como argumen- dos 60 anos, os homens têm mais estudos.
ças entre as mulheres devem ser ressaltadas. to para sugerir que as atribuições “naturais” Mas apesar de, no geral, a renda no Brasil
O hiato dessa proporção entre homens e mu- das mulheres são mais relacionadas à vida ter aumentado, a renda das mulheres ainda
lheres (13 pontos percentuais) é menor do que doméstica e que elas têm uma “fragilidade é inferior à dos homens: em 2012, a remune-
aquele encontrado entre mulheres brancas e natural” que obriga aos homens um papel ração média do trabalho das mulheres é de
mulheres pretas ou pardas (18 pontos percen-
de proteção. Esses argumentos mostram R$ 1.238,00 enquanto a dos homens é de R$
tuais). Isso significa que cerca de metade das
mulheres pretas ou pardas tinham o ensino como um fato da natureza – as mulheres en- 1.698,00 (Desigualdade).
médio completo em comparação com 71% das gravidarem e darem à luz – se torna a base
Em relação à renda, outro aspecto impor-
mulheres brancas para esse ano”. IBGE: Síntese para uma relação social apoiada na explora-
de Indicadores Sociais 2012, página 119.
tante no debate sobre a condição das mu-
ção e na submissão. Ainda hoje, na maioria
lheres no Brasil atual trata de um conceito
No mercado de trabalho brasileiro, a população dos países do mundo, a divisão do trabalho
polêmico: a feminização da pobreza. Os es-
mais escolarizada tende a procurar trabalhos doméstico pesa mais para as mulheres.
tudos sobre pobreza, quando incorporaram
mais formalizados. Em 2011, a média de anos
de estudo da população nestes trabalhos era Para entendermos de que maneira o mo- a perspectiva de gênero, identificaram esse
de 9,2 anos para os homens e de 10,7 anos para vimento das mulheres, ao longo do século processo, denominado “feminização da po-
as mulheres. Nos trabalhos informais, a média 20, se articula às suas demandas atuais no breza”, um fenômeno mundial devido ao
era de 6,1 anos e 7,3 anos, respectivamente. As- Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de fato de que a condição de ser mulher tem
sim, as mulheres ocupadas de 16 anos ou mais Domicílios (PNAD) nos traz alguns dados imposto restrições que mantêm a pobreza.
de idade apresentam uma escolaridade média
interessantes sobre a condição das mulhe- Um dos fatores, não o único, é a própria ren-
superior à dos homens, em mais de um ano, em
ambos os tipos de trabalho. res no século 21. Um primeiro dado: as mu- da, inferior à dos homens, o que faz das mu-
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios,
lheres são maioria no Brasil e representam lheres a maioria entre os mais pobres. Além
PNAD 2011- IBGE, p. 139, tabela 4.5. 51,5% da população. Têm expectativa de disso, há mais mulheres sem rendimentos e
vida superior à dos homens: entre jovens que chefiam famílias mas recebem remune-
até 24 anos, os homens são maioria, depois rações inferiores à dos homens.

44
Em função dessas constatações, quando des, sem distinção de gênero. Em conjunto Trabalhadoras domésticas
os governos iniciaram programas de com- com o Novo Código Civil (Lei 10.406/2002), Do total de mulheres brasileiras, 17% (o que corres-
plementação de renda, as mulheres foram que corrige a situação de inferioridade le- ponde a 6,7 milhões) trabalham como empregadas
escolhidas como as principais responsáveis gal das mulheres dada pela chefia da casa, domésticas. A especialização e escolarização fize-
pelo recebimento dos recursos. O Programa até então exclusivamente masculina, a ram com que as mulheres pudessem optar por ou-
Bolsa Família, adotado no Brasil desde 2003, Constituição de 1988 trata a igualdade tras profissões, o que contribuiu para a redução do
número de domésticas e, como consequência, um
atende hoje a 13 milhões de famílias e 93% como direito fundamental. Distribui iguali-
relativo aumento de salário nesse setor. Apesar das
das pessoas que recebem o benefício pela tariamente as responsabilidades familiares conquistas legais, a formalização do trabalho ain-
família são mulheres. A decisão de colocar (cuidado com os filhos, adotivos ou não, e da é pequena. A emenda constitucional nº 72/2013
as mulheres como titulares dos cartões que com parentes incapacitados que habitam o garante novos direitos, como pagamento de FGTS,
dão acesso ao benefício pretende garantir mesmo domicílio); proíbe diferença salarial seguro-desemprego, 13º salário, adicional noturno,
que os recursos atendam a toda a família, no exercício das mesmas funções e proíbe auxílio-creche, entre outros, e se estende às babas,
cozinheiras e arrumadeiras.
dado o papel das mulheres como responsá- critérios distintivos de gênero na admissão
veis pela vida doméstica. Todas as pesqui- ao trabalho.
sas de acompanhamento constatam o acer-
Os organismos internacionais são também 3
to dessa decisão, pois, de fato, as mulheres Desigualdade
agentes fundamentais na defesa dos di-
garantem que o benefício alcance todos os
reitos das mulheres. Essas organizações A desigualdade de rendimentos entre homens
membros da família. No entanto, há um de- e mulheres tem se reduzido nos últimos anos,
trabalham com uma dimensão importante
bate se esta decisão acaba por fortalecer a mas as mulheres ainda recebem menos que
para pensar a desigualdade de gênero no
divisão de papéis entre homens e mulheres, os homens (em média, 73,3% do rendimento
mundo: buscam medir o empoderamento
e pesquisadores discutem se esse procedi- deles). Além disso, pode-se constatar que, entre
das mulheres em seu contexto social. As Na- os mais escolarizados (12 anos ou mais de
mento contribui para a emancipação das
ções Unidas criaram em 2010 um organismo estudo), a desigualdade de rendimentos é mais
mulheres ou para a fixação de uma divisão
especialmente dedicado ao tema das mu- elevada dado que as mulheres recebem 59,2%
de trabalho que desresponsabiliza os ho- do rendimento auferido pelos homens.
lheres: a ONU Mulheres, que tem produzido
mens da família.
estudos e apoiado projetos em todo o mun- Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -
PNAD 2011-IBGE, p. 140.
A família é, portanto, tema fundamental do que contribuam para o empoderamento
quando se trata de direitos das mulheres, feminino, entendido como “igualdade, auto-
e a Constituição Federal de 1988 deu um nomia e capacidade de decisão das mulhe-
grande passo na consolidação do reconhe- res”. A produção regular de relatórios ajuda
cimento da igualdade de responsabilida- a acompanhar as conquistas no campo da

45
igualdade e equidade de gênero e também ineficaz, como foi o caso. Em 2001, o Brasil foi está no fato de que, por toda a condição de
os desafios persistentes. O trabalho da ONU responsabilizado por omissão e negligência submissão pela qual as mulheres têm his-
Mulheres tem como objetivo refletir sobre a e, a partir daí e da luta dos movimentos femi- toricamente passado, as vítimas sentem-
condição feminina nas diferentes culturas e nistas, uma nova legislação foi criada. se culpadas pela violência sexual sofrida.
propor atuações mais justas e responsáveis É fundamental sublinhar: a culpa nunca é
Maria da Penha tornou-se um símbolo da
por parte dos governos e da sociedade. Esta da vítima. Não importa em quais condições
luta contra a violência doméstica, que apare-
proposta parte do reconhecimento de que o crime tenha ocorrido. E é nesse sentido
ce como um dos principais crimes cometidos
não há desenvolvimento efetivo sem o fim que os movimentos de mulheres em todo o
da discriminação, da violência e da pobreza contra as mulheres. O dado mais cruel está
mundo vêm denunciando casos de explora-
entre mulheres e meninas. no fato de que, na maioria dos casos, o crimi- ção sexual de meninas, tráfico de mulheres
noso faz parte da esfera íntima de relações para prostituição internacional, casos de
da vítima: é seu marido, namorado, filho, estupro coletivo sem qualquer punição e os
Lei Maria da Penha cunhado, pai, vizinho etc. Uma das primeiras casos mais recentes de violação de direitos
ações do poder público no sentido de refrear na exposição de imagens íntimas circula-
O Brasil passou por uma experiência singu- o problema foi a construção de delegacias das pela internet, à revelia da vítima (Mar-
lar no que se refere à atuação dos organis- especiais da mulher e casas-abrigo, para cha das vadias).
mos internacionais na defesa dos direitos onde eram enviadas as vítimas de agressão.
das mulheres. A Lei Maria da Penha (Lei Hoje se discute um pacto nacional pelo en-
11.340/2006) foi uma conquista que se entre- frentamento da violência contra a mulher, Lutas políticas
laça à atuação dos movimentos sociais ao visando a articular as três esferas de gover-
recorrer à Comissão Interamericana de Direi- no, descentralizando as políticas públicas. A Na virada do século 20 para o século 21, as
tos Humanos. Em 1983, Maria da Penha ficou violência contra a mulher, no entanto, não se lutas políticas diversificaram-se, reunindo
paraplégica depois de duas tentativas de as- as chamadas “minorias” em grupos especí-
reduz à agressão física doméstica. São identi-
sassinato por seu marido. De acordo com o ficos, mas que ao mesmo tempo se articu-
ficados também os seguintes tipos: violência
Fundo de Desenvolvimento das Nações Uni- lam entre si. Assim, as questões de gênero
psicológica, física, moral, patrimonial, insti-
das para a Mulher (Unifem), “mesmo conde- também podem ser pensadas transversal-
tucional, sexual, tortura, prostituição força-
nado por tribunais locais, o réu valeu-se de mente, entendendo que classe social, grupo
da, tráfico de mulheres, assédio sexual.
recursos processuais e não foi preso”. As Cor- étnico/racial, idade e outros fatores modifi-
tes Internacionais são acionadas pela socie- Boa parte do que se considera violência cam a forma como as mulheres percebem
dade civil quando o aparato jurídico de seu contra a mulher está relacionada ao sexo. a desigualdade em relação aos homens.
país não é capaz de resolver a questão ou é Um dos grandes problemas desta questão A partir daí, constituem-se grupos que in-

46
tegram diferentes frentes de discussão, dos podem nos ajudar: nos Estados Unidos, Marcha das vadias
como, por exemplo, gênero entre as indíge- Canadá, quase toda a Europa e grande par- A marcha (Slutwalk, em inglês) teve início em
nas, saúde da mulher negra ou aposentado- te da Ásia, o aborto foi legalizado. Portugal, Toronto, no Canadá, em 2011. Após uma série
ria para donas de casa. No entanto, desde o país conhecidamente cristão, foi um dos de problemas de abuso sexual de mulheres na
Universidade de Toronto, um policial deu uma
final do século 20, a luta das mulheres pelos últimos da Europa a legalizar o aborto (em
declaração que motivou a marcha de três mil
direitos tem concentrado sua atenção em 2007) até a décima semana de gestação, por pessoas: que as mulheres deveriam parar de se
dois pontos: saúde/direitos reprodutivos vontade da mulher, independente do moti- vestir como vadias para evitar casos de violên-
e enfrentamento da violência, entenden- vo. O fato é que, independente de posições cia. A marcha se internacionalizou e acontece
morais, religiosas, políticas etc, mulheres em todo o mundo, inclusive no Brasil.
do serem estas as principais questões que
atingem as mulheres de uma forma geral. de todas as classes sociais, raça/etnia, ida- Femen
des e religiões abortam, e muitas delas mor-
No que se refere à saúde, as especificida- Outro movimento social feminino, o Femen foi
rem em práticas arriscadas e precárias. A fundado em 2008 na Ucrânia e realiza mani-
des das mulheres demandam políticas maioria é de mulheres pobres e negras. Daí festações pela Europa, denunciando turismo
públicas que as acompanhem não apenas a urgência de a sociedade brasileira refletir, sexual, homofobia e sexismo. http://femen.org
durante a gestação, mas ao longo de toda se informar e propor políticas públicas que Marcha das Vadias em Brasília 2011na foto de Elza Fiuza e em-
a vida. A atenção à saúde da mulher e a atuem no enfrentamento deste que é um baixo, a primeira marcha, em Toronto, no Canadá, abril de 2011 3
garantia de seus direitos reprodutivos de- problema de saúde pública.
manda assistência integral e elaboração
de políticas públicas capazes de atuar nas Quando se trata de discutir a transversali-
principais necessidades referentes à saú- dade das questões de gênero, as mulheres
de feminina: mortalidade materna, anti- negras levantam críticas duras e pertinen-
concepção, pré-natal e puerpério (pós-par- tes dentro do próprio movimento. Partem
to), pós-abortamento, saúde reprodutiva do princípio de que, no Brasil, a mulher
negra tem uma história completamente
de adolescentes, DST/HIV/AIDS, câncer de
diferente da mulher branca e que, portan-
mama e violência sexual.
to, analisar sua condição de desigualdade
Na luta pelos direitos reprodutivos está, tal- requer considerar, por exemplo, a constru-
vez, a questão mais polêmica sobre o tema ção das próprias pautas feministas, em sua
das mulheres no Brasil: a discriminalização maioria propostas por mulheres brancas e
do aborto. Para conhecermos como outros ocidentais. Pensar que o Brasil é composto
países enfrentam esta questão, alguns da- por miscigenação nos revela uma parte de

47
nossa história que aos poucos vem sen- própria condição, discriminadas pelas que as mulheres desejam desempenhar na
do trazida à tona pelas mulheres negras, exigências de “boa aparência” e pelos ín- sociedade. O dia a dia da escola, currículo
vítimas de violências desde a escravidão. dices de escolaridade inferiores aos das escolar, livros didáticos, práticas pedagó-
As elites brancas e machistas brasileiras, mulheres brancas. gicas, toda esta grande ciranda de pessoas
dizem elas, vêm construindo uma identi- com suas metodologias de trabalho são
As mulheres do campo, desde o ano 2000,
dade nacional na qual a mulher negra é fundamentais para a consolidação de con-
participam de uma marcha até Brasília, co-
reduzida a um estereótipo erotizado. Da dições mais justas nas relações sociais en-
nhecida como a Marcha das Margaridas, um
mesma forma, a experiência da mulher tre mulheres e homens. Se faz necessária
movimento social cuja base são os sindica-
negra com o trabalho é bastante diver- a construção de novas pautas educativas,
tos e confederações de trabalhadores rurais pensando a educação de meninas e meni-
sa da vivida pela mulher branca de dife-
(Margarida Alves e outras margaridas). Nos nos para a tolerância, o reconhecimento
rentes classes sociais. São mulheres que
últimos anos, milhares de mulheres, vindas das diferenças e para a liberdade.
trabalham há séculos, forçadas por sua
de todos os estados do país, se reúnem em
Brasília e, além de promover uma grande As mulheres são, simultaneamente, as
manifestação que percorre a Esplanada dos maiores vítimas da pobreza e da miséria e
Ministérios, elas também participam de reu- aquelas que reúnem condições para fazer
niões em cada um dos ministérios que se da luta contra a pobreza e a miséria uma
ocupam do tema do campo. luta vitoriosa. Superando os preconceitos e
as tradições que pretendem excluir e subor-
Há pautas que unificam os movimentos dinar as mulheres em nome da “natureza”,
de mulheres, seja do ponto de vista de seu sua luta ampliou o significado da palavra
grupo étnico/racial, seja nas reivindicações liberdade. Anteriormente, liberdade era um
por melhores condições de trabalho, saúde, assunto que dizia respeito à relação dos
participação política. A educação é tomada indivíduos com o Estado, com o controle
como peça principal para a mudança da da vida pelas leis e restrições que o Estado
condição feminina. Conduzida majoritaria- poderia impor às pessoas. A luta das mulhe-
mente por mulheres, a educação é campo res trouxe o tema da liberdade para o coti-
de atuação, reflexão, crítica e proposição diano, para a vida doméstica, chamando a
que inspira e constrói políticas públicas, atenção para que os afetos familiares não
mobiliza a comunidade e é capaz de pro- podem ser justificativas para restringir a li-
duzir novas compreensões sobre o papel berdade de cada um de nós.

48
Margarida Alves e outras margaridas

“A Marcha das Margaridas é uma ação estratégica das mulheres do campo


e da floresta que integra a agenda permanente do Movimento Sindical de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) e de movimentos feministas
e de mulheres. É um grande momento de animação, capacitação e mobili-
zação das mulheres trabalhadoras rurais em todos os estados brasileiros,
além de proporcionar uma reflexão sobre as condições de vida das mulhe-
res do campo e da floresta. Por ser permanente, as mulheres trabalhadoras
rurais seguem, diariamente, lutando para romper com todas as formas de
discriminação e violência, que trazem consequências perversas à vida delas.
Realizada a partir de 2000, tem revelado grande capacidade de mobilização e
organização. Pelo caráter formativo, de denúncia e pressão, mas também de
proposição, diálogo e negociação política com o governo federal, tornou-se
amplamente reconhecida como a maior e mais efetiva ação das mulheres da
América Latina. As três primeiras marchas, realizadas em 2000, 2003 e 2007,
focaram na plataforma política e na pauta de reivindicações a luta contra a
fome, a pobreza e a violência sexista. Já em 2011, o lema foi “Desenvolvimento
Sustentável com Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade”. Para a CONTAG, 3
essa quarta Marcha teve como grande diferencial político a interlocução com
a primeira presidenta eleita no país, Dilma Rousseff. Em 2013, a Marcha teve
como tema a questão da violência no campo e homenageou Margarida Alves.
A secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, Alessandra Lunas,
disse que a Jornada das Margaridas é um momento importantíssimo de ba-
lanço e de incidência para dar continuidade à luta e conquistas das mulheres
trabalhadoras rurais de todo o país. “Nesse ano, tivemos um diferencial. Essa
jornada foi marcada pelos 30 anos de morte de Margarida Alves. A Marcha
das Margaridas integra esse legado que Margarida deixou: de força, de luta,
de proposição por parte das mulheres. Então, durante a Jornada cobramos
agilidade da Comissão de Anistia quanto ao julgamento do processo de
assassinato de Margarida Alves, que ainda hoje está impune. Que a força de
Margarida Alves sirva para nascer outras margaridas”, destacou. A Marcha das
Margaridas é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), pelas 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura (Fe-
tag) e pelos mais de quatro mil Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais (STTRs), e por várias organizações de mulheres parceiras.” CONTAG.

49
Marcello Casal Jr/Agência Brasil - Brasília - Cerca de 70 mil mulheres participam da 4ª Marcha
das Margaridas 2011 e pedem, entre outras reivindicações, o desenvolvimento sustentável com
justiça, autonomia, igualdade e liberdade.
para saber mais
Filmes dos vídeos, sinopses e tempo de duração, as- Relatório anual de ONU Mulheres 2012/2013
Aqui você encontra as sinopses de alguns fil- sim como sugestão de uso por tema/mês. (em espanhol). http://www.unifem.org.br
mes que fazem parte da filmografia sobre o
Documentos de referência Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
tema deste mês, e que vale a pena assistir.
Convenção sobre a eliminação de todas as 2013-2015. Secretaria de Políticas para as Mu-
Domésticas, de Gabriel Mascaro, 2012. Si- formas de discriminação contra a mulher. lheres. http://spm.gov.br/pnpm/publicaco-
nopse: Sete adolescentes assumem a tarefa CEDAW/ONU. es/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf
de registrar por uma semana a empregada
http://www.unifem.org.br/005/00502001.as- Relatório da CPI sobre violência contra mu-
de sua casa e entregar o material para o di-
p?ttCD_CHAVE=8466 lheres
retor do filme, que realiza um ensaio sobre
o trabalho doméstico. Consenso de Santo Domingo. Comissão Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise
Econômica para a América Latina e o Caribe das condições de vida da população brasi-
Meninas, de Sandra Werneck, 2005. Sinopse:
- Cepal. Duodécima Conferencia Regional leira 2012. Estudos e Pesquisas - Informação
Evelyn tem 13 anos e está grávida de um ex-
sobre la Mujer de América Latina y el Caribe. demográfica e socioeconômica número 29,
traficante. Aos 15, Luana diz que planejou sua
Santo Domingo, 15 a 18 de octubre de 2013. IBGE, Rio de Janeiro, 2012. ftp://ftp.ibge.gov.
gravidez. O filme acompanha a vida destas e
http://www.cepal.org/12conferenciamujer/ br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indica-
de outras meninas durante um ano.
noticias/paginas/6/49916/PLE_Consenso_ dores_Sociais_2012/SIS_2012.pdf
Festival Internacional de Cinema Feminino - de_Santo_Domingo.pdf
Cumprir a promessa: um balanço prospecti-
Femina http://www.feminafest.com.br/
O Progresso das Mulheres no Brasil 2003– vo tendo em vista promover um programa
Livros 2010. Organização: Leila Linhares Barsted, de ação concertado para a realização dos
O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, Jacqueline Pitanguy. Rio de Janeiro, Cepia; Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
editora Nova Fronteira, 2009. Publicado em Brasília, ONU Mulheres, 2011. http://www. até 2015. Relatório do Secretário Geral da
1949, é uma obra pioneira dos estudos sobre unifem.org.br/sites/700/710/progresso.pdf ONU:
as mulheres, que reflete sobre as constru-
Objetivos de Desarrollo del Milenio: Igual- 12 de Fevereiro de 2010. http://www.unric.
ções sociais em torno da “figura feminina”.
dad entre los géneros.Tabla de progresos, org/pt/images/stories/keeping-the-promi-
Página na internet 2012. ONU Mulheres, 2013 (em espanhol). se-pt.pdf
Museu Bertha Lutz. http://lhs.unb.br/bertha/
http://www.unwomen.org/~/media/Hea-
Vídeos do Futura dquarters/Attachments/Sections/News/
Veja no caderno de textos a lista completa In%20Focus/MDG/MDG-Gender-Chart-SPA-
NISH-for-web.pdf

50
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: debate. Tipo de atividade: elaboração de documento.
des complementares, individuais ou cole-
Objetivo: elaborar e difundir relatório so- Objetivo: complementação de renda.
tivas, associadas às questões apresentadas
bre os desafios a serem enfrentados para
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que 1ª etapa: junte um grupo de mulheres e pro-
promover a igualdade entre homens e mu-
seja útil para sua prática e para mobilizar e ponha que assistam ao vídeo sobre a histó-
lheres.
exercitar o pensamento crítico. ria de Geralda presidente da Associação de
1ª etapa: debata com seu grupo (homens e Artesãs Cestaria Botânica que se formou a
mulheres) sobre quais são os desafios prin- partir da necessidade de complementar a
Tipo de atividade: pesquisa. cipais para o respeito e igualdade entre ho- renda familiar, uma fabricação e venda de
mens e mulheres em sua comunidade e na cestas de cipó, piaçava e taboa.
Objetivo: mapear e relacionar os ODM com
escola que você frequenta.
a realidade local. 2ª etapa: solicite que debatam qual poderia
2ª etapa: elabore um relatório indicando ser uma atividade de complementação de
1ª etapa: como está o cumprimento dos Ob-
que ações ou atitudes são consideradas ne- renda para as mulheres e as famílias. Para
jetivos do Milênio em seu município? Em
cessárias e mais urgentes. isso devem pesquisar quais materiais são
grupo, consulte o site www.portalodm.com. 3
fartos ou de fácil acesso na região como por
br/ e em relatórios dinâmicos pesquise os 3ª etapa: elabore com seu grupo qual a me-
exemplo barro, cipó, taquara, etc.
dados da sua cidade. lhor maneira de divulgar esse relatório.
3ª etapa: após debater os resultados, pro-
2ª etapa: debata com o grupo e liste propos-
ponha que elaborem um documento e pro-
tas que possam contribuir para o cumpri-
curem o Sebrae para ver a viabilidade da
mento das metas.
proposta. Muitas iniciativas de associações
3ª etapa: registrem no site suas propostas. começam como uma atividade informal
e se transformam num negócio lucrativo
além de ser referência na questão de inclu-
são social.

51
abril

POVOS INDígenas
“O mês de abril traz muitas possibilidades de reflexão e é bom que assim seja. Talvez a mais importante seja
rever o conceito do “índio” que está introjetado no coração do brasileiro. As escolas e seus profissionais
precisam fazer uma leitura crítica sobre como estão lidando com este conceito e, quem sabe, passar a tratar o
tema com a dignidade que merece. Precisa começar a se dar conta de que esta palavra traz consigo um fardo
muito grande e pesado, pois se trata de um apelido aplicado aos habitantes dessa terra. Pensar que a palavra
é um engano tão grande quanto considerar que estes grupos humanos podem ser reduzidos a ela. Não podem.
(...) Enfim, é necessário que a escola se reposicione enquanto instituição para assumir seu papel de formadora
de opinião e de capacidades tão necessárias para banir do mundo a desigualdade, o preconceito, a banalização
do outro, a visão de superioridade nacionalista, sentimentos que mancham a história da humanidade. O mês
de abril tem que superar, portanto, o próprio mês de abril”. (http://danielmunduruku.blogspot.com.br/p/cronicas-e-opinioes.html)

Daniel Munduruku
abril
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

4
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

01 Dia da mentira | 07 Dia Mundial da Saúde | 16 Dia Mundial da Voz | 19 Dia do Índio | 21 Descobrimento do Brasil
Dia do índio O mês de abril no Caderno tem como tema tos outros que mantêm diferentes níveis de
O Dia do índio, 19 de abril, foi criado pelo pre- central os povos indígenas. Em abril se ce- contato com a civilização circundante.
sidente Getúlio Vargas em 1943 (decreto-lei lebra o dia do índio, festejado oficialmente
Além disso, existem no Brasil e em outras
5540) e relembra a data, em 1940, em que vá- em todo o Brasil e em outros países da Amé-
rias lideranças indígenas do continente par-
nações os chamados “povos isolados”,
rica (Dia do índio). Muitos de nós recorda-
ticiparam do Primeiro Congresso Indigenista que vivem em regiões do país sem conta-
mos que, na infância, as escolas realizavam
Interamericano, no México. Eles haviam boico- to com a civilização não indígena. Quando
comemorações desta data. Ainda hoje po-
tado os dias iniciais do evento, temendo que o Brasil encerrou o ciclo da ditadura ci-
suas reivindicações não fossem ouvidas pelos demos ver as crianças vestidas com algum
vil-militar (1964-1985), foi convocada a As-
“homens brancos”. Durante o congresso foi adereço que lembra os índios do Brasil e
sembleia Constituinte que redigiu a nova
criado o Instituto Indigenista Interamericano, do mundo. A lembrança e as homenagens
também sediado no México, com a função de
constituição brasileira, a Constituição Ci-
são mesmo necessárias, pois os povos in-
zelar pelos direitos dos indígenas na América. dadã (1988). Os povos indígenas, seus alia-
dígenas foram os primeiros habitantes das
O Brasil não aderiu imediatamente ao institu- dos e defensores inscreveram na Consti-
terras das Américas, tiveram papel funda-
to, mas, após a intervenção do Marechal Ron- tuição um conjunto de direitos, como no
don, apresentou sua adesão e instituiu o Dia mental na formação da nação brasileira e
artigo 231, que diz:
do índio com o objetivo de fazer respeitar os de outras nações em nosso continente.
direitos indígenas e enfatizar a importância São reconhecidos aos índios sua organi-
desses povos na nossa história. A prática de “vestir-se de índio” não é sufi-
zação social, costumes, línguas, crenças e
ciente, porém, serve para dar a dimensão
tradições, e os direitos originários sobre as
das culturas indígenas e de como elas se
terras que tradicionalmente ocupam, com-
relacionam com todos nós. Esses povos,
petindo à União demarcá-las, proteger e fa-
em geral, são vistos como a permanência
zer respeitar todos os seus bens.
de um passado distante, algo que já foi ou
será ultrapassado pela civilização não in- O artigo explicita o reconhecimento de
dígena. Os próprios indígenas não concor- que os povos indígenas devem ter seus
dam de jeito nenhum com essa visão. Em costumes e línguas respeitados, assim
primeiro lugar, é preciso lembrar que são como a posse do território onde tradicio-
muitos os povos indígenas e cada um deles nalmente vivem. Esta mesma orientação
é bastante diferente dos demais. Há povos garante que sua educação seja feita na
que desapareceram porque foram mortos língua indígena, como forma de fortalecer
por ataques ou doenças, outros que foram e preservar sua cultura e suas tradições.
assimilados pelo mundo dos brancos e mui- Essas tradições, longe de estarem localiza-

54
das no passado, vêm sendo constantemen- tadores achavam que haviam chegado às Terras americanas
te recriadas e reapropriadas. Um equívoco Índias! O contato entre os dois mundos – o Atualmente sabemos que os primeiros habi-
muito comum sobre os povos indígenas é chamado Velho Mundo da Europa e o cha- tantes das Américas vieram em pelo menos
pensar que eles formam um grupo homo- mado Novo Mundo das Américas – produ- três correntes migratórias originadas da Ásia,
gêneo, que compartilha as mesmas carac- ziu grandes trocas de cultura, de saberes, atravessaram o estreito de Bering e desceram
da América do Norte para a América do Sul.
terísticas e interesses. mas também provocou doenças, violências
Há vestígios de comunidades humanas que
e extermínio. habitavam regiões brasileiras há mais de 12.000
Este tipo de pensamento sobre os povos
Os europeus viviam em maior contato com anos. É difícil saber quantos eram os indígenas
indígenas, como se seus modos de vida
que habitavam as terras americanas quando da
não tivessem sofrido qualquer alteração, povos da Ásia e da África, enquanto os po-
chegada dos europeus nos séculos 15 e 16. Há
não permite compreender os desafios que vos indígenas das Américas eram mais estudiosos que falam em mais de 5 milhões de
vivem e como vivem esses desafios. Muitas isolados ou mantinham contatos mais pessoas, de mais de mil povos diferentes ape-
pessoas, por desconhecimento, acreditam restritos entre eles. Essa característica das nas no Brasil.
que os índios, para serem índios, devem populações pode torná-las mais ou menos
manter práticas culturais “originais”, sem resistentes às doenças virais e bacterianas.
“contaminação” ou “perda da pureza” pelo Assim, diversos povos indígenas foram dizi- 4
contato com o “mundo dos brancos”. Na mados pela varíola e outras doenças, mui-
verdade, para sobreviver ao contato com tas vezes levadas intencionalmente pelos
a civilização não indígena, os grupos in- conquistadores para contaminar toda a
dígenas precisaram se adaptar em vários aldeia. Os grandes impérios indígenas da
aspectos de suas vidas, adotando formas América – os astecas e os incas – foram
de organização, de comunicação, práticas aniquilados a partir do contato, enquanto
de educação e de saúde do mundo dito ci- outros povos com populações menores e
mais dispersas nos territórios conseguiram
vilizado.
sobreviver. A colonização das terras, a des-
Primeiros habitantes das Américas (Terras truição do meio ambiente, a escravidão fo-
americanas), os povos indígenas, conforme ram procedimentos que contribuíram para
a historiografia dominante – não custa lem- reduzir drasticamente os povos indígenas
brar que a história se compõe de diferentes e as populações indígenas. Atualmente os
narrativas –, foram denominados “índios” grupos indígenas que mantém contato com
pelos europeus por engano. Os conquis- a civilização recebem vacinas e outros me-

55
dicamentos do “mundo dos brancos” que corporar antigos aldeamentos indígenas. que a expressão utilizada foi “povos indíge-
diminuem o impacto letal dessas doenças, Embora ocupassem de modo disperso todo nas no Brasil” e não “do Brasil”. Não se tra-
mas enfrentam outras formas de violência, o território nacional, como a colonização se ta de erro, mas de uma forma de destacar
pressão, preconceitos e ameaças. iniciou pelo litoral, muitos povos, para fugir que a territorialidade dos povos indígenas
da escravidão, do extermínio e do enfrenta- não se cinge à delimitação administrativa
Na época da conquista dos portugueses, o
mento com o mundo dos brancos, seguiram do território brasileiro. Em outras palavras,
Brasil era povoado por diferentes grupos
para o oeste e para a região amazônica. Su- há povos indígenas, como os Baniwa, da fa-
indígenas. Muitos povos viviam em guer-
cessivas ondas de colonização branca des- mília linguística aruak, que estão distribuí-
ra contra tribos vizinhas e essas disputas
sas regiões provocaram novos enfrenta- dos por três países: Brasil (Amazonas, onde
facilitaram a conquista pelos coloniza-
mentos resultando em morte e destruição vivem mais de 6.000 pessoas), Colômbia
dores, pois com a chegada dos invasores
de aldeias, comunidades e etnias. (7.000) e Venezuela (mais de 2.500).
criaram-se alianças entre brancos e índios
para enfrentar inimigos tradicionais. Não Assim, pelo assassinato, doença, assimila- O censo se restringiu ao território brasilei-
havia a identidade “índio” para grupos que ção, escravização, expulsão de seus terri- ro e coletou informações tanto da popu-
guerreavam entre si havia muito tempo. tórios e por mudanças em seus modos de lação residente nas terras indígenas (fos-
Em muitas regiões do litoral, portugueses, vida, as populações indígenas declinaram sem indígenas declarados ou não) quanto
franceses, holandeses e espanhóis forma- no Brasil e o censo populacional de 1991 de indígenas declarados fora delas. A
vam alianças militares e políticas com po- registrava pouco menos de 300 mil pessoas contagem registrou 896,9 mil indígenas.
vos indígenas, tomando parte em conflitos que se identificavam como índios. Esse número esconde uma particularida-
anteriores à conquista, mas com consequ- de de grande importância cultural: 817,9
ências terríveis para o destino dos povos mil pessoas se declararam indígenas no
originários. Uma vez vencidos os inimigos, Censo indígena de 2010 quesito cor ou raça do Censo 2010. Além
a dominação europeia se estabelecia entre deles, 78,9 mil pessoas residiam em terras
os antigos aliados, especialmente no domí- Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geogra- indígenas e, embora tenham se declarado
nio do sagrado, das práticas religiosas e na fia e Estatística (IBGE), ao realizar o censo de outra cor ou raça (principalmente par-
exploração das riquezas econômicas. Parte da população brasileira, dedicou especial dos, 67,5%), se consideravam “indígenas”
dos grupos indígenas foi mais rapidamen- atenção aos povos indígenas. Algumas das em função de tradições, costumes, cultura
te assimilada aos conquistadores: havia importantes descobertas reveladas pelo e antepassados. Quase 10% da população
imensa diferença cultural e tecnológica censo nos permitem conhecer melhor e registrada como indígena “tornaram-se”
entre esses dois contingentes humanos, a respeitar ainda mais os povos indígenas indígenas pela adoção de valores da cultu-
expansão das novas vilas acabava por in- no Brasil. Um primeiro comentário: observe ra e da tradição. Com isso, ampliamos nos-

56
so entendimento sobre o que é ser índio Amazônia legal
no Brasil, descobrindo que a cultura, em O Censo 2010 identificou 505 terras indígenas,
seu sentido amplo, nos oferece muitas ou- que correspondem a 12,5% do território bra-
tras possibilidades de identificação. sileiro, concentradas na chamada Amazônia
Legal (que abrange os estados do Acre, Amapá,
Uma boa notícia que o Censo Indígena de Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantis,
2010 nos traz é que aumentou, proporcio- e parte do Mato Grosso e Maranhão). Nestas 505
nalmente, a população que vive na área terras vivem 517,4 mil indígenas (57,7% do total).
Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indíge-
rural: dos quase 900 mil indígenas, 36,2%
nas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291
vivem em área urbana e 63,8% na área ru- tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam
ral (Amazônia legal). O censo de 2000 havia até cem indígenas. A terra com maior população
registrado que 52% dos mais de 700 mil in- indígena é Yanomami, localizada no Amazonas e
dígenas viviam na área urbana. A vida nas em Roraima, com 25,7 mil indígenas.
áreas urbanas costuma impor condições Ao norte do estado de Mato Grosso fica o Par-
muito adversas aos grupos indígenas, fre- que Indígena do Xingu, a primeira terra indí-
quentemente relegados à pobreza e ao gena homologada pelo governo federal, onde 4
vivem hoje cerca de 5.500 índios, de 16 etnias
abandono. O direito dos povos indígenas
diferentes. Com uma área pouco menor que
à terra, tal como consta na Constituição, o estado de Alagoas, o Parque foi criado em
exige um complexo e demorado processo 1961 pelo então presidente Jânio Quadros. Seus
de reconhecimento e legalização. Apesar principais idealizadores foram os irmãos Villas
da garantia constitucional, a defesa deste Bôas e o projeto de criação foi redigido pelo an-
tropólogo Darcy Ribeiro, então funcionário do
direito aparece historicamente como um
Serviço de Proteção ao Índio. (Fonte: Wikipédia)
dos principais problemas dos indígenas no
país, ainda hoje causa de morte e destrui-
ção para povos indígenas que vivem em
contato com a civilização envolvente.

Além dos grupos que vivem nas áreas rurais


e urbanas incluídos no Censo, é fundamen-
tal ressaltar que existe ainda uma popula-
ção, não contemplada nessas cifras, conhe-

57
Raça, etnia, cor/raça cida como “índios isolados”. A Fundação
Raça, etnia e cor/raça são conceitos que sur- a estabelecer linhas identitárias e diferenças Nacional do Índio (Funai) acredita que há
giram para tentar organizar a população a coletivas por meio das características culturais no Brasil cerca de 70 grupos indígenas sem
partir de alguns critérios, ou seja, para produzir e pelo sentido de pertencimento a um grupo contato com as demais populações e que,
classificações, agrupar e separar as pessoas que possui origem, hábitos, língua, valores e
portanto, não puderam ser recenseados.
em grupos. O conceito de raça teve sua origem tradições próprios.
nas ciências naturais e, ao longo da história, foi Apesar de serem poucos em termos quanti-
Não existe uma classificação universal para tativos, a Constituição de 1988 lhes garante
apropriado pelas ciências humanas para expli-
raças ou etnias, pois estes conceitos são for-
car diferenças comportamentais e culturais, o direito ao isolamento, ao reconhecer as
jados a partir das características culturais e
utilizando a origem social e a herança genética formas particulares de organização social.
históricas de cada lugar. Desta forma, cada país
como base para a hierarquização dos grupos
e cada cultura têm um sistema próprio de clas-
humanos. Uma das inovações deste último censo fo-
sificação dos indivíduos. E este sistema sofre
A hierarquização tornou-se justificativa para a alterações dentro de um mesmo país, como no ram as perguntas sobre línguas e etnias
violência, exploração, discriminação e precon- caso brasileiro. aos indígenas (Raça, etnia, cor/raça). Com
ceito contra as raças consideradas inferiores. isso, foram identificadas 305 etnias e 274
O primeiro censo no Brasil, de 1872, tinha como
Muitos povos foram perseguidos, muitas pes- idiomas! Os Tikuna formam a maior etnia
categorias disponíveis para classificação: “pre-
soas sofreram violência, tortura e até a morte
to”, “pardo”, “branco” e “caboclo”. Ao longo dos indígena no Brasil, com 46.065 pessoas, se-
com a justificativa racial. Negros, ciganos,
judeus, entre outros grupos, sofreram as con-
anos, a categoria “pardo” passou a ser substitu- guidos dos Guarani-Kaiowá, com 43.401.
ída por “mestiço”, voltando a vigorar em 1940, Para o IBGE, etnia corresponde a afinidades
sequências brutais do racismo. No Brasil e em
quando se criou a categoria “amarela”. A partir
outras partes do mundo, o movimento negro, culturais, sociais e linguísticas, e este núme-
desta data, a única alteração no sistema de
em seu combate ao racismo, deu outro senti- ro parece ser um bom indicador da grande
classificação do IBGE foi a inclusão da catego-
do à palavra raça. Ela ganhou uma dimensão
ria “indígena” em 1991. Neste momento, a per- diversidade cultural do Brasil.
política, remetendo à opressão a que foram e
gunta de autoclassificação passou de “Qual é
são submetidos aqueles considerados como Diante de toda essa variedade de identida-
a sua cor?” para “Qual é a sua cor/raça?”. Essas
pertencentes a raças inferiores.
mudanças indicam transformações na maneira des e relações de pertencimento, surgem
Já o conceito de etnia tem sua origem na com que os brasileiros se pensam e se repre- dúvidas, questionamentos e conflitos quan-
contestação da ideia de raça como um deter- sentam, evidenciando a fluidez das categorias to ao ser igual, mas ao mesmo tempo dife-
minante biológico para a diversidade cultural de classificação.
rente de todos. Se por um lado, há o movi-
da humanidade. A classificação por etnia visa
mento de garantia de direitos e igualdade
de oportunidades para todos os brasileiros,
sem distinções, por outro há lutas por reco-
nhecimento das diferenças provenientes de

58
condições socioculturais diversas e que de- no Brasil um fenômeno conhecido como Declaração em defesa
mandam direitos específicos. Reconhecer a “etnogênese” ou “reetinização”. Nele, po- dos direitos indígenas
diversidade cultural como potencialidade, e vos indígenas que, por pressões políticas,
A Unesco e a ONU publicaram
não como “atraso” ao desenvolvimento, foi econômicas e religiosas ou por terem sido
dois importantes documen-
um grande passo motivado por movimen- despojados de suas terras e estigmatizados tos em defesa dos direitos
tos sociais, Estados, pesquisadores e grupos em função dos seus costumes tradicionais, dos povos indígenas e da
culturais, especialmente em relação à defe- foram forçados a esconder e a negar suas diversidade cultural: a De-
identidades tribais como estratégia de so- claração das Nações Unidas
sa dos direitos dos povos indígena (Declara-
sobre o Direito dos Povos
ção em defesa dos direitos indígenas). brevivência – assim amenizando as agruras
Indígenas (2007) defende em
do preconceito e da discriminação – estão seu artigo 1º: “Os indígenas
O tema da diversidade cultural também cria reassumindo e recriando as suas tradições têm direito, a título coletivo
situações muito novas, que precisamos co- indígenas”. ou individual, ao pleno des-
nhecer e compreender. Vejamos, por exem- frute de todos os direitos
plo, o registro da quantidade de índios nas A questão indígena é muito importante humanos e liberdades funda-
últimas décadas no Brasil: o censo de 1991 para o debate sobre a pobreza no Brasil por mentais reconhecidos pela
registrou 294 mil pessoas, no de 2000 foram diversas razões. Em primeiro lugar, o modo Carta das Nações Unidas, a 4
de vida de grande parte desses povos não Declaração Universal dos
734 mil e no de 2010, 896,9 mil pessoas. A
Direitos Humanos e o direito
partir destes números, podemos concluir se baseia no uso do dinheiro como elemen-
internacional dos direitos
que a população de índios cresceu nos úl- to mediador de todas as trocas no grupo ou humanos”. A Declaração
timos 20 anos, mas notem que, entre 1991 e comunidade. Em função disso, a condição Universal sobre a Diversi-
2000, houve um aumento muito expressivo. de serem pobres ou ricos não se traduz em dade Cultural (2002) afirma
quantidade de renda ou de recursos mone- que “a diversidade cultural
Os estudiosos registram que, além do cres-
tários de que podem dispor. Em segundo amplia as possibilidades de
cimento demográfico, fruto de uma postura escolha que se oferecem a
lugar, a riqueza desses modos de vida não
mais confiante dos povos indígenas em seu todos; é uma das fontes do
pode ser expressa em renda, destacando, desenvolvimento, entendido
presente e no futuro de suas comunidades,
portanto, o valor da diversidade como ex- não somente em termos de
há também um fato relevante, que chamam
pressão de uma riqueza que não pode ser crescimento econômico,
de “etnogênese”.
medida, mas deve ser apreciada. Em tercei- mas também como meio
O antropólogo Gersem Luciano, indígena ro lugar, quando as populações indígenas de acesso a uma existência
intelectual, afetiva, moral e
do povo Baniwa, explica: “desde a última deixam sua vida comunitária e deslocam-se
espiritual satisfatória”.
década do século passado vem ocorrendo para os centros urbanos, constata-se o sur-

59
Os grandes empreendimentos gimento de uma pobreza que vai além da
Atualmente, em todo o país, povos indígenas empreendimentos – hidrelétricas, rodovias, ferro- questão da renda e abarca a integralidade
vivem situações de conflito com fazendeiros, ma- vias, poços de exploração de gás e petróleo – mo- da vida dos indivíduos e suas comunidades.
deireiros, garimpeiros, indústrias de mineração, biliza um imenso contingente de trabalhadores
além de empresas contratadas pelos governos para regiões de baixa densidade populacional, A perda dos territórios significa muito mais
estaduais e federal para a construção de rodo- provocando impactos na saúde pública, no equi- do que a perda de propriedade, no sentido
vias, ferrovias, hidrovias e empreendimentos líbrio ambiental e social, com elevação dos indi- usual do mundo não indígena. Perdem-se
de geração de energia, cujo exemplo mais co- cadores de violência de todos os tipos. As prome-
nhecido é a hidrelétrica de Belo Monte, na volta tidas “ações mitigadoras” previstas na legislação
com os territórios a referência cultural, o
grande do Rio Xingu, no estado do Pará, próximo nem de longe suprem a destruição ambiental e vínculo com os antepassados, a condição
à cidade de Altamira. os abalos sociais que as obras provocam. de produzir e reproduzir um modo de vida.
O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) pre- Para os povos indígenas, a convivência com esses Por isso, o debate sobre a terra é central
vê um conjunto de obras de infraestrutura, em grandes empreendimentos traz elevados riscos, nas reivindicações destes povos. Embora
particular transporte e energia, que afetam dire- seja pelas mudanças nos ecossistemas com
ta ou indiretamente os povos indígenas. impacto nos modos de vida, seja pelas diversas
a Constituição reconheça o direito a estes
formas de violência que afetam as comunidades. territórios tradicionalmente ocupados pe-
As obras de construção de hidrelétricas ou de ex- O risco é lançar na pobreza e na miséria comu-
ploração de fontes de gás e petróleo, previstas no
los índios, ainda há intensos conflitos de
nidades inteiras, cujas culturas tradicionais vêm
PAC, também afetarão direta ou indiretamente sendo historicamente destruídas. Caciques e
terra entre povos indígenas e fazendeiros,
mais de 20 terras e povos indígenas. Os argumen- lideranças indígenas do Amazonas, do Pará e de madeireiros e outros empreendimentos (Os
tos apresentados pelo governo e defensores des- Rondônia, reunidos em outubro de 2013, declara-
sas obras é que elas criarão melhores condições
grandes empreendimentos).
ram que “os grandes projetos desagregam vidas”.
de produção e circulação de riqueza, levando o
desenvolvimento a regiões afastadas. No caso Em outros países das Américas, povos indíge-
Desta forma, pensar a questão da pobreza
de Belo Monte, informam que a obra não afetará nas vivem conflitos semelhantes. Na Argentina, quando tratamos dos povos indígenas im-
diretamente qualquer reserva indígena e levará projeto de exploração de cobre ameaça índios plica sempre considerá-la de maneira con-
energia para 60 milhões de pessoas. Já os críticos Mapuche. Na Bolívia, a construção de estrada e
desta e de iniciativas semelhantes, apontam o exploração de minerais são riscos para territórios
textual, reconhecendo que os parâmetros
desrespeito à Convenção 169 da Organização indígenas. No Chile, índios huascoaltinos sofrem adotados para o restante da população, em
Internacional do Trabalho (OIT), incorporada pelo com a exploração de ouro em seus territórios. muitos casos, não se aplica a seus modos
Brasil à Constituição Federal, que determina que Na Colômbia, a construção de um corredor de
transporte para conectar com o Brasil atravessa
de vida. O IBGE aponta esta dificuldade ao
as comunidades indígenas sejam devidamente
ouvidas e consultadas em cada caso específico. territórios indígenas sem ter havido consultas analisar a renda destas populações, enten-
Alegam também que os estudos de impacto prévias. No Equador, a exploração de petróleo; na dendo que os números, apesar de significa-
ambiental exigidos pela legislação subestimam Guatemala, exploração de ouro; no México, Pana-
tivos, não dão conta da complexidade da
os efeitos imediatos e ignoram cenários futuros, má, Peru é a construção de estradas que cortam
como fluxos migratórios e processos subsequen- territórios indígenas sem que tenha havido acor- dinâmica de relações sociais presentes no
tes de desmatamento e destruição ambiental. do sobre o traçado. universo das culturas indígenas:
Além disso, a própria construção desses grandes

60
“A análise de rendimentos comprovou a ne- as medidas com que avaliamos a sociedade da agricultura, exploração de minérios e
cessidade de se ter um olhar diferenciado não indígena. A diversidade tem seus pró- problemas relativos à ocupação irregular
sobre os indígenas: 52,9% deles não tinham prios valores e há muito que aprender com de terras indígenas, a migração destas
qualquer tipo de rendimento, proporção essas culturas tradicionais e milenares. populações tornou-se um problema que
ainda maior nas áreas rurais (65,7%); porém, compartilhamos com outros países da
Se a opinião pública parece reconhecer
vários fatores dificultam a obtenção de in- América Latina. Os migrantes transitam
que os indígenas sofreram violências, per-
formações sobre o rendimento dos traba- entre seus territórios ocupando novas
seguições e assassinatos durante mais de
lhadores indígenas: muitos trabalhos são áreas, mas também seguem em direção
feitos coletivamente, lazer e trabalho não três séculos no período colonial, talvez
aos centros urbanos em busca de melho-
são facilmente separáveis e a relação com não esteja plenamente informada sobre res condições de vida, integrando as esta-
a terra tem enorme significado, sem a no- a continuidade destas ações, seguidas de tísticas do êxodo rural junto a outros gru-
ção de propriedade privada. Em 2010, 83% servidão e escravidão no início do século pos sociais brasileiros não indígenas. Sem
das pessoas indígenas de 10 anos ou mais 20. O desenvolvimento das cidades brasi- qualificação profissional, sofrem com a
de idade recebiam até um salário mínimo leiras, sua urbanização e industrialização precarização e exploração do trabalho na
ou não tinham rendimentos, sendo o maior ocorreram simultaneamente à expansão construção civil ou nos empregos domés-
percentual encontrado na região Norte de fronteiras agrícolas, exploração des- ticos nas grandes cidades. Em algumas 4
(92,6%), onde 25,7% ganhavam até um salá- tas populações nos seringais e fazendas regiões da América Latina, como a região
rio mínimo e 66,9% eram sem rendimento”1. de gado, no plantio e colheita de cana de andina, a migração de indígenas aconte-
açúcar. Em diferentes atividades econômi- ce também em função da intervenção dos
O IBGE nos alerta, portanto, que nem a rique- cas, os índios eram submetidos ao traba- grupos paramilitares, narcotraficantes,
za nem a pobreza dos povos indígenas pode
lho em troca de comida, a castigos físicos, companhias transnacionais e do próprio
ser medida do mesmo modo que nas cultu-
dependência financeira, violência contra Estado, impossibilitando a ocupação do
ras não indígenas. A mistura de trabalho e la-
mulheres e crianças. Atualmente, somos território pelos povos tradicionais.
zer, a inexistência da noção de propriedade
surpreendidos pelas notícias dos jornais,
privada da terra, a relação sagrada com os
relatando violências contra os indígenas,
territórios, o respeito às tradições e o valor
simbólico de determinados bens impedem
seja nas lutas pela demarcação das terras Vida e luta dos povos guarani
no campo até assassinatos motivados por
que se projetem sobre os povos indígenas Uma situação extrema de pobreza material
racismo e preconceitos nas cidades.
e sofrimento pode ser vista hoje no povo
1 Fonte: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?-
view=noticia&id=1&idnoticia=2194, visitada em 02 de se-
Em decorrência desses crimes, persegui- Guarani-kaiowá, em especial nos grupos
tembro de 2013. ções, degradação ambiental, expansão que vivem no Mato Grosso do Sul. Os po-

61
vos guarani são integrados por quatro gru- renovar relações de amizade e de trabalho seguiram rumos diferentes: integraram a
pos – os Mbya, os Pãi-Tavyterã (no Brasil em comum. Sem festas, a produção baixa, sociedade paraguaia, na qual seguiram fa-
conhecidos como Kaiowá), os Avá Guarani sensivelmente. A palavra jopói, comum a lando guarani, ao mesmo tempo em que
(aqui chamados Guarani ou Ñandeva) e os todos os povos guarani, significa abrir as deixaram de ser indígenas. Outros seguiram
Ache-Guayakí, totalizando 100 mil pessoas. mãos mutuamente. Esta é a lei fundamen- mantendo uma distinção de identidade
Habitam tradicionalmente territórios da tal da economia guarani, a lei da casa e das com relação aos colonizadores. Para esses
Bolívia, Paraguai, Argentina e Brasil, até a casas entre si”, explica o Mapa Guarani Retã últimos, recentemente, as matas desapare-
costa atlântica. No Brasil, onde vive quase a 2008, do Instituto Socioambiental (ISA). ceram, restando-lhes cada vez mais como
metade desse contingente, há grupos gua- fonte de recursos o trabalho assalariado e
rani nos estados do Mato Grosso do Sul, Pa- Desde o final do século 19, as terras guara- programas de ajuda externos. A terra nas
raná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São ni no centro-oeste brasileiro foram sendo reservas está em rápido processo de dete-
Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pará e ocupadas por fazendas de mate, gado, pos- rioração. É difícil manter a ecologia guarani
Tocantins. Eles são conhecidos por distin- teriormente pelo plantio da cana de açúcar nos pequenos refúgios que lhes restam. É
tos nomes: Chiripá, Kainguá, Monteses, Ba- e atualmente soja. Os indígenas acabaram certo que a pressão do sistema colonial não
ticola, Apyteré, Tembekuá e outros. Porém, deslocados para pequenos territórios de é de agora e os Guarani têm resistido duran-
a forma como designam a si mesmos é Avá, confinamento que impediam a produção de te séculos. No entanto, parece hoje que a si-
que significa, em guarani, “pessoa”. seu modo de vida tradicional. No atual es- tuação dos Guarani se agrava. Como nunca,
tado do Mato Grosso do Sul, no início do sé- diversas religiões de caráter fundamenta-
Os povos guarani ocupavam uma vasta culo 20, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) lista se instalam nas aldeias guarani. Os sui-
área no centro-sul da América do Sul e em- criou oito reservas onde confinou grupos cídios em algumas delas, sobretudo no Bra-
bora se deslocassem com frequência, não guarani que viviam na região. Desse modo, sil, têm alcançado cifras alarmantes. Com
eram nômades, mas agricultores de grande tornaram-se mão de obra barata e explorada profunda tristeza e grande sagacidade, um
talento. Uma característica cultural muito
pelas iniciativas econômicas que se desen- Guarani, diante desses fatos, concluiu que
relevante que apresentam é o valor da re-
volviam em suas terras ancestrais, cedidas ‘não existe (mais) caminho para a Palavra’.”
ciprocidade. Uma prática econômica em
por acordos políticos a grandes fazendeiros.
que os excedentes agrícolas – “divina abun- Para o povo Guarani, é relatado ainda no
A luta pela retomada das terras prossegue
dância”, como diziam, maravilhados, os Mapa, “a educação é uma educação da pa-
até hoje, inclusive custando a vida de muitos
europeus que chegaram ao atual Paraguai lavra e pela palavra, porém, não para apren-
indígenas e grande conflito na região.
– eram fartamente distribuídos em grandes der ou memorizar palavras já ditas, mas
festas.“A festa guarani não é somente para Diz ainda o Mapa Guarani Retã 2008:“Os para escutar as palavras que receberá ‘dos
o consumo de excedentes, é o motivo para Guarani diante da encruzilhada colonial de Acima’, geralmente através de sonhos.

62
Os Guarani buscam a perfeição de seu ser das línguas estabelece relações entre elas
na perfeição de seu ‘dizer’, de seu ‘falar’.” definindo troncos linguísticos, famílias
linguísticas, línguas e dialetos. No Brasil,
O temor de que não exista mais o caminho
os principais troncos são o Tupi ou Macro
para a Palavra, mais do que um lamento
Tupi, o Macro-Jê e o Aruak. Mas há ainda as
cultural, é a percepção de que o próprio
línguas isoladas, que não pertencem a ne-
povo e seu modo de vida estão em risco. A
nhum desses troncos nem têm afinidades
língua guarani atravessou muitos séculos
com eles. A diversidade linguística é uma ri-
de opressão e resistiu. É hoje uma das lín- queza fundamental, pois cada língua repre-
guas oficiais do Paraguai e mais de 80% da senta um modo específico de ver o mundo,
população daquele país fala guarani além a própria subjetividade humana e sua rela-
do espanhol. Aliás, é frequente entre povos ção com o ambiente e com os outros seres.
indígenas a existência de bilinguismo, quer Os brasileiros, em geral, se orgulham de que
entre o português e a língua nativa, quer há algumas palavras que não têm tradução,
envolvendo duas línguas indígenas, como como, por exemplo, “saudade”. Será que a
ocorre no Parque Indígena do Xingu, em gente consegue imaginar quantas “sauda- 4
que a convivência e o casamento entre gru- des” há nessas 274 línguas indígenas ainda
pos estimula o uso de distintas línguas. faladas no Brasil?

Mas o censo também traz um alerta: “O


Educação Indígena Censo Demográfico 2010 revelou que 37,4%
dos indígenas de 5 anos ou mais de idade
O tema da educação indígena também está declararam falar uma língua indígena: den-
presente no censo realizado pelo IBGE e tro das terras, 57,3% e, fora delas, somente
traz dados surpreendentes. Sempre acre- 12,7% ainda eram falantes. Para esse con-
ditamos que no Brasil se fala português e tingente de indígenas investigados em
pronto, ainda que com sotaques diferen- 2010, 76,9% falavam português, sendo que
tes, gírias locais, geracionais e grupais, fora das terras praticamente todos os indí-
mas sempre português. É isso, mas não genas falavam português. O percentual de
exatamente: o censo dos povos indígenas pessoas indígenas de 5 anos ou mais de ida-
no Brasil identificou 274 idiomas! O estudo de que falavam uma língua indígena e não
Fotografia de Roosewelt Pinheiro/ABr - Caarapó (MS) - Xamãs
guarani, na dança que marcou a despedida do encontro de
lideranças para lançamento da campanha “Povo Guarani,
63 Grande Povo!”
Leis de interesse sobre falavam português atingiu 16,3%: dentro as propostas para a garantia dos direitos
educação escolar indígena das terras, esse percentual foi 27,9% e fora previstos na Constituição de 1988 e na le-
Constituição Federal de 1988: artigos 210, 215, delas somente 2% de falantes. Para aqueles gislação posterior (Leis de interesse sobre
231 e 232 que falavam uma língua indígena e tam- educação escolar indígena). A situação atu-
“Reconhece aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições,
bém falavam o português o percentual foi al é muito distinta nos diversos povos, mas
e os direitos originários sobre as terras que 29,4% nas terras.”2 há traços comuns: uma drástica redução de
tradicionalmente ocupam,competindo à União oferta entre os níveis de ensino (há o dobro
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos Desde o início da colonização no século 16,
os seus bens”. “Assegura às comunidades a educação escolar indígena desempenhou de matrículas nos anos iniciais com relação
indígenas a utilização de suas próprias a função domesticadora destes povos.Os aos anos finais do ensino fundamental, no
línguas maternas e processos próprios de qual, por sua vez, ocorre o dobro da oferta
jesuítas criaram métodos para aprender
aprendizagem”. (artigo 210)
a língua nativa e desenvolver a catequese do ensino médio). Falta material didático
Decreto Presidencial n. 26 de 1991 para conversão ao cristianismo. No sécu- referente às práticas linguísticas e cultu-
Art. 1º - Fica atribuída ao Ministério da rais dos povos. A formação de professores
Educação a competência para coordenar ações lo 20, evidenciou-se a necessidade de uma
referentes à educação indígena, em todos os educação escolar indígena mais coerente é precária e nem sempre feita na língua ma-
níveis e modalidades de ensino, ouvida a Funai. com os desejos e demandas dos índios, res- terna das crianças.
Art. 2º - As ações previstas no Art. 1º serão peitando, reafirmando e defendendo sua
A educação escolar indígena desejada re-
desenvolvidas pelas Secretarias de Educação diversidade e singularidade. Este posicio-
quer professores indígenas formados para
dos Estados e Municípios em consonância namento ganhou força no Brasil a partir da
com as Secretarias Nacionais de Educação do a atuação nesses territórios, valorizando as
Constituição Federal de 1988, que, no artigo
Ministério da Educação. formas locais de organização, sua cosmolo-
210, diz: “o ensino fundamental regular será
Lei de Diretrizes e Bases da Educação gia, línguas e tradições, além de participa-
ministrado em língua portuguesa, assegu-
Nacional 1996: artigos 26, 32, 78 e 79 ção comunitária na vida escolar. Embora
O art. 78 afirma que a educação escolar para os rada às comunidades indígenas também a
os recursos para merenda escolar indígena
povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue utilização de suas línguas maternas e pro-
para a reafirmação de suas identidades étnicas, sejam mais elevados do que nas áreas urba-
cessos próprios de aprendizagem”.
recuperação de suas memórias históricas, nas, eles nem sempre chegam ao seu desti-
valorização de suas línguas e ciências, além Em 2009, representantes de mais de 200 no e é comum que as crianças nas aldeias
de possibilitar o acesso às informações e aos povos indígenas participaram da I Confe- recebam alimentos enlatados sem a valori-
conhecimentos valorizados pela sociedade
nacional. O art. 79 prevê que a União apoiará rência Nacional da Educação Escolar Indí- zação dos padrões alimentares locais.
técnica e financeiramente os sistemas de ensino gena, onde debateram a situação atual e
estaduais e municipais no provimento da Além de reivindicar uma educação pró-
educação intercultural às sociedades indígenas, 2 IBGE: Censo 2010, p. 90 e 91. pria, condizente com as demandas de seus

64
povos, a conferência também sublinhou desenvolvendo programas integrados de ensino de 2003, que estabelece as diretrizes e bases
e pesquisa (...) planejados com audiência das da educação nacional, para incluir no currículo
a necessidade fundamental de que a edu-
comunidades indígenas (...), com os objetivos de oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
cação em todo o país apresente os povos fortalecer as práticas socioculturais e a língua temática “História e Cultura Afro-Brasileira e
indígenas em sua diversidade, valorizando materna (...) desenvolver currículos e programas Indígena”.
suas culturas, suas histórias e seus modos específicos, neles incluindo conteúdos culturais
correspondentes às respectivas comunidades Lei nº 12.155, de dezembro de 2009
de vida. A lei 11.645, de 10 de março de 2008, Nos artigos 9 e seguintes, autoriza o
(...), elaborar e publicar sistematicamente
reconhece essa necessidade e torna obriga- material didático específico e diferenciado.. pagamento de bolsas de extensão para
tório o estudo da história e cultura afro-bra- trabalhos com comunidades indígenas,
Decreto Presidencial 5.051, de 19 de abril de 2004 quilombolas e do campo. Regulamentada pelo
sileira e indígena, no ensino fundamental e Promulga a Convenção nº 169 da Organização Decreto nº 7.416, de dezembro de 2010.
médio, em todo o currículo escolar, em es- Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos
pecial nas áreas de artes, literatura e histó- Indígenas e Tribais  Decreto Presidencial 6.861 de 2009
Trata da organização, estrutura e
ria. Pesquisas de opinião apontam que exa- Convenção 169 – Organização Internacional funcionamento da escola indígena, assim como
tamente onde vivem os povos indígenas há do Trabalho seus objetivos; além disso, contém o papel
mais preconceito contra eles. O preconcei- Os conceitos básicos desta Convenção da União e Ministério da Educação no que se
são o respeito e a participação. Respeito à refere a apoio técnico e financeiro; aborda a
to é uma das formas de violência que ainda cultura, à religião, à organização social e organização territorial da educação escolar sob 4
hoje sofrem os povos indígenas. Em muitos econômica e à identidade própria: a premissa a definição de territórios etnoeducacionais,
lugares, esses preconceitos fortalecem a de existência perdurável dos povos indígenas especificando que cada um deles contará com
e tribais. Segundo a convenção, os governos
exclusão que mantém a pobreza material e um plano de ação, detalhando o que deverá
deverão assumir, com a participação dos
a humilhação dessas pessoas. Educar para conter em cada um; traz ainda conteúdo
povos interessados, a responsabilidade de
sobre a formação dos professores indígenas e
a diversidade e combater os preconceitos desenvolver ações para proteger os direitos
sobre os cursos de formação para professores
é uma das formas pelas quais escolas e co- desses povos e de garantir o respeito à sua
indígenas.
integridade. Deverão ser adotadas medidas
munidades podem contribuir para a valori- especiais para salvaguardar as pessoas, as Conselho Nacional de Educação
zação dos povos indígenas e trabalhar para instituições, seus bens, seu trabalho, sua Parecer CNE/CEB nº 13/2012, aprovado em 10 de
a superação da pobreza em que muitos são cultura e meio ambiente. Os povos indígenas e maio de 2012 - Diretrizes Curriculares Nacionais
lançados. tribais deverão gozar plenamente dos direitos para a Educação Escolar Indígena.
humanos e liberdades fundamentais, sem
O orgulho de ser indígena é uma realidade obstáculo ou discriminação. Não deverá ser Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012 -
utilizado nenhum meio de força ou coação que Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a
em alguns estados do Brasil e tornou-se viole estes direitos e liberdades. Educação Escolar Indígena na Educação Básica.
um fato importante em países como a Bo-
Lei nº 11.645, de 10 março de 2008 Documento Final da I Conferência de Educação
lívia, que elegeu o presidente Evo Morales,
Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Escolar Indígena
um índio aymara. As nações da região dos modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro Luziânia, Goiás, 16 a 20/11/2009.

65
A situação dos direitos indígenas no Brasil de acordo com as lideranças indígenas. Andes congregam grande parte de popu-
Em novembro de 2012, lideranças indígenas terras indígenas sem oferecer condições dignas lações que se identificam como indígenas:
representadas pela Articulação dos Povos de trabalhar o uso sustentável da terra. Os Peru, Bolívia e Colômbia contam com boa
Indígenas do Brasil (APIB) encaminharam ao povos e comunidades indígenas como qualquer parte dos quase 30 milhões de indígenas
Alto Comissariado das Nações Unidas para os outro cidadão precisam de condições de que vivem na América Latina. Segundo in-
Direitos Humanos um documento solicitando sustentabilidade e proteção de seus territórios”.
formação do Fundo das Nações Unidas
“que o sistema das Nações Unidas possa intervir As lideranças denunciam também as situações de
junto ao Estado Brasileiro pedindo para acate violência em que vivem: “A violação dos direitos
para a Infância (Unicef), existem mais de
suas recomendações e tome medidas urgentes indígenas no Brasil é preocupante em todos 500 povos indígenas na região, sendo o
visando a assegurar o respeito aos direitos os aspectos de acordo com o último relatório Brasil o que tem maior diversidade, embo-
dos povos indígenas”. Segundo o documento, anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ra com baixa participação no conjunto da
há diversas situações de violações de direitos divulgado em 30 de junho de 2011, 92 crianças população: os índios brasileiros são 0,4%
e a pobreza ameaça os povos indígenas: “De morreram em 2010 devido à falta de cuidados
da população, enquanto em países como a
acordo com o Censo Demográfico de 2010, médicos, 60 índios foram mortos e há 152
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia ameaças de morte. Dos 60 índios assassinados, 34
Bolívia e Guatemala eles representam 66%
e Estatística (IBGE), há uma população total de estavam no estado de Mato Grosso do Sul, onde e 40%, respectivamente. Na maioria dos
817.963 indígenas em todo o Brasil. Destes, pelo estão localizados os Guarani Kaiowá.” países latino-americanos, a população indí-
menos 326.375 indígenas estão em situação gena varia entre 3 e 10%. Alguns países as-
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
de extrema pobreza (39,9%), o que representa sumiram serem pluriétnicos e multirraciais,
é uma organização indígena nacional composta
quase quatro em cada dez índios. Diferente de
pelas principais organizações indígenas em como é o caso de Bolívia, Equador, Colôm-
outros seguimentos as sociedade brasileira que
apresentam percentuais bem mais baixos que
diferentes regiões do país: Articulação dos bia, Venezuela e Peru, que inscreveram em
Povos indígenas do Nordeste e de Minas Gerais suas constituições nacionais essa condi-
os indígenas a exemplo dos brancos que seu
e Espírito Santo - APOINME, Coordenação das ção. Nem sempre, porém, esta decisão tem
percentual chega a 4,7%, e os negros 10,0%, vale
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
ressaltar que os indígenas no Brasil representam se traduzido no apoio ao uso das línguas
- COIAB, Articulação dos Povos Indígenas do Sul
apenas 0,4% da população total do país.” indígenas nos sistemas de ensino e na valo-
- ARPINSUL, Articulação dos Povos Indígenas
Prossegue o texto: “A maioria da população
do Sudeste - ARPINSUDESTE, Articulação dos rização das tradições culturais.
indígena que sofre e vive em situação de extrema
Povos Indígenas e Região do Pantanal - ARPIPAN,
pobreza estão localizados exatamente no Norte Os desafios que os povos indígenas enfren-
Grande Assembleia Guarani – ATY GUASU.
(Amazônia) e Centro-Oeste, e muitos casos tam são imensos – no Brasil, nas Américas
ocorrem em terras que já foram demarcadas Fonte: http://www.apib.org.br/carta-denuncia-da-apib-
a-onu/ e em outros lugares do mundo (A situação
mostrando que não é suficiente apenas demarcar
dos direitos indígenas no Brasil de acordo
com as lideranças indígenas). As conquis-
tas em acordos internacionais (como a Con-

66
venção 169 da OIT, os documentos da ONU e da Unesco já citados)
são a afirmação de direitos e compromissos, mas sua realização co-
tidiana ainda pressupõe de muitos esforços e lutas. Nos países em Exclusão social
que é grande a presença de povos indígenas na população, em geral, “Há aproximadamente 190 milhões de afrodescendentes nas Américas,
ela é ainda maior entre os pobres e na extrema pobreza (Exclusão o que corresponde a 22% da população. Estima-se que há entre 30 e 40
social). Apesar das previsões legais de direitos dos povos indígenas milhões de indígenas na região, o que aponta a 8% da população. Em
todos os países, afrodescendentes e povos indígenas estão despropor-
serem motivo de celebração, o cumprimento desta legislação está
cionalmente representados e vivem na pobreza e na pobreza extrema.
longe de ser pleno. Conclui-se que cerca de 30% da população nas Américas sofre de ex-
clusão social e de um grave padrão discriminatório. A título ilustrativo,
Uma vitória a ser registrada é que está mais distante o modelo de
no Brasil, os afrodescendentes representam 51% da população, sendo
sociedade que acreditava na assimilação total das populações indí- 64% dos pobres e 71% dos que vivem na pobreza extrema; na Bolívia
genas e na destruição de seus modos de vida. Apesar de todos os os povos indígenas são 62% da população, sendo que 74% deles vivem
contratempos, os povos indígenas estão cada vez mais conscientes na pobreza; na Colômbia, os afrodescendentes são 26% da população,
do valor de suas culturas e dispostos a defendê-las. Por outro lado, sendo que 76% deles vivem na pobreza extrema; no Peru, os povos
indígenas são 45% da população, vivendo nas áreas mais pobres, sem
cresce no mundo não indígena a admiração e o respeito por esses
acesso a serviços públicos básicos.”
modos de vida e valores (Patrimônio imaterial). Os modos de vida, Fonte: Flavia Piovesan, O Globo, 25/7/2013.
4
relações sociais e ambientais que desenvolveram podem nos ensi-
nar a prevenir e evitar a pobreza. Seus conhecimentos vão além dos
saberes farmacológicos e alimentares, estendem-se às relações de Patrimônio imaterial
identidade e proteção coletiva. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003).
Definição: “As práticas, representações, expressões, conhecimentos e
Na França, o College de France,uma das instituições acadêmicas
técnicas – assim como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços
de maior prestígio, convidou recentemente a antropóloga brasi- culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos
leira Manuela Carneiro da Cunha para assumir por um ano a cáte- e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como fazendo parte inte-
dra “Saberes contra a pobreza”. Na aula inaugural, ela tratou dos grante de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial –
saberes indígenas, saberes tradicionais, saberes autóctones. Há que se transmite de geração em geração – é constantemente recriado
pelas comunidades e grupos em função de seu entorno, de sua inte-
muito que aprender com esses saberes, nos alerta a antropóloga,
ração com a natureza e sua história, e lhes fornece um sentimento de
mas é fundamental garantir as condições em que são produzidos, identidade e de continuidade, contribuindo assim a promover o respei-
se desenvolvem, se preservam, se transformam e se transmitem. to pela diversidade cultural e a criatividade humana”.
Eles podem nos ensinar muitas coisas importantes para um mun- http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=515
do sem pobreza.

67
para saber mais
Filmes nuela Carneiro da Cunha. Aula inaugural http://www.museudoindio.org.br/: Museu
Aqui você encontra as sinopses de alguns fil- no Collége de France, 22 de março de 2012. do Índio, da Funai - tem como objetivo con-
mes que fazem parte da filmografia sobre o http://www.college-de-france.fr/site/ma- tribuir para maior conscientização sobre a
tema deste mês e que vale a pena assistir. nuela-carneiro-da-cunha/inaugural-lec- contemporaneidade e a importância das
ture-2012-03-22-18h00.htm culturas indígenas. Como instituição de
Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolog-
preservação e promoção do patrimônio cul-
nesi, 2013. Sinopse: Filme de animação que O índio brasileiro: o que você precisa saber
tural indígena, empenha-se em divulgar a
conta quatro fases da história do Brasil. sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.
diversidade existente e histórica entre cen-
Gersem dos SantosLuciano. Brasília: Secad;
Xingu, de Cao Hamburguer, 2012. Sinopse: A tenas de grupos indígenas brasileiros.
Unesco, 2006.
trajetória dos irmãos Villas Bôas, a partir do
http://www.laced.etc.br/site/: Laboratório
momento em que se alistam na Expedição Movimentos Sociais
interdisciplinar de pesquisas e intervenção,
Roncador-Xingu. Cúpula Continental dos Povos e Nacionali-
que reúne pesquisadores trabalhando em
dades Indígenas;
Vídeos do Futura contextos urbanos e rurais, junto a grupos
Veja no caderno de textos a lista completa Fórum permanente dos povos indígenas sociais e dispositivos de Estado variados –
dos vídeos, sinopses e tempo de duração, ONU desde povos indígenas e populações ribei-
assim como sugestão de uso por tema/mês. rinhas, grupos étnicos de origem imigrante
Raposa Serra do Sol: decisão do STF sobre a
e quilombolas, até as políticas públicas e
Leituras manutenção da homologação do território
reflexões intelectuais a eles referidas –, en-
“Quem é índio?”, Eduardo Viveiros de Castro demarcado.
fatizando o papel político-cultural das cons-
http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-bra-
Páginas na internet truções de identidade e as relações sociais
sil-atual/quem-sao/povos-indigenasro.
http://www.funai.gov.br/: Fundação Nacio- que as sustentam.
O sistema classificatório de “cor ou raça” do nal do Índio – Funai, criada pela Lei nº 5.371,
http://www.socioambiental.org/: O  Institu-
IBGE, Rafael Osorio. Textos para discussão, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Mi-
to Socioambiental (ISA) é uma organização
Ipea, n. 996, Rio de Janeiro/RJ, 2003. http:// nistério da Justiça, entidade com patrimônio
da sociedade civil brasileira, sem fins lucra-
www.ifcs.ufrj.br/~observa/bibliografia/arti- próprio e personalidade jurídica de direito
tivos, fundada em 1994, para propor solu-
gos_periodicos/RafaelGuerreiroOsorio.pdf privado, é o órgão federal responsável pelo
ções de forma integrada a questões sociais
estabelecimento e execução da política indi-
“Savoirs autochtones: quelle nature, quels e ambientais com foco central na defesa de
genista em cumprimento ao que determina
apports des savoirs autochtones?”, Ma- bens e direitos sociais, coletivos e difusos
a Constituição Federal Brasileira de 1988.

68
relativos ao meio ambiente, ao patrimônio antropólogos e indigenistas que já trabalha- lação indígena, em especial as que habitam
cultural, aos direitos humanos e dos povos. vam com alguns grupos indígenas do Brasil. o Mato Grosso do Sul, estado com o segun-
É constituído por profissionais com forma- do maior contingente populacional indíge-
http://www.rca.org.br/: Rede de cooperação
ção e experiência qualificadas e comprome- na do Brasil.
alternativa integrada pelas organizações
tidos com o futuro dos povos indígenas.
indígenas e indigenistas Apina, Atix,  CPI/ http://www.usp.br/nhii/: O Núcleo de His-
AC, CTI, Foirn, Hutukara, Iepé, ISA, Opiac e Wy- http://www.cimi.org.br/O Conselho Indige- tória Indígena e do Indigenismo (NHII/
ty-Catë. O objetivo principal da RCA Brasil é nista Missionário (Cimi) é um organismo vin- USP) foi fundado em 1990 pela antropóloga
promover a cooperação e a troca de conhe- culado à CNBB (Conferência Nacional dos Manuela Carneiro da Cunha e desde então
cimentos e experiências entre organizações Bispos do Brasil) que, em sua atuação missio- se dedica à investigação de temas ligados
indígenas e indigenistas, visando a fortale- nária, conferiu um novo sentido ao trabalho à etnologia e história ameríndia, com foco
cer a autodeterminação, autonomia e am- da Igreja católica junto aos povos indígenas. no estudo de redes de relações. Abriga pes-
pliar a sustentabilidade e o bem-estar dos Criado em 1972, quando o Estado brasilei- quisadores desde a iniciação científica, for-
povos indígenas. ro assumia abertamente a integração dos mando-os nos diferentes patamares da car-
povos indígenas à sociedade majoritária, o reira, com a possibilidade de complementar
http://www.indiosonline.net/: Canal de diá- 4
Cimi procurou favorecer a articulação entre seus estudos com pesquisa de campo.
logo, encontro e troca. Um portal de diálo-
aldeias e povos, promovendo as grandes as-
go intercultural, que valoriza a diversidade, Documentos de referência
sembleias indígenas, onde se desenharam
facilitando a informação e a comunicação Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil
os primeiros contornos da luta pela garan-
para vários povos indígenas e para a socie- à presidenta da República Dilma Rousseff.
tia do direito à diversidade cultural.
dade de forma geral. “Nos conectamos à in- Articulação dos povos indígenas do Brasil,
ternet em suas próprias aldeias, casas, lan http://www.survival.es/: O movimento Sur-
2013.
houses, escolas e universidades realizando vival defende os direitos dos povos indíge-
uma aliança de estudo e trabalho em bene- nas tribais em todo o mundo. Censo Demográfico 2010: Características
ficio de nossas  comunidades e do mundo”. gerais dos indígenas. Resultados do univer-
http://www.neppi.org: Criado em 1995, o
so. Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
http://www.trabalhoindigenista.org.br: Neppi tem como finalidade coordenar os
tística (IBGE), Rio de Janeiro, Brasil 2012.
O Centro de Trabalho Indigenista (CTI) é uma vários programas e projetos de pesquisa e
organização não governamental constituí- extensão voltados para as sociedades indí- Convención Interamericana contra el Racis-
da juridicamente como associação sem fins genas, bem como participar das discussões mo, la Discriminación Racial y Formas Cone-
lucrativos, fundada em março de 1979 por sobre outras questões relacionadas à popu- xas de Intolerancia. OEA, Junho de 2013.

69
Convenção n° 169 sobre povos indígenas e Mapa Guarani Retã 2008.
tribais e Resolução referente à http://pib.socioambiental.org/files/file/
PIB_institucional/caderno_guarani_%20
ação da Organização Internacional do Tra-
portugues.pdf
balho (OIT). Brasília: OIT, 2011.

Declaração das Nações Unidas sobre os Di-


reitos dos Povos Indígenas. ONU, 2007.

Declaração Universal sobre a Diversidade


Cultural. Unesco, 2002.

Relatório Violência contra os Povos Indíge-


nas no Brasil – Dados de 2012.

Conselho Indigenista missionário (Cimi),


vinculado à Conferência Nacional dos Bis-
pos do Brasil (CNBB).

Um olhar indígena sobre a Declaração da


ONU. “Protagonismo dos Povos Indígenas
brasileiros por meio dos instrumentos in-
ternacionais de promoção e proteção dos
direitos humanos”. Brasil, 2008.

“As obras de infraestrutura do PAC e os


povos indígenas na Amazônia brasileira”,
Observatório de Investimentos na Amazô-
nia, Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc).http://www.inesc.org.br/biblioteca/
noticias/biblioteca/textos/obras-do-pac-e
-povos-indigenas/

70
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: pesquisa de campo e ma- 2ª etapa: Peça aos participantes para pes-
des complementares, individuais ou cole- peamento. quisar e identificar essa presença na ali-
tivas, associadas às questões apresentadas mentação e nos costumes que adotamos.
Objetivo: reconhecer as lutas dos povos in-
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que
dígenas. 3ª etapa: com o resultado da pesquisa pro-
seja útil para sua prática e para mobilizar e
ponha que seja feito um pequeno glossário
exercitar o pensamento crítico. 1ª etapa: proponha ao grupo que pesquise
com ilustrações para ser difundido na esco-
se em sua escola, a história e cultura indí-
la e na região.
genas são tema de trabalhos e pesquisas.
Tipo de atividade: pesquisa e debate. Num segundo momento sugira que pesqui-
sem também se na região existem grupos
Objetivo: mapear povos indígenas ou des- Tipo de atividade: leitura de imagem e pes-
indígenas ou descendentes. Para isso os
cendentes na região. quisa
participantes podem sair a campo e entre-
1ª etapa: segundo dados do Censo do IBGE, vistar moradores mais antigos. Objetivo: elaborar um pequeno dicionário
foi identificada a presença de pessoas que se indígena
2ª etapa: recomende ao grupo que apresen-
declaram indígenas em 80% dos municípios 4
tem os dados levantados, debatam e discu- 1ª etapa: Convide o grupo para assistir ao
brasileiros. Faça uma pesquisa em sua região
tam uma maneira de organizá-los. episódio Educação Indígena produzido pelo
e veja se há presença de povos indígenas ou
descendentes de indígenas. Você conhece al- 3ª etapa: procure junto com o grupo a ma- jornalismo do Canal Futura para a reporta-
guém que se autodeclara indígena? neira mais adequada de divulgar os dados gem especial Educação na Amazônia.
junto à comunidade escolar. 2ª etapa: proponha um debate sobre os te-
2ª etapa: junte os dados encontrados e co-
loque no mapa da sua cidade as localidades mas abordados na reportagem e por quais
onde os dados foram colhidos. imagens foram sensibilizados.
Tipo de atividade: pesquisa
3ª etapa: promova um debate, utilizando os 3ª etapa: Peça ao grupo para pesquisar as
Objetivo: relacionar a língua portuguesa
dados e textos como: “No Brasil todo mun- línguas que existem e a que povo indíge-
com a língua indígena da região.
do é índio, exceto quem não é”, do antropó- na pertence. Escolham a mais empregada
logo Eduardo Viveiros de Castro, que pode 1ª etapa: a presença indígena é muito difun- e elaborem um pequeno dicionário com o
ser encontrado no site do Instituto Socio- dida na língua portuguesa, nos nomes de significado das palavras que julgam mais
ambiental (ISA). lugares, comidas e objetos de uso. utilizadas ou importantes.

71
maio

TRABALHO
E POBREZA
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Artigo XXIII compatível com a dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre
proteção social.
escolha de emprego, a condições justas e favo-
ráveis de trabalho e à proteção contra o desem- 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindica-
prego. tos e neles ingressar para proteção de seus in-
teresses.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem di-
reito a igual remuneração por igual trabalho. Artigo XXIV
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclu-
remuneração justa e satisfatória, que lhe asse- sive a limitação razoável das horas de trabalho
gure, assim como à sua família, uma existência e férias periódicas remuneradas.
maio
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

5
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

01 Dia do trabalho | 03 Dia internacional do Sol | 03 Dia do Pau-Brasil | 07 Dia do Silêncio | 13 Abolição da Escravatura
Histórico balhadores e dezenas de pessoas feridas.
Oito trabalhadores dos que organizavam
Nosso caderno, no mês de maio, elegeu o as manifestações foram presos e condena-
trabalho como o tema central. O dia 1 de
dos pelo ocorrido, mesmo sem provas de
maio é feriado nacional, consagrado ao
que eram autores do lançamento da bom-
trabalho. Pode parecer um paradoxo, não
ba. Quatro deles foram executados, um
se trabalhar no dia do trabalho, mas não é.
se suicidou antes do enforcamento e três
No Brasil, e em diversos países do mundo,
foram condenados à prisão perpétua. Em
esse dia é para comemorar as conquistas
memória das vítimas desses incidentes,
dos trabalhadores, lembrar as lutas que
conhecidos como Revolta de Haymarket,
as tornaram possíveis e refletir sobre as
o Congresso Operário Internacional, reuni-
condições atuais do trabalho. A origem da
do em Paris em 1889, decretou o Dia Inter-
data justifica que ela tenha se tornado um
nacional do Trabalho exatamente na data
dia de celebração e luta.
de 1º de maio.
No dia 1º de maio de 1886 quinhentos mil
trabalhadores realizaram uma manifesta- Em 1893, após rever a sentença por pres-
ção pacífica na cidade de Chicago nos EUA. são de grupos da sociedade civil, a Jus-
Eles pleiteavam melhores condições de tiça Americana reconheceu que os oito
trabalho, dentre elas a redução da jornada trabalhadores eram inocentes e autori-
de 13 para oito horas por dia. Os trabalha- zou a liberação dos que estavam presos.
dores decretaram uma greve geral, outras No Brasil, a data é celebrada desde 1895,
manifestações se seguiram reprimidas mas só a partir de 1925 ela se tornou ofi-
pela polícia, causando a morte de alguns cialmente a data do Dia do Trabalho e
trabalhadores. No dia quatro de maio, du- passou a ser utilizada pelos governantes
rante outra manifestação, uma bomba ex- para o anúncio de medidas importantes:
plodiu onde os policiais estavam posicio- em 1940 foi a data da instituição do Salá-
nados, causando a morte imediata de um rio Mínimo, em 1941, a criação da Justiça
e ferindo sete deles, que depois também do Trabalho. Posteriormente, tornou-se a
faleceram. A retaliação da polícia foi ins- data em que se anunciava o aumento no
tantânea, provocando mais mortes de tra- valor do Salário Mínimo.

74
Trabalho e emprego das, com a incorporação da tecnologia e da de de trabalho, por um período de tempo e
automação. O trabalho ainda hoje faz parte em certas condições, para uma empresa ou
Essas histórias do dia do trabalho que con- da construção da identidade dos indivídu- instituição e recebe uma remuneração, um
tam lutas por melhores condições de vida os que tanto se definem em função das ati- rendimento.
e de remuneração e pelo reconhecimento vidades que exercem como definem essas
de direitos não devem nos fazer esquecer Com o rendimento recebido pelo trabalho,
atividades em função de habilidades, talen-
que o trabalho é muito mais do que empre- é possível ao trabalhador e à trabalhadora
tos e dons que reconhecem em si mesmos.
go. Os estudos da evolução humana ates- chegar ao mercado de consumo e adquirir
Será que a humanidade caminha para o fim
tam que foi por meio do trabalho que os bens e serviços necessários à sua vida, as-
do trabalho como o conhecemos?
seres humanos se transformaram e se tor- sim como pagar impostos e contribuições
naram o que são hoje, desde o aspecto físi- que mantêm as políticas públicas que de-
vem atender a toda a sociedade, como po-
co até o aspecto social e coletivo. Por meio As transformações no mundo
líticas saúde, educação, assistência social,
de sua interação com a natureza e com os do trabalho
seres humanos de sua comunidade, o cor- segurança, dentre muitas outras.
po humano também se transformou, assim Até bem recentemente, o trabalho comuni-
O desenvolvimento do capitalismo nos sé-
como suas relações de cooperação, sua ex- tário era o que criava as condições de pro- 5
culos XVIII e XIX fortaleceu a oposição entre
periência do tempo, sua visão do passado dução e reprodução da vida, um esforço co-
capital e trabalho e as tensões geradas por
letivo que envolvia todos os membros dos
e do futuro, seu modo de transmissão de este conflito desenharam as sociedades até
grupos, divididos de acordo com sexo, ida-
técnicas e valores. hoje. As relações entre capital e trabalho
de, posição social, habilidades e capacida-
não se mantiveram estáticas e têm se trans-
Do ponto de vista da longa trajetória da es- des. No trabalho e pelo trabalho, a socieda-
formado de modo veloz e acentuado desde
pécie humana na terra, foi por meio do tra- de expressava sua organização e transmitia
o fim do século XX, como a ampliação das
balho que se deram as transformações, na às gerações sucessivas o conhecimento
medidas de proteção ao trabalho, distribui-
natureza e nas relações humanas, que fize- das formas de explorar os recursos que a
ção entre a sociedade dos custos das polí-
ram a sociedade que somos, determinando natureza e a vida em sociedade ofereciam.
ticas de seguridade social, participação no
posições para os homens e as mulheres, de- Foi a partir de pouco mais de 300 anos que
lucro de empresas, estímulos à criação de
finindo atribuições para crianças e velhos. vem se consolidando um tipo de relação de
cooperativas e microempresas.
Foram também as relações de trabalho que trabalho que tem predominado nas socie-
opuseram escravos e proprietários, servos dades contemporâneas: o emprego assala- Mudanças na forma de organização e ex-
e senhores, operários e capitalistas e que riado, ou seja, o trabalho como uma relação ploração do capital transformaram as ten-
hoje passam por transformações profun- entre uma pessoa que vende sua capacida- sões, mas não superaram o antagonismo

75
O que é trabalho decente ções de liberdade, equidade e segurança, capaz de da proteção social, a promoção e fortalecimento
garantir uma vida digna”. Desta forma, o Trabalho do diálogo social e o respeito aos princípios e
Além da promoção permanente das Normas
Decente é uma condição fundamental para a direitos fundamentais no trabalho, expressos na
Internacionais do Trabalho, do emprego, da melho-
superação da pobreza, para a redução das desigual- Declaração dos Direitos e Princípios Fundamen-
ria das condições de trabalho e da ampliação da
dades sociais, para a garantia da governabilidade tais no Trabalho da OIT, adotada em 1998: 
proteção social, a atuação da OIT no Brasil tem se
democrática e o desenvolvimento sustentável.
caracterizado, no período recente, pelo apoio ao 1) liberdade de associação e de organização
esforço nacional de promoção do trabalho decente O elemento central do conceito de trabalho sindical e reconhecimento efetivo do direito de
em áreas tão importantes como o combate ao tra- decente é a igualdade de oportunidades e de negociação coletiva (Convenções da OIT 87 e 98);
balho forçado, ao trabalho infantil e ao tráfico de tratamento e o combate a todas as formas de
2) eliminação de todas as formas de trabalho força-
pessoas para fins de exploração sexual e comercial, discriminação — de gênero, raça/cor, etnia, idade,
do ou obrigatório (Convenções da OIT 29 e 105);
à promoção da igualdade de oportunidades e trata- orientação sexual, contra pessoas com deficiência,
mento de gênero e raça no trabalho e à promoção vivendo com HIV e AIDS etc.  3) abolição efetiva do trabalho infantil (Conven-
de trabalho decente para os jovens, entre outras. ções da OIT 138 e 182);
As ações em todo o mundo para construir
(http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-traba-
essa nova realidade do trabalho têm sido 4) eliminação da discriminação em matéria de em-
lho-decente).
articuladas através de um pacto chamado de prego e ocupação (Convenções da OIT 100 e 111).
De acordo com a Organização Internacional do “Agenda do Trabalho Decente”. Os quatro eixos
Trabalho (OIT), Trabalho Decente é um “trabalho centrais da agenda são a criação de emprego de (http://meusalario.uol.com.br/main/trabalho-de-
adequadamente remunerado, exercido em condi- qualidade para homens e mulheres, a extensão cente/voce-sabe-o-que-e-trabalho-decente)

76
entre o capital e o trabalho, que hoje ad- Tanto em sua dimensão histórica e trans-
quire formas diversificadas. Quer entre em- formadora das relações dos homens com
pregadores, quer entre empregados, novas a natureza como por sua dimensão estru-
formas de organização e relacionamento turante das relações sociais, o trabalho é
aparecem, mas ao mesmo tempo, no mun- decisivo para organizar e hierarquizar so-
do capitalista, crescem de modo surpreen- ciedades complexas como as que vivemos.
dente a concentração de riqueza, o desen- É por meio da inserção no mercado de tra-
volvimento tecnológico e a ampliação do balho que os indivíduos detêm posições de
mercado de consumo. maior ou menor prestígio, maior ou menor
ganho na escala de rendimentos e podem
O desenvolvimento tecnológico e as crises
desfrutar de melhores ou piores condições
cíclicas do capitalismo têm gerado cres-
de vida. O trabalho é a melhor maneira que
cente desemprego, especialmente entre
as sociedades têm para que as pessoas pos-
a juventude dos países desenvolvidos. Pa-
sam sair e manter-se fora da pobreza, des-
íses da chamada zona do Euro, que reúne
de que atendidas as condições que hoje são
17 nações, estavam no final de 2013 com 5
apontadas como necessárias para garantir
mais de 20 milhões de desempregados e,
o trabalho decente (trabalho decente).
na Espanha, entre os jovens de 24 anos,
ou menos, o desemprego era superior a No Brasil, a partir da metade do século pas-
56%. Talvez a maior ameaça que o século sado, mais precisamente em 1º de maio de
XXI reserva seja o fim de grande parte dos 1943, foi promulgada a CLT (Consolidação
postos de trabalho conhecidos hoje, sem das Leis do Trabalho). Ela reuniu uma série
a segurança de que novos serão abertos de avanços conquistados e consolidou um
na mesma quantidade e com as mesmas conjunto das normas jurídicas que regulam
condições de segurança e proteção dos as relações individuais e coletivas de tra-
trabalhadores e trabalhadoras, duramen- balho. A partir da CLT novos avanços foram
te conquistadas desde as lutas operárias possíveis no reconhecimento dos direitos
do século XIX. O dia 1º de maio, que relem- dos trabalhadores. O IBGE recolhe com re-
bra essas conquistas, é também momento gularidade informações sobre o trabalho e
de reflexão sobre as condições atuais e fu- assim podemos compreender como andam
turas do trabalho. os processos de inclusão e exclusão da so-

77
ciedade, quais as condições de ocupação, de informalidade. Ainda que a expansão
os rendimentos e as desigualdades existen- do setor industrial e de serviços venha se
tes no mercado de trabalho brasileiro. ampliando por todo o país, os padrões de
emprego assalariado regulado pela legisla-
É importante observar que a própria expres-
ção trabalhista e com garantia de direitos,
são “mercado de trabalho” já demonstra
ainda é grande o contingente de trabalha-
a dinâmica moderna do capitalismo que
dores que atua de modo informal, recebem
transforma todas as coisas em mercadoria,
baixas remunerações e não têm qualquer
inclusive o trabalho, restando aos trabalha-
proteção da legislação vigente.
dores buscar boas posições neste mercado.
A posição que trabalhadores e trabalhadoras O comportamento do mercado de traba-
ocupam no mercado de trabalho, porém, não lho depende diretamente da dinâmica da
depende apenas das capacidades, habilida- economia e como o processo de globali-
des, dedicação e entusiasmo desses traba- zação é crescente, o mercado de trabalho
lhadores e trabalhadoras, mas outros fatores nos países também sofre com as variações
incidem sobre a organização e funcionamen- da economia internacional. Para se ter um
to do mercado de trabalho, como veremos. exemplo, ao longo dos anos 1980 e meados
de 1990, o Brasil passou por várias crises
econômicas, períodos de hiperinflação e
Mercado de trabalho no Brasil entre 1980 e 1995 o valor real do salário mí-
nimo foi reduzido em 46%1. Nos anos 2.000
O mercado de trabalho no Brasil nasceu
o comportamento do mercado de trabalho
apoiado numa divisão que até hoje deixa
no Brasil foi de ampliar a incorporação de
suas marcas: por um lado, o trabalho no
novos contingentes de trabalhadores, me-
setor urbano industrial, restrito, de me-
lhorar o rendimento do trabalho frente ao
lhor remuneração, formalizado na carteira capital, reduzir o desemprego e aumentar
de trabalho e contribuição à previdência a formalidade. A crise internacional que se
social, maior exigência de escolaridade e iniciou em 2008 ainda hoje traz efeitos para
formação técnica. Por outro lado, o traba- o mercado de trabalho mundial e também
lho de baixa remuneração, pouca exigên-
cia educacional e técnica, grandes níveis 1 IBGE: 2013. Síntese dos indicadores sociais, p. 141.

78
para o mercado de trabalho brasileiro sem, ção das gerações futuras, pela contribuição Trabalho formal e trabalho
todavia, deter seu processo recente de in- à previdência social. Entre 2002 e 2012, a informal
clusão e de formalização. taxa de formalização do trabalho no Brasil
passou de 44,6% para 56,9%, ou seja, mais Estar ocupado coloca em questão outra di-
O mercado de trabalho na última década mensão da desigualdade: trabalho formal X
da metade dos postos de trabalho no Brasil
(2002 a 2012) apresenta bons resultados se trabalho informal. Trabalho formal, segun-
neste início da segunda década do século
olhado numa perspectiva de médio e longo do a definição da Organização Internacio-
XXI são formalizados.
prazo2. A retomada do crescimento econô- nal do Trabalho (OIT), inclui os empregados
mico, o aumento da renda, a ampliação do Os avanços recentes no mercado de traba- e trabalhadores domésticos com carteira
mercado de consumo, a valorização do sa- lho brasileiro, no entanto,não foram sufi- assinada, militar, funcionário público es-
lário mínimo e políticas de formalização do cientes para superar um conjunto de desi- tatutário, trabalhador por conta própria
emprego contribuíram para o crescimento gualdades regionais, de gênero e de raça, e empregador, ou seja, os que contribuem
dos postos de trabalho e para a redução da de geração e escolaridade. Essas desigual- para a previdência social.
informalidade, duas conquistas muito im- dades nos informam também a respeito
portantes para a redução da pobreza e da da distribuição da pobreza em nosso país. No período de 2002 a 2012, o número de em-
miséria no Brasil. A primeira e ameaçadora desigualdade diz pregos formais no país passou de 28,6 mi-
lhões para 47,4 milhões, um salto importan-
5
respeito a estar ocupado ou não, quer dizer,
A formalização das relações de trabalho é te. Mas enquanto as regiões Sudeste, Sul e
estar integrado ao mercado de trabalho
um indicador fundamental do trabalho de- Centro-Oeste mantêm mais de 60% das pes-
ou permanecer em busca de uma posição
cente por representar não apenas a prote- soas ocupadas em trabalho formal, no Nor-
sem ser acolhido. As conquistas da última
ção do trabalhador e da trabalhadora em te e no Nordeste essa proporção não chega
década no mercado de trabalho brasileiro
caso de doença, acidente, aposentadoria, a 40%. No Estado do Maranhão 74,5% dos
ainda não foram suficientes para romper
gravidez e licença maternidade, férias e re- trabalhadores estão em trabalhos infor-
algumas das desigualdades estruturais: em
muneração adequadas, mas também por mais. A informalidade das relações de tra-
2002, por exemplo, 10,6% das mulheres do
garantir sua participação no ciclo de prote- balho significa uma ameaça permanente
Nordeste em idade economicamente ativa
estavam desempregadas. Em 2012, após ao trabalhador e fragiliza o próprio sistema
2 “A taxa de desemprego apresentou queda sensível os
notáveis avanços, o número de mulheres de seguridade social cuja lógica é distribuir
últimos anos no Brasil. Segundo dados do IBGE, a taxa
média de desemprego no Brasil foi de mais de 12% em sem ocupação era de 10,3%, praticamente a entre todos os custos de proteção de cada
2003 e de menos de 6% em 2011. A taxa de um dos trabalhadores e trabalhadoras, no
desemprego no Brasil era uma das maiores do mundo mesma proporção, enquanto a taxa média
em 2003 e uma das menores do mundo em 2011”. de desemprego ao longo do ano foi de 5,5%, presente e no futuro. A informalidade rom-
SANTOS, Fernando Siqueira. Ascensão e Queda do pe essa solidariedade atual e geracional co-
Desemprego no Brasil: 1998-2012.ANPEC. uma das menores da história.

79
laborando, inclusive, para a manutenção de
condições de trabalho indignas e de baixa
remuneração.

O IBGE, ao pesquisar o mercado de traba-


lho formal e informal, distingue diferentes
tipos de ocupação e a proporção de pes-
soas em cada tipo de ocupação: emprego
com carteira assinada (39,8%), empregado
sem carteira assinada (14,9%), trabalhador
doméstico com carteira assinada (2 %), tra-
balhador doméstico sem carteira assinada
(4,7%), militar ou funcionário público (7,5%),
trabalhador por conta própria (20,9%), em-
pregador (3,8%), trabalhador para o próprio
consumo ou uso (3,8%) e por fim, trabalho
não remunerado (2,6%).

De acordo com as informações do IBGE,


recolhidas no ano de 2012, três grupos ocu-
pacionais são considerados vulneráveis em
virtude da baixa taxa de formalização de
suas relações de trabalho: os empregados
e os trabalhadores sem carteira assinada e
os trabalhadores por conta própria. Nos úl-
timos anos, cresceu a taxa de formalização
desses três grupos, mas ainda é inferior ao
necessário para garantir a segurança pes-
soal e social que o trabalho formal oferece.
Apenas 20% dos trabalhadores sem cartei-
ra, 11,5 % dos empregados domésticos sem

80
carteira e 23,7% dos trabalhadores por con- nais. Quando se examina a desigualdade preta ou parda recebiam em 2011 74,5% do
ta própria passaram a contribuir para a pre- por cor ou raça, é importante lembrar que a rendimento de um trabalhador branco com
vidência social. população branca se distribui de forma de- a mesma escolaridade. Maior número de
sigual nas regiões brasileiras, predominan- anos de estudo deveria, em tese, elevar os
Ao todo, quase 30 milhões de trabalhado-
do na região sul e minoritária nas regiões salários de todos e diminuir a diferença en-
res dessas três categorias não contribuem
norte e nordeste, onde predomina a popu- tre brancos e negros, mas não é o que acon-
para a previdência social. Assim, diferentes
lação parda. Como no país a soma de pre- tece. Para o grupo com 12 anos ou mais de
custos que as sociedades modernas distri-
tos (7,9%) e pardos (45%) é 52,9%, os dados estudo, as pessoas ocupadas de cor ou raça
buem entre todos os cidadãos ativos eco-
nomicamente, ficam mais elevados para os nacionais deveriam ser distribuídos de for- negra (pretos e pardos) recebiam o rendi-
que contribuem. Elevar a taxa de formaliza- ma equilibrada entre os grupos de brancos mento médio equivalente a 67,2% da popu-
ção do mercado de trabalho sem perder as (46,2%) e negros (soma de pretos e pardos). lação ocupada branca, uma proporção infe-
garantias que a legislação atual garante ao rior ao grupo de menor escolaridade.
Uma característica marcante quando se
trabalhador é um dos grandes desafios das trata do tema desigualdade racial no tra- Quando se examina a questão sob a pers-
economias modernas, em particular dos pa- balho é que pretos e pardos são a maior pectiva de gênero, constatam-se fortes de-
íses emergentes, entre eles o Brasil. proporção nos trabalhos informais quan- sigualdades entre homens e mulheres em 5
Em 2013, foi aprovada a Emenda Constitu- do comparados com a população branca. diversos aspectos do mercado de trabalho.
cional 72, de 2 de abril de 2013, conhecida Enquanto 49,6% dos trabalhadores negros No tocante à formalização, em 2011, 56,8%
como PEC das domésticas, que estabelece a brasileiros estão no setor informal, entre os dos homens atuavam em relações formais
igualdade de direitos trabalhistas entre os brancos essa proporção é de 36%. No grupo de trabalho, enquanto a proporção de mu-
trabalhadores domésticos e os demais tra- dos desocupados, 59,9% são pretos ou par- lheres era de 54,8%. As mulheres são mais
balhadores urbanos e rurais. dos. Sabemos que os anos de estudo têm afetadas pelo desemprego, recebem remu-
relação direta com o nível de remuneração neração inferior mesmo tendo escolarida-
dos trabalhadores. Quando se examina no de média superior à dos homens e cum-
Mercado de trabalho e mercado de trabalho brasileiro o rendimen- prem uma jornada de trabalho maior, se
desigualdades to médio das pessoas em face da sua esco- forem computadas as horas dedicadas aos
laridade, fica comprovada essa regra, ou ao afazeres domésticos.
As desigualdades no mercado de trabalho
menos em parte.
brasileiro assumem diferentes caracterís- Enquanto os homens tinham a jornada se-
ticas: são desigualdades de gênero, de raça Entre as pessoas ocupadas com até oito manal média de 42,1 horas, a das mulheres
ou cor, desigualdades regionais e educacio- anos de estudo, os trabalhadores de cor era de 36,1 horas. Já nos afazeres domés-

81
ticos, as mulheres estavam ocupadas em reprodução intergeracional. O número raciais e de gênero tem colocado a mulher
média 20,8 horas, enquanto os homens de- de famílias chefiadas por mulheres vem negra como um dos grupos sociais mais
dicavam-se 10 horas semanais. Comparan- aumentando, mas os dados mostram que suscetíveis à pobreza e exclusão social. Por-
do as duas jornadas integrais, as mulheres estas famílias são mais vulneráveis a situ- tanto, pobreza no Brasil tem cor e sexo! Os
tinham um excedente de 4 horas semanais ações de pobreza. Apesar do aumento da indicadores sociais no Brasil têm mostrado
de trabalho superior à jornada dos homens. participação das mulheres no mercado de evolução positiva nas últimas décadas, po-
Mesmo considerando o quesito anos de trabalho, suas taxas de desemprego persis- rém os diferenciais entre raças e entre gê-
escolaridade, a distância entre o rendimen- tem mais altas, bem como os diferenciais neros ainda persistem.
to hora de homens e mulheres aumenta à salariais desfavoráveis a elas. O caso específico do trabalho doméstico é
medida que cresce o número de anos de
O trabalho autônomo tem sido uma alter- marcado por questões de gênero e raça. É
estudos. No grupo dos mais escolarizados,
nativa cada vez mais utilizada pelas mu- uma inserção no mundo do trabalho basi-
com 12 anos ou mais, as mulheres recebiam
lheres. O incentivo à participação feminina camente feminina e altamente representa-
em média 66% dos rendimentos dos ho-
no mercado de trabalho tem que ser acom- da pelas mulheres pretas e pardas. Segundo
mens com a mesma escolaridade. Do mes-
panhado por políticas que promovam a dados da PNAD/IBGE, existiam 6,2 milhões
mo modo, o acesso de homens e mulheres
superação das desigualdades de gênero e de trabalhadores domésticos com 18 anos
a cargos de direção e gerência é bastante
o reconhecimento de direitos iguais, mas ou mais de idade no Brasil em 2012, sendo
desigual. A remuneração das mulheres em
também daqueles específicos às mulheres que destes, 5,7 milhões eram mulheres, ou
cargos de chefia chega a ser apenas 37% do
– tais como os referentes à maternidade. seja, mais de 92%. Cerca de 70% não tinham
que ganham os homens em função seme-
Já vimos que a jornada de trabalho das mu- carteira de trabalho assinada. A maioria
lhante, dependendo do setor de atividade.
lheres nos afazeres domésticos é o dobro trabalha nas Regiões Sudeste e Nordeste,
De acordo com dados compilados pela da jornada dos homens e ao mesmo tempo, e a assinatura da carteira de trabalho é um
CEPAL, as mulheres estão sobre-represen- fenômeno que ocorre na maioria das vezes
a oferta de creches, por exemplo, ainda é
tadas entre as pessoas em situação de no Sudeste.
bastante limitada, particularmente para os
pobreza, na maioria dos países da Améri-
grupos de baixa renda. Juventude e mercado de trabalho
ca Latina. No caso brasileiro, as lutas po-
líticas enfrentadas pelas mulheres já têm Dentre os grupos mais vulneráveis, estão Um desafio importante é garantir o ingres-
demonstrado que elas não são “minorias” os relacionados à interação entre gênero so da juventude no mercado de trabalho
e que têm papel central nas estratégias e raça. Como no Brasil a discriminação ra- em postos de “trabalho decente” e com
de superação da pobreza, principalmen- cial tem produzido e reproduzido situações qualificação profissional adequada. Os de-
te no aspecto de rompimento do ciclo de de pobreza, a relação entre desigualdades bates promovidos pelos encontros e con-

82
ferências da juventude apontam três gran- sal para os males do desemprego juvenil. Juventude, estudo e trabalho
des desafios: acesso ao sistema educativo, Dados do Sebrae informam que, em média,
“Em relação aos jovens”, grupo que consiste
oportunidades de emprego e ocupações 5% das iniciativas conseguem manter-se no
de pessoas de 15 a 29 anos de acordo com o
produtivas e combate às distintas formas mercado por longo período3. Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013c), uma das
de violência física e simbólica. Muitos jo- metas nacionais dos Objetivos do Desenvol-
A adequada inserção dos jovens no merca-
vens estudam e trabalham e, argumentam vimento do Milênio destaca a importância do
do de trabalho exige um conjunto amplo trabalho produtivo e decente para esse grupo
as lideranças da juventude, não se deve
de iniciativas, em vista da diversidade da populacional.
imaginar que essas duas atividades sejam
juventude brasileira, que compõe pratica-
vistas como antagônicas. Muitos jovens, Em 2012, para os jovens de 15 a 17 anos de ida-
mente 25% da população. Um dos focos
em especial os de famílias de baixa renda, de, a taxa de ocupação foi de 25,3%, de acordo
centrais deve ser a articulação entre ele- com dados da PNAD. Nessa idade espera-se que
buscam o mercado de trabalho por urgên-
vação de escolaridade, oferta diversificada o jovem ainda esteja frequentando a escola,
cia, necessidade e para adquirir experiên-
de opções para a educação profissional e o assim, 65,4% do total de pessoas neste grupo
cias que permitam galgar postos melhor etário somente estudavam, 18,8% trabalhavam
acesso ao trabalho decente, com remunera-
remunerados. e estudavam, 6,5% somente trabalhavam e 9,4%
ção adequada e direitos reconhecidos. (ju-
não trabalhavam nem estudavam, o que será
As políticas educacionais deveriam levar ventude, estudo e trabalho) 5
estudado com mais detalhe na sequência. (...)
em conta essas características e considerar
A remuneração do trabalho é fundamental Para as pessoas de 18 a 24 anos, a taxa de ocu-
as estratégias de horários e currículos de
para que a distribuição de renda no país pação é bem mais elevada que aquela observa-
modo a contemplar a diversidade de situ-
seja mais equilibrada e justa. O Brasil osten- da para o grupo de 15 a 17 anos com diferença
ações em que vivem a juventude urbana e principalmente na proporção daqueles que
ta uma imensa desigualdade na relação en-
rural. Tanto a entrada precoce no mercado somente trabalham. A taxa de ocupação das
tre os grupos de maior e menor rendimento
de trabalho, em geral com formação edu- pessoas de 18 a 24 anos apresentou ligeiro au-
quando se trata da proporção de apropria-
cacional interrompida, quanto a entrada mento, passando de 60,6% a 62,1%, no período
ção de cada grupo sobre a renda total. Se de 2002 para 2012, acompanhada pela elevação
tardia, prejudicam o percurso profissional
dividirmos as pessoas de 15 anos ou mais da proporção dos jovens que somente traba-
e ameaçam a inserção dos jovens em con-
segundo seus rendimentos, considerando lhavam que passou de 43,1% para 47,3%, no
dições que permitam a criação de uma car- mesmo período. A taxa de frequência à escola
todas as fontes, o grupo de 10% de pessoas
reira,com trabalho decente, remuneração apresentou queda no mesmo período, de 33,9%
com os menores rendimentos (primeiro dé-
e formação adequadas. E, argumentam os para 29,4% deste segmento etário, fato relacio-
documentos sobre políticas de trabalho de- nado tanto ao aumento da proporção desses
cente e juventude, não se deve apresentar o 3 Costanzi, Rogério Nagamine. Trabalho decente e jovens que somente trabalhavam quanto à
juventude no Brasil. (Brasília): Organização Internacional redução do atraso escolar nessa faixa etária.
“empreendedorismo” como solução univer- do Trabalho, 2009. 220 p.
continua >>

83
Para o grupo de 25 a 29 anos, em 2012, observa- cimo) detém apenas 1,1% da renda total, en- ção no período, representando, portanto
se que somente 11,2% estudavam, sendo que quanto o último décimo (10% de maior ren- um ganho real de rendimento.
8,8% do total cursavam ensino superior, mes-
da) se apropria de 41,9%. Esses números de
trado ou doutorado. Cerca de ¾ das pessoas
neste grupo etário trabalhavam. distribuição de renda, que revelam grande
desigualdade, são os melhores dos últimos O rendimento do trabalho nas
Merece atenção analisar os jovens que não
trabalhavam na semana de referência nem
anos, pois a distância entre esses grupos já famílias
frequentavam escola, aqueles chamados de
foi bem maior.
É possível acompanhar como o rendimento
“nem nem”, que representavam 19,6% dos Se aprofundarmos a leitura das informa- do trabalho participa do rendimento total
jovens de 15 a 29 anos de idade, em 2012. No
ções, as desigualdades ficam ainda mais das famílias mais pobres. Havia no Brasil,
subgrupo de 15 a 17 anos, esta proporção foi
de 9,4%, enquanto entre aqueles com 18 a 24 gritantes: comparando o 1% das pessoas de acordo com a PNAD 2012, 65,9 milhões
anos a incidência chegou a 23,4%. A proporção com maior rendimento em 2012 e as pes- de arranjos familiares, quer dizer, conjunto
de mulheres entre os que não estudavam e não soas que integram o grupo de 50% da po- de pessoas ligadas por laços de parentesco
trabalhavam foi crescente com a idade, 59,6% pulação com menor rendimento, a relação ou por dependência doméstica que vivem
entre aqueles com 15 a 17 anos, atingindo
entre os valores que cada um recebe é de juntas. Os estudos do IBGE estimaram que
76,9% entre as pessoas de 25 a 29 anos. Entre as
mulheres que não trabalhavam nem estuda-
34,7 vezes, quer dizer, o 1% recebe o equiva- 2,1% dos arranjos familiares no Brasil não
vam destaca-se a proporção daquelas que lente a quase 35 vezes o que recebe o outro tinham rendimento, 6,4% dos arranjos fami-
tinham pelo menos um filho: 30,0% daquelas grupo que agrega 50% da população. Esses liares do país tinham até ¼ de salário míni-
de idade entre 15 e 17 anos, 51,6% daqueles de números chamam a atenção para o fato de mo per capita de rendimento familiar e ou-
18 a 24 anos e 74,1% daquelas de 25 a 29 anos.” que reduzir a pobreza e diminuir as desi- tros 14,6% dos arranjos familiares tinham
Fonte: IBGE. Síntese das condições de vida 2013.
gualdades são desafios fundamentais para rendimento per capita entre ¼ e ½ salário
a sociedade brasileira. Políticas como a ele- mínimo. Assim, do total de arranjos familia-
vação do valor do salário mínimo têm sido res, 15,2 milhões de famílias vivem com ren-
eficientes para reduzir a desigualdade, pois
dimentos totais até ½ salário mínimo per
atuam sobre a base da pirâmide de rendi-
capita, ou seja, 23% das famílias brasileiras.
mentos que tem obtido ganhos maiores do
que o grupo situado no topo da pirâmide. O IBGE estimou que a renda do trabalho
Conta também a favor dessa redução, a atu- correspondia a pouco mais da metade dos
ação dos sindicatos dos trabalhadores que rendimentos das famílias com até ¼ do sa-
em negociações coletivas têm alcançado lário mínimo e mais de 70% do grupo en-
índices de reajuste superiores aos da infla- tre ¼ e ½ salário mínimo. Pensões e outras

84
fontes, entre elas os programas de trans- Organizações como a Comissão Europeia
ferência de renda, como o Bolsa Família e definem que os grupos que estão abaixo de
outros adotados por estados e municípios 60% da mediana estão em risco de pobreza:
a partir do Cadastro Único, completam a no Brasil, em 2002, 27,2% das famílias brasilei-
renda dessas famílias. É importante notar ras estavam nessa condição e em 2012 a pro-
que as transferências de renda elevaram porção baixou para 25,6%. Se considerarmos
o rendimento total dessas famílias sem as pessoas, quase 1/3 dos brasileiros vivem
que elas tivessem abandonado o trabalho, nesse risco. Esses números são muito impor-
pois a taxa de ocupação desses grupos tantes para que os brasileiros conheçam me-
permaneceu próxima a 80%, desde 2002, lhor nosso país e os desafios que vivemos. É
quando os programas de transferência ti- preciso aumentar a formalidade do trabalho,
efetuar a contribuição da previdência para
nham alcance menor. Essa informação re-
trabalhadores por conta própria e empre-
vela que o pagamento pelo trabalho ainda
gadores, garantir as condições de trabalho
é bastante baixo no Brasil, especialmente
decente e ampliar a escolaridade e a remu-
para a população de pouca escolaridade 5
neração para o trabalho em face dos ganhos
que atua no mercado informal.
do capital. Além disso, é preciso reduzir e su-
Pelo nível de rendimento total dos arran- perar as desigualdades que ainda existem no
jos familiares, também é possível estimar mercado entre homens e mulheres, brancos
as condições de pobreza e risco de po- e negros, trabalho urbano e trabalho no cam-
breza na população. Um indicador usado po, os de maior e de menor escolaridade.
para medir a pobreza do ponto de vista A pobreza que ainda afeta milhões de pesso-
monetário leva em conta a desigualdade as no Brasil decorre não apenas da inserção
entre um grupo da população e o conjun- precária no mercado de trabalho, da baixa
to dessa população. Usa-se a mediana, um escolaridade e das desigualdades entre ren-
cálculo matemático que ordena os ren- dimentos, trabalho formal e informal, estar
dimentos de cada grupo da população e ocupado e desocupado. A pobreza, como
avalia quantos estão abaixo de uma linha estamos analisando nos textos de cada um
que separa os grupos entre os de maior e dos meses de nosso Caderno, também afeta
menor rendimento. as pessoas pela falta de acesso à educação

85
Carências sociais e rendimento: proporção de pessoas segundo carências sociais e ou lhes é oferecida educação de baixa qua-
características de rendimento – Brasil 2001/2011 lidade, as carências dos lugares de residên-
A pobreza é um fenômeno multidimensional, em ou pensionistas de instituto de previdência. Além cia dessas pessoas, o acesso a serviços bási-
que as pessoas vivem não apenas com carência de disso, utilizou-se como proxy dos beneficiários cos, como água e esgotamento sanitário e
renda, mas também restrições ao acesso a outros de programas de transferência de renda aquelas proteção pelo serviço social.
direitos. Para avaliar a cadência de renda, foi utili- pessoas que possuíam rendimento domiciliar per
zado o cálculo de proporção de pessoas que têm capita inferior a ½ salário mínimo e declararam Esse conjunto de indicadores permite olhar
rendimentos inferiores a 60% da mediana. O IBGE receber rendimentos de outra fontes (quer dizer, à com mais detalhe a situação da pobreza
fez uma avaliação de outras quatro cadências para exclusão dos rendimentos do trabalho ou pensão/
no Brasil, utilizando informações colhidas
verificar as condições de pobreza: aposentadoria). Dessa forma, também foram classi-
ficados como carentes os residentes dos domicílios pelo IBGE no ano de 2011. Se considerarmos
• Atraso educacional - foram consideradas caren- com rendimento domiciliar per capita inferior a ½ quatro tipos de carência, é possível estimar
tes as crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de salário mínimo em que nenhum membro rece- se está melhorando ou não a situação do
idade que não frequentavam escola; as pessoas besse rendimentos de outras fontes, o que inclui
de 15 anos, ou mais, analfabetas e as pessoas de conjunto da população. (Carências sociais
programas sociais.
16 anos ou mais, que não haviam concluído o e rendimento) Os números indicam que
ensino fundamental. FONTE: IBGE, PNAD 2001/2011, In: IBGE, Condições de vida 2012.
houve melhora, mas grande parte da po-
• Qualidade dos domicílios - foram considera- Estes indicadores mostram que ainda é alta a pulação ainda vive algum tipo de carência,
dos carentes os residentes em domicílios com proporção de brasileiros que sofre algumas das ca- portanto estão sujeitos a, de algum modo,
alguma das seguintes características: paredes rências, embora tenha diminuído de 70,1% em 2001 ficarem em condições de pobreza.
que não fossem de alvenaria ou madeira apare- para 58,4% em 2011.
lhada; telhado cujo material predominante não
fosse telha, laje ou madeira aparelhada e den-
Números do trabalho no Brasil
sidade de moradores por dormitório superior a
Segundo a PNAD 2012, havia 100,1 milhões de pessoas economicamente ativas, sendo 93,9 milhões a população
2,5 pessoas.
ocupada e 6,2 de pessoas desocupadas. São pessoas desocupadas “as que não estavam ocupadas e tomaram pro-
• Acesso aos serviços básicos - foram considerados vidência efetiva para conseguir trabalho”. As pessoas ocupadas estavam distribuídas pelas seguintes ocupações:
carentes os residentes em domicílios cujo abas-
tecimento de água não fosse por rede geral, com Número (em milh.) Ocupação Proporção sobre total de ocupados
esgotamento sanitário não realizado por rede 58,3 Empregados 62,1%
coletora de esgoto ou fossa séptica, sem coleta de 19,5 Trabalhadores por conta própria 20,8%
lixo direta ou indireta ou sem iluminação elétrica. 6,4 Trabalhadores domésticos 6,8%
3,6 Empregadores 3,8%
• Acesso à seguridade social - foram consideradas
6,2 Trabalhadores não remunerados 2,7%
carentes as pessoas de 10 anos, ou mais, que não
contribuíam para instituto de previdência em Trabalhadores para consumo próprio 3,8%
qualquer trabalho ou que não eram aposentadas Trabalhadores em construção para uso próprio 0,1%

86
Condições de trabalho e ção de renda e de riquezas, além de terem próprios contratantes, pois muitas vezes
remuneração também serviços públicos que atendem a removem os trabalhadores do seu local
toda a população. de origem, pagam salários baixíssimos e
Um dos modos de avaliar como o trabalho cobram caro por serviços que eles mono-
tem sido remunerado diante do lucro foi polizam – como alojamento, alimentação e
apresentado pelo estudo do IBGE sobre as Trabalho e exploração acesso a outros bens (roupas, calçados e até
condições de vida da população brasileira4. aluguel de ferramentas ou máquinas para
Para avaliar a distribuição de renda, esse No extremo oposto da situação do trabalho
realização do trabalho). Ou seja, o próprio
estudo compara a distribuição funcional bem remunerado e com garantias sociais,
ato de trabalhar gera dívidas que superam
da renda, que representa como a renda ge- está a exploração do trabalho em condi-
sempre a capacidade de pagamento do tra-
rada no processo produtivo está distribuí- ções análogas ao trabalho escravo. Assim
balhador, devido aos baixos níveis de remu-
da, entre três funções: a remuneração do como o trabalho infantil, o trabalho escra-
neração estipulados pelo patrão e credor. A
trabalho assalariado, os ganhos do capital vo é proibido por lei no Brasil5. Ele fere os
relação de forças é, assim, extremamente
e o ganho do trabalho autônomo. Entre os princípios da liberdade (direito de ir e vir, de
desfavorável para o trabalhador.
anos de 2000 a 2004, o ganho do trabalho se expressar e de se associar), da cidadania
diminuiu de 46,7% para 45,8%, enquanto o (todos são iguais perante a lei e merecem No Brasil, há evidências de trabalho escra-
ganho do capital subiu de 39,3% para 41,5%. oportunidades iguais) e do respeito à dig- vo ou análogo tanto no meio rural quanto
nidade (todos nascem livres e iguais e têm em cidades grandes – inclusive envolvendo
Após 2004, em função da valorização do sa- o direito à dignidade, assegurado por lei). estrangeiros, como denúncias a respeito de
lário mínimo, expansão e inclusão do mer- Tal tipo de trabalho se dá quando ocorre bolivianos sendo escravizados por máfias
cado de trabalho, aumento do consumo, pressão para que a pessoa realize ativida- em São Paulo. No meio rural, os aliciadores,
entre outros fatores, o ganho do trabalho de de modo forçado, contra a sua vontade, muitas vezes intermediários (chamados
cresceu, chegando a 2009, último ano ava- sofrendo intimidação física ou psicológica, em algumas regiões de “gatos”) de grandes
liado, em 50,6% contra 38,5% do ganho do sendo impedida de ir e vir livremente. proprietários, fazem promessas ilusórias e
capital. A título de comparação, os países se aproveitam da situação de pobreza de
mais desenvolvidos apresentam maior Muitas vezes, as condições degradantes
determinados trabalhadores. Este fenôme-
proporção de participação dos ganhos de de trabalho e o cerceamento da liberdade
no é mais propenso a acontecer em regiões
salários no conjunto da renda nacional, in- advêm de dívidas contraídas (situação de-
ou entre grupos mais vulneráveis, onde
dicando uma situação de melhor distribui- nominada “servidão por dívidas”). Porém,
há maior dificuldade de obtenção legal de
grande parte dessas dívidas é forçada pelos
renda ou entre aqueles com menor proba-
4 IBGE, Condições de vida 2013, página 168 e SS. 5 Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. bilidade de conseguir um posto formal de

87
trabalho, seja por carência de oferta de va- que o puro e simples crescimento econômi-
gas ou por falta de documentação, como é co pode por si só eliminar a pobreza é igno-
o caso de migrantes que estão em situação rar estes desdobramentos do capitalismo
ilegal no país. Portanto, trabalho escravo e pós-moderno.
pobreza têm estreita ligação.
As formas espúrias de trabalho geradas
Apesar da legislação que organiza o traba- pelo capitalismo são plurais, diferindo em
lho rural6, ainda há muito que avançar em diversos fatores e graus, mas tendo em co-
termos de efetivo respeito aos direitos dos mum a violação do direito ao trabalho em
trabalhadores rurais, mais especificamente consonância com o preceituado pelo con-
no caso de situação de pobreza. Quando se ceito de trabalho decente. Outras formas
analisam os setores onde mais ocorreram de precarização também ocorrem no Bra-
libertações de trabalhadores em situação sil, para além do trabalho escravo. Dentre
de escravidão no ano de 2012, percebe-se elas, podem ser citadas desde violações
que esses casos se concentram em setores dos direitos dos empregados, consubstan-
dentre aqueles que atualmente têm apre- ciada no não reconhecimento formal pelo
sentado melhor desempenho econômico contratante (não assinatura da carteira de
como a pecuária, a cadeia de produção da trabalho) até formas de burlar as leis tra-
siderurgia (produção de carvão vegetal balhistas, como nos casos de terceirização,
para o beneficiamento de minério de ferro) quando se lança mão de “cooperativas”
e construção civil. Dentre as regiões do Bra- para obtenção de força de trabalho barata,
sil, o Sudeste aparece em segundo lugar na de baixo grau de escolaridade, sem cumpri-
libertação de trabalhadores em regime de mento de direitos trabalhistas.
escravidão – não apenas no meio rural, mas
Cabe lembrar que este não é um fenômeno
também há casos referentes à indústria
restrito a setores considerados “de pobre-
têxtil e à construção civil7. Portanto, pensar
za”, mas também ocorre em áreas consi-
6 A Lei nº 5.889, de 8 de Junho de 1973, e suas posteriores
alterações, instituem as normas reguladoras do trabalho 11 maranhenses que trabalhavam em situação análoga
rural. a de escravos em fevereiro de 2012. O flagrante só foi
7 Por exemplo: a fiscalização ao canteiro de obra para possível devido a uma denúncia. Para maiores detalhes,
ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em plena ver: http://www.reporterbrasil.org.br/pacto/noticias/
região da Avenida Paulista, em São Paulo (SP), libertou view/398.

88
deradas de “ponta” da economia. Parte da rios menores e direitos reduzidos. Este fe- no seio familiar, até sendo empresário com
discussão de flexibilização, redução de cus- nômeno ocorreu no próprio setor público, muitos funcionários trabalhando para ele.
tos, “enxugamento” das empresas e outras cujos programas de demissão voluntária Entre estas extremidades encontra-se uma
estratégias para “elevar a competitividade” seduziam estatutários com um recurso que imensa quantidade de formas possíveis de
dessas empresas têm sido operacionali- era recebido na desvinculação do serviço geração de renda – autônomos sem empre-
zada por meio da precarização do vínculo público. Esta onda de “ajustes” no emprego gados, micro e pequenos negócios, traba-
trabalhista. Especialmente ao longo dos da década de 90 resultou na elevação do lho associado ou em cooperação.
anos 90, ganhou força no mundo e no Brasil peso do quantitativo de empregados sem
O trabalho associado ou em cooperação
uma visão da economia que recomendava carteira assinada no mercado de trabalho,
pode ser organizado no que se denomina
às empresas a redução de seus custos por bem como expandiu a participação de tra-
“Economia Solidária”. É uma nova forma de
meio de reorganização dos processos pro- balhadores “por conta própria” e cooperati-
organização econômica, a partir de traba-
dutivos e adoção de formas de trabalho que vados no mesmo período, sob a sombra da
lho coletivo e solidário que atua na produ-
ficaram conhecidas como “terceirização”. precarização.
ção, venda, compra e troca com outra lógi-
A questão da terceirização é um fenômeno É importante destacar que estas formas de ca diferente da comumente encontrada em
que ganhou amplitude na década de 90 no precarização constituem uma realidade no empreendimentos capitalistas – a máxima
Brasil. Movimentos vindos do exterior pre- Brasil e em outras partes do mundo e são do lucro.
conizavam que as empresas tinham que um aspecto do mundo do trabalho e gera-
O empreendimento em bases solidárias
diminuir a quantidade de trabalhadores e ção de renda. Há que se olhar também para
tem outros objetivos como foco. Todos os
concentrar suas atividades naquilo que se- os outros aspectos, a fim de se ter uma visão
que trabalham são “donos do empreendi-
ria “seu negócio”. Toda atividade que não mais completa do fenômeno do trabalho e
mento” e todos os “donos” trabalham nes-
estivesse diretamente envolvida nesse “ne- de como ele se relaciona com situações de
te mesmo empreendimento. A gestão do
gócio” deveria ser posta “para fora”, ou seja, pobreza. O trabalho pode gerar renda quan-
empreendimento é solidária, pois se dá de
entregue a terceiros, para execução. do é vendido, na forma de emprego com
modo coletivo e tanto as responsabilidades
ou sem carteira de trabalho assinada, mas
Isso serviu para que vastas quantidades de quanto os resultados são repartidos entre
também pode dar-se por meio do exercício
trabalhadores fossem mandadas embora e todos os participantes. A Economia Soli-
como profissional liberal.
terminassem voltando a trabalhar (várias dária (ES) se constitui em modos de se au-
vezes nos espaços da própria empresa que Por outro lado, o indivíduo pode preferir to-organizar economicamente baseada no
os demitiu), mas vinculadas a uma terceira tentar a vida se valendo da própria força trabalho associado, na propriedade coleti-
empresa, prestadora de serviços, com salá- de trabalho – desde atividades produtivas va dos meios de produção, na cooperação

89
e na solidariedade. Um empreendimento
de ES é sempre uma organização coletiva e
suprafamiliar, permanente (ou seja, não são
práticas eventuais), organizado como asso-
ciação, cooperativa, empresa autogestora,
clube de trocas, grupos solidários, redes so-
lidárias, dentre outros.

Construído a partir de muitas vozes, em


que todos têm oportunidades e partici-
pam de forma autônoma, a ES possibilita a
emancipação e valorização do trabalhador.
Esse tipo de empreendimento estimula o
consumo consciente e responsável, promo-
ve o comércio justo, cria redes financeiras
solidárias e fomenta um sistema produtivo
sustentável. Como a propriedade dos meios
de produção é coletiva e os ganhos obtidos
com as negociações são divididos de forma
solidária, a ES contribui para diminuir as
desigualdades de renda. Neste sentido, a
Proporção de pessoas, segundo carências sociais Economia Solidária se constitui em um me-
e características de rendimento - Brasil - 2001/2011 canismo de inclusão social, configurando
um importante mecanismo de valorização
70.1 do humano em situação de pobreza.
58.4

29.3 40.9
36.4
31.2 32.2 30.2 29.8
21.3

4.9 4.0

Atraso Acesso à Características Acesso a Ao menos uma Rendimentos


educacional seguridade do domicílio serviços básicos das carências inferiores a 60%
da mediana
90
para saber mais
Filmes Vídeos do Futura “Cartilha Sobre Trabalhador(A) Domésti-
Tempos Modernos de Charles Chaplin. 1936. Veja no caderno de textos a lista completa co(A) Conceitos, Direitos, Deveres e Infor-
Sinopse: Um operário fica louco com o ritmo dos vídeos, sinopses e tempo de duração, mações sobre a Relação de Trabalho”. OIT e
intenso do trabalho braçal onde consegue assim como sugestão de uso por tema/mês. Prefeitura de Vitória/ES. Brasil, 2012. http://
o seu ganha pão. Demitido, acaba parando www.oit.org.br/sites/default/files/topic/
Na internet
em um hospital. Quando sai, é confundido gender/pub/cartilha%20trabalhadores%20
“Recomendação nº 193/2002 da OIT – Pro-
durante um protesto comunista e acaba domesticos_967.pdf
moção das Cooperativas” Escritório da OIT
preso. Em meio a toda essa confusão, ainda
em Lisboa e Instituto António Sérgio do Documentos de Referência:
arruma tempo para ajudar uma jovem órfã.
Sector Cooperativo (INSCOOP), Portugal, IBGE: Síntese de indicadores sociais: uma
Segunda-Feira ao Sol de Fernando Aranoa . 2006. http://www.ilo.org/public/portugue/ análise das condições de vida da população
Espanha 2002. O filme conta a história de region/eurpro/lisbon/pdf/cooperativas.pdf brasileira, 2012. Informação demográfica
200 operários que perderam seus empregos e socioeconômica número 29, IBGE, Rio de
“Portal do Empreendedor” Portal do Gover-
no Estaleiro Naval “Aurora”. A narrativa se janeiro, 2012.
no Federal com orientações para abertura
passa em uma pequena cidade costeira lo-
de empreendimentos e outros temas de ____. Síntese de indicadores sociais: uma 5
calizada a noroeste da Espanha, na região
interesse para a área. http://www.portaldo- análise das condições de vida da população
da Galiza. Essa região, como muitas outras
empreendedor.gov.br/ brasileira, 2013. Informação demográfica
da Europa, passou por um desacerbado de-
e socioeconômica número 32, IBGE, Rio de
senvolvimento industrial cooptando mão- “Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empre-
janeiro, 2013.
de-obra de diferentes cidades e regiões, sa – SEBRAE”. SEBRAE é uma entidade priva-
porém a partir da década de 1980 passou da sem fins lucrativos que atua com capa- ____. Pesquisa Nacional de Amostragem Do-
por um significativo processo de reestrutu- citação e promoção do desenvolvimento, miciliar; síntese de indicadores 2012. IBGE,
ração produtiva e de desindustrialização e, dando apoio a pequenos negócios em todo Rio de Janeiro, 2013.
por conseguinte demissão massiva de tra- o Brasil. http://www.sebrae.com.br/
“Emprego, Desenvolvimento Humano e
balhadores.
Trabalho Decente: A Experiência Brasileira
Recente” Brasília: CEPAL/ PNUD/OIT, 2008.
http://www.pnud.org.br/publicacoes/em-
prego/PagIniciais.pdf

91
“Unitrabalho” Rede Nacional de Universida- “Cartilha Trabalho Escravo – Vamos abolir “Pacto Nacional pela Erradicação do Traba-
des que apoia os trabalhadores na sua luta de vez esta vergonha” CONATRAE/OIT. Bra- lho Escravo no Brasil” Pacto ao qual aderem
por melhores condições de vida e trabalho. sil, 2005. http://www.oitbrasil.org.br/sites/ diversas instituições. O Comitê de Coorde-
Ela realiza projetos de ensino, pesquisa e default/files/topic/forced_labour/pub/car- nação e Monitoramento do Pacto Nacio-
extensão, integrando conhecimento aca- tilha%20trabalho%20escravo_637.pdf nal pela Erradicação do Trabalho Escravo é
dêmico ao saber elaborado na prática so- composto pelo Instituto Ethos de Empresas
“Escravo, nem pensar” Cartilha – Almana-
cial. Estes projetos estão organizados em e Responsabilidade Social, pelo Instituto
que do Alfabetizador: Programa Brasil Al-
três eixos: educação e trabalho; relações de Observatório Social, pela ONG Repórter Bra-
fabetizado. ONG Repórter Brasil, OIT e MEC.
trabalho e emprego; economia solidária e sil e pela Organização Internacional do Tra-
Brasil, 2006. http://reporterbrasil.org.br/
desenvolvimento sustentável. http://www. balho. Brasil. http://www.reporterbrasil.org.
documentos/almanaque_alfabetizador.pdf
unitrabalho.org.br/ br/pacto/conteudo/view/4
“Combatendo o trabalho escravo contem-
“Trabalho forçado ou análogo ao escravo “Atlas da Atlas da Economia Solidária” Sis-
porâneo: o exemplo do Brasil.” OIT, Brasil,
– Campanha de erradicação do trabalho es- tema Nacional de Informações em Econo-
2010. http://www.oit.org.br/sites/default/
cravo” ABRAPA. http://www.abrapa.com.br/ mia Solidária – SIES; Secretaria Nacional de
files/topic/forced_labour/pub/combaten-
biblioteca/Documents/sustentabilidade/ Economia Solidária – SENAES; Ministério do
dotecontemporaneo_307.pdf
PSOAL/Cartilhas-PSOAL/Cartilha%20Tra- Trabalho e Emprego – MTE. Brasil. http://
balho%20Forçado%20ou%20Análogo%20 “Atlas do Trabalho Escravo no Brasil” Ami- consulta.mte.gov.br/atlas/AtlasES.html
ao%20Escravo.pdf gos da Terra – Amazônia Brasileira. Brasil,
“Fórum Brasileiro de Economia Solidária”
2009. http://amazonia.org.br/wp-content/
“O trabalho escravo está mais próximo do O FBES reúne três segmentos do campo
uploads/2012/05/Atlas-do-Trabalho-Escra-
que você imagina” Ministério Público do da Economia Solidária: empreendimentos
vo.pdf
Trabalho. Brasil. http://portal.mpt.gov.br/ da economia solidária, entidades de as-
“Plano Nacional para Erradicação do Tra- sessoria e/ou de fomento (que apoiam os
balho Escravo”, Comissão Nacional para a empreendimentos de Economia Solidária
Erradicação do Trabalho Escravo – CONA- com capacitações, assessoria, incubação,
TRAE, Brasil, 2008. http://portal.mte.gov.br/ pesquisa, acompanhamento, fomento a
trab_escravo/plano-nacional-para-erradi- crédito, assistência técnica e organizativa,
cacao-do-trabalho-escravo.htm etc.) e gestores públicos (representantes de
Governos Estaduais e Municipais). http://
www.fbes.org.br/

92
“Red Intercontinental para La Promoción vados, como lugar de encontro, reflexão,
de la Economía Social y Solidaria – RIPESS”. participação, adesão e comunicação so-
Rede Intercontinental para a Promoção da bre estruturas econômicas solidárias com
Economia Social e Solidária. É uma rede o “ser humano”, a sociedade e o planeta.
intercontinental que liga redes de econo- http://www.economiasolidaria.org/
mia social e solidária de todos os cantos do
“Organização das Cooperativas Brasileiras
mundo. Como uma rede de redes, ela reúne
– OCB”. Órgão máximo de representação
redes intercontinentais, nacionais e seto-
das cooperativas no país é responsável pela
riais. A RIPESS organiza fóruns mundiais a
promoção, fomento e defesa do sistema
cada quatro anos, a fim de criar um vínculo
cooperativista, em todas as instâncias po-
para o aprendizado, o compartilhamento
líticas e institucionais, bem como pela pre-
de informações e a colaboração, visando à
servação e aprimoramento desse sistema,
globalização da solidariedade, em prol de
o incentivo e a orientação das sociedades
construir e reforçar uma economia que co-
cooperativas. http://www.ocb.org.br/site/
loque as pessoas e o mundo no centro. Na
brasil_cooperativo/index.asp 5
América Latina e Caribe, a RIPESS reúne sete
redes nacionais, três redes de alcance na “Portal do Cooperativismo Popular”. Grupo
América Latina e dez organizações de alcan- que promove a mobilização e a formação
ce subnacional, nacional ou latino-america- de lideranças para gerar trabalho e renda
no, e tem presença em 12 países da região. e possibilitar a transformação da realida-
O Brasil participa por meio do Fórum Brasi- de social excludente. Apoia iniciativas de
leiro de Economia Solidária (FBES). http:// empreendimentos geridos por sócios em
www.ripess.org/?lang=es situação de exclusão e com predominância
de um modelo de gestão democrático e par-
“Portal de Economía Solidaria”. É um por-
ticipativo, mais voltado para o bem comum
tal da REAS – “Red de redes de economia
do que para o lucro. http://www.cooperati-
alternativa y solidaria”, dirigido a todos os
vismopopular.ufrj.br/
setores sociais, econômicos, políticos e pri-

93
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: pesquisa Tipo de atividade: documentário para as
des complementares, individuais ou cole- redes sociais
Objetivo: mapear o trabalho artesanal da
tivas, associadas às questões apresentadas
região Objetivo: difundir a história do trabalhador
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que
local
seja útil para sua prática e para mobilizar e 1ª etapa: convide o grupo para assistir a pri-
exercitar o pensamento crítico. meira reportagem da série especial do jor- 1ª etapa: Proponha ao grupo que elaborem
nalismo do Futura sobre a Transposição do um documento com o perfil dos trabalha-
Rio São Francisco onde mostra a rotina de dores atuantes na região. Podem ser inclu-
pescadores artesanais em Petrolândia(PE). ídas diferentes classes de trabalhadores.
Com o rol pronto solicite que elaborem um
2ª etapa: num primeiro momento levante
roteiro para gravar as entrevistas. Esse ro-
junto ao grupo o que eles conhecem sobre
teiro pode ser único e nele deve constar as
atividades artesanais na região. Depois
perguntas a serem feitas e os dados a se-
peça que saiam e pesquisem através da in-
rem recolhidos. Precisa também apontar a
ternet, jornais, livros e vídeos, fotografias e/
ordem das gravações e o tempo estimado
ou entrevistas.
para cada uma.
3ª etapa: junte todo o material e com o gru-
2ª etapa: programa a saída para gravar as
po mapeie essas atividades na região. Esse
entrevistas. Elas podem ser gravadas tanto
mapa pode ser ilustrado com imagens e de-
numa câmera de foto ou mesmo no celular.
senhos. O resultado pode ser exposto em
É importante que anotem o nome, idade e
ambiente público para que todos possam
profissão de cada entrevistado assim como
usufruir.
uma autorização de imagem. O grupo pode
pesquisar na Internet o modelo da autoriza-
ção que mais se adeque ao pretendido.

3ª etapa: as imagens obtidas podem ser edi-


tadas no computador e divulgadas pelas
redes sociais para difundir a história do tra-
balhador local.

94
5
junho

meio ambiente
“Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for
morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá
que não pode comer dinheiro.”
Provérbio Indígena
junho
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

6
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

05 Dia Mundial do Meio Ambiente | 08 Dia mundial dos oceanos | 12 Dia Mundial do Combate ao trabalho infantil
19 dia do cinema nacional | 21 Dia do aperto de mão
O tema do meio ambiente tem grande im-
portância quando se trata de refletir sobre a
pobreza. Ainda existe um amplo debate so-
bre as causas das atuais mudanças climáti-
Iniciativas do sistema ONU para enfren- cas, mas não restam dúvidas de que vivemos
tar as mudanças ambientais e promover o
mudanças reais e degradantes para as atuais
desenvolvimento sustentável:
condições de vida no planeta, com repercus-
• Estocolmo, Suécia (1972) (primeiras reco- sões sobre todos os países. Se todos os países
mendações de proteção ao meio ambiente)
sofrem com essas alterações, os que dispõem
• Rio de Janeiro, Brasil (1992) – ECO 92 (reco-
mendações de cortes de emissões de gases de menos recursos ou que estão situados em
de efeito estufa) posições críticas, como os pequenos países
• Quioto, Japão (1997) (Protocolo de Quio- insulares do Pacífico, sofrem mais duramente
to - estabelece a redução das emissões de essas alterações e dispõem de menos alterna-
gases de efeito estufa aos níveis de 1990)
tivas para enfrentar as mudanças.
• Haia, Holanda (2000) (estabelece o Crédito
de Carbono) Em todo o mundo, são as populações que
• Bonn, Alemanha (2001) (criação de fundo
vivem em condições de pobreza, por sua
para países em desenvolvimento)
• Copenhagen, Dinamarca (2009) (recomen- vez, que arcam com o peso da degradação
dação para não ultrapassar a temperatura ambiental, cuja gravidade é confirmada a
média global de 2°C acima dos patamares cada dia e a cada novo evento catastrófico.
da Revolução Industrial) Frequentemente os desastres ambientais
• Cancun, México (2010) (Fundo Global para
afetam as populações empobrecidas preju-
fomentar pesquisa de desenvolvimento
sustentável) dicando, quando não destruindo, suas con-
• Rio de Janeiro (2012) – Rio+20 (definir a dições de moradia e trabalho. Todo o plane-
agenda do desenvolvimento sustentável ta está sob o impacto de um ambiente que
para as próximas décadas) muda, mas os mais pobres sofrem de modo
mais imediato e, em muitos casos, de modo
fatal, essas mudanças.

Secas prolongadas, chuvas torrenciais, en-


chentes, ventos com velocidade superiores

98
às habituais, ciclones, a natureza parece Se a ação humana tem impactos ambien- Antropoceno
expressar uma inquietação e revolta. Para tais desde a criação da agriculta, o cres- O termo Antropoceno é usado por alguns cien-
muitos cientistas e pesquisadores, essas cimento da população, a introdução dos tistas para descrever o período mais recente
mudanças não devem ser atribuídas a uma combustíveis fósseis como fonte de ener- na história do Planeta Terra. Ainda não há data
gia, a crescente urbanização, a produção de início precisa e oficialmente apontada,
natureza humanizada, mas exatamente à
mas muitos consideram que começa no final
ação humana que, desde o início da revolu- de fertilizantes, agrotóxicos e sementes
do Século XVIII, quando as atividades humanas
ção industrial no século XVIII mudou o modo transgênicas, o aumento da poluição e os começaram a ter um impacto global significa-
de produzir e reproduzir a vida em socieda- métodos de produção de alimentos aumen- tivo no clima da Terra e no funcionamento dos
de. Um dos fatos apontados como respon- taram brutalmente o impacto da ação hu- seus ecossistemas. Outros cientistas conside-
mana sobre o ambiente. ram que o Antropoceno começa mais cedo,
sáveis é o lançamento de gases do chamado
como por exemplo, no advento da agricultura.
“efeito estufa” que elevam a temperatura do Com a ampliação mundial das sociedades
planeta e, desse modo contribuem de modo O termo foi criado pelo vencedor do Prêmio
capitalistas a questão ambiental tornou-se Nobel de Química Paul Crutzen, que conside-
decisivo para as mudanças em curso. associada ao funcionamento desse modo ra a influência humana no funcionamento
de organização da sociedade. O modelo do planeta tão significativa que justifica sua
atual de produção e consumo esgota re- entrada em uma nova era geológica na Escala 6
Causas e efeitos das mudanças cursos não renováveis, comprometendo
de tempo geológico. O uso deste termo como
um conceito oficialmente aceito no âmbito da
climáticas as condições de vida de outras gerações, geologia ganhou novo ímpeto em 2008, com
As mudanças climáticas são a face mais vi- produz resíduos, alguns deles altamente a publicação de dois novos estudos apoiando
sível, a expressão mais cotidiana do que é a tóxicos como os resíduos nucleares, polui esta ideia.
o ar, a água e o solo e assim contamina os Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antropoceno
questão ambiental na atualidade. O que se
chama de questão ambiental envolve dife- próprios alimentos.
rentes alterações provocadas pela relação A supremacia do interesse econômico so-
dos homens em sociedade com a natureza. bre relações sociais e condições ambien-
O impacto dessas alterações é de tal ordem tais produz pobreza e degradação, mantém
que alguns cientistas afirmam que o plane- imensas desigualdades entre países e no
ta Terra entrou em outra fase de sua evolu- interior de cada país entre ricos e pobres,
ção: o Antropoceno (Antropoceno) quando recaindo sobre os mais pobres os custos
a ação humana é a responsável por mudan- ambientais desse modelo. Os problemas
ças ambientais de grandeza geológica. ambientais, como o crescimento da emis-

99
Chuva ácida são dos gases de efeito estufa, a ampliação início uma grande discussão sobre meio
A chuva ácida, ou com mais propriedade depo-
do uso de agrotóxicos e suas consequên- ambiente, tomando dois exemplos de pro-
sição ácida, é a designação dada à chuva, ou cias para a saúde e o meio ambiente, a con- blemas ambientais surgidos dos processos
qualquer outra forma de precipitação atmosfé- taminação de lençóis freáticos por subs- de industrialização: a poluição do ar e a
rica, cuja acidez seja substancialmente maior tâncias tóxicas, o esgotamento de espécies chuva ácida (Chuva ácida).
do que a resultante do dióxido de carbono (CO2)
animais, como peixes e insetos polinizado-
atmosférico dissolvido na água precipitada.  A ideia de progresso que ainda persistia nos
res devem ser vistos como crise de modelo
A principal causa da acidificação é a presença
anos 70 prometia que o crescimento não ti-
civilizatório, dizem os críticos.
na atmosfera terrestre de gases e partículas nha limites. No entanto, uma publicação feita
ricos em enxofre e azoto reativo cuja hidróli- a pedido do Clube de Roma, no final dos anos
se no meio atmosférico produz ácidos fortes. 60, apresentava exatamente o argumento
Assumem particular importância os compostos Dia mundial do meio ambiente
que ninguém queria ouvir: havia limites para
azotados (NOx) gerados pelas altas temperatu- e desenvolvimento sustentável
o crescimento das populações e suas econo-
ras de queima dos combustíveis fósseis e os
compostos de enxofre (SOx) produzidos pela A constatação de que a degradação am- mias em face da restrição dos recursos am-
oxidação das impurezas sulfurosas existentes biental avança e coloca em risco a vida no bientais, as fontes de energia e a produção da
na maior parte dos carvões e petróleos.  planeta é bem recente. O dia 05 de junho poluição. E esses limites estavam próximos.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chuva_%C3%A1cida
foi escolhido como Dia Mundial do Meio
A realização da Conferência de Estocolmo
Ambiente durante a Conferência das Na-
em 1972 fortaleceu a necessidade de pro-
ções Unidas, realizada na cidade de Esto-
mover ações e estabelecer compromissos
colmo, na Suécia, em 1972. Este é conside-
entre os países para enfrentar simultane-
rado o primeiro grande esforço mundial
amente o desafio de deter a degradação
no sentido de repensar a forma como a
ambiental e mudar a orientação do cresci-
ação humana e os modelos de desenvol-
mento, que a cada dia revelava seus limites.
vimento vêm afetando negativamente o
A reflexão sobre os impactos da ação huma-
planeta.
na sobre o ambiente iniciou a construção
Até a década de 1970, acreditava-se que os de conceitos e argumentos que orientação
recursos naturais disponíveis eram ilimi- a ação. Após Estocolmo, as Nações Unidas
tados e que seu uso deveria atender às ne- prepararam uma segunda cúpula mundial
cessidades de industrialização e desenvol- e dedicaram diversas iniciativas para dar à
vimento dos países. Neste momento, tem reunião efeitos práticos e imediatos.

100
O documento preparatório mais importan- Esta definição tornou-se muito conhecida ambientais que cada sociedade e a huma-
te “Nosso Futuro comum” foi apresentado e utilizada por toda a sociedade, das reuni- nidade enfrentam.
em 1987, e ficou conhecido como Relatório ões internacionais às práticas pedagógicas
O relatório tem o mérito de apontar uma si-
Brundtland, nome da primeira-ministra da de educação ambiental nas escolas pelo
tuação crítica até então ignorada no debate
Noruega que presidiu a Comissão Mundial mundo afora. O conceito de desenvolvi-
público e apresentar conceitos que podem
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. mento sustentável está associado a três
contribuir para a superação dos desafios
O Relatório apresentava uma visão crítica dimensões fundamentais: sustentabilidade
identificados. No entanto, entre a consci-
do modelo de desenvolvimento adotado ambiental, econômica e sociopolítica.
ência crítica sistematizada no documento
pelos países industrializados e copiado pe- A sustentabilidade ambiental recomenda “Nosso Futuro Comum” e a capacidade de
los países que pretendiam alcançar os mes- que a ação humana contribua para que os ação dos distintos atores sociais, políticos e
mos níveis de desenvolvimento. O relatório ecossistemas mantenham suas funções e econômicos, há imensas distâncias a serem
apontava que os padrões de produção e que haja condições para a vida humana e superadas. Há mesmo dúvidas sobre o ca-
consumo adotados pelos países ricos eram também outras formas de vida. A susten- minho apontado. Para muitos críticos, a ini-
incompatíveis com os recursos naturais tabilidade econômica deve levar em conta ciativa de atribuir valores econômicos aos
existentes. Em contraposição a esse mode- aspectos ambientais e sociais. O lucro não custos ambientais - que trará como resul- 6
lo, o relatório apresentou o conceito de “de- deve ser a única meta, mas devem ser consi- tado vinte cinco anos mais tarde o concei-
senvolvimento sustentável”: derados ganhos e custos para o ambiente e to de economia verde - e a precificação do
“O desenvolvimento que procura satis- para a sociedade como conjunto. Há ainda meio ambiente expressam a completa per-
fazer as necessidades da geração atual, o aspecto de melhoria da eficiência no uso da de referência do valor, pois não se pode
sem comprometer a capacidade das ge- dos recursos naturais, matérias primas e traduzir em dinheiro aquilo que garante as
rações futuras de satisfazerem as suas fontes de energia, níveis de exploração e de condições da vida no planeta. Pagar para
próprias necessidades, significa possi- poluição aceitáveis e a atribuição de valor destruir não é resposta para as proporções
econômico aos elementos ambientais. e a complexidade do desafio ambiental.
bilitar que as pessoas, agora e no futu-
ro, atinjam um nível satisfatório de de- A sustentabilidade sociopolítica orienta o O conceito de desenvolvimento sustentá-
senvolvimento social e econômico e de fortalecimento das medidas de equilíbrio vel teve grande impacto no debate sobre os
realização humana e cultural, fazendo, social, superação da pobreza e da miséria, rumos das sociedades e a degradação am-
ao mesmo tempo, um uso razoável dos manutenção de instituições democráticas, biental. O segundo grande encontro mundial
recursos da terra e preservando as espé- com acesso à educação, informação e cul- após Estocolmo 1972 foi a Conferência das
cies e os habitat naturais”. tura para a correta avaliação dos desafios Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvol-

101
Agenda 21 vimento, realizada em junho de 1992, a Rio 92.
A agenda 21 é um tema que ainda hoje organiza e equilíbrio holístico entre o todo e as partes, pro- Ali foi apresentada a proposta da Agenda 21
muitas ações em escolas e comunidades de todo movendo a qualidade, não apenas a quantidade (Agenda 21) uma orientação estratégica para
o país. Procure saber se seu município organizou do crescimento. As ações prioritárias da Agenda 21
que cada país construa caminhos envolven-
suas prioridades na questão ambiental cons- brasileira são os programas de inclusão social (com
truindo a agenda 21 local. o acesso de toda a população à educação, saúde e do distintos setores da sociedade para o en-
distribuição de renda), a sustentabilidade urbana frentamento de suas questões ambientais. O
É um dos principais resultados da conferên-
e rural, a preservação dos recursos naturais e mi- desenvolvimento sustentável deve ser alcan-
cia Eco-92 ou Rio-92, que estabelece a impor-
nerais e a ética política para o planejamento rumo çado por meio de planejamento que envolva
tância de cada país a se comprometer a refletir,
ao desenvolvimento sustentável. indivíduos, governos, empresas, movimen-
global e localmente, sobre os problemas socio-
ambientais. O mais importante ponto dessas ações priori- tos sociais e organizações.
tárias, segundo este estudo, é o planejamento
Cada país desenvolve a sua Agenda 21 e no Brasil
de sistemas de produção e consumo sustentá- Embora com responsabilidades distintas,
as discussões são coordenadas pela Comissão todos deveriam repensar suas ações, le-
veis contra a cultura do desperdício, é um plano
de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e
de ação participativo que recomenda a mobiliza- vando em consideração o dever de reduzir
da Agenda 21 Nacional (CPDS).
ção de todos os setores da sociedade em torno as ações que produzem impacto negativo
O documento propõe a reinterpretação do concei- do planejamento do seu futuro, com foco no ao meio ambiente e de estimular inicia-
to de progresso, contemplando maior harmonia desenvolvimento sustentável.
tivas para promover o desenvolvimento
sustentável. Como instrumento de plane-
jamento, a Agenda 21 pode ser utilizada
por distintos níveis de gestão, desde um
país, uma região ou ainda para níveis lo-
cais de planejamento participativo. O Re-
latório Brundtland foi importante na defi-
nição destes pressupostos comuns para a
criação da Agenda 21. Além disso, apontou
a necessidade de a Conferência Eco 92 tra-
tar da desigualdade entre os países como
um problema central para a preservação
do meio ambiente, pois enquanto houver
pobreza e consumo excessivo o planeta
estará em risco.

102
A pobreza tem sido uma preocupação cons- médio prazo toda a vida no planeta está
tante nas iniciativas internacionais relati- sendo afetada por essas mudanças. E elas
vas à preservação ambiental e no debate estão apenas começando, alertam.
sobre os rumos do desenvolvimento das
As populações dos países mais pobres vi-
sociedades. Entre os princípios que susten-
vem sob uma perspectiva muito cruel:
tam a Declaração da Rio 92 (Declaração do
desigualdade social resulta em mais de-
Rio sobre meio ambiente), o enfrentamen-
gradação ambiental, mais miséria e mais
to da pobreza aparece com condição essen-
cial e indispensável para reduzir as desi- violência. O PNUMA, órgão internacional
gualdades no interior de cada país e entre para a preservação do meio ambiente in-
os países. formou que mais de um bilhão de pessoas
no mundo não têm acesso à água potável
Declaração do Rio sobre meio ambiente
A população mundial está concentrada em e ao saneamento básico. Com isso, as doen-
um conjunto de nações, como a China e a ças infecciosas avançam e são as principais “A Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Índia que ainda contam com elevada pro- Ambiente e Desenvolvimento, tendo se reunido
responsáveis pela morte de crianças nesses
porção de pessoas que vivem em condições no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992,
países. Além disso, as populações dos paí- reafirmando a Declaração da Conferência
6
de pobreza e extrema pobreza. Essas popu- ses pobres são a parte mais vulnerável na das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
lações sofrem e sofrerão mais intensamen- ocorrência de desastres ambientais como Humano, adotada em Estocolmo em 16 de
te as transformações climáticas. Ao mesmo inundações e estiagens. junho de 1972, (...) com o objetivo de estabelecer
tempo, o padrão da vida das populações uma nova e justa parceria global (...) com vistas
de nações mais ricas produz mais efeitos No âmbito da produção, esses países en- à conclusão de acordos internacionais que
frentam ainda a dificuldade em adotar tec- respeitem os interesses de todos e protejam
sobre as transformações climáticas, mas
a integridade do sistema global de meio
como esses países dispõem de mais recur- nologias “limpas” porque em geral são mais
ambiente e desenvolvimento, reconhecendo
sos financeiros e tecnológicos, têm melho- caras, assim como são mais caros os pro- a natureza integral e interdependente da
res condições de enfrentar as mudanças dutos “ecologicamente sustentáveis” que Terra, nosso lar, proclama que: (...) PRINCÍPIO 5:
ambientais. Trata-se de uma evidente si- chegam às prateleiras dos supermercados. Para todos os Estados e todos os indivíduos,
tuação de injustiça, pois os modos de vida Ao mesmo tempo, acredita-se que os paí- como requisito indispensável para o
desenvolvimento sustentável, irão cooperar na
que mais afetam as condições ambientais ses em desenvolvimento precisam crescer
tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim
planetárias são os que, de imediato, menos economicamente justamente para poder de reduzir as disparidades de padrões de vida e
sentem e sofrem os impactos das mudan- produzir melhores condições de vida para melhor atender às necessidades da maioria da
ças. No entanto, afirmam os cientistas, em sua população. população do mundo.”

103
O efeito estufa Combinar crescimento econômico com te: Protocolo de Quioto, estabelecido em
O efeito estufa é um processo que ocorre redução da pobreza, tecnologias limpas 1997, um rígido compromisso de redução
quando uma parte da radiação infravermelha  que não aumentem a poluição ambiental e da emissão de gases produtores do efeito
emitida pela superfície terrestre é absorvida viabilidade econômica das iniciativas foi o estufa (O efeito estufa). O acordo foi assina-
por determinados gases presentes na atmosfe- desafio identificado na ECO-92. De fato, não do por cerca de 180 países, com a marcante
ra. Como consequência disso, o calor fica reti-
há soluções fáceis e prontas para enfrentar exceção dos Estados Unidos. Os países em
do, não sendo libertado para o espaço.
os problemas da pobreza e preservação do desenvolvimento – particularmente Chi-
O efeito estufa serve para manter o planeta meio ambiente e, por isso mesmo, o planeta na, índia, Rússia, Brasil, México, Argentina,
aquecido, e assim, garantir a manutenção da
precisa de um esforço coletivo para buscar entre outros – estavam isentos de assumir
vida. O que se pode tornar catastrófico é a
ocorrência de um agravamento do efeito es- as respostas. compromissos de redução de emissão de
tufa que desestabilize o equilíbrio energético gases com o argumento de que necessitam
É no contexto desses desafios globais que
no planeta e origine um fenômeno conhecido de crescimento econômico para enfrentar
como aquecimento global. se pode compreender melhor o significado
dos Objetivos do Milênio (ODM). A iniciati- e superar as condições de pobreza que ain-
O IPCC (Painel Intergovernamental para as da afetam suas populações.
va da ONU busca combinar erradicação da
Mudanças Climáticas, estabelecido pela Orga-
nização das Nações Unidas e pela Organização pobreza, atenção às mulheres e à infância, Assim, os dois países que mais emitem ga-
Meteorológica Mundial em 1988) no seu rela- combater as doenças cuja transmissão está ses de efeito estufa, China o primeiro e Es-
tório mais recente diz que a maior parte deste relacionada a cuidados pessoais e ambien- tados Unidos o segundo, ficaram fora das
aquecimento, observado durante os últimos 50 tais e garantir a sustentabilidade ambien-
anos, se deve muito provavelmente a um au- restrições à emissão de gases. Em 2011, os
tal, além de promover maior parceria entre Estados Unidos assinaram, mas não ratifi-
mento dos gases do efeito estufa.
países ricos e pobres para o alcance desses caram o Protocolo, o que impede qualquer
objetivos. Os ODM são uma das respostas cobrança mundial sobre seu comporta-
que o conjunto dos países, no marco da
mento. Em 2012, uma nova rodada mundial
cooperação internacional, oferece para o
em torno do Protocolo, prorrogou sua vali-
enfrentamento do gigantesco desafio que
dade até 2020, mas muitos países retiraram
o tema ambiental apresenta para as socie-
seu apoio, como Japão, Rússia e Canadá. Os
dades contemporâneas.
Estados Unidos, que já haviam adiado por
Os esforços internacionais foram tradu- muitos anos sua adesão, informou que não
zidos em um novo acordo para a redução se comprometerão com as metas propos-
dos impactos humanos no meio ambien- tas na prorrogação do Protocolo.

104
Novos esforços têm sido realizados pela Política Nacional de Educação Ambiental
comunidade internacional para limitar a Conheça a Lei 9.795 / 1999, que dispõe sobre a São objetivos fundamentais da Educação Am-
emissão de gases de efeito estufa, pois já educação ambiental, institui a Política Nacional biental:
existem análises científicas que alertam de Educação Ambiental e dá outras providências.
I – o desenvolvimento de uma compreensão
para os riscos da elevação da temperatura A Educação Ambiental compreende os processos
integrada do meio ambiente em suas múltiplas
mundial acima dos 2º C previsto para o final por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
e complexas relações, envolvendo aspectos eco-
constroem valores sociais, conhecimentos, habi-
deste século XXI. Esse pequeno aumento lógicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
lidades, atitudes e competências voltadas para
terá efeitos catastróficos para muitas re- a conservação do meio ambiente, bem de uso
econômicos, científicos, culturais e éticos;
giões do mundo, com grande impacto em comum do povo, essencial à sadia qualidade de II – a garantia de democratização das informa-
diversos ambientes e formas de vida, inclu- vida e sua sustentabilidade. ções ambientais;
sive para populações mais pobres. (Efeitos São princípios básicos da Educação Ambiental: III – o estímulo e o fortalecimento de uma cons-
no Brasil das alterações climáticas). ciência crítica sobre a problemática ambiental e
I – o enfoque humanista, holístico, democrático e
Em 2013, a COP 19 (19º Conferência das Na- social;
participativo.
ções Unidas sobre Mudanças Climáticas) IV – o incentivo à participação individual e cole-
II – a concepção do meio ambiente em sua tota-
terminou sem acordo entre os 190 países lidade, considerando a interdependência entre o
tiva, permanente e responsável, na preservação
6
presentes. As Organizações Não Governa- do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se
meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob
a defesa da qualidade ambiental como um valor
mentais que acompanham o tema, como o o enfoque da sustentabilidade.
inseparável do exercício da cidadania;
Greenpeace e WWF, convidadas como ob- III – o pluralismo de ideias e concepções pedagó-
servadoras, abandonaram o encontro como V – o estímulo à cooperação entre as diversas
gicas, na perspectiva da inter, multi e transdisci-
forma de protesto contra o andamento das regiões do País, em níveis micro e macrorregio-
plinaridade;
nais, com vistas à construção de uma sociedade
negociações. Está prevista uma edição da
IV – a vinculação entre a ética, a educação, o tra- ambientalmente equilibrada, fundada nos prin-
Conferência para Lima, no Peru, em 2014 e balho e as práticas sociais; cípios da liberdade, igualdade, solidariedade,
em 2015 as Nações Unidas pretendem fir- democracia, justiça social, responsabilidade e
V – a garantia de continuidade e permanência do
mar um novo acordo climático global em sustentabilidade;
processo educativo;
Paris, estabelecendo metas para a redução
VI – o fortalecimento da cidadania, autodetermi-
de emissões dos gases de efeito estufa. Cer- VI – a permanente avaliação crítica do processo
nação da integração com a ciência e a tecnologia;
tamente países em desenvolvimento, como educativo;
VII – o fortalecimento da cidadania, autodeter-
o Brasil, terão que assumir compromissos VII – a abordagem articulada das questões am-
minação dos povos e solidariedade como funda-
importantes de redução. bientais locais, regionais, nacionais e globais;
mentos para o futuro da humanidade.
VIII – o reconhecimento e o respeito à pluralidade
e à diversidade individual e cultural.

105
Tratado de Educação Ambiental para Vale notar que o argumento do compromis- mento econômico, superação da pobreza e
Sociedades Sustentáveis so com a superação da pobreza foi apre- preservação do meio ambiente.
O Tratado de Educação Ambiental para So- sentado pelos países em desenvolvimento
Importante notar que em quarenta anos o
ciedades Sustentáveis e Responsabilidade como justificativa para evitar a limitação
Global é um documento elaborado por edu-
conceito “desenvolvimento sustentável”
da emissão de gases de efeito estufa em
cadores ambientais, jovens e pessoas ligadas ganhou legitimidade, apesar de seus críti-
seus territórios. A atitude de países como
ao meio ambiente de vários países do mundo, cos e das recorrentes e positivas revisões
o Brasil, que adotou metas voluntárias de
publicado durante a 1º Jornada de Educação de seus pilares e deu nome à conferência da
Ambiental, que se firmou como referência para redução, indica a necessidade de conciliar
ONU no Rio de Janeiro em 2012. O documen-
a Educação Ambiental. as políticas de redução da pobreza com a
to final da conferência cita a erradicação da
sustentabilidade ambiental. A rigor, os efei-
Tornou-se a Carta de Princípios da Rede Brasi- pobreza e da fome como primeiro ponto a
leira de Educação Ambiental e das demais re-
tos dos danos ambientais acabam recaindo
ser enfrentado por todos para a melhoria
des de EA a ela entrelaçadas. Subsidia também sobre as populações mais pobres. Dissociar
das condições da vida na Terra
o Programa Nacional de Educação Ambiental, a superação da pobreza do cuidado am-
do Órgão Gestor da Política Nacional de Educa- biental pode ser apenas um argumento que A Rio+20 foi um momento em que a socie-
ção Ambiental (MMA e MEC). O Tratado contou não evita as consequências práticas de re- dade civil de todo o mundo voltou a apre-
com a participação de educadores de adultos,
crudescimento da pobreza como resultado sentar suas propostas para o debate sobre
jovens e crianças de oito regiões do mundo
(América Latina, América do Norte, Caribe, Euro-
de ações ambientais danosas. Meio Ambiente, apresentando outro docu-
pa, Ásia, Estados Árabes, África, Pacífico do Sul) mento que contesta os princípios orienta-
e foi inicialmente publicado em cinco idiomas: dores do documento oficial da Conferência.
português, francês, espanhol, inglês e árabe. Encontro mundial Rio + 20 A crítica se apoia na convicção de que os
padrões de organização da sociedade atual
Diante da necessidade de acompanhar a
– a busca do lucro, a competição, a explora-
implementação dos mecanismos de con-
ção dos recursos, os padrões de consumo,
trole da produção e consumo nos diferen-
o antropocentrismo que ignora as demais
tes níveis, um novo encontro mundial foi
criaturas – torna impossível resolver os pro-
agendado: a Rio + 20. Vinte anos após a re-
blemas apontados, pois todos eles se origi-
alização da Eco 92, que por sua vez ocorreu
nam desse modo de organização social.
20 anos depois da Conferência de Estocol-
mo, os líderes mundiais se reuniram mais Assim, as entidades e pessoas que partici-
uma vez para discutir os avanços e retro- param das diferentes etapas de formulação
cessos no caminho de garantir desenvolvi- desse texto afirmam: outro futuro é possí-

106
Resíduos sólidos
vel! O ponto de vista do documento é a exis- proposto pela sociedade civil é uma ampla A Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de
tência de Bens Comuns – ou Comuns como e radical reflexão sobre os valores e princí- Resíduos Sólidos (PNRS) é bastante atual e contém
denomina – que por serem de todos os se- pios que tornam a sociedade atual destrui- instrumentos importantes para permitir o avanço
necessário ao País no enfrentamento dos principais
res não podem ser comercializados nem dora em seu próprio funcionamento e a
problemas ambientais, sociais e econômicos decor-
submetidos à lógica do mercado, como apresentação de outros conceitos, outros rentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos.
acusam o conceito de “economia verde” de valores e outros princípios para outro futu- Orienta a prevenção e a redução na geração de resí-
tentar fazer. O documento apresenta suas ro. O documento dá ênfase na educação e duos, tendo como proposta a prática de hábitos de
propostas dizendo: recomenda: consumo sustentável e um conjunto de instrumen-
tos para aumentar a reciclagem e a reutilização dos
“As dramáticas crises que afligem hoje “A educação que queremos, requer pro- resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e
a humanidade e o planeta demandam mover estrategicamente uma educação pode ser reciclado ou reaproveitado) e a destinação
ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo que
respostas de uma qualidade muito dife- que contribua para uma redistribuição não pode ser reciclado ou reutilizado).
rente daquelas oferecidas pelos gover- social dos conhecimentos e do poder
nos e pelo Sistema ONU, demandam um (levando em conta o gênero, a raça-et- Institui a responsabilidade compartilhada dos ge-
radores de resíduos: dos fabricantes, importadores,
paradigma alternativo de civilização. É nia, a idade, a orientação sexual), que distribuidores, comerciantes, o cidadão e titulares
para a formulação desse paradigma e da potencialize o sentido de autonomia, de serviços de manejo dos resíduos sólidos urbanos 6
articulação política que dê lugar a uma solidariedade e diversidade que expres- na Logística Reversa dos resíduos e embalagens
plataforma de transição na direção de sam os novos movimentos sociais. Trata- pré-consumo e pós-consumo. Cria metas importan-
tes que irão contribuir para a eliminação dos lixões
Outro futuro possível que apresentamos se de promover uma educação crítica e
e institui instrumentos de planejamento nos níveis
as contribuições a seguir.” 1 transformadora que respeite os direitos nacional, estadual, microrregional, intermunicipal
humanos e os de toda a comunidade de e metropolitano e municipal, além de impor que
O documento se desdobra no debate sobre
vida a que pertence o ser humano, que os particulares elaborem seus Planos de Gerencia-
os fundamentos éticos, filosóficos e cultu- mento de Resíduos Sólidos. Também coloca o Brasil
promova especificamente o direito à
rais, a questão da produção, distribuição e em patamar de igualdade com os principais países
participação cidadã nos espaços de to-
consumo, a compreensão do que são os Co- desenvolvidos no que concerne o marco legal e ino-
mada de decisões.”2 va com a inclusão de catadoras e catadores de ma-
muns e a necessidade de uma economia de
teriais recicláveis e reutilizáveis, tanto na Logística
transição que garanta os direitos e confira A preocupação com a educação ambiental Reversa quando na Coleta Seletiva.
poder aos povos, para a defesa dos territó- ganhou força a partir da ECO 92, mas no Bra-
Além disso, os instrumentos da PNRS ajudarão o
rios e da Mãe Terra. Mais do que uma pla- sil a legislação específica foi aprovada em
Brasil a atingir uma das metas do Plano Nacional
taforma de ação, o documento alternativo 1999, com a Política Nacional de Educação sobre Mudança do Clima, que é de alcançar o índice
de reciclagem de resíduos de 20% em 2015. A ques-
1 Outro Futuro é Possível: página 8 2 Idem, página 12. tão dos resíduos sólidos – lixo – ganhou novo mar-
co jurídico, a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

107
Os limites do crescimento informações do SEE sobre a composição das emissões de gases no Brasil.

Os Limites do Crescimento é um livro escrito No Brasil foi lançado pelo Observatório do Clima, O Sistema de Estimativa fez estudos de dados de
em 1972 que modelou as consequências do Sistema de estimativa de emissão de gases efei- emissão para um período de 22 anos e os resulta-
crescimento rápido da população mundial con- to estufa. O Sistema acompanha a metodologia dos apresentam uma variação positiva num dos
siderando os recursos naturais limitados, co- mundial de monitoramento do lançamento de setores. Para compor o quadro de emissões são
missionado pelo Clube de Roma. Seus autores gases, cujos volumes têm sido objeto de acordos analisados cinco setores de atividade: agropecu-
são Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, internacionais. O Brasil criou a Política Nacional ária, energia, usos da terra, processos industriais
Jørgen Randers, and William W. Behrens III. de Mudanças Climáticas e, embora não esteja obri- e resíduos. O gráfico mostra a grande variação na
O livro utilizou um sistema computacional gado por ser nação em desenvolvimento, com- atividade “mudança de usos da terra”. Em 2012,
(World3) para simular as consequências da prometeu-se em fóruns mundiais a reduzir suas as emissões decorrentes do desmatamento eram
interação entre os sistemas do planeta Terra emissões. É fundamental para a sociedade brasi- quase a metade das registradas em 1990. As demais
com os sistemas humanos. leira acompanhar as iniciativas, pois os impactos atividades avaliadas apresentaram crescimento
ambientais atingem a todos. Segundo estudos de no período, com destaque para o setor de energia,
Cinco variáveis foram examinadas no modelo
agências científicas, o Brasil contribui com 3% das cujas emissões cresceram 127% no período entre
original, assumindo-se que o crescimento expo-
emissões de gases de efeito estufa, proporcional, 1990 e 2012.
nencial descreve acuradamente seus padrões
portanto, ao tamanho do território brasileiro (5%
de crescimento: população mundial, indus-
da superfície da Terra), sua população (2,8% da po-
trialização, poluição, produção de alimentos e
pulação mundial) e produção (2,89% do PIB Global).
esgotamento de recursos.

Em 2008 Graham Turner da Commonwe- 3.000


alth Scientific and Industrial Research Organi-
sation (CSIRO) na Austrália, publicou um artigo 2.500
intitulado “Uma comparação de ‘Os Limites
do Crescimento’ com trinta anos de realida- 2.000
de”. Nele examinou os últimos trinta anos de
realidade com as previsões feitas em 1972 e 1.500
descobriu que mudanças na industrialização,
produção de alimentos e poluição estão todas 1.000
coerentes com as previsões do livro de um
colapso econômico e social no século 21. 500
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Limites_do_
Crescimento
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Mudança de uso da terra Resíduos Processos industriais Energia Agropecuaria

108
Ambiental (Box: Política Nacional de Edu- Daí a importância das diversas formas de A política dos 5 R:
cação Ambiental) . A proposta contida na educação e de comunicação sobre os desa- Pode-se dizer que as preocupações com a coleta, o
Lei não se restringe à visão escolarizada da fios ambientais. A divulgação de documen- tratamento e a destinação dos resíduos sólidos re-
educação: como “componente essencial da tos e de informações tem o papel necessá- presentam uma parte do problema ambiental. Vale
educação nacional”, a política está voltada rio de alertar o conjunto da sociedade so- lembrar que a geração de resíduos é precedida por
tanto para a educação formal quanto para bre os caminhos que estão sendo trilhados, outra ação impactante sobre o meio ambiente - a
extração de recursos naturais. A política dos cinco
a não formal. Recentemente o Conselho Na- as escolhas feitas e o custo que cada uma
R deve priorizar a redução do consumo e o reapro-
cional de Educação aprovou as Diretrizes traz para a vida comum. Além dos tratados
veitamento dos materiais em relação à sua própria
Nacionais da Educação Ambiental3, para a e compromissos internacionais, nem sem- reciclagem.
orientação de todas as redes de ensino do pre assinados pelos países e, quando assi- - Reduzir
país, incluindo as instituições de educação nados, nem sempre cumpridos, a sociedade - Repensar
superior. civil mundial tem se mobilizado e atuado - Reaproveitar
para enfrentar o desafio de promover mu- - Reciclar
O desafio ambiental se agrava a cada dia, - Recusar consumir produtos que gerem impactos
danças.
dizem os críticos do modelo de desenvolvi- socioambientais significativos.
mento adotado na maior parte dos países Os cinco R fazem parte de um processo educativo
6
do mundo. As mudanças necessárias são que tem por objetivo a mudança de hábitos no
muito profundas, pois devem alcançar os
A Carta da Terra cotidiano dos cidadãos. A questão chave é levar
o cidadão a repensar seus valores e práticas, re-
modos de produção e consumo das socie- Conhecendo os debates e resoluções dos
duzindo o consumo exagerado e o desperdício. O
dades, as forma de produção e comparti- principais encontros internacionais sobre quarto R (reciclagem) é colocado em prática pelas
lhamento das riquezas e recursos. Por tudo meio ambiente, este Almanaque traz um indústrias que substituem parte da matéria-prima
isso, a participação da sociedade civil infor- importante documento produzido para- por sucata (produtos já utilizados), seja de papel,
mada é decisiva para exerçam pressões so- lelamente a estes encontros, documento vidro, plástico ou metal, entre outros.
bre os governos e as empresas de tal modo elaborado a várias mãos e com contribui- Com a valorização da reciclagem, as empresas
que o “bem comum”, um meio ambiente ções de diversas regiões do mundo. O docu- vêm inserindo, nos produtos e em suas embala-
saudável para as gerações atuais e futuras, mento pretende contribuir para gerar uma gens, símbolos padronizados que indicam a com-
seja um objetivo de todos. referência de desejos e princípios para uma posição dos materiais. Esse tipo de rotulagem
atuação mais responsável e amorosa com ambiental tem, também, por objetivo facilitar a
identificação e separação dos materiais, encami-
o planeta: a Carta da Terra (A Carta da Ter-
3 RESOLUÇÃO Nº 2, DE 15 DE JUNHO DE 2012, estabelece
nhando-os para a reciclagem.
ra) Esse documento vem sendo preparado
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Fonte: In: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-so-
Ambiental. desde 1987 e no ano 2000 foi lançado publi- cioambiental/a3p/item/9410-a-pol%C3%ADtica-dos-5-r-s

109
camente, já tendo sido traduzido em mais democracia e paz”, de acordo com a Carta
de 40 idiomas e utilizado oficialmente por da Terra, deverão caminhar juntos com o
milhares de organizações. objetivo de proteger o meio ambiente e ga-
rantir a vida da atual e das futuras gerações
A Carta da Terra oferece um código da ética
na Terra. O objetivo do documento é ser
planetária, um quadro de referências para
adotado como uma “lei branca”, ser aceito
a atuação de indivíduos, governos, organi-
moralmente, mas não juridicamente, pelas
zações, empresas e instituições transnacio-
sociedades e governos de todo o mundo.
nais. Tem grande potencial educativo: sua
utilização como instrumento pedagógico
nas escolas e espaços de educação não for- Primeiro eixo da Carta da Terra
mal pode surtir efeitos na conscientização
de crianças, jovens e adultos. Acredita-se O primeiro grande ponto trata de “respeitar
que, uma vez inteiradas sobre seu conteú- e cuidar da comunidade da vida”. Cuidar da
do e formadas numa pedagogia crítica, as vida na Terra e respeitar sua diversidade re-
pessoas farão escolhas mais amigáveis ao quer pensar nas futuras gerações conside-
meio ambiente, pressionarão os governos rando não apenas os seres humanos como
para decisões ambientalmente responsá- dignos de uma vida em melhores condi-
veis, adotarão atitudes de consumo cons- ções, mas tomar a interligação entre to-
cientes e serão ativos em sua participação dos os seres como ponto número um para
no debate público. alcançar respostas mais coerentes com as
necessidades ambientais. A vida humana
A Carta da Terra inspira a ação para um de- não está isolada, mas integra uma imensa
senvolvimento humano sustentável. Orga- cadeia que se inter-relaciona e se fortale-
niza uma ciranda de conceitos fundamen- ce reciprocamente. O direito de utilizar os
tais para a garantia da vida no planeta, indi- recursos naturais está acompanhado do
cando a importância de tomar cada um des- dever de proteger o meio ambiente e os
ses conceitos alinhados um ao outro. Dessa direitos humanos, seja pela construção de
forma, “proteção ecológica, erradicação sociedades democráticas que busquem a
da pobreza, desenvolvimento econômico paz, seja por meio da responsabilidade na
equitativo, respeito aos direitos humanos, aplicação das tecnologias desenvolvidas.

110
Este quadro toma o planeta como a casa nos energia, e evitam a utilização de com- Serge Latouche
dos seres vivos sendo, portanto, responsa- ponentes danosos ao ambiente. Serge Latouche e o decrescimento sustentável:
bilidade de todos, garantir a vitalidade, a di- entende que os recursos do planeta são finitos
Com relação ao tema do consumo, há uma
versidade e a beleza da Terra, o que leva ao e que, portanto, o crescimento econômico,
questão central em debate: o planeta não medido pelo aumento do PIB (Produto Interno
segundo grande eixo da Carta: “integridade
suporta a demanda crescente por matérias Bruto) não é sustentável, ao contrário do que
ecológica”.
primas, consumo de energia e a produção defende o pensamento econômico hegemôni-
de resíduos. E mais, essa demanda é desi- co em que seria justamente o crescimento eco-
nômico que possibilitaria a melhoria de vida
gualmente distribuída pelo mundo: há pro-
Segundo eixo da Carta da Terra e a saída da pobreza. “Se você está em Roma e
fundas desigualdades de produção, con- deve ir de trem para Turim, mas, por engano,
Este segundo eixo significa conservar e sumo e distribuição de riquezas entre os embarca em direção a Nápoles, não basta
reabilitar o meio ambiente diante de toda países. A Carta da Terra recomenda a rede- diminuir a velocidade da locomotiva, frear ou
ação de desenvolvimento. A postura de pre- finição dos nossos objetivos, seja pensan- mesmo parar. É preciso descer e pegar outro
trem, na direção oposta. Para salvar o planeta
caução deve ser prioritária quando não há do novas estratégias de desenvolvimento
e assegurar um futuro aceitável para os nossos
certezas quanto ao dano que determinada ou novos modos de vida, mas tratando de filhos, não basta moderar as tendências atuais.
ação poderá causar, o que implica a respon- imprimir um padrão mais modesto de con- É preciso sair completamente do desenvolvi- 6
sabilização das organizações pelo impacto sumo entre todos, especialmente entre os mento e do economicismo, assim como é preci-
que produzem de forma consciente ou não. mais ricos, porque o tamanho do sistema so sair da agricultura produtivista, que é parte
integrante disso, para acabar com as vacas
Um dos consensos estabelecidos nas reuni- econômico parece ser incompatível com o
loucas e as aberrações transgênicas”.
ões dos países desde 1972 foi o reconheci- tamanho do ecossistema (Serge Latouche).
mento de que os recursos são finitos e que,
portanto, não desperdiçar é fundamental
inclusive para o bem estar econômico das Terceiro eixo da Carta da Terra
organizações.
Esta redefinição de prioridades, enfatizan-
Ter a tecnologia a serviço dessa mudança do a atenção às necessidades básicas de
foi uma das grandes conquistas que o mun- toda a população mundial e rejeitando o
do já pode identificar como caminho para que é supérfluo leva ao terceiro eixo da Car-
um desenvolvimento sustentável, como ta: “justiça social e econômica”. Há urgência
a produção de equipamentos domésticos na erradicação da pobreza e no aprimora-
com selos ambientais, que consomem me- mento de tudo que acarreta na melhoria da

111
Carta das Responsabilidades Humanas qualidade de vida das pessoas mais pobres: liberdade de opinião e expressão, acesso
Documento elaborado coletivamente por água potável, segurança alimentar, ar puro, à justiça e promoção de soluções não vio-
aliados de cinco continentes, afirmando a direito à terra (não contaminada), moradia, lentas nos conflitos. A questão ambiental,
responsabilidade individual e coletiva nas saneamento básico. para além de soluções para os problemas já
inter-relações humanas e com a biosfera. identificados, exige que se adote uma nova
Todos os atores sociais têm responsabilida-
postura civilizatória, nacional e internacio-
des tanto na construção de uma comunida-
nalmente pactuada, que entenda e aja com
de mais justa e igualitária quanto no desen-
coerência para garantir condições de vida
volvimento humano. Os direitos humanos
justas e sustentáveis no planeta.
são enfatizados nesta etapa da Carta como
parte intrínseca à luta pela manutenção da Meio ambiente e pobreza estreitam suas re-
vida na Terra, destacando a equidade de gê- lações à medida que degradação ambiental
nero e a defesa dos direitos das minorias ét- avança. Mudar o rumo civilizatório a favor
nicas, o respeito à diversidade, assim como de uma vida humana mais justa, integrada
o acesso pleno à saúde, à educação, à segu- e respeitosa com o ambiente natural é uma
rança e às oportunidades econômicas. tarefa imensa, por isso deve começar já.

Quarto eixo da Carta da Terra


Por fim, o quarto e último eixo da Carta da
Terra convoca todos os seus leitores a tra-
balhar para uma nova ética sustentável
planetária a partir da “democracia, não
violência e paz”. A solidariedade com as ge-
rações futuras move a luta pela defesa do
ecossistema e formas de organização da
sociedade mais justas e participativas. Isto
implica em buscar soluções que fortaleçam
as instituições democráticas, garantindo a
participação das pessoas e organizações,

112
Alterações climáticas constatadas:
As alterações climáticas são identificadas como alcançado, o mar pode inundar as costas densa-
uma das maiores ameaças ambientais, sociais mente povoadas de países como o Bangladesh,
e econômicas que o planeta e a humanidade provocar o desaparecimento total de algumas
enfrentam na atualidade. A temperatura média nações (como o estado da ilha das Maldivas), pri-
da superfície da Terra aumentou 0,74 º C desde var bilhões de pessoas de reservas de água doce, e
o final de 1800. É previsto um aumento entre 1,8 estimular migrações em massa.
°C a 4 °C até ao ano de 2100, o que implica altera-
A principal causa para a subida abrupta do ter-
ções climáticas drásticas caso não se tomem as
mômetro é um século e meio de industrializa-
medidas necessárias. Mesmo que ocorra apenas
ção, a queima de quantidades cada vez maiores
o aumento mínimo previsto, será superior a
de petróleo, gasolina e carvão, o corte das flores-
qualquer subida de temperatura registrada nos
tas e a utilização de certos métodos de cultivo.
últimos 10.000 anos.
Estas atividades têm aumentado a quantidade
A atual tendência de aquecimento global poderá de gases de efeito estufa na atmosfera, princi-
originar extinções. Inúmeras espécies vegetais palmente o dióxido de carbono, metano e óxido
e animais, já enfraquecidas pela poluição e pela nitroso. Estes gases são fundamentais para a
perda dos seus habitat, não deverão sobreviver vida na Terra, mantêm o calor do sol absorvendo 6
nos próximos cem anos. Os seres humanos, em- parte da radiação infravermelha refletida pela
bora não enfrentem ameaças idênticas, estarão superfície terrestre, impedindo-a de regressar ao
sujeitos às mais diversas adversidades. Eventos espaço.
climáticos como tempestades severas, inunda-
O processo que cria o efeito de estufa é um fenô-
ções e secas, por exemplo, são cada vez mais fre-
meno natural, necessário para a manutenção da
quentes ultimamente, indicando que os cenários
vida no planeta. Sem os GEE o mundo seria um
previstos pelos especialistas são cada vez mais
lugar frio e estéril, pois a temperatura média da
uma realidade.
Terra seria 33 ºC mais baixa, impossibilitando a
O nível médio do mar subiu entre 10 a 20 centíme- vida no planeta tal como a conhecemos hoje. No
tros durante o século XX, e um aumento adicional entanto, em grandes quantidades, são responsá-
de 18 a 59 centímetros é esperado até ao ano veis pelo aumento da temperatura global a níveis
de 2100. As temperaturas elevadas provocam a elevados e pela alteração do clima. Onze dos últi-
expansão do volume do oceano. O derretimento mos 12 anos foram os mais quentes já registrados,
de glaciares e as calotas de gelo aumentam ainda sendo que 1998 foi o ano mais quente até então.
mais o nível da água. Se o pior cenário previsto é Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Protocolo_de_Quioto

113
RR AP

AM PA CE
MA RN
PB
PIAUÍ
PE
AL
Previsões para as mudanças no Brasil.
AC SE
TO
RO BA
MG
Uma cartilha preparada pelo Instituto Na- e na saúde. Perda de biodiversidade da Caa-
AMAZÔNIA
Brasília

GO
cional de Pesquisas Espaciais –INPE – para a tinga.
CAATINGA MG Conferência Rio + 20 resume as previsões de
MS
ES
Menos pessimista: elevação de 1°C a 3°C. Re-
CERRADO
SP RJ mudanças climáticas nas regiões brasileiras.
MATA ATLÂNTICA
PR
dução de até 15% do volume de chuvas. Mes-
PAMPA

PANTANAL “Mudanças climáticas projetadas para o Bra- mos impactos do cenário pessimista, mas
SC
RS sil para o século 21 em relação ao período de em menor proporção.
1961-1990:
Região Sudeste
ecossistemas ou biomas brasileiros Região Norte
Pessimista: aumento de 3°C a 6°C. Aumento
O Brasil com suas dimensões continentais abriga diferentes Pessimista: aumento de 4°C a 6°C. Redução da ocorrência de extremos de chuva, seca e
ecossistemas ou biomas. Os principais são temperatura. Impactos na agricultura, saúde
de 15% a 20% do volume de chuvas. Altera-
- Floresta Amazônica ções na biodiversidade e nível dos rios mais e geração de energia.
- Caatinga baixo. Tendência ao desaparecimento de
Menos pessimista: aumento de 2°C a 3°C.
- Pantanal 20% a 50% da Floresta Amazônica.
Consequências semelhantes ao cenário pes-
- Cerrado
- Mata Atlântica Menos pessimista: elevação de 3°C a 5°C. Re- simista.
- Pampa dução de 5% a 15% nas chuvas. O impacto é
Região Sul
muito menor do que o previsto pelo cenário
Em todos eles, em distintas proporções, a ação humana tem pessimista. Pessimista: elevação de 2°C a 4°C. Clima de
causado forte impacto ambiental, com a ameaça a espécies e
5% a 10% mais chuvoso, mas a alta evapora-
destruição da vegetação nativa. A Mata Atlântica sofre o im- Região Centro Oeste
ção, devido ao calor, pode afetar o balanço
pacto humano desde o início da colonização no século XVI.
Pessimista: aumento de 3°C a 6°C. Redução hídrico. Mais extremos de chuva e tempe-
Hoje sobrevivem 7% da cobertura original e 22% estão em
recuperação. da biodiversidade do Pantanal e do Cerrado, ratura. Impacto na saúde da população, na
e impacto na agricultura. agricultura e na geração de energia.
A caatinga e o cerrado vivem duas formas distintas de pres-
são humana: a expansão da agroindústria sobre as matas Menos pessimista: aumento de 2°C a 4°C. Menos pessimista: elevação de 1°C a 3°C. Au-
nativas do cerrado para a plantação de soja e na caatinga a Mesmos impactos do cenário pessimista, mento de até 5% no volume de chuvas. “Con-
destruição da cobertura original serve à indústria da lenha e mas em menor proporção. sequências parecidas com as do cenário pes-
à criação de gado. simista, mas a intensidade pode variar.”
Região Nordeste
A Amazônia enfrenta o desmatamento sistemático que já le- Fonte: O FUTURO QUE QUEREMOS. Cartilha ilus-
Pessimista: aumento de 2°C a 4°C e de 15% a trada sobre Economia verde, desenvolvimento
vou 20% de seu imenso território. Nos últimos anos, o ritmo sustentável e erradicação da pobreza. Instituto
do desmatamento diminuiu de modo significativo (veja Box 20% mais seco. Diminuição do nível dos açu- Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, São Paulo,
sobre as emissões de gases), mas prossegue. des. Impactos na agricultura de subsistência 2012.

114
para saber mais
Filmes que mudou a vida de muita gente. O filme Vídeos do Futura
Alimentos S.A de Robert Kenner. 2010. Si- expõe os impactos sociais e ambientais dos Veja no caderno de textos a lista completa
nopse: “O tomate não é mais um tomate, desperdícios gerados diariamente em toda dos vídeos, sinopses e tempo de duração,
é um conceito de tomate.” Essa é uma das a sociedade. Foi indicado ao Oscar de Me- assim como sugestão de uso por tema/
muitas passagens do filme Food, Inc que lhor Documentário em 2010. mês.
tenta desconstruir a imagem que temos (ou
Flow de Irena Salina, 2008. Sinopse: vence- Na internet
que não temos) sobre os alimentos que con-
dor de diversos prêmios, Flow foi apresen-
sumimos. A cadeia de produção, as viagens http://www.mma.gov.br/; Ministério do
tado na ONU como parte do 60º Aniversá-
que os alimentos fazem ao redor do mundo Meio Ambiente
rio da Declaração dos Direitos Humanos.
até chegar ao prato dos consumidores, as
O filme mostra todos os problemas origi- http://www.observatoriodasmetropoles.
patentes de sementes, os alimentos trans-
nados na sociedade a partir da perspecti- net/ Observatório das Metrópolis .
gênicos, o sistema alimentar industrial,
va do consumo de água, elemento básico
as condições de trabalho nas fábricas e os Documentos de referência
para a vida humana. O documentário dei-
mecanismos da indústria e de preços são al-
xa claro que o problema de abastecimento Carta da Terra
guns dos assuntos abordados no filme.
e a lógica desse mercado não são proble- 6
A Carta da Terra é uma declaração de prin-
Lixo extraordinário documentário de João mas distantes: estão acontecendo agora
cípios éticos fundamentais para a constru-
Jardim, Lucy Walker e Karen Harley. Brasil em todo o mundo. A pergunta que o filme
ção, no século 21, de uma sociedade global
2009. Sinopse: o trabalho de Vik Muniz, ar- não cala é: Quem é o dono da água? Quem
justa, sustentável e pacífica.  Busca inspirar
tista plástico brasileiro que vive nos EUA, tem poder sobre ela?
todos os povos para um novo sentido de in-
chegou a Jardim Gramacho, um dos maiores
terdependência global e responsabilidade
aterros de lixo do mundo, localizado no Rio
compartilhada, voltada para o bem-estar de
de Janeiro. A ideia era conhecer a realidade
toda a família humana, da grande comuni-
em que viviam os catadores do lugar e mos-
dade da vida e das futuras gerações. É uma
trar como o elemento básico com o qual
visão de esperança e um chamado à ação. 
trabalham todos os dias – o lixo – pode se
transformar em arte. O interessante do pro- É um manifesto de princípios éticos, im-
jeto é que a renda acumulada com a venda prescindíveis para a formação de uma so-
de obras produzidas no local foi revertida ciedade universal que seja justa, sustentá-
para a própria comunidade de catadores, o vel e pacífica. O documento foi proposto

115
em 1987 e, até 92, os países não haviam Outro futuro é possível
chegado a um acordo. Diante do impasse,
Textos produzidos a partir dos grupos temá-
a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio
ticos do Fórum Social Temático e apresen-
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
tados na Cúpula dos Povos, em janeiro de
foi adotada e substituiu o texto da Carta. No
2012.
entanto, em 97, durante um evento deno-
minado Fórum+5, a Comissão da Carta da
Terra convocou sua primeira reunião e um
texto de referência foi liberado, como um
“documento em processo”.

A continuidade dos trabalhos se deu a par-


tir disso.  A carta busca orientar todos os
indivíduos do mundo para a responsabili-
dade compartilhada e o bem-estar da raça
humana. É uma visão de esperança e um
chamado à ação de proteção ecológica, à
erradicação da pobreza, à promoção do de-
senvolvimento econômico, ao respeito aos
direitos humanos, à democracia e à paz.

A proposta da carta é também de oferecer


um novo marco, inclusivo e integralmente
ético, para guiar a transição para um futuro
sustentável. O projeto começou como uma
iniciativa das Nações Unidas, mas se de-
senvolveu e finalizou com o envolvimento
global da sociedade civil em 2000. Confira a
íntegra da carta, clicando aqui: http://www.
cartadaterrabrasil.org/prt/text.html

116
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: Investigação e reflexão Tipo de atividade: observação e registro
des complementares, individuais ou cole- sobre preservação das espécies.
Objetivo: registrar as condições de descar-
tivas, associadas às questões apresentadas
Objetivo: percepção da diversidade local te do lixo na cidade, bairro ou comunidade.
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que
seja útil para sua prática e para mobilizar e 1ª etapa: proponha ao grupo um passeio 1ª etapa: convide o grupo para um passeio.
exercitar o pensamento crítico. pelas cercanias para procurar espécies de Defina com eles qual o roteiro, que ruas ,
plantas e fotografá-las. Se tiver um profes- praças, mercados, feiras e lugarejos serão
sor de biologia ou botânica para acompa- contemplados.
Tipo de atividade: identificação e reflexão nhar será um ganho.
2ª etapa: ao sair peça que estejam muito
sobre consumo
2ª etapa: proponha que pesquisem na inter- atentos para observar todo e qualquer lixo
Objetivo: consumo consciente net, em livros, etc. o nome cientifico e popu- que esteja nesses lugares sem acondiciona-
lar das plantas e quais estão em perigo de mento apropriado. Para isso distribua pran-
1ª fase: convidar os participantes a assistir
extinção. cheta, papel e lápis para que possam afazer
o documentário “Pegada Ecológica” que se
suas anotações. Quem quiser também pode
encontra na maleta. 3ª etapa: solicite que produzam um peque- 6
fotografar e depois anexar a imagem ao re-
no glossário com as imagens e a pesquisa
2ª fase: propor ao grupo que durante uma latório.
e forma de preservação. Isso pode ser feito
semana anotem numa lista dos objetos
no computador ou em formato de caderno. 3ª etapa: solicite que façam um relatório
mais presentes no seu cotidiano.
completo e, se possível apontem soluções,
3ª fase: após finalizar a lista pesquisar a para ser entregue às autoridades locais.
origem, as condições de produção, custo
ambiental e o esforço humano envolvido
na produção de cada item. Listar também
a forma como esse item é descartado, para
onde vai o lixo.

4ª etapa: promover um debate a partir dos


dados pesquisados.

117
julho

moradia e pobreza
“Nos barracos da cidade, ninguém mais tem ilusão.
No poder da autoridade de tomar a decisão”.
Gilberto Gil
julho
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

7
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

13 Dia do Cantor | 14 Dia da Liberdade de pensamento | 19 Dia nacional do Futebol


Direito à moradia Nosso Caderno dedica o mês de julho ao com vistas à garantia do efetivo exercício
A Relatoria Especial para o Direito à Moradia tema da moradia, trazendo informações e desses direitos. Grande parte dos direitos
Adequada da ONU mantém um site (http://di- reflexões sobre moradia e as condições de sociais foi conquistada por meio da luta e
reitoamoradia.org//) sobre direito à moradia e pobreza. O tema está presente pelo reco- da pressão dos movimentos sociais, sin-
seus fundamentos legais. No site você encontra nhecimento de que ter onde morar é con- dicatos de trabalhadores, movimentos da
também informações e contatos de várias or-
dição fundamental para que as pessoas sociedade civil, partidos políticos e outros
ganizações que trabalham com este tema em
nível internacional e local; atividades que a vivam sem sofrer uma das mais terríveis grupos de pressão. Cabe ao Estado ofere-
Relatoria desenvolve, aspectos que vem traba- consequências da pobreza, que é a falta de cer o serviço, como é o caso da educação,
lhando e os países que já visitou. Além disso, há um lugar, em condições de saúde e segu- saúde, previdência e segurança, ou garantir
informações detalhadas sobre como fazer uma rança, para repousar e abrigar sua família. que as pessoas terão condições para dispor
denúncia formal à Relatoria sobre violações do desse direito, como é o caso da alimenta-
Moradia é um direito (Direito à moradia)
direito à moradia.
proposto na Declaração Universal dos Di- ção e da moradia.
reitos Humanos e que passou a ser defendi- A Declaração Universal dos Direitos Huma-
do e reconhecido na legislação de diversos nos de 1948 incorporou alguns temas que
países, inclusive o Brasil, que o incluiu na os movimentos sociais do início do século
Constituição Federal de 1988. 20 haviam conquistado, como as garantias
A Constituição Cidadã estabelece no artigo do trabalho e do trabalhador, entre outras.
6º: “São direitos sociais a educação, a saú- Como lemos no texto do mês de maio, dedi-
de, a alimentação, o trabalho, a moradia, o cado ao trabalho, a luta por esses direitos
lazer, a segurança, a previdência social, a já foi vista como um crime, pessoas foram
proteção à maternidade e à infância, a as- presas, outras foram mortas. Mas, como ob-
sistência aos desamparados, na forma des- servou José Geraldo Junior, ex-reitor na Uni-
versidade de Brasília, no Fórum Mundial de
ta Constituição”.
Direitos Humanos de 2013, “seus crimes se
Os direitos sociais têm por objetivo assegu- tornaram nossos direitos”. Posteriormente
rar que os indivíduos tenham condições de à incorporação dessas conquistas à Decla-
igualdade para viver uma vida digna, a ga- ração, o Pacto Internacional dos Direitos
rantia de que essas condições são dadas a Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966,
todos e todas, o que significa que cabe tam- firmou o compromisso de inúmeras nações
bém ao Estado promover ações e políticas com a garantia dos direitos sociais, entre

120
eles, o direito à moradia, a partir daí incluí- do com papéis distintos e complementares, A pobreza é um fenômeno multidimensio-
dos na Constituição de diversas nações. ela é também o grupo por excelência onde o nal, não se caracteriza apenas pela ausên-
afeto preside as relações e determina a pro- cia de rendimento ou baixos rendimentos

teção dos membros. Ter uma moradia é, por- das pessoas e famílias, mas afeta também o
Direito à moradia tanto, ter a segurança de um abrigo não só acesso a direitos básicos, como saúde e edu-
contra a chuva e o vento, mas também con- cação, segurança, condições ambientais,
O direito à moradia é o reconhecimento da
tra o anonimato e indiferença que marcam trabalho e o direito à moradia. No Brasil,
necessidade humana de contar com um es-
a vida em grandes coletividades, um lugar este direito ainda é um dos grandes desa-
paço definido, protegido e garantido, onde
para repouso e reprodução das relações de fios das políticas públicas e as populações
possa viver a intimidade pessoal e familiar
afeto que alimentam a convivência familiar. mais pobres são as que mais sofrem. O Ins-
em paz e tranquilidade, enfrentar as intem-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística
péries naturais (como a chuva, o calor, o frio) A luta pelo direito à moradia ainda atravessa
(IBGE) publicou recentemente informações
e exercer seu direito ao descanso em segu- boa parte das sociedades ocidentais. Mesmo
bastante detalhadas sobre as condições de
rança. A moradia tem sempre o sentido de países desenvolvidos, como os Estados Uni-
vida da população brasileira e a moradia foi
um espaço de anteparo e proteção contra a dos, a Espanha e o Reino Unido, viveram a par-
um dos temas estudados. A análise da qua-
pressão cotidiana da vida social. Não que as tir de 2006 uma crise financeira, cuja origem 7
lidade da moradia deve considerar aspec-
pressões sociais parem diante da porta de foi a concessão de créditos e empréstimos
tos do acesso a serviços de saneamento, as
nossas casas, elas seguem funcionando nos destinados, em sua maior parte, ao mercado
condições de posse, os custos, a quantida-
papéis familiares, nas representações dian- imobiliário. As consequências da crise ainda
de de pessoas que residem, a iluminação, o
te de amigos e vizinhos, até mesmo no valor hoje afetam a economia mundial. Milhões
conforto pelo acesso a bens essenciais para
simbólico que os endereços carregam, dada de famílias perderam suas casas, pois con-
o bem-estar, pavimentação das ruas e até
a distribuição social do espaço urbano. Mas trataram empréstimos bancários e foram
mesmo a estética das habitações.
a casa, a residência, a moradia, o lar, o do- obrigadas a devolver os imóveis para saldar
micílio designam um espaço onde cada um as dívidas. A crise envolveu interesses dos se-
de nós pode se sentir protegido e acolhido, tores financeiros, aval de políticos, apoio de
agências de avaliação de risco, um conjunto
Moradia e arranjos
um lugar onde as relações afetivas que li-
de decisões erradas que custaram caro para
familiares
gam entre si os membros da família devem
ter preponderância sobre as relações de a população, obrigando os governos desses Segundo dados da PNAD 2012, existiam
tensão, oposição, subordinação que predo- países a injetar bilhões de dólares nos bancos então 65,9 milhões de famílias – ou, como
minam na vida social. Ao mesmo tempo em privados sem, no entanto, evitar a perda dos denomina a pesquisa, “arranjos familia-
que a família é um grupo social hierarquiza- imóveis pelas famílias atingidas. res” – no Brasil. São chamados de arranjos

121
Déficit habitacional e casas vazias

O Brasil vive uma situação paradoxal: há milhões - Adensamento excessivo em domicílios locados: Por outro lado, o Censo de 2010 identificou mais de
de famílias que necessitam de uma casa para mo- ocorre em domicílios alugados com mais de três seis milhões de domicílios vagos, incluindo os que
rar e há milhões de casas vazias. Em 2010, o número habitantes por cômodo, que sirva, permanente- estão em construção. Naquele ano, o déficit habita-
de casas vazias era maior do que o chamado déficit mente, como dormitório. cional era de 5,8 milhões de moradias. Havia mais
habitacional. Informações colhidas no Censo po- 200 mil domicílios vagos do que a necessidade de
Em 2012, havia no Brasil 62.996.532 domicílios.
pulacional de 2010 e na PNAD 2011 permitem iden- atendimento do déficit habitacional. O número de
Segundo pesquisa do IPEA, seriam necessários
tificar quatro situações que somadas compõem o domicílios vagos não incluía as casas de veraneio,
mais 5,24 milhões de novas moradias para suprir o
déficit habitacional, ou seja, a quantidade de mo- cuja ocupação é ocasional, nem casas em que os
déficit habitacional e atender dignamente à popu-
radias que precisam ser construídas para garantir moradores estavam temporariamente ausentes.
lação. Se comparado com o ano de 2007 (eram 5,59
o atendimento da população. As quatro situações Fonte: IPEA, Nota técnica 5, Déficit Habitacional. Novem-
milhões), houve ligeira redução do número total,
são: bro 2013.
mas o componente “ônus excessivo de aluguel”
- Habitações precárias: domicílios improvisados cresceu. Passou de 1,75 milhão em 2007 para 2,29 Agência Brasil: Número de casas vazias supera
déficit habitacional do país, indica Censo 2010. Publicado
e rústicos, do tipo casa e apartamentos que não milhões em 2012 de domicílios em que famílias em 11/12/2010. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noti-
sejam de alvenaria ou madeira emparelhada, cujo com ganhos de até três salários mínimos gastavam cia/2010-12-11/numero-de-casas-vazias-supera-deficit-ha-
material predominante seja de taipa não revestida, mais de 30% da renda com pagamento do aluguel bitacional-brasileiro-indica-censo-2010
madeira aproveitada, palha ou outro material. residencial. A falta de habitação está concentrada
na camada de menor renda: quase 80% dos mais
- Coabitação familiar: famílias que vivem em cômo-
de cinco milhões de domicílios que faltam são para
dos de habitações coletivas e famílias conviventes,
famílias com renda mensal de até três salários
situações em que famílias convivem no mesmo
mínimos. O aumento dos gastos com aluguel pode
domicílio mas têm a intenção declarada de se
estar relacionado com a valorização imobiliária
mudar. Todo domicílio que apresente mais de uma
que está acontecendo nas grandes cidades brasilei-
família e que tenha intenção de constituir um novo
ras, pois outra característica do déficit é que ele é
domicílio é caracterizado como convivente.
principalmente urbano. Das mais de cinco milhões
- Ônus excessivo com aluguel: considera-se quando de residências necessárias, 85% devem atender à
o peso do valor pago como prestação da locação população urbana. A população rural apresenta,
no orçamento domiciliar for superior ou igual a segundo o estudo do IPEA, um déficit de quase 750
30% da renda domiciliar. Além disso, só estão inclu- mil habitações. Na área urbana a maior necessida-
ídos neste indicador domicílios com renda total de de decorre do fator “ônus excessivo com aluguel”
até três salários mínimos. enquanto na área rural a maior necessidade decor-
re do reconhecimento de mais de 500 mil “habita-
ções precárias e rústicas”.

122
familiares diferentes situações, como por são mais de 10 milhões de famílias chefia-
exemplo: conjunto de pessoas ligadas por das por mulheres sem marido e com filhos.
laços de parentesco, pessoas ligadas por No censo de 2010, o IBGE também pesqui-
dependência doméstica ou ainda pessoas sou a existência de casais do mesmo sexo
que vivem sozinhas. A maior parte (quase que vivem na mesma moradia: foram 67 mil
90%) dos arranjos é composta por pessoas casais. Este conjunto de resultados expres-
com relações de parentesco. Há situações sa uma importante mudança na dinâmica
em que mais de um arranjo familiar vive no de gênero no tocante às famílias e ao mer-
mesmo domicílio (famílias conviventes), o cado de trabalho, que rebate diretamente
que já aponta para a necessidade de mais na composição dos domicílios.
unidades habitacionais no país. A maioria
das pessoas vive em famílias, que podem Como existe um déficit habitacional (Déficit
ser do tipo tradicional – um casal com fi- habitacional e casas vazias), há menos do-
lhos –, mas existem também outras estru- micílios do que arranjos familiares. Vamos
turas familiares. Segundo a pesquisa, em analisar alguns aspectos dos domicílios,
cada arranjo familiar havia, em média, três entendidos, segundo definição do IBGE, 7
pessoas (no meio rural eram 3,4). como “local de moradia separado por pa-
redes, muros, cercas, coberto por um teto,
A redução do tamanho médio das famílias permite o isolamento de seus moradores,
é um fenômeno mundial, com a diminui- tem acesso independente e é constituído
ção da taxa de fecundidade das mulheres, por um ou mais cômodos”. No ano de 2012,
o crescimento do número de casais sem havia no Brasil 62,8 milhões de domicílios,
filhos e o aumento das pessoas que vivem
a maior parte de propriedade dos morado-
sozinhas (chamados de arranjos unipesso-
res (47 milhões), já quitado, mas havia 11
ais). O número de arranjos unipessoais au-
milhões de domicílios ocupados mediante
mentou no Brasil de 9,3% para 13,2% entre
pagamento de aluguel.
2002 e 2012. O número de casais sem filhos
também aumentou, passando de 14% para Do total de domicílios no Brasil, 1/3 era ha-
19% no mesmo período. Chama a atenção bitado por famílias com rendimento men-
o fato de que 16,2% dos arranjos familiares sal de até um salário mínimo, outros 28,5%
sejam de “mulher sem cônjuge com filhos”: com rendimentos entre um e dois salários

123
mínimos ao mês e 6,3% sem rendimento. Es- na classe de rendimento médio mensal do-
ses números revelam que mais da metade miciliar de até meio salário mínimo, apenas
das residências brasileiras são habitadas 51,7% da população brasileira têm acesso
por famílias que recebem até dois salários ao saneamento básico adequado.
mínimos mensais.
Uma análise em termos regionais mostra
Analisando as condições de habitação des- que mais da metade dos domicílios urba-
ses arranjos familiares, percebe-se que o nos das regiões Norte, Centro-Oeste e Nor-
acesso a saneamento básico ainda é um fa- deste não possuíam saneamento adequa-
tor de desigualdade que se constitui como do. Na região Sul, um terço dos domicílios
marcador de pobreza, tanto em termos de estava sem saneamento adequado. As di-
rendimento familiar quanto de localização ferenças regionais são gritantes: 81,2% da
geográfica. A situação se torna mais grave população de baixa renda (até meio salá-
quando consideramos as diferenças entre rio mínimo) dos estados da região Sudeste
rural e urbano. Analisando a situação dos têm o saneamento atendido enquanto na
domicílios urbanos no Brasil (86% dos domi- região Norte apenas 13,8% conquistaram
cílios do país em 2012), 70% tinham acesso esse direito. Mesmo no grupo de renda
a saneamento adequado, ou seja, simulta- mais elevada, com dois ou mais salários
neamente acesso a água, esgotamento sa- mensais, apenas 30,5% dos domicílios da
nitário e coleta regular de lixo. Isto significa região Norte são atendidos simultanea-
que 16 milhões de domicílios no Brasil não mente pelos serviços de água, esgotamen-
tinham acesso a saneamento básico ade- to sanitário e coleta regular de lixo. Estes
quado em 2012. Dentre as carências, desta-
dados revelam violação de direitos que
ca-se a falta de acesso ao esgotamento sa-
impactam não somente a habitação, mas
nitário (em mais de 90% desses domicílios).
também condições de saúde da popula-
Mas a média brasileira costuma esconder ção, reforçando um ciclo vicioso de repro-
imensas desigualdades. Quando examina- dução de pobreza em que a precariedade
mos o acesso ao saneamento adequado das condições de moradia afeta a saúde
sob o ponto de vista dos rendimentos, a de todos os moradores e impacta negati-
desigualdade ganha números mais fortes: vamente a vida das crianças.

124
As questões de saneamento básico e de ilu- e entretenimento no âmbito da habitação e neo ao serviço de energia elétrica e a bens
minação elétrica refletem disponibilidade às transformações no trabalho doméstico. de consumo duráveis de uso doméstico es-
de serviços públicos essenciais, os quais conde, novamente, imensas desigualdades.
Em 2012, 40,8% dos domicílios urbanos ti-
constituem direitos garantidos constitucio- Para a faixa de baixa renda – até meio salá-
nham acesso à energia elétrica e a estes três
nalmente. Os dados apresentados pelo IBGE rio mínimo de rendimento mensal familiar
bens. Para os domicílios com até meio salá-
demonstram certa correlação entre áreas –, os números variam desde 1,7% da popu-
rio mínimo de renda per capita, este percen-
onde há maior presença de organização da lação dessa faixa em Tocantins até 26,3% na
tual se reduz para 14%. Se forem considera-
sociedade civil e a disponibilização de sa- região metropolitana de São Paulo.
dos também a posse de aparelho de DVD e
neamento e iluminação públicos. Nas áreas
acesso à internet, este percentual cai para Essa importante diferença de acesso a bens
consideradas mais vulneráveis, estes têm
10%. É importante registrar que o acesso à e serviços entre diferentes regiões do país
sido ofertados em base de favores políticos
energia elétrica e à posse desses bens – TV é ainda resultante do padrão de desenvol-
e têm permanecido precarizados a partir de
em cores, computador, internet, máquina de vimento brasileiro e da concentração de
sua transformação em moeda de troca elei-
lavar e aparelho de DVD – já não deve ser, conquistas nas regiões mais urbanizadas do
toral. As campanhas eleitorais normalmente
em plena segunda década do século 21, um Brasil. É necessário lembrar que a América
envolvem promessas de ofertas de “benefí-
privilégio de classe, mas meios para garantir Latina e o Brasil em particular viveram um 7
cios” que, na realidade, constituem serviços
melhores condições de vida e exercício de forte processo de urbanização no século 20,
que são públicos e obrigação do Estado em
cidadania por parte da população de baixa com graves consequências para a região. O
prover, independentemente do nível de ren-
renda. A TV é uma importante fonte de en- Brasil era um país em transição entre o rural
da dos domicílios. Saneamento e ilumina-
tretenimento e informação, assim como o e o urbano até os anos 1970, quando a popu-
ção não são “favores”, mas direitos de todos
acesso à internet por meio do computador lação urbana alcança o patamar de 55%. Mas
os cidadãos brasileiros.
doméstico permite o uso de serviços cada a pobreza ainda era predominantemente ru-
A questão da iluminação nos leva a refletir vez mais oferecidos exclusiva ou priorita-
ral. Com o tempo, a pobreza migrou para as
também sobre os usos de energia elétrica, riamente por esse canal. A máquina de lavar
cidades em períodos de baixo crescimento
a partir do impacto que podem ter sobre as tem oferecido às famílias – e em especial às
econômico, e a falta de liberdades políticas
dimensões da pobreza. Por exemplo, a posse mulheres, que enfrentam jornadas duplas
restringiu a capacidade de reivindicação
de alguns aparelhos elétricos que facilitam a (trabalho fora de casa e jornada domésti-
dos grupos mais afetados.
vida doméstica e elevam a dignidade da habi- ca) ou triplas (incluindo estudos ou outro
tação, como computador, TV em cores e má- emprego) – um apoio decisivo para reduzir As regiões metropolitanas, que congregam
quina de lavar. Estes três se relacionam à in- o tempo e o esforço do trabalho doméstico. diversas cidades ligadas entre si, passaram
clusão digital básica, ao acesso à informação A média nacional de 10% de acesso simultâ- a absorver a migração do campo e a regio-

125
nal, criando um sistema de diferenças es-
paciais, que também expressa diferenças
de acesso a bens e serviços, e portanto no
exercício dos direitos da cidadania. Assim,
ao longo das décadas do século 20, a ur-
Moradia adequada banização cresceu a ponto de, na primeira
década do século 21, 85% da população
A ONU estabeleceu os seguintes critérios para a definição de moradia adequada:
estarem vivendo em cidades. A pobreza
Segurança de posse: a moradia adequada tem proteção para que seus habitantes não sofram despejos urbanizada enfrenta imensos desafios
forçados, perseguições ou ameaças; em face dos direitos à moradia adequada:
Acesso a serviços básicos: a moradia adequada conta com água potável, saneamento básico, energia e há insegurança de posse, falta de acesso
meio para cozinhar, iluminação e coleta de lixo; a bens necessários, habitações precárias,
localização inadequada e longas distân-
Custo acessível: o custo de morar – aluguel ou compra – não pode exceder certo valor que comprometa
o atendimento das outras necessidades dos moradores; cias dos locais de trabalho (Box Moradia
adequada). Criam-se territórios de pobre-
Condições de habitação: a moradia adequada deve fornecer segurança e proteção contra o frio e calor
za, onde a oferta de serviços públicos,
excessivos, chuva e vento e outros fatores que possam trazer ameaça à saúde;
como educação e saúde, é precária e de
Localização adequada: exige que a moradia dê aos seus ocupantes acesso a oportunidades de emprego, baixa qualidade, ampliando as consequ-
serviços de saúde e educação, ou ainda que não seja localizada em áreas poluídas ou perigosas; ências das condições de pobreza. Em al-
Adequação cultural: os grupos têm identidades culturais que devem ser respeitadas para que a moradia gumas regiões, os territórios são disputa-
seja considerada adequada para aquele grupo; dos a bala por grupos ligados ao tráfico de
Acessibilidade, não discriminação e priorização de grupos vulneráveis: os grupos desfavorecidos – drogas, milícias vendem proteção e explo-
pessoas com deficiência, idosos, mulheres chefes de família – necessitam de atenção específica para ram a oferta de bens e serviços e, não raro,
que as moradias que lhes forem destinadas sejam próprias para suas condições de vida. eles sofrem a entrada violenta da força
Fonte: Direito à moradia. Secretaria de Direitos Humanos, Unesco, Brasil, 2013. policial, sem que se alterem as relações de
domínio e força que excluem a cidadania.

126
Moradias de espaços populares truções habitacionais de um pavimento. Aglomerado subnormal

ou precárias Nos aglomerados em terrenos em declive, O IBGE utiliza este termo para definir “um con-
as características estavam relacionadas a junto constituído de, no mínimo, 51 unidades
O Censo de 2010 investigou a situação das lotes irregulares, vias de circulação mais habitacionais (barracos, casas...) carentes em
moradias de espaços populares ou precá- estreitas (dificultando passagem de veícu- sua maioria de serviços públicos essenciais,
rias (Aglomerado subnormal). O país tinha los motores, por vezes até de motocicletas) ocupando ou tendo ocupado, até período re-
então 6.329 moradias desse tipo (assenta- cente, terreno de propriedade alheia (pública
e maioria de habitações com mais de um
mentos irregulares conhecidos como fave- ou particular) e estando dispostas, em geral, de
pavimento. Estas características tornam a forma desordenada e densa”. Para identificar
las, invasões, grotas, baixadas, comunida- provisão de serviços públicos – como trans- estes aglomerados, o IBGE utiliza os critérios de
des, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, porte e segurança – mais complexa, mas ocupação ilegal do terreno ou posse muito re-
entre outros) em 323 dos 5.565 municípios não podem ser utilizadas como argumento cente do mesmo (menos de dez anos), além de
brasileiros. Eles concentravam 6% da popu- para a inexistência ou precarização destes “vias de circulação estreitas e de alinhamento
lação brasileira (11,4 milhões de pessoas), irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais
serviços nessas áreas.
distribuídos em 3,2 milhões de domicílios e construções não regularizadas por órgãos
Nas regiões Sudeste e Nordeste, estas ha- públicos” ou precariedade de serviços públicos
particulares ocupados. Vinte regiões me-
essenciais.
tropolitanas concentravam 88,6% desses bitações não possuem espaçamento entre 7
si, têm mais de um pavimento e apresen- Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010. Aglomerados
domicílios, e quase metade (49,8%) deles subnormais. Primeiros resultados. Rio de Janeiro,
estava na região Sudeste. Essas moradias tam maior quantidade de construções em 2011.

frequentemente ocupam áreas menos áreas não propícias à urbanização regular,


propícias à urbanização, como encostas como encostas. Esta forma de distribuição
íngremes no Rio de Janeiro, áreas de praia espacial contribui desfavoravelmente para
em Fortaleza, vales profundos em Maceió a circulação e para condições de saúde. Há
(localmente conhecidos como grotas), bai- também habitações construídas de modo
xadas permanentemente inundadas em precário sobre ou à margem de córregos,
Macapá, manguezais em Cubatão, igarapés rios, mangues, lagos ou mar, além daque-
e encostas em Manaus. las construídas sobre ou à margem de li-
xões, aterros sanitários ou outras áreas
A maior parte (52,2%) encontrava-se em contaminadas. Outra forma de ocupação
terrenos planos, com ruas amplas (facili- que representa risco para a população é a
tando o tráfego de carros e caminhões), construção em faixas de domínio de gaso-
lotes regulares e grande maioria de cons- dutos, oleodutos e áreas de linhas de trans-

127
missão de alta tensão. Tais localizações têm mento e a falta de integração entre a favela e
consequências para o meio ambiente, mas, o asfalto favoreceu a criação de uma cidade
principalmente, colocam em risco a popu- com territórios desiguais, já denominada de
lação que lá habita. Os desdobramentos so- “cidade partida”, intensificando os efeitos
bre condições de saúde, de segurança e de negativos da pobreza sobre a população que
acessibilidade, nestes casos, refletem um vive nas favelas. Importante lembrar que
problema social gravíssimo de concentra- essa população é composta por trabalhado-
ção de renda e de ativos, como a terra. res, em proporções até maiores do que em
outras regiões urbanas, com rendimentos
Um estudo sobre a constituição e a regula- médios inferiores e níveis de escolaridade in-
rização das favelas no Rio de Janeiro, apre- feriores aos dos habitantes de outras regiões
sentado no Seminário Integração Favela-Ci- e grande exposição a situações de violência.
dade, em maio de 2012, revela importantes O estudo também aponta que os moradores
desafios para o enfrentamento da pobre- das favelas ainda enfrentam o preconceito
za. Nesse estado, as favelas se formaram a do local de moradia, o que dificulta o acesso
partir de correntes migratórias do campo ao emprego e a serviços públicos como saú-
para a cidade e também de remoções – de de e educação.
famílias e grupos que construíram suas ca-
sas com muito esforço, às vezes em regime As pesquisas do IBGE reforçam a necessi-
de mutirões. A ausência de políticas claras dade premente de políticas públicas de
e definidas criou uma dupla invisibilidade: planejamento e desenvolvimento urbanos.
o poder público ignorou a ocupação dos Todavia, tais políticas devem levar em con-
morros e encostas e a população, ignorada sideração não apenas questões estéticas e
de tráfego, mas também impactos ambien-
pelo poder público, ignorou por sua vez as
tais e principalmente as consequências
regras de ocupação e a legislação existente.
para a vida das pessoas que habitam as
Essa postura deu margem à concentração áreas diretamente afetadas. Não se pode
nas favelas de violência, informalidade e po- simplesmente “removê-las” para outro pon-
breza, características que se reforçam mutu- to da cidade (Querem nos despejar, e ago-
amente em prejuízo do exercício dos direitos ra?). Pelo contrário, deve-se repensar, junta-
e da qualidade de vida da população. O isola- mente com esses segmentos da população,

128
como a dinâmica de vida e de relação com infelizmente, está sendo conhecido em nado território. O conceito de “periferia” não
os demais espaços, tanto do ponto de vista muitas cidades brasileiras. Utiliza-se essa pode ser reduzido a uma delimitação física.
urbano quanto rural, pode ser redimensio- palavra para designar o fenômeno em que Ele tem também significado social e cultural,
nada de tal modo que melhore a qualidade obras de melhoria em determinados bair- perpassando as identidades nacionais e ou-
de vida e dê mais dignidade às suas con- ros, distritos ou regiões, com a construção tras identidades tradicionalmente pensadas
dições de moradia. Isto pode resultar em de conjuntos de edifícios, ramais do metrô para entender o que é o Brasil – tais como
soluções que não incluam remoção. Cabe – ou, no caso do Rio, com a construção de povos indígenas, negros e mulheres. Os mo-
aqui frisar que a discussão envolve ques- Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – vimentos de periferia assumem afirmativa-
tões relativas ao trabalho e às formas de elevam os custos de moradia nesse local e mente sua diferença e mesmo oposição ao
geração de renda e de consumo. Por vezes, afastam as populações de baixa renda que centro, criando uma identidade também
as tentativas de “melhorar” a moradia das ali viviam. As exigências de regularização representada pelas condições e estilos de
pessoas podem causar perdas em outros de serviços e moradias impõem custos que vida: enfrentamento da violência cotidiana,
aspectos, por exemplo, aumento de tempo nem todos podem arcar. As pequenas lojas ausência de serviços, preconceitos.
e dos custos com deslocamento para o tra- e comércios familiares são substituídos
Os dados que comentamos demonstram
balho, podendo até elevar o grau de dificul- por grandes empreendimentos comerciais,
como as dimensões da pobreza estão re- 7
dade em arrumar um emprego. afastando antigos moradores e desfazendo
lacionadas e como o acesso a serviços pú-
as relações comunitárias existentes.
As cidades brasileiras estão vivendo atu- blicos e a bens de consumo podem não
almente um processo de valorização do Uma das consequências desse processo de apenas ser reflexo, mas também contribuir
custo das habitações que pode ter graves “gentrificação” é o afastamento dos mais po- para perpetuar a situação de pobreza de
consequências para a pobreza. Os investi- bres para áreas cada vez mais distantes do determinados grupos sociais. Percebe-se
mentos públicos, como os que decorrem da centro da cidade. Isto significa não apenas como as desigualdades regionais afetam
realização da Copa do Mundo em algumas um distanciamento geográfico, mas tam- a população como um todo, mas atuam
cidades e das Olimpíadas em 2016 no Rio de bém exclusão de serviços públicos, de equi- com maior intensidade sobre os grupos em
Janeiro, trazem benefícios e riscos. Por um pamentos sociais e culturais e afastamento situação de pobreza. Cabe chamar a aten-
lado, há melhorias em serviços de transpor- social, reforçando estigmas. As fraturas so- ção para as diferenças entre rural e urba-
te e mobilidade urbana, com a conclusão ciais criadas pela dupla exclusão do direito no, bem como dentro do próprio espaço
ou ampliação de obras do metrô, por exem- à moradia são sentidas em momentos de urbano das grandes cidades. A questão da
plo. Por outro lado, tem ocorrido o processo eclosão de manifestações populares, mas habitação se coloca neste cenário como um
de “gentrificação”, uma palavra ainda sem também em termos de novas identidades e elemento chave, muitas vezes ignorado no
definição em português, mas cujo efeito, na própria agenda política em um determi- debate sobre pobreza.

129
Querem nos despejar, e agora?

A relatora das Nações Unidas para o Direito à Mo- A remoção não pode resultar em pessoas ou comu- disso, as pessoas afetadas têm direito à guarda e
radia Raquel Rolnik elaborou, em parceria com a nidades desabrigadas! transporte de seus objetos pessoais com respeito
Universidade de São Paulo, a seguinte orientação e segurança. Representantes do governo e obser-
Depois de realizada a obra, a melhor alternativa
para situações de despejo, inspirada em texto vadores independentes devem estar presentes
é que todos voltem para a terra ou a casa em que
elaborado pelo relator especial da ONU Miloon durante as operações de despejo.
estavam antes do projeto. Se isto for impossível,
Kothari:
deve haver acordo sobre o local e o modo como se Antes, durante e depois da remoção, todos devem
Querem nos despejar. E agora? dará o reassentamento, inclusive sobre prazos e ter garantidas boas condições de acesso à saúde,
condições da remoção. educação, trabalho, renda e outros. Atenção espe-
Articule-se com seus vizinhos. Procure ajuda, mobi-
cial deve ser dada às necessidades das mulheres e
lize e chame a atenção pública para defender seus O reassentamento:
de pessoas e grupos vulneráveis ou discriminados.
direitos! Mesmo que a casa ou a terra onde vive
deve ocorrer antes de começar a obra, ser próximo
não sejam suas! Mesmo que a remoção seja para o Indenização justa deve ser paga por todas as
e em condições iguais ou melhores do que o lugar
seu bem e para o bem da maioria da população da perdas sofridas, inclusive colheitas e danos não
onde as famílias estavam;
sua cidade ou região. materiais, como restrições a salários e ao acesso
não pode gerar segregação ou discriminação con- à educação. Todos devem ser compensados por
Remoção como resultado de projetos de infraes-
tra os moradores; danos e pela perda da propriedade, terra ou mo-
trutura e urbanização, só se não tiver jeito! Mesmo
radia, independentemente de terem títulos ou
assim, os direitos básicos têm que ser respeitados: deve ser acompanhado por políticas públicas de documentação legal de propriedade. Mulheres e
compensação e reinserção, garantindo a continui- homens devem ser co-beneficiários em pacotes de
A comunidade que será atingida deve ter tempo e
dade no acesso à escola, trabalho, tratamentos de compensação.
condições de participar efetivamente de todo o pro-
saúde, fontes de renda, mercados e transporte.
cesso. Isso inclui desde a participação nas discus-
É proibida qualquer forma de violência ou intimi-
sões sobre a necessidade da obra até aquelas sobre O Estado deve garantir assistência social e jurídica dação ou destruição de bens antes, durante ou
a elaboração de projetos alternativos e de propos- a todos os afetados. Isso inclui o direito de audi- depois da remoção. Denuncie!
tas de remoções que prejudiquem menos as condi- ência e o direito de acesso a aconselhamento ou
ções de convivência e subsistência das famílias. Fonte:http://direitoamoradia.org/wp-content/uplo-
assistência jurídica gratuita. ads/2012/01/folheto_remocoes_portugues.pdf
Todos têm o direito de saber por que terão que sair, Quem vai ser removido tem que ser avisado com
para onde e quando vão e como será a mudança. antecedência, ter apoio e tempo suficiente para
Todas estas informações têm que estar facilmente fazer a mudança. Remoções não podem ser realiza-
acessíveis com bastante antecedência, devem ser das sob chuva, à noite, durante e antes dos exames
apresentadas por escrito e redigidas de maneira escolares ou durante feriados religiosos. Além
clara no idioma e linguagem dos afetados.

130
Reconfigurações que A garantia dos direitos econômicos, sociais
possibilitem novas formas e culturais tem sido uma tônica nos discur-
de viver nas cidades sos políticos neste início de século no Bra-
sil. O enfrentamento da pobreza, em suas
As intervenções do poder público para a múltiplas dimensões, passa por esta garan-
realização das obras dos grandes eventos tia. Cabe refletir sobre as distâncias entre
demonstram a possibilidade de o Estado o que assegura a legislação e as realidades
repensar a configuração urbana. No entan- vividas pelos diferentes sujeitos de direitos
to, a grande maioria dessas intervenções é no país. Como superar estas distâncias ao
caracterizada por uma reflexão unilateral longo do tempo, para todos(as) e para cada
e imediatista de possibilidades de mudan- um(a) – eis o desafio do governo e da socie-
ça. O exercício de se repensar envolve um dade civil brasileiros. Este desafio é comple-
esforço, não apenas de orçamento público, xo e, como tal, exige respostas múltiplas e
mas do próprio poder público se abrir ao complexas, demandando uma postura pro-
diálogo e projetar melhores condições de ativa de cada sujeito, mas também colabo-
vida para estas localidades, com a partici- rativa e respeitosa dos limites próprios em 7
pação das comunidades. A ênfase destes prol do outro e de “nós”.
eventos se dá nas grandes cidades, mas há
de se lembrar que estas são organicamente Alguns movimentos sociais têm surgido
relacionadas aos seus entornos – os quais, a partir de organização para disputar no
não poucas vezes, são os mais penalizados campo político a conceituação de mora-
com os efeitos das intervenções intem- dia “adequada” e pleitear o cumprimento
pestivas para responder a cronogramas do disposto no Artigo 6º da Constituição
esportivos. Pensar um novo urbano é pen- de 1988. O direito à moradia tem sido uma
sar como garantir direitos fundamentais a pauta na agenda de luta de movimentos do
partir de reconfigurações que possibilitem campo e dos meios urbanos. Os movimen-
novas formas de interagir e de viver nas ci- tos têm se organizado para demandar do
dades, no meio rural e nas terras indígenas. poder público ações efetivas que eliminem
Isto significa reforma urbana (e rural), mas o déficit de moradia no país, mas também
também novas formas de gestão democrá- que propiciem moradia digna para os par-
tica das cidades. ticipantes. A discussão de “adequada” pas-

131
sa pela qualidade e localização das cons- Como garantir o direito à propriedade sem
truções, mas, por outro lado, mecanismos violar o direito à moradia? Esta é uma per-
de pressão têm sido utilizados mediante gunta que tem sido feita, mas que traz um
estratégias de ocupação de terras e de pré- risco ao debate do ponto de vista de direi-
dios, visando a não apenas resolver imedia- tos humanos, ao forçar uma dicotomia que
tamente este déficit, mas também chamar não existe na prática. A chave está no Arti-
a atenção da sociedade brasileira para as go 5º, inciso XXIII da Constituição Cidadã:
violações do direito à moradia que assolam a propriedade deve atender sua função so-
milhões de concidadãos. cial. Mas o que seria “função social” da pro-
priedade? Eis aí mais um campo de disputa
As formas como o poder público vem lidan-
política e ideológica.
do com a questão expõem a complexidade
das situações e a quantidade de interesses Um efeito importante que tem conver-
envolvidos. A remoção de comunidades gido sobre as populações mais pobres
para a realização de obras apontadas como decorre das mudanças climáticas. Em
de interesse coletivo deve ser tratada com todo o mundo, registram-se fenômenos
cuidado, sem que um genérico interesse ambientais extremos com graves conse-
coletivo se sobreponha ao direito de mora- quências em particular para as popula-
dia de cada família. Este direito não pode ções pobres que vivem em encostas e na
ser violado em nome de uma superioridade beira de rios, regularmente atingidos por
numérica de beneficiados. O Comentário catástrofes previsíveis. A perda de mora-
Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômi- dia em situações de catástrofe deveria
cos, Sociais e Culturais da ONU estabelece garantir de imediato o atendimento do
que os despejos forçados não podem ser poder público para as famílias atingidas.
feitos de modo a desabrigar as pessoas ou Nem sempre isso ocorre. O direito à mo-
deixá-las vulneráveis a violações de direitos radia adequada, inscrito na Constituição
humanos. O poder público deve assegurar e reconhecido em grande parte dos paí-
moradia alternativa aos despejados, inde- ses, ainda é um desafio para uma parte
pendente do motivo do despejo ser legal das famílias brasileiras e os mais pobres
ou provocado por proteção à propriedade sofrem mais duramente as consequên-
de terceiros. cias da ausência desse direito.

132
para saber mais
Filmes Livros brasileira, 2012. Informação demográfica
Remoção uma parceira de Luiz Antônio VENTURA, Zuenir. Cidade partida. São Pau- e socioeconômica número 29, IBGE, Rio de
Pilar com Anderson Quack, Brasil, 2013. Si- lo, Companhia das Letras, 1994. janeiro, 2012.
nopse: o documentário que narra o proces-
Documentos de referência IBGE: Síntese de indicadores sociais: uma
so de remoção de favelas da Zona Sul nas
- Terra na luta por justiça social: Direitos análise das condições de vida da população
décadas de 60 e 70, que dá origem à primei-
humanos e as estratégias de movimentos brasileira, 2013. Informação demográfica
ra concepção de conjuntos habitacionais
sociais. Gelbspan, Thea e Prioste, Fernando. e socioeconômica número 32, IBGE, Rio de
Vila Kennedy, Vila Aliança (onde localiza-se
Curitiba, Editora Terra de Direitos, 2013. janeiro, 2013.
a Nave Abdias do Nascimento) Cidade de
Deus, entre outros. http://www.escr-net.org/sites/default/fi- IBGE: Pesquisa Nacional de Amostragem
les/Terra_Justica.port_.pdf Domiciliar; síntese de indicadores 2012.
Cidade de Deus de Fernando Meirelles, Bra-
IBGE, Rio de Janeiro, 2013.
sil 2002. Sinopse: dentro da produção atual, - Pacto Internacional de Direitos Econômi-
um dos maiores sucessos do cinema na- cos Sociais e Culturais (Pidesc) IBGE: Censo Demográfico 2010. Aglomera-
cional, Cidade de Deus tem como pano de dos subnormais. Primeiros resultados, Rio
Artigo 11, parágrafo 1º: 7
fundo a favelização do lugar homônimo. A de Janeiro, 2011.
Cidade de Deus nasceu como um conjunto Os Estados-partes no presente pacto reco-
Nota técnica 5, Instituto de Pesquisa Econô-
habitacional, financiado com o dinheiro da nhecem o direito de toda pessoa a um nível
mica Aplicada (Ipea). Déficit Habitacional.
Aliança para o Progresso, construído nos de vida adequado para si próprio e para sua
Novembro 2013.
anos 60 para abrigar moradores transferi- família, inclusive à alimentação, vestimenta
dos de 23 favelas da cidade, durante a onda e moradia adequadas, assim como uma me- Direito à moradia. Secretaria de Direitos Hu-
de remoções do governo Carlos Lacerda. lhoria contínua de suas condições de vida. manos, Unesco, Brasil, 2013.
Os Estados-partes tomarão medidas apro-
Vídeos do Futura Pobreza no Brasil: a Evolução de longo pra-
priadas para assegurar a consecução desse
Veja no caderno de textos a lista completa zo (1970-2011). Rocha, Sonia. Rio de Janeiro,
direito, reconhecendo, nesse sentido, a im-
dos vídeos, sinopses e tempo de duração, Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae),
portância essencial da cooperação interna-
assim como sugestão de uso por tema/mês. 2013.
cional fundada no livre consentimento.
http://www.forumnacional.org.br/pub/ep/
IBGE: Síntese de indicadores sociais: uma
EP0492.pdf
análise das condições de vida da população

133
Seminário Integração Favela-Cidade. Estu-
do de Ricardo Paes e Barros, Diana Grosner,
Adriana Mascarenhas e Alessandra Ninis.
Rio de Janeiro, maio de 2012.

Páginas na internet
http://www.unmp.org.br A União Nacional
por Moradia Popular se organiza a partir da
base nos estados, articulando movimentos
populares de moradia, em suas diversas ex-
pressões – movimentos de sem-teto, corti-
ços, favelas, loteamentos, mutirões, ocupa-
ções – no Brasil.

http://mnlmsm.blogspot.com.br O Mo-
vimento Nacional de Luta pela Moradia,
criado em 1990, defende a reforma urbana
e busca acabar com o déficit habitacional
através do estímulo à organização e arti-
culação nacional dos movimentos de luta
pela moradia desenvolvidos por sem-tetos,
inquilinos, mutuários e ocupantes.

Blog da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik,


relatora especial do Conselho de Direitos Hu-
manos da ONU para o Direito à Moradia Ade-
quada. http://raquelrolnik.wordpress.com/

134
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- 3ª etapa: proponha aos participantes de- par os prédios de imóveis nas zonas cen-
des complementares, individuais ou cole- senvolver estratégias para compartilhar trais? Indique um participante para fazer a
tivas, associadas às questões apresentadas estas informações em sua comunidade, as- relatoria do debate comparando o campo e
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que sim como com o(s) movimentos de ocupa- a cidade..
seja útil para sua prática e para mobilizar e ção(os) de seu município.
3ª etapa: proponha que se faça pesquisa
exercitar o pensamento crítico.
para complementar as informações da re-
latoria.
Tipo de atividade: Estudo comparativo
Tipo de atividade: pesquisa 4ª etapa: convide novamente o grupo para
Objetivo: levantar dados sobre os movi-
leitura coletiva da relatoria. Sugira uma re-
Objetivo: divulgar as normativas que regu- mentos da luta pela moradia no campo e na
flexão sobre qual seria a melhor maneira
lamentam o direito à moradia cidade.
de ampliar a discussão envolvendo a co-
1ª etapa: em que se baseia o direito à mo- 1ª etapa: exiba ao grupo o documentário munidade.
radia? Quais normativas (legislações) nacio- LEVA (que se encontra na maleta) que acom-
nais ou internacionais que regulamentam o panha a vida de moradores da ocupação e
7
direito a viver dignamente em condições de apreende a revitalização dos espaços ocio-
habitação segura e acessível? Nesta ativida- sos e a construção do coletivo como agente
de, os participantes devem pesquisar – na de transformação do indivíduo.
internet, em bibliotecas, escolas e faculda-
2ª etapa: proponha um debate a partir das
des aquelas leis, tratados ou convenções
seguintes questões: Quais as diferenças e
internacionais promulgados ou ratificados
semelhanças entre as ocupações que ocor-
pelo Brasil que mencionam o direito à mo-
rem nas cidades e as do campo? Quais ob-
radia como um direito humano, listando-os.
jetivos em comum? Quais especificidades?
2ª etapa: Em seguida, debata e reflita com Trocando em miúdos: como a falta de uma
eles sobre as dificuldades encontradas para reforma agrária pode influenciar na falta de
tornar tais normativas aplicáveis à realida- terras acessíveis ao pequeno trabalhador
de no país e no seu município. rural? Ou, pensando nas questões urbanas,
como a precariedade dos transportes públi-
cos pode influenciar na decisão de se ocu-

135
agosto

Expressões
populares
“A cultura, sob todas as formas de arte, de
amor e de pensamento, através dos séculos,
capacitou o homem a ser menos escravizado.”
André Malraux
agosto
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

8
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

03 Dia do capoeirista | 09 Dia internacional dos povos indígenas | 13 Dia do canhoto | 22 Dia do Folclore
Irmãos Grimm Para o mês de agosto, o Almanaque traz
Os Contos de Grimm não são propriamente contos de fadas, distribuindo-se em: Contos de encan- um debate importante para tratarmos de
tamento (histórias que apresentam metamorfoses, ou transformações, a maioria por encantamen- pobreza, desigualdade e diversidade: as
to); Contos maravilhosos (histórias que apresentam o elemento mágico, sobrenatural, integrado expressões populares, artesanato, danças,
naturalmente nas situações apresentadas);Fábulas (histórias vividas por animais);Lendas (histórias festas e músicas, produções reconhecidas
ligadas ao princípio dos tempos ou da comunidade e onde o mágico aparece como “milagre” ligado como folclore, a arte popular. E vamos co-
a uma divindade);Contos de enigma ou mistério (histórias que têm como eixo um enigma a ser des-
mentar também as novas formas de pro-
vendado);Contos jocosos (humorísticos ou divertidos).
dução, circulação e consumo de artes com
Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao público infantil e sim aos intensa utilização de tecnologias digitais,
adultos. Foram os irmãos Grimm que as dedicaram às crianças por sua temática mágica e maravi-
que têm grande participação das juventu-
lhosa. Fundiram, assim, esses dois universos: o popular e o infantil. O título escolhido para a coletâ-
nea já evidencia uma proposta educativa. Alguns temas considerados mais cruéis ou imorais foram
des das periferias urbanas.
descartados do manuscrito de 1810. A data de 22 de agosto, no Brasil, é come-
O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário. Assim, a violência presente nos morada como o Dia do Folclore. O termo
contos de Charles Perrault, cede lugar a um humanismo, em que se destaca o sentido do maravilho- folclore surgiu para designar o objeto de
so da vida. Perpassam pelas histórias, de forma suave, duas temáticas em especial: a solidariedade interesse de artistas e pesquisadores euro-
e o amor ao próximo. A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas histórias,
peus que, no século XVIII, dedicaram-se a re-
o que predomina sempre são a esperança e a confiança na vida. É possível observar essa diferença,
confrontando-se os finais da história de Chapeuzinho Vermelho em Perrault, que termina com o
colher histórias, contos, cantigas e danças
lobo devorando a menina e a avó, e em Grimm, em que o caçador abre a barriga do lobo, deixando nas tradições populares. Uma das questões
que as duas fiquem vivas e felizes enquanto o lobo morria com a barriga cheia de pedras que o ca- que inquietava os intelectuais europeus da
çador ali colocou. época era a busca de expressões da autenti-
Fonte: Wikipedia, Irmãos Grimm cidade dos povos, uma associação entre as
manifestações artísticas populares e a iden-
tidade nacional, como se as artes populares
revelassem um espírito comum ao povo da-
quela nação.

138
Cultura popular: fator de a idealização dos povos originários da Amé-
formação da identidade rica, que encontra expressão em romances,
nacional contos, música, pintura e diversas formas de
expressão artística que têm os índios como
Arte popular, povo e nação formavam uma
heróis e exemplos de valores inspirados, na
unidade que justificava a criação dos esta-
verdade, em referências europeias.
dos nacionais, a valorização do saber po-
pular e a identidade nacional. Em todos os Os índios eram os verdadeiros cavaleiros e
campos das artes, da literatura à música e nobres que o país não havia conhecido. No
à dança, as tradições populares tinham um século XX, ocorre outro movimento em di-
grande acervo para ser descoberto. reção às tradições populares, agora com a
preocupação de conhecer e valorizar obras
Um exemplo do qual até hoje desfrutamos
e práticas que testemunham a riqueza cul-
são os contos dos irmãos Grimm (Irmãos
tural do país e justificam, de certo modo, o
Grimm), estudiosos alemães que recolhe-
rompimento com os padrões estéticos vi-
ram e publicaram histórias populares. Di-
versos compositores da chamada música gentes naquele momento, padrões que re- 8
erudita foram buscar nas cantigas popula- petiam modas europeias.
res a inspiração para suas obras. O folclore No período do modernismo, o Brasil foi re-
era reconhecido partir de elementos identi- descoberto para os brasileiros por essa va-
ficadores como a oralidade, a antiguidade, lorização de tradições que eram ignoradas
o anonimato. Alimentados pelo romantis- ou desprezadas, como se fossem expres-
mo, os estudiosos atribuíam às artes popu- sões de um atraso cultural e social que as
lares características idealizadas de pureza, elites preferiam manter distante. Um dos
autenticidade e originalidade. responsáveis por essas descobertas e pela
No Brasil, o movimento romântico do século valorização das artes populares foi o poeta,
XIX também foi buscar essa autenticidade, romancista e estudioso Mário de Andrade.
mas na sociedade escravocrata brasileira Além de seu imenso trabalho nos campos
da época não era possível eleger as culturas da literatura e do folclore, Mario de Andra-
negras como referência. Assim, floresce no de chamou a atenção do país para o extra-
Brasil, como entre outros países da região, ordinário acervo do barroco mineiro.

139
Para além da literatura, já conhecida, des- sicas, danças além de histórias, adivinha-
Folclore tacam-se a escultura, a pintura, a arquite- ções e jogos de palavras, cantigas de ninar
Folclore é o conjunto das criações tura e também a música, obra de escravos que, aos poucos, foram se deslocando para
culturais de uma comunidade, ba- e de filhos de escravos, artistas brasileiros o mundo urbano e oferecendo referências
seado nas suas tradições expressas negros e pardos. Essas descobertas e reco- para os grupos sociais que migravam. Esse
individual ou coletivamente, repre- nhecimentos motivaram o fortalecimento conjunto de atividades, que a palavra ‘fol-
sentativo de sua identidade social. do movimento folclorista no Brasil. O termo clore’ ou a expressão ‘cultura popular’ pre-
Constituem-se fatores de identifi-
folclore (Folclore) se aplicava às práticas e tendem reunir, são importantes elemen-
cação da manifestação folclórica:
aceitação coletiva, tradicionalidade, fusões que tiveram lugar no encontro das tos de identidade de indivíduos e grupos,
dinamicidade, funcionalidade. Res- culturas europeias com as tradições africa- heranças que se transmitem de geração a
saltamos que entendemos folclore e nas e, minoritariamente, as dos povos in- geração, sofrendo modificações e também
cultura popular como equivalentes, dígenas e que permaneciam vivas e ativas, enfrentando o esquecimento e abandono.
em sintonia com o que preconiza a especialmente nas camadas mais pobres Algumas dessas práticas acabam subsistin-
UNESCO.
da população urbana e notadamente nas do antes como mercadoria do consumo tu-
áreas rurais do Brasil. rístico do que como expressão de valores e
identidades comunitárias.

Muitos dos artistas populares cujas obras


O adensamento das cidades e a são conhecidas e admiradas em todo o
perda das tradições Brasil foram pessoas que nasceram e vive-
A vertiginosa urbanização na América Lati- ram na pobreza. Há milhares de exemplos,
na desorganizou estruturas sociais que há e podemos nos referir aos compositores e
séculos se mantinham relativamente es- cantores cariocas Cartola, hoje reconhe-
táveis na vida rural, embora em condições cido como um dos grandes poetas da mú-
de pobreza e escassez. No Brasil, o rápido sica popular, Nélson Cavaquinho e sua vi-
processo de urbanização na segunda meta- zinha na Mangueira, Clementina de Jesus.
de do século XX resgatou tradições, possi- Em cada cidade do Brasil, em cada região,
bilitando o renascimento, na periferia das podemos encontrar grandes artistas, da
grandes cidades, de ritos e festas trazidas música, da pintura, da escultura, da dança,
da vida comunitária anterior. No mundo da fabricação de bonecos, do artesanato,
rural, persistiam e sobreviviam festas, mú- bordadeiras e tecelãs que nasceram e vive-

140
ram em condições de pobreza. Suas obras muito a ver com o tema da pobreza, da de- Artistas brasileiros
e manifestações contribuem como expres- sigualdade e da diversidade, não apenas A obra do grande pintor brasileiro Cândido
são, reflexão e superação dessas condições. porque grandes artistas, diante da pobreza, Portinari valoriza a vida brasileira, retra-
Aqui nos referimos a poucos nomes, cujas criaram obras que nos tocam por sua força tando a pobreza e mobilizando as pessoas
obras se tornaram conhecidas e admiradas, de expressão e pela emoção que despertam para conhecer e superar a pobreza. Charles
mas podemos imaginar quantos outros em cada um de nós (Artistas brasileiros). Chaplin é outro grande artista que nos emo-
ciona com sua forma de tratar a pobreza, a
continuaram esquecidos sem que sua obra Por meio dessas obras e práticas, podemos
luta e dignidade dos pobres, a relação dos
e seu trabalho tenham recebido a difusão e compreender algumas das dimensões da poderes com e contra os pobres. Parte da
o reconhecimento que mereciam. vida dessas populações assoladas pela pre- obra musical de Chico Buarque traz a voz
cariedade da pobreza, mas nem por isso dos pobres e sua visão de mundo. Escrito-
A expressão cultural envolve criação, pro- res como Rubens Figueiredo captam de
menos confiantes em suas capacidades
dução, distribuição, acesso e o usofruto, forma singular a perspectiva dos pobres.
de enfrentar as adversidades, de produzir
quer dizer, a experiência cultural e artística
beleza e alegria na luta diária contra essas http://nestorgarciacanclini.net/index.php/
que as pessoas têm com essas expressões.
condições. cultura-e-imaginarios-urbanos/128-de-que
Para que o circuito funcione bem, são ne- -hablamos
cessárias algumas condições, desde uma Os intensos processos de urbanização, a 8
tradição que oferece referências, modelos monetarização das relações sociais, o iso-
e padrões, comunidades que partilham o lamento das famílias, a apropriação do
valor daquelas atividades e lhes atribuem tempo pelas imposições do trabalho e des-
sentido, as formas de transmissão das téc- locamentos nas cidades, são alguns dos
nicas de produção, até recursos que susten- muitos fatores que contribuíram para que
tem os custos dessas produções. as práticas populares sofressem imensas
transformações que vão da conversão em
produtos de consumo adaptados ao merca-
A arte denuncia a pobreza do de turismo e cultura ao completo desa-
parecimento.
Modernamente falamos em sistemas de
financiamento que vão da cooperação co- Muitos autores viam nesse processo, a per-
munitária à renúncia fiscal estimulada por da da originalidade e da pureza original das
leis de incentivo ou mesmo o financiamen- culturas populares, transformadas em ima-
to público direto. As artes populares têm gens desgastadas daquilo que foram. Essa

141
visão, no entanto, tem sido confrontada de diálogo das diversidades, revaloriza-
Fuxico com outras formas de compreender a di- das pelas lutas sociais do campo e da
Técnica artesanal que consiste em um pe- nâmica das culturas populares em face cidade.
queno círculo de tecido alinhavado e fran- da expansão da indústria cultural, do ci-
Cultura, adverte Canclini, não cabe mais
zido nas extremidades que, unidos, formam nema, da televisão, do rádio e de outras
colchas e adereços. Durante muito tempo
nas tradicionais oposições popular/eru-
formas industrializadas de produção de
foi associado às mulheres das classes po- dito, tradicional/moderno, subalterno/
eventos. O antropólogo Néstor Canclini1
bres de diversas regiões do Brasil, tendo hegemônico, mas sua organização atu-
recusa essa visão idealizante e nostálgi-
sido proibido no período colonial, em 1875, al se dá entre “tradições de classes, et-
junto com outras práticas de tecelagem ca da cultura popular e do folclore e nos
nias e nações”2. As formas tradicionais
manual como a chita e o brocado, devido à fala de um processo de transformação
da expressão cultural enfrentam pro-
predominância da produção inglesa comer- que ele denomina como “hibridização”
cializada no Brasil.
cessos intensos de transformação que
das culturas, culturas híbridas.
afetam desde a produção, a circulação
Sob este ponto de vista, não se trata de e o consumo das obras, ao mesmo tem-
buscar a pureza do folclore ou a preser- po em que a globalização franqueia as
vação de formas culturais que retratem fronteiras para o fluxo da produção das
um passado nostálgico, mas de compre- indústrias culturais, impondo padrões
ender a dinâmica das produções atuais de gosto e preferência, reorganizando
como formas de resignificação de tradi- os públicos em função de seus interes-
ções e do presente, formas de inovar as ses comerciais e também ideológicos.
relações entre linguagens e objetos. A
Esse ambiente de incerteza e mudan-
dinâmica da cultura deve ser compreen-
ça tem motivado organismos como a
dida a partir das características atuais
Unesco, cujo mandato está associado
em que dispositivos tecnológicos estão
ao campo da educação e da cultura, a
cada vez mais acessíveis à grande parte
buscar construir conceitos e consensos
da população, ao mesmo tempo em que
que reconheçam a dimensão constituti-
a globalização dos mercados culturais
va da cultura para as identidades e não
impõe modelos e abre linhas paralelas
apenas sua dimensão comercial.
1 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibridas:
estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: Edusp. 2013, 4ª edição. 2 Idem

142
Declaração da Diversidade condições de um diálogo renovado entre
Cultural as culturas e as civilizações,

A questão da comercialização da cultura e a A Conferência geral aprova a Declaração.


valorização da diversidade das expressões Garantir a livre circulação de ideias e fa-
artísticas dos povos motivaram a proposi- zer com que todas as culturas possam se
ção da Declaração da Diversidade Cultural, expressar e se fazer conhecidas é parte da
aprovada em 2002. As premissas apresenta-
Declaração da Diversidade Cultural da
das na Declaração agregam um amplo con-
Unesco. Neste documento, cultura é “con-
junto de argumentos, destacamos alguns
siderada como um conjunto distinto de ele-
que indicam o quanto o tema da Diversida-
mentos espirituais, materiais, intelectuais
de Cultural importa para o debate da pobre- Observatório da Diversidade
e emocionais de uma sociedade ou de um
za, desigualdade e diversidade:
grupo social. Além da arte e da literatura, http://observatoriodadiversidade.org.br/site/
Afirmando que o respeito à diversidade ela abarca também os estilos de vida, mo- O QUE É ?
das culturas, à tolerância, ao diálogo e à dos de convivência, sistemas de valores,
O Observatório da Diversidade Cultural – ODC 8
cooperação, em um clima de confiança e tradições e crenças” 3.
– é uma organização não governamental que
de entendimento mútuos, estão entre as desenvolve programas de ação colaborativa
O tema da cultura tem avançado na agen-
melhores garantias da paz e da segurança entre gestores culturais, artistas, arte educado-
da mundial desde a criação da Unesco em
internacionais, res, agentes culturais e pesquisadores. O ob-
1946. Seu mandato incluía as tarefas de jetivo é produzir informação e conhecimento,
Aspirando a uma maior solidariedade fun- promover “salutar diversidade de culturas” gerar experiências e experimentações, atuando
dada no reconhecimento da diversidade e “facilitar o livre trânsito de ideias pelas sobre os desafios da proteção e promoção da
cultural, na consciência da unidade do palavras e imagens”. O desafio que desde diversidade cultural. O ODC busca construir
gênero humano e no desenvolvimento dos competências pedagógicas, culturais e geren-
então acompanha o trabalho da organiza-
ciais; incentivar e realizar pesquisas e práticas
intercâmbios culturais, ção no campo da cultura estava expresso inovadoras além de proporcionar experiências
em seu relatório de 1947: “orquestração de de mediação no campo da Diversidade Cultu-
Considerando que o processo de globa-
lização, facilitado pela rápida evolução diferentes culturas, não rumo à uniformi- ral – entendida como elemento estruturante
dade, mas, sim, à unidade na diversidade, de identidades coletivas abertas ao diálogo e
das novas tecnologias da informação e respeito mútuos.
da comunicação, apesar de constituir um 3 Preâmbulo da Declaração Universal de Diversidade
desafio para a diversidade cultural, cria Cultural da UNESCO, 2001

143
Os setores criativos

Os setores criativos das economias em desenvol- quanto a produção ocorre, na maior parte, em - estratégias de desenvolvimento sustentável. Para
vimento apresentam um potencial significativo pequena escala. Nesse ponto, as indústrias criati- assegurar um caminho de desenvolvimento susten-
para contribuir com o alcance de, pelo menos, os vas são particularmente apropriadas para auxiliar tável e inclusivo para os países em desenvolvimento,
seguintes seis componentes específicos dos ODM: a regeneração da comunidade e a sustentabilidade a cultura e o meio ambiente devem ser o caminho
das sociedades tradicionais. As indústrias criati- principal nas políticas de desenvolvimento. A erosão
■erradicação da pobreza e redução da desigualda-
vas não somente proporcionam a possibilidade cultural é uma grande preocupação. Muitos modos
de. As manifestações da cultura de um povo – cos-
de geração de receita, mas também oferecem de vida, idiomas e formas de expressão cultural es-
tumes, artefatos, música e assim por diante – per-
oportunidades de emprego mais fáceis de serem tão sendo perdidos gradativamente em diferentes
meiam as vidas de homens, mulheres e crianças,
reconciliadas com as obrigações familiares e co- partes do mundo. A biodiversidade também está se
constituindo um elemento significativo na promo-
munitárias. (...) Ela fornecerá, portanto, um veículo perdendo a passos largos devido à superexploração
ção de sua felicidade e bem-estar. Qualquer estra-
mais eficiente para as iniciativas direcionadas de generalizada dos recursos biológicos, o que acarreta
tégia que use a cultura como meio de autonomia e
desenvolvimento econômico cujo foco seja a erra- um custo tremendo para nossa subsistência eco-
desenvolvimento econômico tem a capacidade de
dicação da pobreza; nômica, social e cultural. Atualmente, milhões de
alcançar todos os membros de uma comunidade e
pessoas dependem da biodiversidade para obterem
de afetar suas vidas de alguma forma, seja qual for - igualdade entre os gêneros. O processo criativo alimentos, medicamentos, renda, empregos, com-
seu status socioeconômico. oferece muitas oportunidades para as mulheres bustíveis e roupas, além das necessidades culturais e
Além disso, o desenvolvimento sustentável das participarem e da atividade criativa que gera re- espirituais. A biodiversidade não é essencial somente
indústrias criativas no nível local, especialmente compensas econômicas e culturais.Portanto, as para a agricultura e para a indústria farmacêutica,
quando é direcionado às artes, às atividades criati- estratégias de desenvolvimento devem incluir pro- mas também para as indústrias criativas, especial-
vas e ao crescimento de pequenas empresas, será jetos de aprimoramento das capacidades criativas mente no caso dos produtos criativos relacionados a
capaz de fazer uma importante contribuição à que favoreçam as pessoas carentes, especialmente artesanato, moda, acessórios e design de interiores.
erradicação da pobreza e à redução da desigualda- no artesanato (tecelãs, oleiras, entalhadoras etc.) (...) Um dos principais atributos da economia criativa
de. Diferentemente do desenvolvimento industrial e na moda (artesãs do couro, joalheiras, tecelãs de é que ela é capaz de gerar recompensas econômicas
mais tradicional e em larga escala, a unidade de juta e seda, bordadeiras etc.). Isso pode beneficiar substanciais, resultando em ganhos para a cultura, o
negócio no setor das indústrias criativas é tipica- grande quantidade de artesãs ao ajudá-las a serem ecossistema e a biodiversidade. Ela estimula a cria-
mente bem pequena, normalmente constituindo responsáveis por seus próprios sustentos e a gerar tividade e o envolvimento ambiental cívico, promo-
negócios familiares. Isso significa que o produto renda para suas famílias e comunidades, especial- vendo, assim, os benefícios da diversidade cultural e
tem origem em muitas unidades diferentes, en- mente em áreas rurais. (...) da biodiversidade. (Relatório economia criativa, p. 34)

144
para que os seres humanos não se fechem criminações que também existem em outras Quer saber mais?
em suas próprias culturas, mas que com- áreas da vida nessas sociedades. A Declara- Mestre Vitalino, 1909 – 1963. Caruaru, PE: artista
partilhem as riquezas de uma única cultura ção é enfática em reconhecer que o valor das que produzia personagens em barro e madei-
mundial diversificada”. práticas e dos produtos culturais está além ra. São exemplos: presépios, Bumba meu boi,
de sua transformação em mercadoria: Lampião e Maria Bonita, Família de Retirantes,
A tarefa, importante de ser enunciada, é bas- Casais de Noivos fugindo no Jegue, Trio Nordes-
tante complexa de ser realizada. A cada dia Artigo 8: “Frente às mudanças econô- tino. A história do Mestre Vitalino conta que ele
o valor econômico dos produtos culturais micas e tecnológicas atuais, que abrem começou a produzir suas vacas, jegues e per-
vastas perspectivas para a criação e a sonagens ainda criança, como brincadeira. Daí
cresce e com ele os interesses comerciais se
foi parar no Museu do Louvre, em Paris. Vitalino
sobrepõem a outros interesses – artísticos, inovação, deve-se prestar uma particular
vendia seus bonecos na Feira de Caruaru (regis-
culturais, de identidade e expressão de tra- atenção à diversidade da oferta criativa, trada com bem cultural imaterial) e comparti-
dições. Assim, torna-se necessário buscar ao justo reconhecimento dos direitos dos lhou sua técnica com vários artistas da região.
um equilíbrio entre as muitas dimensões autores e artistas, assim como ao caráter Muitas produções foram feitas a várias mãos,
específico dos bens e serviços culturais sem assinatura na obra: tratava-se de ajuda
do valor das expressões culturais, de modo
mútua na criação de personagens e aperfeiço-
a evitar ao menos três processos perigosos que, na medida em que são portadores de
amento de técnicas. O potencial criativo estava
e atuantes: um deles é prevalência do valor identidade, de valores e sentido, não de- em produzir o cotidiano coletivo, mas também 8
comercial sobre o valor cultural. vem ser considerados como mercadorias fatos que motivavam a curiosidade, como a
ou bens de consumo como os demais”. chegada do homem à lua.
A imposição de produtos culturais a grupos
e povos em função dos ganhos comerciais No Plano de ação que acompanha a De-
de seus produtores é uma prática existen- claração de 2002, consta a recomendação:
te e com efeitos destruidores. Outro risco é “Aprofundar, em particular, a reflexão sobre
a apropriação comercial de práticas e pro- a conveniência de elaborar um instrumento
dutos culturais de determinadas pessoas e jurídico internacional sobre a diversidade
cultural”. O instrumento jurídico recomenda-
grupos sem que sejam respeitadas a proprie-
do foi desenvolvido após a aprovação da De-
dade intelectual e as condições de produção
claração e levado ao debate das nações que
que deram origem àquele trabalho. E, não
integram o sistema da Unesco.
menos importante, o abandono no interior
dos países a que são relegadas algumas Atenta às transformações “dos sentidos e
obras e criações populares ou de grupos mi- funções da cultura” o novo documento dá
noritários, expressando preconceitos e dis- um passo no sentido de propor aos países

145
Documento da Unesco que firmem compromissos objetivos com Assinar a convenção, como fez o Brasil5,
Segundo documento oficial da UNESCO de os princípios aprovados em 2002. Este é o implica adotar ações e iniciativas que pro-
2011, nos últimos cinco anos “mais de 60% dos propósito da Convenção sobre a Proteção e movam o alcance dos resultados que a Con-
Estados membros da UNESCO ratificaram a Promoção da Diversidade das Expressões venção pretende garantir: fortalecer os elos
Convenção de 2005 sobre a Proteção e a Promo- Culturais, aprovada em 2005. inseparáveis da corrente cultural: a criação,
ção da Diversidade das Expressões Culturais. a produção, a distribuição/disseminação, o
Em comparação com outras convenções inter- Nas Convenções como esta, os países que
acesso e o usufruto das expressões cultu-
nacionais, a massa crítica de países que ratifi- assinam ou aderem assumem o compro-
caram a Convenção de 2005, em um período tão rais veiculados por atividades, bens e servi-
misso de colocar em prática aquilo que está
curto de tempo, é considerada uma conquista ços culturais – valorizando nossa diversida-
previsto no documento firmado, de produ-
extraordinária. Ainda mais importante, a ratifi- de cultural e superando as desigualdades
cação é um sinal de compromisso dos governos
zir relatórios regulares sobre os temas da
de acesso aos espaços e bens culturais.
ao redor do mundo com ações que garantam convenção e estão de acordo que suas po-
que os artistas, agentes culturais, profissionais líticas culturais devem ser avaliadas para o Qual o sentido e propósito da Convenção?
e cidadãos em todo o mundo possam criar, cumprimento dos objetivos da convenção Ela é um desdobramento da Declaração
produzir, divulgar e desfrutar de uma ampla (Documento da Unesco). Não é apenas a sobre diversidade cultural, dedicando-se
gama de bens culturais, serviços e atividades,
adesão a conceitos e ideias, mas o compro- especificamente a dois artigos, mas enfati-
incluindo os seus próprios.”
misso de desenvolver políticas que tornem zando a questão central para o debate atu-
Veja o “Artigo 14 – COOPERAÇÃO PARA O DESEN- essas ideias um fato cotidiano na vida das al provocado pelos processos de globaliza-
VOLVIMENTO: As Partes procurarão apoiar a populações. A “Convenção sobre a Proteção ção. Nos termos da Convenção, ’proteção‘
cooperação para o desenvolvimento sustentá-
e Promoção da Diversidade das Expressões significa a adoção de medidas direcionadas
vel e a redução da pobreza, especialmente em
relação às necessidades específicas dos países Culturais” apresenta orientações especí- à preservação, salvaguarda e valorização. Já
em desenvolvimento, com vistas a favorecer ficas aos governos e organizações sociais o termo ‘promoção’, quando usado em con-
a emergência de um setor cultural dinâmico para uma atuação justa e responsável junto com ‘proteção‘ implica esforços para
pelos seguintes meios, entre outros (...)”. quando se trata das formas de expressão criar condições que contribuam para man-
da cultura em todo o mundo. Esta conven-
ção tem grande importância política, social,
em relação às necessidades específicas dos países em
econômica e cultural4. desenvolvimento, com vistas a favorecer a emergência
de um setor cultural dinâmico pelos seguintes meios,
entre outros (...)”.
4 Por exemplo, veja o “Artigo 14 – COOPERAÇÃO 5 Convenção sobre a Proteção e Promoção da
PARA O DESENVOLVIMENTO: As Partes procurarão Diversidade das Expressões Culturais: foi adotada pela
apoiar a cooperação para o desenvolvimento Conferência Geral da Unesco em 2005, e ratificada pelo
sustentável e a redução da pobreza, especialmente Brasil em 2007(Decreto 6.177/2007).

146
ter vivas expressões culturais. Como diz o A Convenção foi o resultado de uma grande
documento, “a palavra ‘promoção’ expres- disputa mundial, pois alguns países preten-
sa o chamado à contínua regeneração das diam que a cultura fosse tratada como uma
expressões culturais, de modo a assegurar mercadoria, ou seja, fosse incluída nos acor-
que elas não sejam confinadas em museus, dos do Comércio Mundial. Essa posição foi
folclorizadas ou reificadas”. defendida por países que detêm potentes
indústrias culturais – na música, no cinema,
Assim, ‘proteção’ e ‘promoção’ são dois
na TV, nos jogos para computador. Nos de-
conceitos que se combinam para garantir
o respeito à diversidade das expressões bates e negociações acabou prevalecendo
culturais, que sejam protegidas da ganân- a compreensão de que as expressões cultu-
cia comercial e das perseguições e aban- rais são mais do que mercadorias. Entre os
dono que as minorias tendem a sofrer, em argumentos apresentados para defender
particular os grupos culturais que vivem a Convenção, indicamos alguns que dizem
em situação de pobreza ou minorias ét- respeito exatamente aos temas de pobreza,
nicas e grupos discriminados. Observem diversidade e desigualdade:
8
que o termo ’folclorizar‘ aparece aqui “Destacando a necessidade de incorporar
com sentido negativo, como se tratasse a cultura como elemento estratégico das
da criação de uma distância condescen- políticas de desenvolvimento nacionais e
dente entre a obra e a apreciação, como internacionais, bem como da cooperação
se fosse preciso aceitar a diferença em internacional para o desenvolvimento, e
nome da tolerância e não pelos aspectos tendo igualmente em conta a Declaração
estéticos e culturais que a obra comunica.
do Milênio das Nações Unidas (2000), com
O que a Convenção pretende é reconhecer
sua ênfase na erradicação da pobreza;
o valor equivalente da diversidade cultu-
ral, “o reconhecimento da igual dignidade Reconhecendo a importância dos conheci-
de todas as culturas, o respeito pelos di- mentos tradicionais como fonte de riqueza
reitos culturais, a formulação de políticas material e imaterial, e, em particular, dos
culturais pela promoção da diversidade, a sistemas de conhecimento das popula-
promoção de um pluralismo construtivo, ções indígenas, e sua contribuição positiva
a preservação do patrimônio cultural”. para o desenvolvimento sustentável, assim

147
como a necessidade de assegurar sua ade-
quada proteção e promoção;

Enfatizando a importância da cultura para


a coesão social em geral, e, em particular, o
seu potencial para a melhoria da condição
da mulher e de seu papel na sociedade;

Convencida de que as atividades, bens e


serviços culturais possuem dupla natureza,
tanto econômica quanto cultural, uma vez
que são portadores de identidades, valores
e significados, não devendo, portanto, ser
tratados como se tivessem valor meramen-
te comercial;

Constatando que os processos de globali-


zação, facilitado pela rápida evolução das
tecnologias de comunicação e informação,
apesar de proporcionarem condições iné-
ditas para que se intensifique a interação
entre culturas, constituem também um de-
safio para a diversidade cultural, especial-
mente no que diz respeito aos riscos de de-
sequilíbrios entre países ricos e pobres,”6

6 UNESCO: Convenção sobre a proteção e promoção da


diversidade das expressões culturais, 2005.

148
O Sistema Nacional de “economia criativa”. Para alguns autores, a Sistema Nacional de Informações e Indica-
dores Culturais (SNIIC):
Informações e Indicadores economia criativa pode oferecer a possibi-
Culturais lidade de articular os saberes tradicionais O objetivo do SNIIC é permitir que os agentes
e sua importância na vida social, as ativida- culturais e a sociedade como um todo possam ter
O Brasil tem realizado Conferências Nacio- des produtivas, o valor econômico, a circu- acesso a informações do segmento cultural em um
nais de Cultura7, aprovou um Plano Nacional lação e acesso aos produtos por um núme- único lugar, além de ser possível cadastrar infor-
de Cultura8 e desenvolveu o Sistema Nacio- ro cada vez maior de pessoas. mações com informações culturais atualizadas.
nal de Informações e Indicadores Culturais Com a implantação do Sistema, o Brasil se equipa-
(SNIIC). O Ministério da Cultura (MINC) e as ra a outros países da América Latina e do mundo
que já têm banco de dados culturais: Argentina,
secretarias estaduais e municipais de cultu- Economia criativa Uruguai, Colômbia, México, França e Espanha. A
ra contribuem com informações para o sis- Lei 12.343, de2 de dezembro de 2010, definiu ainda
tema nacional de modo que o setor conheça A economia criativa valoriza a singularida- que o SNIIC será a plataforma para monitoramento
seu funcionamento real e possa desenvolver de de cada produto, prática ou ideia, o valor do Plano Nacional de Cultura (PNC). Entre as suas
políticas adequadas às diferentes expres- simbólico e a criatividade. Pretende, portan- funções estão a coleta, sistematização e interpre-
sões culturais nas regiões do país. A adesão to, oferecer uma ponte entre a criação dos tação de dados, além de fornecer metodologias e
indivíduos e grupos e o mercado de consu- estabelecer parâmetros à mensuração da ativida-
do Brasil à Declaração e à Convenção expres- 8
mo, sem que isso implique subordinar esses de do campo cultural e das necessidades sociais
sa o crescente compromisso do Governo, da
por cultura, que permitam a formulação, monitora-
sociedade civil, de artistas e empresas que indivíduos e grupos à lógica do lucro acima
mento, gestão e avaliação das políticas públicas de
atuam no campo da cultura em criar condi- de tudo. Um grande desafio que nasce com cultura e das políticas culturais.
ções favoráveis à criação, produção, circula- o propósito de superar impasses e fortalecer
a expressão popular, no mesmo caminho da O Sistema também oferece serviços de busca de
ção e acesso às expressões culturais.
dados georreferenciados, estatísticas, indicadores
Convenção da Unesco que citamos.
A adesão do Brasil à Convenção fortalece e outras informações relevantes de bens e serviços
O Relatório da Economia Criativa9, publica- culturais, dando apoio aos gestores culturais públi-
também as políticas culturais que valori-
cos e privados, além de maior controle social dos
zam a diversidade. O debate em torno do
recursos. Em fase de pré-implantação, o SNIIC vai
valor simbólico e comercial das expressões 9 “Este relatório é o fruto de um esforço colaborativo monitorar e avaliar as políticas públicas de cultura e
que foi liderado pela Unctad (Conferência das Nações
culturais está promovendo a formação das políticas culturais do Plano Nacional de Cultura,
Unidas para o Comércio o Desenvolvimento) e pela
de um novo campo de atividade chamada Unidade Especial para Cooperação Sul-Sul do Programa o que assegura ao poder público e à sociedade civil
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). o acompanhamento do Plano. O Ministério da Cul-
O Relatório de Economia Criativa 2010 apresenta a
tura já definiu as metas e os indicadores que serão
7 A I Conferência foi em 2005, a II em 2010 e a III em 2013. perspectiva sistêmica global das Nações Unidas em
8 Acessível em: www.cultura.gov.br/...pdf/3dc312fb-5a42- relação a este novo tópico, como exemplo de cooperação aferidos, sendo o SNIIC a plataforma integradora de
4b9b-934b-b3ea7c238db2 de múltiplas agências trabalhando como ‘Uma ONU’.” informações. Veja em http://sniic.cultura.gov.br

149
do em 2010 pelas Nações Unidas, traz um procurar uma abordagem holística que lorizem as diferenças, que sejam criadas
conjunto de informações sobre o desenvol- leve em consideração as realidades es- políticas para a promoção dessas visões,
vimento dessa iniciativa em diversas regi- pecíficas dos países, reconhecendo suas práticas e produtos, que se estimule sua
ões do mundo e dedica ampla argumenta- diferenças culturais, identidades e ne- produção e consumo como parte funda-
ção de como as atividades culturais podem cessidades reais. A teoria e a prática do mental da garantia dos direitos humanos
contribuir para o alcance dos Objetivos do desenvolvimento precisam se adaptar a e dos direitos das minorias. O combate à
Milênio, a redução da pobreza, o empode- novas circunstâncias ao trazer questões discriminação é entendido como ponto im-
ramento das mulheres e a preservação am- relacionadas à cultura e à tecnologia prescindível para combater a desigualdade.
biental em particular. O tema do combate à para o foco principal. As estratégias de Portanto, o tema das expressões populares
pobreza torna-se o foco de políticas e proje- desenvolvimento devem ser atualiza- reúne a questão do enfrentamento da po-
tos que se desenvolvem em diversos países, das a fim de se adaptarem a mudanças breza, a valorização da diversidade e o en-
em todos os continentes. A incorporação da culturais, econômicas, sociais e tecnoló- frentamento das desigualdades.
cultura, das manifestações populares e das gicas de longo alcance que estão trans-
formando nossa sociedade rapidamen- No mesmo conjunto da economia criativa
tecnologias em nova visão do desenvolvi-
te. A coerência das políticas deve ser está toda a indústria cultural, a indústria da
mento sustenta uma crítica à capacidade
reforçada com a introdução de políticas música e do cinema, da televisão e do rádio,
mundial de enfrentar a pobreza a partir dos
multidisciplinares e multiculturais har- de propriedade de grandes corporações
modelos atuais:
monizadas”10. multinacionais que se empenham em mas-
“A pobreza continua sendo o principal sificar seus produtos para consumos cada
A Convenção sobre a Proteção e Promoção
problema a ser solucionado, não somen- vez mais padronizados e amplos. Mas o que
da Diversidade das Expressões Culturais
te nos países menos desenvolvidos, mas se pode também observar é a preocupação
motiva debates internacionais e nacio-
também em muitos países de média ren- crescente de um número cada vez maior de
nais, pois a adesão a ela significa que cada
da e em economias em transição. De que pessoas e instituições em reconhecer a ne-
país reconhece dentro de seus territórios a
maneira esses desafios de longo prazo cessidade de promover a melhoria da vida
existência de formas diferentes de compre-
podem ser superados de forma eficiente? das populações a partir do respeito àquilo
ender o mundo, seja do ponto de vista re-
que essas pessoas são, suas expressões cul-
Modelos de desenvolvimento estrita- ligioso, econômico, social ou ancestral e se
compromete em respeitar essas diferenças. turais, seus ritos e tradições, seus valores e
mente baseados em teorias econômi-
suas práticas.
cas convencionais não foram capazes Mais além, a Convenção propõe que se va-
de reparar essas assimetrias. Chegou A economia criativa não é a solução para
o momento de ir além da economia e 10 Relatório, páginas p. 36/37. tudo e para todos e expressa em seu con-

150
junto as contradições do nosso modo atual municípios não têm salas de cinema, teatro,
de vida, em que a globalização é ao mesmo museus e espaços culturais multiuso; 73%
tempo a valorização do local e do particu- dos livros estão concentrados nas mãos de
lar, rompendo certos princípios da proprie- apenas 16% da população; dos cerca de 600
dade intelectual em favor do compartilha- municípios brasileiros que nunca recebe-
mento de ideias e realizações. ram uma biblioteca, 440 ficam no Nordeste,
e apenas dois no Sudeste” (Programa Mais
Cultura. Outubro de 2007).
Acesso à cultura
Essa pesquisa traz dados objetivos e outra,
O acesso à cultura pela população brasilei- realizada em 2010 pelo IPEA, procurou iden-
ra tem sido investigado de diversos modos. tificar como as pessoas percebem a oferta
O Ministério da Cultura fez um levantamen- de equipamentos culturais em sua cidade
to dos equipamentos culturais disponíveis e que uso costumam fazer desses equi-
nas cidades brasileiras e, em parceria com pamentos. Os resultados são igualmente
o IBGE, selecionou informações sobre a preocupantes, pois a maioria dos entrevis- 8
frequência do uso desses equipamentos. A tados identifica que os espaços culturais
pesquisa é de 2007 e traz revelações preo- estão mal situados, que os preços altos di-
cupantes. ficultam o acesso às atividades culturais e
Dados sobre as desigualdades de acesso que há elitismo dos frequentadores habitu-
aos bens culturais no Brasil foram siste- ais que não é acolhedor. São poucos os que
matizados em estudo realizado pelo Minis- frequentam espaços gratuitos, como mu-
tério da Cultura no qual se constatou que: seus e centros culturais e a maioria dedica
“apenas 13% dos brasileiros frequentam ci- boa parte de seu tempo para assistir a pro-
nema alguma vez por ano; 92% dos brasilei- gramas de TV e DVD no espaço doméstico.
ros nunca frequentaram museus; 93,4% dos Seria interessante que fosse feita uma pes-
brasileiros jamais frequentaram alguma ex- quisa sobre os que produzem cultura, não
posição de arte; 78% dos brasileiros nunca apenas em indústria e pequenas empresas,
assistiram a espetáculo de dança, embora mas também a cultura popular, que nasce e
28,8% saiam para dançar; mais de 90% dos vive nas relações comunitárias.

151
Livros de registros de bens Criações populares Um traço interessante a ser observado
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
quando tratamos de expressões da cultu-
Algumas das criações populares têm carac- ra popular é sua habilidade de incorpora-
Nacional, IPHAN, tem quatro livros de registros
de bens culturais imateriais: o Livro dos Sabe-
terísticas voltadas para momentos rituais, ção de novas influências, ressignificando
res, dedicado ao conhecimento e modos de como no caso dos ex-votos produzidos em suas práticas e a transformação de movi-
fazer das comunidades; o Livro de Celebrações, madeira, gesso, argila e resina. Outras cria- mentos e técnicas vindos de outras par-
dos rituais e festas, da religiosidade, entreteni- ções transcenderam seu caráter cerimonial tes. Toda essa trajetória de identificação,
mento e outras práticas da vida social; o Livro
para alcançar os palcos, as escolas e a TV, mapeamento, valorização e proteção das
das Formas de Expressão, destinado às mani-
festações artísticas em geral; e o Livro dos Lu-
sendo identificadas, inclusive, como parte culturas populares no Brasil tiveram como
gares, no qual se registram os mercados, feiras, das tradições da cultura brasileira, como é importante impulsionador o Decreto 3551
santuários e praças onde são concentradas ou o caso da capoeira e do maracatu. de 4 de agosto de 2000, que trata do regis-
reproduzidas práticas culturais coletivas. tro do patrimônio cultural imaterial. As
A capoeira é um caso exemplar de expres-
são popular que ganha o sentido de uma formas de transmissão da cultura por meio
das maiores redes culturais que o Brasil de saberes, celebrações, ofícios, oralidade,
exportou para o mundo. Estima-se que costumes e outras tradições conquistaram
cerca de onze milhões de pessoas no mun- a possibilidade de proteção e difusão pelo
do pratiquem capoeira e participem das registro de bens culturais de natureza ima-
terial (ou intangível). É uma forma de re-
rodas organizadas por brasileiros residen-
conhecer e valorizar a cultura por meio de
tes em 150 países. Em menor proporção,
instrumento legal. Dentre os bens já regis-
mas também com um rico processo cria-
trados no Brasil, está a produção artesanal
tivo, o maracatu já rompeu as barreiras
do queijo minas das regiões do Serro, da
geográficas de Pernambuco e está presen-
Serra da Canastra e do Salitre, a pintura cor-
te em festas e oficinas de todo o país. As
poral dos indígenas Wajãpi– arte Kusiwa, e
populações tradicionais brasileiras se or-
o tambor de crioula do Maranhão (Livros de
ganizaram em movimentos e tiveram suas
registros de bens).
reivindicações reconhecidas na criação
da Política Nacional de Desenvolvimento A dinâmica das culturas populares tem in-
Sustentável de Povos e Comunidades Tra- corporado as novas tecnologias e, desse
dicionais (Cultura e reivindicações das modo, subvertido as formas conhecidas e
comunidades tradicionais). consagradas de produção cultural. A cultu-

152
ra do hip-hop é um exemplo dessa subver- Cultura e reivindicações das comunidades Tradicionais
são dos circuitos culturais pelo modo como No Brasil, as expressões e manifestações popu- Desenvolvimento Sustentável das Comunidades
agrega a população jovem das periferias lares têm seus tempos de festa e seus tempos de Tradicionais:
urbanas, as formas de produção que aliam luta. Uma vez que as expressões culturais estão
integradas ao modo de vida, fazem parte dos ritos 1. Regulamentação fundiária e garantia de acesso
tecnologia com criação coletiva e a amplia- aos recursos naturais;
e práticas cotidianos, nos momentos de mobiliza-
ção do universo das artes, pelo diálogo in- 2. Educação diferenciada, de acordo com as caracte-
ção política essas expressões também têm lugar.
tenso entre a música, a poesia, o grafite, a rísticas próprias a cada um dos povos tradicionais;
dança e a moda ou estilo dos participantes. A luta dos povos tradicionais no Brasil vem de lon- 3. Reconhecimento, fortalecimento e formalização
ga data. Em 2005 foi realizado um encontro com da cidadania (exemplo: documentação civil);
A cultura do hip-hop não é apenas um esti- a participação de diversos povos e comunidades 4. Não criar mais UC de proteção integral sobre
lo, mas a expressão de uma posição política, tradicionais, designação que inclui povos indíge- territórios dos povos tradicionais;
nas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de 5. Resolução de conflitos decorrentes da criação
social e cultural das juventudes das perife-
coco-de-babaçu, faxinais, comunidades de fundo de UC de proteção integral sobre territórios de
rias em face dos processos de exclusão pre- de pasto, povos de terreiro, caiçaras, pescadores, povos tradicionais;
sentes na sociedade brasileira e em outros agroextrativistas, um conjunto de 26 grupos espe- 6. Dotação de infraestrutura básica;
países industrializados, como o próprio Es- cíficos, envolvendo mais de 20 milhões de pessoas! 7. Atenção à saúde diferenciada, reconhecendo
tados Unidos, onde nasceu e se expandiu. suas características próprias, valorizando suas 8
Os povos e comunidades tradicionais alcançaram
No Brasil ela cresce a partir dos anos 80 em a formulação de uma política e espaço de parti- práticas e saberes;
São Paulo e se espraia para todo o país, arti- cipação no acompanhamento dessa política. Se- 8. Reconhecimento e fortalecimento de suas insti-
culando linguagens e juventudes em busca gundo dados analisados pelo antropólogo Alfredo tuições e formas de organização social;
Wagner Berno de Almeida, pode-se afirmar que 9. Fomento e implementação de projetos de pro-
da afirmação da periferia, por seus próprios
cerca de ¼ do Território Nacional Brasileiro é ocu- dução sustentável;
valores e práticas culturais. O dilema das 10. Garantia de acesso às políticas públicas de
pado por povos e comunidades tradicionais. Con-
juventudes está expresso nos versos, nas siderando-se exclusivamente os grupos indicados inclusão social;
imagens, na dança e no estilo de vida des- pelo referido antropólogo, chegam a quase cinco 11. Garantia de segurança às comunidades tradi-
ses jovens da periferia urbana brasileira. milhões de famílias, aproximadamente 25 milhões cionais e seus territórios;
de pessoas. O antropólogo Paul Little identifica 12. Evitar os grandes projetos com impactos di-
Esse dilema foi captado por uma pesquisa pelo menos 26 grupos específicos sobre os quais retos e/ou indiretos sobre territórios de povos
realizada pela Organização Iberamericana ainda é precária a disponibilização de dados. tradicionais e, quando inevitáveis, garantir o
da Juventude e o dilema anunciado pelo controle e gestão social em todas as suas fases de
“Durante o Encontro (em 2005), os representantes implementação, minimizando impactos sociais e
sociólogo Martin Hopenhayan, analisan- das comunidades tradicionais também indicaram ambientais.”
do os dados sobre emprego na América um rol de 35 (trinta e cinco) demandas, dentre
Latina e Caribe. O desemprego na região as quais 12 (doze) foram consideradas prioritá- In: Política Nacional de Desenvolvimento Susten-
rias para os trabalhos da Comissão Nacional de tado dos Povos e Comunidades Tradicionais.

153
O programa Pobreza e Meio Ambiente na no ano de 2012 foi de 6,5%. Mas, segundo e artistas, sensibilizam todos os que se inte-
Amazônia esse trabalho, entre os jovens é de 20% a ressam por conhecer e compreender a ação
POEMA, é ligado a UFPa em projetos de desen- proporção dos que não estudam e não humana em face das adversidades e ale-
volvimento sustentável nos meios rural e urba- trabalham. Martin Hopenhayan observa o grias cotidianas, as perspectivas de futuro
no da Amazônia. Sua proposta de trabalho está que chama de “paradoxos dos jovens”: eles e as lembranças das tradições. Estão vivas
direcionada ao combate à pobreza e à destrui- têm melhores resultados educativos do e atuantes, contribuem para fortalecer os
ção do meio ambiente voltando-se, basicamen-
que a população adulta, medidos em anos vínculos comunitários, oferecem beleza e
te, para a construção de ações integradas entre
campo e cidade, promovendo alianças entre de escolaridade formal, mas menor acesso crítica para os que reconhecem nelas a ex-
atores públicos, privados e não governamen- ao emprego. Têm maiores habilidades com pressão de um olhar crítico sobre a socie-
tais. Para tal, privilegia a interdisciplinaridades os novos meios de informação e comunica- dade em que vivemos. São parte integran-
de suas ações, valorizando o conhecimento ção, mas estão afastados dos processos de te dos meios para superar as condições de
empírico das populações, identificando as participação e decisão política. São criati- pobreza que ainda aprisionam milhões de
demandas dessas populações e transferindo
vos e produtivos nos bens simbólicos, mas pessoas em nosso país.
conhecimento e tecnologias apropriadas às
necessidades das comunidades, em seus con- não têm acesso aos meios que garantem
textos específicos de vida e cultura. um mínimo de conforto e segurança para
seu próprio bem-estar.

As capacidades e habilidades que os jo-


vens vêm adquirindo, dentro e fora dos
sistemas educativos, parecem insuficien-
tes para que o mercado de trabalho abra
suas portas para o que eles são. Ao contrá-
rio, parece que exatamente a inovação e
a criatividade dessas novas gerações são
mais avançadas do que as empresas são
capazes de admitir e de incorporar em
seus processos produtivos.

As culturas populares trazem marcas de


suas origens, entram e saem dos circuitos
comerciais, enriquecem alguns produtores

154
A cultura é vista como uma atividade importante para a sociedade?
As manifestações culturais, desde as artes aos O que você faria se dispusesse de mais tempo? petições esportivas, teatro/circo/shows de dança,
esportes, têm ligação estreita com as tradições de “Fazer cursos para melhorar a situação profissio- clubes e academias. Entre as atividades frequen-
uma sociedade e com sua história, mas também nal” (33,3%) e “praticar atividades físicas e espor- tadas pelo menos uma vez por mês por boa parte
com as atuais condições de vida da população, o tivas”(16,1%) foram as respostas mais frequentes, dos entrevistados destacam-se os bares, boates
lugar em que se vive e as posições que a cultura além de “descansar, não fazer nada de muito e danceterias, os shows de música, o cinema e as
ocupa nesse espaço. preciso” (15,1%) e “cuidar dos filhos, da família e da competições esportivas.
casa”(13%). Atividades essencialmente culturais, se
O que as pessoas acham das práticas culturais Idade do público
houvesse mais tempo livre, seriam a opção de uma
existentes em sua cidade?A população costuma As pessoas idosas têm a maior frequência (83,6%)
pequena parcela das pessoas entrevistadas: “estu-
usar seu tempo livre para participar de atividades entre os que assistem TV ou DVD todos os dias. E
dar, pesquisar e ler livros”(9,9%), “frequentar espa-
culturais?As classes mais pobres têm acesso à pro- os jovens são os maiores consumidores diários
ços culturais e de lazer”(7,7%) e “praticar atividades
gramação cultural? de rádio e música (63,2%), além de se destacarem
artísticas como música e pintura”(3,6%).
também nas idas a bares, boates e danceterias
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
O que dificulta seu acesso à cultura? (46,5% pelo menos uma vez por mês). O público
realizou uma pesquisa no país para responder a
A maioria (71% dos entrevistados) apontou os pre- jovem também lidera as demais faixas etárias em
essas questões:
ços altos como um obstáculo. Em segundo lugar, idas a clubes e academias, teatros, circo e shows
Localização dos espaços culturais 61,6% concordam que a distância dos espaços de dança, cinema, jogos e competições esportivas, 8
Para a maior parte dos entrevistados (51%), os equi- culturais em relação à moradia dificulta bastante. e também museus e centros culturais.
pamentos culturais são mal localizados em relação Mas muitos (55,9%) também se incomodam com
Escolaridade e cultura
ao lugar onde moram. Esse problema é mais senti- o elitismo dos frequentadores habituais. E 51,8%
Se a maioria da população assiste à TV ou DVD
do nas camadas de menor renda. Quanto maior o consideram os horários inadequados. Além disso,
diariamente, não é diferente entre as pessoas mais
poder aquisitivo de uma pessoa, os equipamentos 42,8% acham que as atividades culturais são enfa-
escolarizadas, porém essas pessoas não ficam
urbanos de cultura estão mais próximos e o acesso donhas e desinteressantes.
tanto tempo consumindo esse tipo de mídia por-
é mais fácil.
Com que frequência você participa de atividades que têm interesse por outras práticas culturais,
Tempo que as pessoas dedicam a práticas culturais culturais? especialmente fora de casa. Por exemplo, a maior
Os compromissos cotidianos (cuidados com a A produção cultural que se pode consumir dentro frequência de idas ao teatro, circo e apresentações
casa, compras, compromissos religiosos e sociais) de casa tem maioria nesse item. Cerca de 80% dos de dança se dá entre aqueles que chegaram ao
têm prioridade no tempo livre de 44,9% dos entre- entrevistados assistem todos os dias a programas nível superior: 25,8% dos entrevistados que já cur-
vistados. E 35,4% das pessoas responderam que de TV ou gravados em DVD. E aproximadamente saram ou ainda cursam universidade frequentam
não têm tempo para tudo o que desejam fazer, 60% ouvem rádio e música diariamente. Enquanto esses eventos culturais pelo menos uma vez por
enquanto outros 18,4% dizem ter tempo de sobra, isso, museus e centros culturais são raramente ou mês. Também vão mais vezes a apresentações de
mas não encontram nada de interessante para nunca frequentados por mais de 90% das pessoas, música, cinemas, jogos e competições esportivas,
preenchê-lo... assim como (para 80%, em média) os jogos e com- museus e centros culturais.

155
para saber mais
Filmes Besouro de João Daniel Tikhomiroff. Brasil tos e trazem diversos contatos relevantes.
Ele, o Boto de Walter Lima Jr. Brasil, 1986 Si- 2009. Bahia, década de 20. Sinopse: No inte-
http://artesanatosustentavel.com.br/:
nopse: segundo uma lenda amazônica, em rior os negros continuavam sendo tratados
APRESENTAÇÃO: A proposta principal desse
noite de lua cheia o Boto vem à terra e se como escravos, apesar da abolição da es-
projeto é dar visibilidade ao artesanato bra-
transforma em humano, para seduzir e ser cravatura ter ocorrido décadas antes. Entre
sileiro, de forma sistematizada e rigorosa,
amado pelas mulheres e odiado pelos ho- eles está Manoel, que quando criança foi
respeitando e estimulando os procedimen-
mens. Uma de suas conquistas é a filha de apresentado à capoeira pelo Mestre Alípio.
tos sustentáveis ao longo de todas as etapas
um pescador que tem um filho com o Boto. O tutor tentou ensiná-lo não apenas os gol-
do trabalho artesanal. Por um lado, privile-
Constantemente ele reaparece para sedu- pes da capoeira, mas também as virtudes
giamos o artesão, pela valorização de seu
zi-la e, mesmo quando ela se casa, ele conti- da concentração e da justiça. A escolha pelo
nome Besouro foi devido à identificação desenvolvimento como agente sócio econô-
nua a procurando. Isto provoca a ira do mari-
que Manuel teve com o inseto, que segun- mico capaz de gerar renda de forma justa; e,
do, que deseja matá-lo de qualquer jeito.
do suas características não deveria voar. Ao por outro, trabalhamos com a preservação
Dança dos bonecos de Helvécio Ratton. Bra- crescer Besouro recebe a função de defen- da cultura, com a valorização da identidade
sil 1986. Sinopse: três bonecos ganham vida der seu povo, combatendo a opressão e o regional, da memória e do “saber” espontâ-
e começam a dançar depois de banhados preconceito existentes. neos partilhados por um grupo social. Para
com as águas de uma cachoeira encantada isso, estruturamos um site inteiramente de-
por Iara, a entidade dos rios e dos lagos. Mas Diário de Naná de Paschoal Samora . Brasil dicado ao artesanato brasileiro, responsável
o perverso Mr. Kapa quer roubar os bonecos 2007. Sinopse: a música e a cultura no Re- por estabelecer um canal de comunicação
de sua dona para ganhar dinheiro com eles. côncavo Baiano segundo o percussionista direto entre a obra, o artesão e o público;
Naná Vasconcelos, que encontra pessoas simultaneamente, contemplamos um papel
By by Brasil de Carlos Digues. Brasil 1979. que usam o ruído para criar música e pes- educativo, esclarecendo tanto o artesão
Sinopse: Salomé, Lorde Cigano e Andorinha quisa na música local ligada à religiosidade. quanto o consumidor sobre o sentido, a rele-
são três artistas ambulantes que cruzam o
Vídeos do Futura vância e as implicações de seu trabalho.
Nordeste do Brasil com a Caravana Rolidei,
Veja no caderno de textos a lista completa
fazendo espetáculos para camponeses, cor- http://www.economiacriativa.com/ec/pt/
dos vídeos, sinopses e tempo de duração,
tadores de cana, índios etc., sempre fugindo instituto/index.asp
assim como sugestão de uso por tema/mês.
da concorrência da televisão. A eles se jun-
http://www.sebrae.com.br/setor/econo-
tam o sanfoneiro Ciço e sua mulher Dasdô, Páginas na Internet
mia-criativa
com os quais a Caravana Rolidei atravessa http://www.fatorbrasis.org/: o material dis-
a Amazônia até chegar a Brasília, vivendo ponível no site é de 2008 e não há atualização http://www.firjan.org.br/economiacriativa/
diversas aventuras pelas estradas do país. posterior. Os informativos são muito bem fei- pages/default.aspx

156
http://www.overmundo.com.br/overblog/ http://novo.itaucultural.org.br/Revista Ob- Fórum dos Ministros da Cultura e Políticas
O que é overmundo: O Overmundo é um servatório Cultural. Culturais da América Latina e do Caribe: De-
site colaborativo voltado para a cultura claração final da XVII Fórum de Ministros
Documentos de referência
brasileira e a cultura produzida por bra- da Cultura da América Latina e Caribe. XVII
BRASIL. Cultura em números: anuário de
sileiros em todo o mundo, em especial Reunião, Quito, Equador, abril de 2010.
estatísticas culturais - 2ª edição. Brasília:
as práticas, manifestações e a produção
MinC, 2010. IBGE. Sistema de Informações e Indicado-
cultural que não têm a devida expressão
res Culturais 2007-2010. Estudos e Pesqui-
nos meios de comunicação tradicionais. BRASIL. III CONFERÊNCIA NACIONAL DE CUL-
sas Informação Demográfica e Socioeconô-
O Overmundo é feito pela sua própria TURA: DOCUMENTO BASE, 2013.
mica, número 31. Rio de Janeiro. 2013
comunidade. Você pode encontrar textos,
BRASIL: Decreto 6.040: institui a Política Na-
dicas e obras que apontam para um vasto MOASSAB, Andréia. Brasil periferias: a co-
cional de Desenvolvimento Sustentável de
panorama da diversidade cultural do Brasil. municação insurgente do hip-hop. São Pau-
Povos e Comunidades Tradicionais. , 2007.
E o melhor: você pode não apenas ler, mas lo, EDUC, 2011. 338 p.
In:http://www.mma.gov.br/desenvolvimen-
participar das discussões, selecionar os
to-rural/terras-ind%C3%ADgenas,-povos-e- ONU/UNCTAD: Economia Criativa: Uma Op-
destaques do site e principalmente publi-
comunidades-tradicionais ção de Desenvolvimento Viável. Relatório
car os seus próprios conteúdos. 8
economia criativa 2010.
CÂMARA CASCUDO, Luis. Folclore do Brasil:
http://www.lacult.org/home/indice_new.php:
pesquisas e notas. SHIRAISHI Neto, Joaquim (org.). Direito dos
Portal da Cultura da América Latina e Caribe.
povos e das comunidades tradicionais no
Dez chaves para entender a Convenção para
Apoiado pela UNESCO, o Portal trabalha Brasil: declarações, convenções internacio-
a Proteção e a Promoção da Diversidade das
sob a coordenação da Secretaria Técnica nais e dispositivos jurídicos definidores de
Expressões Culturais, MINC/UNESCO.
do Fórum de Ministros na criação de uma uma política nacional. Manaus: UEA, 2007.
rede de pontos focais de todos os países- Economia criativa: como estratégia de de-
UNESCO. Convenção sobre a proteção e
membros do Fórum de Ministros para per- senvolvimento: uma visão dos países em
promoção da Diversidade das Expressões
mitir, assim, o constante intercâmbio e en- desenvolvimento / organização Ana Carla
Culturais. Brasil 2007
riquecimento dos conteúdos culturais do Fonseca Reis. – São Paulo: Itaú Cultural, 2008.
Portal a partir de informações fornecidas VASSALLO, Simone Pondé. O registro da
pelos próprios países da América Latina e FIRJAN: Indústria Criativa. Mapeamento da
capoeira como patrimônio imaterial. Pu-
Caribe. Até o momento, 15 países da região indústria criativa no Brasil. Rio de Janeiro,
blicado em http://portalrevistas.ucb.br/
participam desta rede. outubro de 2012.
index.php/efr/article/viewFile/977/841
(28/09/2013)

157
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de atividades Tipo de atividade: investigação e reflexão pintura, música, literatura, etc.
complementares, individuais ou coletivas,
Objetivo: investigar a relação entre patri- 3ª etapa: cada grupo deve visitar o artista
associadas às questões apresentadas ao
mônio cultural e identidade coletiva escolhido e fazer um registo dessa visita,
longo dos textos e vídeos. A ideia é que seja
seja através de fotos, desenhos, entrevista,
útil para sua prática e para mobilizar e exer- 1ª fase: peça ao grupo que investigue suas
filme, etc. para trazer ao grupo.
citar o pensamento crítico. moradias. Como é a arquitetura da casa?
Como é a disposição dos cômodos? Tem 4ª etapa: os grupos se juntam novamente
jardim? Varanda? Tem criação de animais? e apresentam criativamente a experiência
Tipo de atividade: pesquisa ação Como é o terreno? É gradeado? Como é o vivida. Para esse momento podem ser con-
mobiliário da casa? Como são os objetos? vidados os artistas escolhidos pelos grupos.
Objetivo: mapear as festas populares da re-
gião 2ª fase: peça que desenhem em planta baixa
o máximo dessas informações.
1ª etapa: faça uma primeira conversa para
levantar com os participantes quais são as 3ª fase: junto com os participantes compara
festas, danças, músicas, etc. que eles conhe- os desenhos apontando as similaridades e
cem e que caracterizam a sua comunidade. diferenças traçando o que é cultural àquela
região
2ª etapa: da posse dessa lista proponha que
se dividam, em grupos para aprofundar a
pesquisa. Esse aprofundamento pode ser
Tipo de atividade: pesquisa ação
através da internet, livros, entrevistas, ima-
gens, etc.. Objetivo: Identificar artistas populares da
região
3ª etapa: proponha ao grupo que a partir do
material obtido, façam um mapeamento da 1ª etapa: assista com o grupo ao episódio
região absorvendo todas as informações Um pé de que/África /Pau Preto, que se en-
para ser exibido/distribuído na escola e na contra na maleta.
comunidade.
2ª etapa: peça aos participantes que se
dividam em grupos de 2, 3 ou 4 participan-
tes. Solicite que cada grupo identifique um
artista local, pode ser na área de escultura,

158
8

159
setembro

independência
“Democracia serve para todos ou não serve para nada.”
Betinho
setembro
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

9
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

07 Independência do Brasil | 08 Dia Mundial da Alfabetização | 14 Dia do Frevo


O mês de setembro é dedicado ao tema da lônias ibéricas das Américas. Desde o início trário das ideias iluministas que haviam
Independência do Brasil, que em 2022 vai do século XIX, com a invasão de Portugal e inspirado parte dos grupos que apoiavam
completar 200 anos! A história nos conta Espanha pelas tropas napoleônicas e a vin- o movimento, a nação que surgiu com a in-
que no dia 7 de setembro de 1822, o Prínci- da da família real para o Brasil em 1808, o dependência manteve a escravidão, os lati-
pe Regente D.Pedro de Alcântara e Bragan- status das colônias americanas estava em fúndios, o governo monárquico e a mesma
ça voltava com sua comitiva de uma viagem transição. A independência americana em organização social das elites que viviam da
a São Paulo quando recebeu uma carta de 1776 e do Haiti em 1804 eram as primeiras exportação de produtos primários.
seu pai, Dom João VI, rei do Reino Unido de conquistas dos povos da região contra o
As festas da Independência, todos os anos,
Portugal, Brasil e Algarves (de 1816 a 1822) domínio das metrópoles europeias.
promovem a ideia de um país unido em tor-
determinando sua volta a Portugal. Se acei-
Seguiram-se guerras de independência que no de símbolos, valores e identidades. No
tasse a imposição de seu pai, o Brasil retor-
resultaram na criação dos países que hoje entanto, a consolidação da independência
naria à condição de Colônia ultramarina.
compõem a América. No caso do Brasil, hou- demorou um pouco: até 1825, quando foi
Há anos fermentavam no país, ações e cons- ve uma situação singular: foi o príncipe re- firmado o Tratado de Amizade e Aliança
pirações sobre o destino que o Brasil deve- gente, com apoio dos setores econômicos entre Brasil e Portugal, a situação era bas-
ria assumir em face dos eventos políticos dominantes, quem tomou a iniciativa e li- tante instável do ponto de vista político e
que ocorriam em Portugal e na Espanha, derou o processo de independência. Talvez econômico. Se a consolidação política da
com fortes consequências para todas as co- esse fato ajude a explicar por que, ao con- independência foi um processo longo e do-

162
loroso, até hoje se discute o que deve ser, de buição nacional de riquezas e o exercício
fato, um país independente. de direitos por parte de sua população.

O debate ganhou novo sentido quando O Almanaque, em setembro, vai se dedicar a


no final do século XX a chamada “globa- trazer informações que ajudem a conhecer
lização” tornou-se um processo mundial os desafios que o Brasil ainda enfrenta para
de ampliação das trocas comerciais, polí- se tornar um país independente, não dos
ticas, culturais, impulsionadas por novos demais países, mas de seu passado colonial,
meios de comunicação, pela superação escravista, da submissão aos interesses, na-
de barreiras comerciais, pelo enfraque- cionais e internacionais, que limitam a liber-
cimento dos Estados nacionais e forta- dade e direitos da população brasileira.
lecimento das grandes corporações mul-
tinacionais. O sentido da independência
O que é a globalização?
nacional também é questionado sob o O tema da globalização tem implicações
aspecto da participação efetiva da socie- com os desafios da pobreza, diversidade e
dade nas conquistas do país e na distri- desigualdade. Há distintos modos de carac- 9
buição de suas riquezas. terizar o processo recente chamado de glo-
balização. Para muitos estudiosos, a globa-
Para muitos, a pobreza e a miséria não po-
lização é um processo que se dá em ciclos
dem fazer parte da “independência”. São
e as descobertas dos séculos XV e XVI, que
provas vivas de que o país ainda precisa
integraram as Américas ao mapa mundial
se libertar das amarras que trouxe de seu
da época, foi um dos primeiros processos
passado colonial e escravista. Do mesmo
de globalização de que se tem notícia. Para
modo, questiona-se ser possível conside-
outros, pode-se recuar essa data para o do-
rar um país independente se sua popula-
mínio do Império Romano sobre o mar Me-
ção ainda tem baixo nível de escolaridade,
diterrâneo e o mundo conhecido na época.
falta acesso à saúde, o saneamento bási-
co ainda atende a parte reduzida das resi- O que caracteriza, no entanto, o processo con-
dências. Assim, o tema da independência temporâneo é bem particular e não pode ser
traz imediatamente ao debate tanto as comparado a nenhum outro momento histó-
disputas internacionais quanto a distri- rico. Por um lado, a queda do muro de Berlim

163
INTERNET em 1989 é indicada como o acontecimento A globalização está em curso, embora a
A Internet ou internete em português é o marcante que assinala o fim da guerra fria e receita econômica de seus primeiros tem-
maior conglomerado de redes de comunica- afirma a consolidação da hegemonia norte-a- pos – chamada pelos críticos de neolibera-
ções em escala mundial, ou seja, vários com- mericana sobre o mundo. Os EUA tornaram- lismo (Consenso de Washington) – tenha
putadores e dispositivos conectados em uma se praticamente o único país com capacidade dado sinais de esgotamento no início da
rede mundial e dispõe milhões de dispositivos de intervenção militar em qualquer lugar do primeira década do século XXI e ter sido
interligados pelo protocolo de comunica-
planeta, de acordo com seus interesses polí- apontada como a responsável pela gran-
ção TCP/IP que permite o acesso a informações
e todo tipo de transferência de dados. Ela car- ticos e comerciais. Por outro lado, o domínio de crise econômica mundial que explodiu
rega ampla variedade de recursos e serviços, militar foi acompanhado pelo fortalecimento em 2008, ainda não superada. Os debates
incluindo os documentos interligados por meio de uma visão ideológica que defendia a su- sobre o significado e o impacto da globali-
de hiperligações da World Wide Web (Rede premacia dos mercados como mecanismo de zação também estão em curso. Em análise
de Alcance Mundial) e a infraestrutura para promoção de maior eficiência da economia, recente, o então presidente do Instituto
suportar correio eletrônico e serviços como co-
afastando a presença e participação do esta- Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada
municação instantânea e compartilhamento
de arquivos. De acordo com a Internet World do na regulação das trocas comerciais. (IPEA) observava que tem sido crescente
Stats, 1,96 bilhão de pessoas tinham acesso à no mundo a polarização social entre ri-
Houve crescente desregulamentação do flu-
Internet em junho de 2010, o que representa queza e pobreza.
28,7% da população mundial. Segundo a pes-
xo de capital financeiro que percorria o mun-
quisa, a Europa detinha quase 420 milhões de do velozmente em função dos novos meios
usuários, mais da metade da população. Mais de comunicação e na busca incessante por
de 60% da população da Oceania tem o acesso mais lucro. A crença nos mercados como
Globalização e pobreza
à Internet, mas esse percentual é reduzido para instrumentos reguladores favoreceu a pri- Comparando os anos de 1981 e 2005, a
6,8% na África. Na América Latina e Caribe, um
vatização de muitas empresas, em diversos quantidade de pessoas pobres aumentou:
pouco mais de 200 milhões de pessoas têm
acesso à Internet (de acordo com dados de
países do mundo, adquiridas por corpora- em 1981, havia 2,7 bilhões (74,8% da popu-
junho de 2010), sendo que quase 76 milhões são ções multinacionais que desse modo forta- lação da época) consideradas pobres e em
brasileiros”. Wikipedia. leceram seu poder de controle e intervenção 2005 a quantidade cresceu para 3,1 bilhões
na economia. O processo de globalização ao de pessoas (57,6% da população). A redução
mesmo tempo incentivou fortemente a cir- da proporção se dá pelo fato de a popula-
culação de informações e produtos culturais ção mundial ter aumentado, mas a condi-
e o maior símbolo desse sistema de troca é ção de pobreza foi agravada. Países como a
a Internet, que é contemporânea desse mes- China, Índia e o Brasil, que têm grandes po-
mo processo político e econômico (Internet).

164
pulações1 contribuíram fortemente para a com um grande número de produtos de en- Consenso de Washington 
redução da miséria e da pobreza, por políti- tretenimento de origem norte americano. É um conjunto de medidas - que se compõe de
cas de inclusão e, no caso da China, por sua As consequências da globalização se fazem dez regras básicas - formulado em novembro
crescente inserção no comércio mundial, sentir em diferentes aspectos da vida coti- de 1989 por economistas de instituições finan-
ampliação das exportações e reorganiza- diana. ceiras situadas em Washington D.C., como o
ção de seu sistema econômico2. FMI, o Banco Mundial e o Departamento do
No mundo complexo de interesses e dispu- Tesouro dos Estados Unidos. As medidas esta-
Para países como o Brasil, que até o início tas, cabe perguntar quem ganha com a glo- vam fundamentadas num texto do economis-
do século XXI estavam na periferia do capi- balização. Como observa um estudioso do ta John Williamson, do International Institute
for Economy, e que se tornou a política oficial
talismo, a globalização significou a abertu- tema, “Os países desenvolvidos são os prin-
do Fundo Monetário Internacional em 1990,
ra dos mercados nacionais à circulação de cipais ganhadores. Nesses países, os maio- quando passou a ser “receitado” para promover
produtos de outras nações, a privatização res beneficiados são as grandes empresas o “ajustamento macroeconômico” dos países
de empresas e incorporação de empresas, a transnacionais, os bancos internacionais e em desenvolvimento que passavam por difi-
elevação do fluxo de capitais estrangeiros. os Estados-nacionais. Ainda como ganha- culdades.Segundo Dani Rodrik: “Enquanto as
Além desses aspectos econômicos há tam- dores, há a elite econômica e a classe diri- lições tiradas pelos proponentes (do Consenso
de Washington) e dos céticos diferem, é legíti-
bém aspectos políticos e culturais. A neces- gente dos países em desenvolvimento.3” 9
mo dizer que ninguém mais acredita no Con-
sidade de as economias centrais – Europa Na sociedade brasileira, a globalização tem senso de Washington.”Para o presidente de El
e Estados Unidos – ampliarem seus merca- significado distinto para os muitos grupos Salvador, Mauricio Funes, “a crise econômica e
dos e colocarem suas mercadorias, afeta cujos interesses estão em disputa. financeira que começou em 2008 nos EUA evi-
todas as esferas da economia, inclusive o denciou o esgotamento de um modelo nascido
Assim, se perguntarmos se a globalização dos Consensos de Washigton”. E afirma que o
modo como circulam os produtos culturais.
trouxe benefícios ao país, muitas respostas Brasil demonstrou nos últimos anos a “falsida-
No caso brasileiro, por exemplo, observa-
são oferecidas, dependendo de que interes- de neoliberal da contradição entre o equilíbrio
se a invasão de produtos manufaturados das políticas macroeconômicas e o aprofun-
ses se manifestam. Para alguns setores ex-
de origem chinesa, a presença crescente damento e ampliação das políticas sociais de
portadores, a globalização significou o au-
de carros importados e equipamentos ele- equidade e inclusão”.
mento de oportunidades de negócios, am-
trônicos, a ampliação das televisões a cabo Fonte: Wikipedia.
pliação de mercados e aumento dos lucros,
1 Em 2010: China 1,338 bilhão de habitantes, Índia
enquanto para outros representou a perda
com 1,206 e Brasil com 195,2 milhões estão entre os 5 de consumidores em face da expansão das
países mais populosos do mundo. Os EUA 309 milhões e
Indonésia com 237 milhões completam a lista.
2 PORCHMAN, Márcio. Os Brics e a globalização da 3 GONÇALVES, Reinaldo. O Nó Econômico, Editora
pobreza: (Valor Econômico / 14.04.2010) Record, Rio de Janeiro, 2002.

165
exportações asiáticas. Para os trabalhado- Na globalização, a concentração de capi- bricas altamente danosas ao meio ambien-
res, as regras da globalização – liberação de tais em grupos relativamente pequenos te para países onde a regulação ambiental
mercados, de fluxo de capitais, de terceiri- de grandes investidores acaba lhes dando é menos rigorosa e admite diferentes for-
zação de serviços – significaram o aumento a capacidade de confrontar decisões de mas de agressão ao ambiente em nome do
dos riscos de desemprego, a perda de pro- governos e fazer girar os recursos de inves- desenvolvimento econômico, da criação de
teção social pelos efeitos da precarização timento que derrubam o valor de moedas, empregos e redução da pobreza. O tema da
das relações de trabalho e a competição quebram empresas e indústrias, de acordo pobreza se torna um eixo em torno do qual
com produtos importados. Para o mercado com os interesses do Sr. Mercado. Do ponto o valor da globalização deve ser debatido.
de consumo, a importação significou em al- de vista do trabalho, a crescente flexibiliza-
guns casos a redução dos custos de merca- ção das relações fragiliza a capacidade de
dorias e produtos, acesso a bens e serviços e negociação dos sindicatos para garantir Globalização e concentração
maior exposição aos produtos estrangeiros. salários, condições de trabalho e proteção de renda
satisfatórias.
Os ganhos imediatos que distintos grupos A globalização também chamou a atenção
alcançam com a globalização devem ser dos líderes mundiais para outra situação: o
confrontados com os ganhos de médio e acúmulo de riquezas, as inovações tecnoló-
Globalização e cultura
longo prazo para a sociedade brasileira. gicas, a maior proximidade entre os povos
Como aponta o economista Reinaldo Gon- Para a cultura, a globalização significa um do planeta demonstram que há capacida-
çalves, “A experiência histórica mostrou processo complexo e dialético: ao mesmo de técnica e disponibilidade de recursos
que há quatro “bens estratégicos”: capital, tempo em que os produtos massificados para superar a fome e a miséria em todo o
trabalho, cultura e meio ambiente”. Se con- pela indústria cultural ampliam seu raio de mundo. O que impede essa iniciativa? Não é
siderarmos os quatro bens estratégicos, a ação, por outro há forte movimento de for- simples em um mundo altamente competi-
globalização traz sérias ameaças, pois há talecimento de culturas locais. Ao contrário tivo e orientado para o ganho chegar a um
a internacionalização do capital, o que sig- do que se imaginava, as atividades culturais
acordo de redistribuição das riquezas ou
nifica que decisões importantes passam a parecem se reinventar no processo de glo-
mesmo redução das desigualdades globais.
ser tomadas fora das fronteiras nacionais balização, incorporar linguagens e técnicas
para atender a interesses de maior acumu- para manter-se vinculada às suas origens Uma das iniciativas teve lugar nas Nações
lação do capital. Já estão famosas no Brasil comunitárias, reunindo suas forças para re- Unidas e reuniu líderes do Brasil, da França,
as frases “o mercado aprovou” ou “o merca- sistir e afirmar singularidades. Para a ques- do Chile e da Espanha com a proposta da
do está insatisfeito” sem que se diga afinal, tão ambiental, a globalização traz imensas Ação contra a fome e a pobreza. A iniciativa
quem é o Sr. Mercado. ameaças, ocorrendo o deslocamento de fá- pretendia levar adiante projeto, que vinha

166
desde os anos 70, de criar uma taxa sobre dados relativos ao século XXI, o PIB bra-
produto interno bruto
as transações financeiras globais4 com a sileiro tem mantido crescimento, com ta-
finalidade de buscar “mecanismos inova- xas irregulares, como a queda de 0,25 em “O produto interno bruto (PIB) representa a
dores para o combate à fome e à pobreza 2009 e o crescimento de 7,5% em 2010. No soma (em valores monetários) de todos os bens
e serviços finais produzidos numa determinada
extremas.” Até o momento, a iniciativa não entanto, em todos os anos exceto 2009, o
região (quer sejam países, estados ou cidades),
conquistou o consenso necessário para ser crescimento foi positivo com relação ao durante um período determinado (mês, trimes-
implantada e a movimentação de capitais ano anterior. tre, ano, etc.). O PIB é um dos indicadores mais
prossegue sem uma regulação que proteja utilizados na macroeconomia com o objetivo de
Em 2012, com o crescimento de 0,9% com mensurar a atividade econômica de uma região.”
os “bens estratégicos” da voracidade e mo-
relação a 2011, a estimativa do valor do PBI
bilidade do capital. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Produto_inter-
do Brasil era 4,4 trilhões de reais, o que co- no_bruto.
locava o país como a 7º maior economia
do mundo! O PIB expressa melhor a produ-
Independência e condições de
ção, mas pouco ou nada nos informa sobre
vida Coeficiente de Gini
a distribuição da riqueza ou o modo como
Outra face da independência é a face in- as pessoas traduzem essa riqueza em qua- O Coeficiente de Gini é uma medida de desi- 9
terna no país: a conquista da indepen- lidade de vida. Outros dois indicadores nos gualdade desenvolvida pelo estatístico italia-
dência política trouxe consigo melhores no Corrado Gini, e publicada no documento
dizem um pouco melhor como anda a distri-
“Variabilità e mutabilità” (“Variabilidade e
condições de vida para sua população, buição de riqueza e a qualidade de vida, em mutabilidade” em italiano), em 1912. É comu-
mais direitos e mais igualdade? Há mui- padrões comparativos com outros países mente utilizada para calcular a desigualdade
tos modos de avaliar as condições de vida do mundo. de distribuição de renda, mas pode ser usada
da população. Houve um tempo em que a para qualquer distribuição. Ele consiste em
principal medida de desenvolvimento de Um desses indicadores da distribuição da um número entre 0 e 1, em que 0 corresponde
um país era o PIB – Produto Interno Bruto renda é o Índice de Gini (Coeficiente de à completa igualdade de renda ou rendimen-
Gini). Ele mede a desigualdade, pois quan- to (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde
(produto interno bruto) Considerando os à completa desigualdade (uma pessoa tem
to mais próximo de um for o índice, maior
toda a renda ou rendimento, e as demais nada
4 Estima-se que no ano de 2009 a movimentação concentração da renda, quanto mais pró- têm). O índice de Gini é o coeficiente expresso
diária do mercado de câmbio global alcançava cifras
próximas a três trilhões de dólares. Ver: Globalização
ximo de zero, maior distribuição da renda. em pontos percentuais (é igual ao coeficiente
para todos: taxação solidária sobre os fluxos financeiros É importante distinguir renda e riqueza. A multiplicado por 100).
internacionais. Organizadores: Marco Antonio Macedo
Cintra, Giorgio Romano Schutte, André Rego Viana.
renda é resultado do trabalho e de outras Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Coeficiente_de_Gini
Brasília, IPEA, 2010. fontes, como previdência, transferências

167
de programas governamentais, etc. Já a ri- econômico, que amplia o trabalho formal, o
queza inclui o patrimônio, ou seja, proprie- aumento do valor do salário mínimo, a pre-
dades como imóveis, automóveis, iates, vidência social que atende a trabalhadores
aviões, ações. Estamos tratando aqui da rurais e idosos, o Programa Bolsa Família
desigualdade na distribuição da renda. Se- que garante uma renda básica para as popu-
gundo estudos do IPEA, a desigualdade de lações que vivem em condições de pobreza e
renda no Brasil prossegue com uma linha de extrema pobreza. Na análise dos dados de
de queda iniciada na década de 1990, quan- rendimento de todas as fontes, o IPEA notou
do o Índice de Gini havia atingido o valor de que foram exatamente os grupos excluídos
0,607, um dos mais elevados do mundo, ou – mulheres, pretos e pardos, população sem
seja, uma renda muito concentrada. instrução, periferias urbanas – que melhor
No início do século XXI o valor do índice co- avançaram na redução das desigualdades5.
meça a cair de modo constante. De 2003 a Mesmo assim, ainda vivemos em um país em
2011, a redução da desigualdade medida que tanto a renda do trabalho6 é concentra-
pelo Índice de Gini é de 1,2% ao ano. No con- da como a riqueza – que inclui renda e patri-
texto da crise mundial iniciada em 2008, que mônio – é concentrada.
implica baixo crescimento do PIB, a notícia
A crise mundial tem aumentado a concen-
de que a desigualdade continua diminuindo
tração da riqueza em todo o mundo. Segun-
é uma boa notícia. Em 2/3 dos países do mun-
do um estudo realizado por um banco da Su-
do, inclusive EUA, China e Índia, a desigual-
íça7,se visualizarmos a população mundial
dade tem aumentado. Em 2012, o indicador
da desigualdade de distribuição da renda no 5 Ver IPEA: Comunicado IPEA 158, dezembro de 2012.
Brasil apontava o valor de 0,522, o mais baixo
6“Embora o Índice de Gini nacional venha melhorando,
na história do país. O lado ruim é que, apesar os 10% da população ocupada com renda mais elevada
disso, o Brasil continua a integrar a lista das ainda concentraram 41,5% do total dos rendimentos
de trabalho em 2011”. Estadão, IBGE: concentração de
nações mais desiguais do mundo, ao lado de renda diminuiu no Brasil, 21 de setembro de 2012.
outros países da América Latina.
7 Ver: Global Wealth Report 2013. Credit Suisse. A
imagem da pirâmide está na página 22 da publicação
A queda da desigualdade no Brasil se deve a e foi copiada no final do texto para ser incluída no
um conjunto de fatores como o crescimento Almanaque

168
distribuída numa pirâmide, em cuja base es- PNUD, PNAD e IDH- Um olhar Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
tão os mais pobres e no topo os mais ricos, ampliado sobre a questão da É uma medida comparativa usada para classifi-
teremos a seguinte distribuição de riqueza: pobreza car os países pelo seu grau de “desenvolvimento
enquanto 68,7% da população mundial, na humano” e para ajudar a classificar os países
base, detinham 3% da riqueza mundial, ou- como desenvolvidos (desenvolvimento humano
tros 22,9% da população possuíam 13,7% da muito alto), em desenvolvimento (desenvolvi-
Anualmente, o Programa das Nações Uni- mento humano médio e alto) e subdesenvolvidos
riqueza. No topo da pirâmide, 7,7% da popu- das para o Desenvolvimento (PNUD) publi- (desenvolvimento humano baixo). O índice foi
lação mundial detinha 42,3% e os 0,7% mais ca o relatório de Desenvolvimento Huma- desenvolvido em 1990 pelos economistas Amartya
ricos possuem 41% da riqueza8. no, com o IDH de cada país, que leva em Sen e Mahbub ul Haq e vem sendo usado des-
conta três fatores: a renda nacional bruta, de 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o
Outro indicador importante para acompa- Desenvolvimento (PNUD) no seu relatório anual.
nhar o modo como vivem as pessoas no o acesso à educação (média de anos de es-
tudo dos adultos e anos esperados de esco- Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_
país é o Índice de Desenvolvimento Huma- Desenvolvimento_Humano
no – IDH. O IDH (IDH) foi uma medida desen- laridade das crianças) e saúde (expectativa
volvida pela ONU a partir de uma crítica ao de vida ao nascer). O IDH também varia
conceito expresso no PIB: riqueza, medida de zero (nenhum desenvolvimento) a um
(quanto mais perto de um, mais desenvol-
9
pelo PIB, não considera se a vida das pesso-
as ficou melhor, pois a distribuição, como vimento humano). O IDH é classificado em
vimos, pode significar que renda e riqueza muito baixo (zero a 0,499), baixo (0,5 a 0,599)
ficaram concentradas em poucas mãos e as médio (0,6 a 0,699), alto (0,7 a 0,799) e muito
condições de vida da população não melho- alto (acima de 0,8).
raram na mesma proporção. Por isso, o IDH Uma vez que os dados para calcular o IDH
pretende combinar a qualidade de vida e o podem ser agregados por município, esta-
desenvolvimento econômico. do ou país, é possível verificar o IDH com
detalhes em cada município do país e ainda
por tipo de componente: renda, saúde ou
educação. Assim, é possível avaliar o IDH
dos municípios brasileiros e verificar que,
8 Enquanto a concentração de renda medida pelo índice se comparado com 1991, o IDHM melhorou
de Gini está na faixa de 0,30 a 0,45 em países da Europa,
0,5 no Brasil, a concentração de riqueza no mundo está
de modo significativo. Naquele ano, menos
em torno de 0,9. Ver: www.mundosustentável.com.br de 1% dos municípios brasileiros tinha IDH

169
médio ou alto, enquanto em 2010 74% dos to em que foram colhidas as informações,
municípios estavam nesse nível. E a educa- contava com 196,9 milhões de habitantes,
A Pesquisa Nacional por Amostra de ção tem sido o fator que mais cresceu no a maioria vivendo nas cidades, (85% urba-
Domicílios - PNAD período considerado. na e 15% rural). A região Sudeste concentra
o maior número de pessoas, com 82,7 mi-
Investiga anualmente, de forma permanente, As boas notícias da melhoria da qualidade
características gerais da população, de educa-
lhões. As mulheres representavam 51,3%
de vida de boa parte da população, no en-
ção, trabalho, rendimento e habitação e outras, da população brasileira em 2012. Nas faixas
tanto, não podem esconder as profundas
com periodicidade variável, de acordo com as etárias mais jovens, até 24 anos de idade, os
desigualdades que ainda marcam a socie-
necessidades de informação para o País, como homens são a maioria (41,5%) enquanto as
as características sobre migração, fecundida- dade brasileira. Uma das maneiras de co- mulheres representam um pouco menos
de, nupcialidade, saúde, segurança alimentar, nhecer essas desigualdades é acompanhar (37,8%).
entre outros temas. O levantamento dessas estudos que são publicados regularmente
estatísticas constitui, ao longo dos 44 anos de A partir da faixa etária de 29 anos ou mais,
sobre as condições de vida do país. O Bra-
realização da pesquisa, um importante instru-
sil tem um excelente conjunto de informa- o percentual de mulheres passa a ser maior
mento para formulação, validação e avaliação
de políticas orientadas para o desenvolvimento ções estatísticas sobre diversos aspectos do que o de homens. As mulheres têm ex-
socioeconômico e a melhoria das condições de da vida da população. Anualmente, no mês pectativa de vida superior a dos homens
vida no Brasil. de setembro, o Instituto Brasileiro de Geo- e uma das causas dessa diferença é a vio-
grafia e Estatística – IBGE – publica a Pes- lência letal que atinge mais fortemente os
quisa Nacional de Amostragem Domiciliar, homens jovens, especialmente a juventude
conhecida como PNAD (PNAD). A PNAD traz negra das periferias urbanas. Com relação
uma visão atual e histórica de aspectos à cor, a maioria da população brasileira
centrais da vida dos brasileiros e é o lugar se identifica como branca: 46,2% (em 2012
apropriado para conhecer como andam as eram 91 milhões e pessoas) enquanto 45%
(88,6 milhões) se identificam como pardos e
condições sociais e econômicas de nossa
7,9% (15,6 milhões) se identificam como pre-
população.
tos. Como os grupos de pretos e pardos têm
Vamos comentar alguns aspectos da PNAD muitas características socioeconômicas se-
de 2012 para mostrar como podemos co- melhantes, o IBGE trabalha com a categoria
nhecer melhor o país em que vivemos e “negro”, que é a soma de pretos e pardos.
desse modo contribuir para a superação da Visto desse modo, os negros compõem a
pobreza e da miséria. O Brasil, no momen- maioria com 52,9% da população.

170
Os demais grupos identificados são ama- as (são 14% dos postos) e por fim a constru- elevados (superior a R$ 18 mil), a diferença
relos, orientais ou de descendência orien- ção, com 8,2 milhões, representando 8,7% é de 87 vezes em relação aos 10% com ren-
tal que vivem no país e os indígenas. Esses das pessoas ocupadas. dimento mais baixo! Essa diferença tam-
dois grupos correspondem a 0,8% da popu- bém pode ser notada quando comparamos
Os números da ocupação da força de tra-
lação (1,6 milhão). Os números nacionais os ganhos com rendimentos entre os gru-
balho no Brasil são muito positivos se com-
estão distribuídos de forma muito diferen- pos. No Brasil, em 2012, 10% da população
parados aos de outros países do mundo
te nas regiões do Brasil: a região Sul é pre- ocupada com rendimentos mais elevados
desenvolvido, que desde 2008 vivem pro-
dominantemente branca (76,8%) enquanto recebem 41,2% do total de rendimentos,
a população parda predomina nas regiões funda crise que tem gerado desemprego,
enquanto os 10% com rendimentos mais
Norte (70,2%) e Nordeste (62,5%). Um fato especialmente entre os jovens. Mas mes-
baixos recebem 1,4% do total.
importante é que de ano para ano, cresce mo assim, o Brasil contou em 2012, com 6,7
o número de pessoas que se identificam milhões de pessoas desocupadas, que são
aquelas que tomaram providências para
como parda e há redução da população Os indicadores PIB e IDH
que se reconhece como branca. No Norte, a buscar um emprego, mas não conseguiram.
presença da população indígena é mais ex- O número, bastante elevado, foi inferior em Se outros indicadores como o PIB e o IDH
pressiva e no Sudeste a população amarela 7,2% ao do ano de 2011 e se comparado com mostram que há progressiva redução da po- 9
tem maior participação. 2004, é 22,5% menor. Mais da metade dos breza e da extrema pobreza, os números do
desocupados são mulheres (57,8%), 34,6% rendimento demonstram que a desigualda-
Pela PNAD também ficamos conhecendo a eram jovens entre 18 e 24 anos, quase 60% de diminui lentamente. Do mesmo modo,
força de trabalho do país no ano de 2012, a eram negros ou pardos e mais da metade pode-se constatar a diferença entre as re-
população economicamente ativa (PIA) e o dos desocupados não tinham completado munerações dos homens e das mulheres.
número de pessoas ocupadas: 93,9 milhões. o ensino médio. Em 2012, as mulheres recebiam 72,9% do
A maior parte dos trabalhadores e traba- rendimento do trabalho dos homens. Para
lhadoras (42,4 milhões de pessoas) está no A PNAD traz dados sobre os rendimentos
considerar outro número bem informativo:
setor de serviços, que representa 45,2% do do trabalho que demonstram parte da de-
enquanto 23,7% dos homens ocupados re-
total. O setor de comércio e reparações vem sigualdade brasileira. O rendimento médio
cebiam até um salário mínimo, para as mu-
em segundo lugar, com 17,8% (são 16,7 mi- mensal de todos os trabalhos das pessoas
lheres este percentual era de 33,3%. Havia
lhões de pessoas), as atividades agrícolas que integram o grupo dos 10% que têm os
mais mulheres ocupadas sem rendimentos
representam 14,2% das pessoas ocupadas mais baixos rendimentos foi de R$ 215,00.
(9%) do que homens (4,9%).
(são 13,4 milhões), a indústria tem um tama- Por outro lado, comparado com o 1% que
nho quase igual, com 13,2 milhões de pesso- têm os rendimentos médios mensais mais No Brasil, em 2012, havia 62,8 milhões de

171
domicílios. Se considerarmos os rendimen- desigualdade no Brasil. Na classe de rendi- vez mais presentes na vida de toda a popu-
tos não apenas das pessoas, mas das famí- mentos até meio salário mínimo por pes- lação, mas ainda é grande a desigualdade
lias que vivem no mesmo domicílio, 43,1% soa, apenas metade das residências contam por faixa de renda e região. No Brasil, consi-
deles tinham um rendimento mensal per com todos os serviços. Na classe entre meio derando dados de 2011, dos quase nove mi-
capita de menos de um salário mínimo. Es- e um salário mínimo, os serviços alcançam lhões de residências da faixa de renda de até
sas proporções eram maiores nas regiões 63,2% das residências. Mas, mais uma vez, os meio salário mínimo per capita, 10%tinham
Norte (59,2%) e Nordeste (63,5%). Em outras números gerais, mesmo considerando ape- iluminação elétrica, computador, TV em co-
palavras, quase a metade dos lares brasilei- nas o grupo de baixa renda, escondem de- res e máquina de lavar. Enquanto no Sudes-
ros tinham rendimento mensal por pessoa sigualdades. Há também grande diferença, te essa proporção era de 18%, no Nordeste
inferior a um salário mínimo. Embora o salá- mesmo entre os que vivem com meio salário era de 5%. Algumas pessoas acham um luxo
rio mínimo em 2012 seja, comparativamen- mínimo. que as famílias que vivem em condições de
te, o dobro do que era no final dos anos 90, pobreza tenham acesso a esses bens. Esse
ainda assim seu poder de compra é inferior Em estudo relativo ao ano de 2011, o IBGE tipo de opinião revela o quanto a desigual-
àquilo para o qual foi projetado. As famílias, mediu o número de domicílios, a renda dade foi naturalizada no Brasil.
em seus domicílios, ainda dependem de per capita e o acesso aos serviços básicos.
No Brasil eram quase nove milhões de resi- Entre nós, infelizmente, parece ter se tor-
um conjunto de serviços básicos. A PNAD
dências com renda per capita de até meio nado natural que as pessoas que vivem em
avaliou o atendimento desses serviços em
salário mínimo, sendo quase um milhão na condições de pobreza tenham muitas restri-
todas as residências: 85,4% tinham acesso
região Norte, quatro milhões na região Nor- ções que se acumulam nas mesmas famílias:
à rede de abastecimento de água, 99,5% a
deste, 2,8 milhões no Sudeste, pouco mais os que têm menores rendas são os mesmos
iluminação elétrica, 88,8% à coleta de lixo e
de 700 mil no Sul do país e quase 600 mil re- que vivem em lugares mais poluídos, têm
57,1% à rede de esgoto.
sidências no Centro Oeste. Na região Norte, menos acesso aos bens básicos como água,
Os números gerais dos serviços que aten- coleta de lixo e esgoto, menor acesso à edu-
para a faixa de renda de até meio salário mí-
dem os domicílios brasileiros não são satis- cação e à saúde. Não se pode ignorar que
nimo per capita, os serviços básicos só aten-
fatórios, especialmente com relação ao es- o acesso a serviços e a bens são distintos:
dem a 14,8% das residências, enquanto na
gotamento sanitário. Mas se considerarmos o acesso a serviços como água, esgoto, ilu-
região Sudeste essa proporção é de 85,5%
a relação entre rendimento das famílias e os minação, condições ambientais, educação
para a mesma faixa de renda.
domicílios que têm ao mesmo tempo abas- e saúde depende diretamente do poder pú-
tecimento de água, esgotamento de sanitá- O mesmo estudo revelou que os bens de blico, enquanto o acesso a bens de consumo
rio e lixo coletado direta ou indiretamente, consumo – televisão, DVD, máquina de lavar, depende de condições de renda, de crédito,
temos mais uma demonstração da imensa computador e acesso à internet – estão cada doações e de outros meios.

172
Os dados parecem indicar que as pessoas
que vivem em condições de pobreza se em-
penham para alcançar certos mínimos de
conforto para suas famílias, mas dependem
de uma atitude do poder público que redu-
za a desigualdade de acesso aos direitos. A
desigualdade no Brasil parece ter se torna-
do tão natural que não causa estranhamen-
to que as condições de pobreza sejam não
apenas restrições de renda, mas também
restrições de atendimento ao direito à vida
com o mínimo de condições, como seguran-
ça, água, energia, coleta de lixo e de esgoto.
A pobreza mostra assim sua face multidi-
mensional e os dados e informações que a
9
PNAD nos traz confirmam essa certeza com
números.

Combater a pobreza e a miséria tem sido


um compromisso de muitas pessoas, de go-
vernos e também da Organização das Na-
ções Unidas e suas agências. As metas do
milênio, aprovadas no ano 2.000, estabele-
ceram objetivos para serem alcançados até
2015. O mundo já está debatendo quais se-
rão os objetivos que substituirão as metas
do milênio após 2015.

Os resultados alcançados pelo Brasil neste


início do século XXI na redução da miséria e
da extrema pobreza se devem a um conjun-

173
to de fatores: o crescimento econômico, que Para definir os públicos prioritários, o Pro- va. Assim, a população extremamente pobre
criou mais oportunidades de empregos for- grama considera quatro grupos definidos passou a receber benefícios adicionais para
mais, a elevação dos valores do salário míni- pela renda familiar per capita, quer dizer a que todas as famílias tenham renda per ca-
mo, que paga boa parte dos trabalhadores e soma de todos os rendimentos obtidos pe- pita de pelo menos R$ 70,00, para superar a
serve de base para o cálculo de outros paga- las pessoas daquela família, divididos pelo linha definida como de extrema pobreza.
mentos da previdência e o Programa Bolsa número de pessoas da família. Assim, consi-
As pesquisas e estudos com os dados ofere-
Família que em 2013 completou dez anos derando valores de 2013, os quatro grupos
cidos pela PNAD demonstravam que a extre-
de existência. O Programa, que tem sido es- são:
ma pobreza estava concentrada em crian-
tudado por especialistas de todo o mundo,
a. extremamente pobres - famílias com ças e jovens. Mudanças foram introduzidas
é muito bem sucedido em seus objetivos:
renda inferior a R$ 70,00; para fortalecer a focalização do programa
identificar as famílias que vivem em condi-
ção de pobreza e extrema pobreza, criar o b. pobres - famílias com renda igual ou de combate à extrema pobreza, ampliar o
Cadastro Único, unir as forças dos Governos superior a R$ 70 e inferior a R$ 140; número de famílias atendidas e aumentar
Federal, Estaduais e Municipais, estabelecer o número e o valor dos benefícios transfe-
c. vulneráveis - famílias com renda ridos, com a criação do Benefício de Supe-
condicionalidades, quer dizer, compromis-
maior ou igual a R$ 140 e menor que ração da Extrema Pobreza, permitindo que
sos das famílias atendidas em manter seus
R$ 560,00 per capita; quase cinco milhões de famílias recebessem
filhos na escola, cumprir o calendário de va-
cinação e dar atenção especial à saúde das d. não pobres - famílias com renda per um complemento de renda capaz de elevar
grávidas e nutrizes. capita igual ou maior que R$ 560,00. a renda per capita acima dos R$ 70,00.

Os resultados divulgados nos 10 anos do Em 2010, o Programa Bolsa Família passou a Os resultados avaliados nacional e interna-
Programa confirmam que esses objetivos fazer parte de uma iniciativa mais ambicio- cionalmente são bastante positivos, signi-
estão sendo alcançados, mas ainda há mui- sa, o Brasil Sem Miséria que tem por objeti- ficam que o país encontrou caminhos para
to para ser feito. No ano de 2013, o programa vo superar a miséria em todo o país. A partir firmar sua independência da fome, da misé-
alcançou o marco de 13,8 milhões de famí- da análise dos resultados alcançados até ria e da pobreza, mas trata-se de um longo
lias atendidas, cada família tendo em média então, foram adicionados ao Programa ou- caminho que deve ser acompanhado de per-
3,6 pessoas. A maior parte delas (50,2%) vive tros componentes nos eixos de garantia de to pela sociedade brasileira para garantir
no Nordeste e a região Sudeste tem 25%. renda, acesso a serviços e inclusão produti- que seus resultados sejam duradouros.

174
Os dados da tabela abaixo permitem ver os avanços alcançados no país entre 2003 e 2011
na redução da miséria e da pobreza e os imensos desafios que ainda precisam ser vencidos:

PESSOAS (%) FAMÍLIAS (%)


2003 2011 2003 2011
Extremamente pobres 8,0 3,4 5,5 2,6
Pobres 15,9 6,3 12,0 4,4
Vulneráveis 50,3 49,1 50,5 44,8
Não pobres 25,9 41,3 32,0 48,2
Fonte: PNAD/IBGE9

Os números tão expressivos não podem nos fazer esquecer que falamos de pessoas, crian-
ças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que vivem em condições de extrema pobreza,
em grande parte, herdadas de suas famílias. A proporção de 3,4% de pessoas extremamen-
te pobres no Brasil significa dizer que há 6,5 milhões de pessoas que têm a renda per ca-
pita inferior a R$ 75 por mês. A proporção de 6,3% de pessoas pobres significa que há 15,7
milhões cuja renda familiar é de até R$ 140 por mês. Esses números ainda muito elevados 9
são os melhores que o país alcançou em mais de 500 anos de história.

Romper o ciclo da pobreza, gerar mais oportunidades para todos, garantir melhor distri-
buição da renda e da riqueza, melhorar a qualidade dos serviços públicos e torná-los aces-
síveis a todas as pessoas, são tarefas urgentes. Os resultados dependem da participação
dos Governos, das instituições, das empresas, dos sindicatos, das organizações da socieda-
de civil e de organismos internacionais que cooperam com o país. Cabe também às pesso-
as participar, colaborando de múltiplas maneiras no conhecimento, na compreensão e na
mobilização para superar a pobreza no Brasil.

O IPEA realizou em 2011 uma pesquisa nacional, entrevistando milhares de pessoas, para sa-
ber o que pensam da pobreza, quais os limites de renda que definem a pobreza, as causas da
pobreza e o que é necessário para sair dela. As respostas variam consideravelmente de acor-

9 Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania / organizadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes Neri.
– Brasília: Ipea, 2013. Página 142

175
do com o nível de renda dos entrevistados, Causas da pobreza Para superar a pobreza, os brasileiros re-
região em que vivem, idade e gênero. Para o comendam crescimento econômico, me-
grupo de pessoas de famílias mais ricas, com Quais as causas da pobreza? Para os que co- lhorias na educação, criação de oportuni-
renda superior a cinco salários mínimos per nhecem a pobreza, porque vivem com renda dades iguais para pobres e ricos, ampliar
capita, a corrupção e a saúde são os principais de até ¼ do salário mínimo, o desemprego é os cursos técnicos e dar bolsas de estudo
problemas do país, enquanto a população de a principal causa (43,8%) e a educação apa- para os estudantes mais pobres. Neste par-
baixa renda (per capita de até ¼ do salário rece como a segunda, com 11,6% das respos- ticular, o tema da educação é fundamental,
mínimo) considera a saúde, a violência e o de- tas. Para o grupo mais rico, com rendimen- mas será assunto do mês de outubro, dedi-
semprego como seus principais problemas. tos superiores a cinco salários mínimos per cado à educação, às crianças, professores e
Para os mais ricos, desemprego, pobreza e capita, a educação é a principal causa da po- professoras.
fome não são identificados como problemas breza (38,5%), ao lado da corrupção (18,5%) e
relevantes. Quando as pessoas entrevistadas do desemprego (15,4%).
foram perguntadas sobre que renda familiar Um comentário importante da pesquisa
é necessária para não ser pobre, mais uma do IPEA chama a atenção para o fato de a
vez há grande diferença nas respostas depen- maioria das pessoas entrevistadas aponta-
dendo do nível de renda do entrevistado. rem causas estruturais para a existência e
As pessoas mais pobres avaliam que para permanência da pobreza. Menos de 3% das
uma família de quatro pessoas não ser con- pessoas mencionaram causas individuais
siderada pobre, a renda per capita deveria como comodismo ou drogas para a exis-
ser de pelo menos de R$ 385,00 (quando o tência da pobreza. Embora os mais pobres
salário mínimo naquele momento era de R$ atribuam ao desemprego a principal causa
545,00). As pessoas do grupo mais rico con- da pobreza, apontam também que a baixa
sideram que o mínimo per capita para não remuneração do trabalho pode ser fator de
ser considerado pobre deveria ser ao menos permanência na pobreza, apesar de estar
R$ 725,00 quase o dobro do valor apontado empregado. A maioria dos entrevistados
pelo grupo mais pobre. Em todo caso, vale (83,6%) acredita que para superar a pobre-
destacar que as percepções estabelecem za, o país precisa crescer e criar mais em-
valores bem superiores aos adotados pelo pregos e garantir que os filhos dos pobres e
Governo Federal que define R$ 140,00 per os filhos dos ricos tenham as mesmas opor-
capita como o limite de renda da pobreza. tunidades (86,5%).

176
para saber mais
Filmes te, chamada de Método Grönhom. Nele o conheceu Milton Santos em 1995, e desde
Trabalho Interno, de Charles Ferguson . grupo é deixado a sós em uma sala, sendo então tinha planos para filmar o geógrafo.
EUA 2010. Sinopse: documentário vence- promovidos vários testes via computador Os anos foram passando e, somente em
dor do Oscar 2011, fala sobre a crise eco- que têm por objetivo analisar a interação 2001, Tendler realizou o que seria a última
nômica atual, explicando de modo didáti- entre eles. De início todos acreditam ter entrevista de Milton (que viria a morrer
co o sistema financeiro mundial e como total controle sobre seu comportamento cinco meses depois). Baseado nesse pri-
a crise se desenvolveu da Islândia aos e emoções, mas os jogos os colocam em meiro ponto de partida o documentário
Estados Unidos. Em 2008, uma crise eco- situações-limite que, aliado ao fato de procura explicar, ou até mesmo elucidar,
nômica de proporções globais fez com saberem estar sendo observados, os colo- essa tal Globalização da qual tanto ouvi-
que milhões de pessoas perdessem suas cam em um nível de tensão insuportável. mos falar. O documentário percorre algu-
casas e empregos. Ao todo, foram gastos mas trilhas desses caminhos apontados
Vídeos
mais de US$ 20 trilhões para combater a por Milton, vemos movimentos na Bolí-
A obra do geógrafo Milton Santos ofere-
situação. Através de uma extensa pesqui- via, na França, México e chegamos ao Bra-
ce uma visão rica e polêmica da globali-
sa e entrevistas com pessoas ligadas ao sil, na periferia de Brasília. Em Ceilândia,
zação: http://miltonsantos.com.br/site/
mundo financeiro, políticos e jornalistas, a câmera nos mostra pessoas dispostas a 9
videos/. Entre os vídeos, destacam-se:
é desvendado o relacionamento corrosi- mudar as manchetes dos jornais que só
vo que envolveu representantes da políti- Globalização Milton Santos - O mundo falam da comunidade para retratar a vio-
ca, da justiça e do mundo acadêmico. global visto do lado de cá. Filme de Silvio lência local. Adirley Queiroz, ex-jogador
Tendler. In: http://www.youtube.com/wa- de futebol, hoje cineasta, estudou os tex-
O que você faria? de Marcelo Pineyro.
tch?v=-UUB5DW_mnM#t=33: tos de Milton e procura novos caminhos
Espanha, Itália, Argentina, 2005. Sinop-
para fugir do ‘sistema’ ou do Globaritaris-
se: sete executivos disputam uma única O mundo global visto do lado de cá, do-
mo -- termo criado por Milton Santos para
vaga em uma empresa. Eles chegam para cumentário do cineasta brasileiro Sílvio
designar a nova ordem mundial.
o teste de seleção no mesmo dia em que Tendler, discute os problemas da globa-
Madri é movimentada devido a marchas lização sob a perspectiva das periferias Milton Santos por uma outra globaliza-
de protesto contra a globalização e a po- (seja o terceiro mundo, sejam comunida- ção:www.youtube.com/watch?v=K6EII-
lítica monetária do FMI, que realiza sua des carentes). O filme é conduzido por QNsoJU
reunião no mesmo prédio em que estão. uma entrevista com o geógrafo e intelec-
Logo os candidatos são informados que tual baiano Milton Santos, gravada qua-
serão submetidos a uma seleção diferen- tro meses antes de sua morte.O cineasta

177
Vídeos do Futura dad económica. Publicado por Oxfam GB
Veja no caderno de textos a lista comple- para Oxfam Internacional con ISBN 978-1-
ta dos filmes, sinopses e tempo de dura- 78077-544-9 en enero de 2014
ção, assim como com qual mês eles con-
Páginas na Internet
versam.
- ODM: Brasil: http://www.odmbrasil.gov.
Obras de referência br/o-brasil-e-os-odm
- ONU. Objetivos de Desarrollo del Milê-
nio; Informe 2013.

- IBGE: PNAD 2012: síntese de indicadores.


Rio de Janeiro, 2013.

- IBGE: Estudos & pesquisas 29: Síntese de


indicadores sociais: uma análise das con-
dições de vida da população brasileira
2012. Rio de Janeiro, 2012.

- BRASIL: Programa Bolsa Família: uma


década de inclusão e cidadania / organi-
zadores: Tereza Campello, Marcelo Côrtes
Neri. – Brasília: Ipea, 2013.

- Global Wealth Report 2013. Credit Suisse

IPEA - Sistema de Indicadores de Percep-


ção Social, Assistência Social: Percepção
sobre pobreza: causas e soluções. Brasí-
lia, 21 de dezembro de 2011

- OXFAM: 178 INFORME DE OXFAM 20 DE


ENERO DE 2014: GOBERNAR PARA LAS
ÉLITES Secuestro democrático y desigual-

178
mobilizar
Tipo de atividade: pesquisa e mobiliza- Tipo de atividade: produção de jornal finalizador e o que mais acharem neces-
ção sário. Peça também que elaborem um cro-
Objetivo: produzir um jornal da região
nograma das tarefas e um prazo para ter
Objetivo: mapear e propor soluções para para mapear experiências bem sucedidas
o jornal finalizado.
problemas da região
1ª etapa: junte o grupo e proponha a con-
4ª etapa: com o jornal pronto recomende
1ª etapa: convide o grupo para assistir ao fecção de um jornal para divulgar experi-
que pensem qual a melhor maneira de di-
“Globo ecologia – Erradicação da pobre- ências bem sucedidas que tenham como
vulgá-lo.
za” e debata o tema. objetivo o desenvolvimento sustentável
e/ou a erradicação da pobreza e igualda-
2ª etapa: recomende que se dividam em
de social. Para isso realize uma pequena
pequenos grupos e que listem os proble-
oficina onde devem ser discutidos alguns
mas que afetam o meio ambiente e a qua-
pontos como nome do jornal, a quem se
lidade de vida da sua comunidade ou re-
destina, qual vai ser a “cara” do jornal, etc.
gião. Com as listas prontas e as questões
devem também definir se o jornal será vir-
acordadas entre os grupos proponha que
tual ou impresso. 9
reflitam e façam sugestões que possam
resolver ou minimizar esses problemas. 2ª etapa: peça aos participantes que se
Sugira que pesquisem qual órgão público organizem e grupos. Cada grupo vai pes-
pode apoiar essas soluções. quisar, visitar e fazer uma matéria para
o jornal. Os grupos devem trazer dados
3ª etapa: de posse dessa lista os grupos
que justifiquem a escolha, assim como re-
devem se dividir novamente e escrever
gistros fotográficos.
uma carta aos responsáveis descrevendo
o problema e solicitando sua ajuda. Para 3ª etapa: com os grupos novamente reu-
definir os próximos passos sugira que nidos peça que dividam as tarefas para
acompanhem o retorno das reivindica- confecção do jornal, como: coordenador,
ções feitas. editor, redator, revisor, artista gráfico,

179
outubro
Infância:
educação, diversidade
e desigualdade
“A educação sozinha não transforma a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda”
Paulo Freire
outubro
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

10
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

04 Dia dos animais | 12 Dia das Crianças | 17 Dia Internacional da Erradicação da Pobreza | 20 Dia do Poeta
Vamos dedicar nosso Caderno no mês de ção e amadurecimento, é fator decisivo na De fato, a educação é um caminho que pode
outubro a dois temas habitualmente lem- melhoria das condições de vida, partici- garantir aos mais pobres os meios e instru-
brados neste mês: o dia da criança e o dia pação e cidadania e tem grande efeito na mentos para que alcancem empregos de
do Professor1, uma oportunidade para tra- mobilidade social, rompendo com a trans- maior qualidade e melhores condições de
tar da educação. missão geracional da pobreza. É urgente, vida, e a educação deve também prover o
portanto, conhecer e refletir sobre educa- conjunto da sociedade de mais consciência
As crianças são a primeira preocupação
ção e pobreza, pensando nas crianças e sobre seus desafios para promover igualda-
quando o assunto é pobreza, pois quando
nos jovens. de e melhores oportunidades para todos.
nascem em condições de pobreza sofrem
imediatamente seus efeitos e, por serem A educação é vista como o caminho que po-
crianças, muito provavelmente sofrerão derá libertar crianças e jovens da herança
por mais tempo da vida as consequências da pobreza e da miséria. Por um lado, essa Educação direito de todas as
dessas condições. A pobreza tem sido um convicção contribui para aumentar o inte- crianças
peso que se transfere de uma geração a resse, o debate e as ações para garantir o di- A educação é um direito, especialmente
outra e impõe limites para o desenvol- reito à educação de todos e de cada um. No importante para as crianças e jovens. A
vimento das crianças, podendo deixar entanto, a educação sozinha não pode su- ideia de que as crianças têm direitos espe-
marcas que perduram por toda a vida. A perar todas as restrições que as condições cíficos é recente. Segundo historiadores2,
educação, por sua vez, é apontada como de pobreza impõem à vida das famílias. durante muito tempo as crianças, após os
a melhor resposta para superar a pobreza sete anos de idade, eram tratadas como
Um dos grandes educadores brasileiros,
e suas consequências, pois favorece o de- Paulo Freire, resumiu esse dilema numa adultos pequenos, vestiam-se como adul-
senvolvimento das crianças desde a mais frase que ficou famosa: “a educação sozi- tos e em muitas famílias tinham obriga-
tenra idade, contribui para sua socializa- nha não transforma a sociedade, sem ela ções equivalentes às dos adultos, como
tampouco a sociedade muda”. Pensar na trabalhar e cuidar dos irmãos mais no-
1 “No Brasil, o Dia do Professor é comemorado em 15 de
outubro. No dia 15 de outubro de 1827, Pedro I, Imperador educação em face da pobreza e da miséria vos. O reconhecimento de que a infância
do Brasil baixou um Decreto Imperial que criou o Ensino
Elementar no Brasil. Pelo decreto, “todas as cidades, vilas
que ainda afetam nossas crianças, adoles- é uma etapa especial da vida que se pro-
e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. centes e jovens é pensar em caminhos de longa para além dos sete anos de idade foi
Esse decreto falava de bastante coisa: descentralização
do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas
mudança, em modos pacíficos de transfor- acontecendo aos poucos.
que todos os alunos deveriam aprender e até como os mar nossa sociedade para que ela seja mais
professores deveriam ser contratados. A ideia, inovadora 2 ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família.
e revolucionária, teria sido ótima - caso tivesse sido
inclusiva, menos desigual e mais justa com Trad. de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros
cumprida.” Wikipedia. todos que a integram. Técnicos e Científicos Editora, 1981.

182
A expressão dos direitos da criança na legis- A Convenção sobre os Direitos
lação internacional aparece na Declaração da Criança foi ratificada por
192 nações; somente dois
Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
países não ratificaram a Con-
em que o segundo parágrafo do artigo 25 venção: Estados Unidos e So-
traz uma clara afirmação de direitos: “a ma- mália. Para que esses direitos
ternidade e a infância têm direito à ajuda humanos sejam integralmente
e à assistência especiais. Todas as crianças, cumpridos, os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio
nascidas dentro ou fora do matrimônio, go-
precisam ser alcançados
zam da mesma proteção social”.

No contexto do final da segunda guerra mun-


dial, a recomendação voltava-se para enfren-
tar uma situação delicada, em especial na
Europa e em países da Ásia, que haviam sido
invadidos durante a guerra. Fruto da violên-
cia contra mulheres nasciam muitos filhos 10
sem que se soubesse quem eram os pais. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos
afirmava o direito de todas as crianças, inde-
pende de suas condições de nascimento. Era
um esforço necessário, pois durante muito
tempo as crianças nascidas de relações fora
do matrimônio eram tratadas como filhos
“ilegítimos”, cujos direitos eram cerceados
e previamente condenados à pobreza e ao
abandono. Em novembro de 1959, inspirada
na declaração dos direitos humanos a As-
sembleia Geral das Nações Unidas, por una-
nimidade, aprovou a Declaração Universal
dos Direitos das Crianças. (Declaração Uni-
versal dos Direitos das Crianças).

183
Quando falamos de direito, temos que en- Quem é criança?
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA tender o lugar da criança. Ela não pode ser
O conceito de infância, seus limites etários,
CRIANÇA vista apenas como futuro sujeito de direito,
seus direitos e responsabilidades são va-
Aprovada pelas Nações Unidas em 30 de No- mas deve ser encarada como detentora de
lores que mudam com o tempo e o lugar.
vembro de 1959. direitos hoje. Nessa visão, ela deixa de ser
“Quem é criança? E o que é ser criança?” são
um receptáculo passivo, que recebe cuida-
Todas as crianças têm direito: perguntas que não apresentam respostas
do e atenção das pessoas adultas. Ela ganha
1. À igualdade, sem distinção de raça, religião únicas. Elas variam ao longo do tempo, no
voz nas questões que lhe digam respeito,
ou nacionalidade. espaço, entre culturas e até mesmo dentro
considerando sua idade ou grau de matu-
de um mesmo grupo social. Podem ser res-
2. À especial proteção para o seu desenvolvi- ridade, caracterizando-se como “sujeito de
pondidas a partir de uma visão biológica,
mento físico, mental e social. direito em peculiar processo de desenvolvi-
como por exemplo, o fato de as meninas já
3. A um nome e a uma nacionalidade. mento”3. Isto significa que ela tem direito a
terem sido consideradas adultas logo após
ter opinião e a ser ouvida, a se exprimir e a
4. À alimentação, moradia e assistência médica a primeira menstruação ou os meninos a
participar do processo de tomada de deci-
adequada para a criança e a mãe. partir dos 12 anos de idade. Outro ponto
são nas situações que lhe são relacionadas
5. À educação e a cuidados especiais para a de vista foi construído na legislação sobre
e a participar tanto de questões familiares
criança física ou mentalmente deficiente. a infância. No Brasil, a Constituição Cidadã
quanto ligadas ao desenvolvimento da so-
de 1988 deu um passo importante ao defi-
6. Ao amor e à compreensão por parte dos pais ciedade onde vivem.
e da sociedade.
nir no artigo 2274 o reconhecimento dos di-
O reconhecimento dos direitos das crianças, reitos da infância, da adolescência e da ju-
7. À educação gratuita e ao lazer infantil. além de ser bem tratada e protegida, altera ventude com “absoluta prioridade”. Ainda
8. A ser socorrida em primeiro lugar, em caso as relações entre crianças e adultos e traz que entre as três etapas da vida citadas no
de catástrofes. um desafio para todos: é preciso criar condi- artigo – infância, adolescência e juventude
ções para que suas opiniões sejam conside- – existam muitas diferenças de maturidade
9. A ser protegida contra o abandono e a explo-
ração no trabalho. radas e respeitadas, que não haja discrimi-
nação por nenhum motivo e que o superior
10. A crescer dentro de um espírito de solida- 4 CF: artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do
interesse da criança seja levado em conta Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
riedade, compreensão, amizade e justiça entre com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
os povos.
em todas as decisões que lhes diga respeito.
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
3 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). LEI Nº 8.069, a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
DE 13 DE JULHO DE 1990. exploração, violência, crueldade e opressão”.

184
e papéis sociais, ao agrupá-las em torno da proteção da infância e da juventude. A dou- A alimentação saudável está
absoluta prioridade a Constituição traz um trina penalizava as crianças que já haviam entre os maiores desafios deste
início do século XXI para a infân-
alerta à sociedade quanto à delicadeza da sido penalizadas por suas condições de
cia e a juventude brasileira. Quan-
condição infanto-juvenil e a recomendação nascimento e convivência, ou falta de con- do praticamente vencemos o
de que seja dedicada especial atenção a es- vivência, familiar e comunitária. Sob essa desafio da desnutrição, um novo
sas etapas da vida. legislação a criança e os adolescentes não se impõe o do excesso de peso e
eram sujeitos de direitos, mas objetos de da obesidade.
Nem sempre foi assim. A legislação brasi-
intervenções judiciais que restringiam seus
leira sobre as crianças, desde os anos 20,
direitos e liberdade.
passou de uma etapa em que a preocupa-
ção era com “os menores” para a doutrina A Constituição de 1988 representa uma
da proteção integral prevista na Constitui- grande mudança na percepção e na com-
ção de 1988. A preocupação com “os meno- preensão da infância e da juventude. Essa
res” fazia referência às crianças pobres, às nova compreensão está expressa em distin-
crianças abandonadas e aquelas captura- tos diplomas legais. A rigor, há uma sequên-
das pelas redes de criminalidade, que en- cia de documentos nacionais e internacio- 10
volvem as condições de vida na pobreza e nais que guardam entre si grande sintonia
na miséria. Essa legislação inicial distinguia pelos mesmos princípios que defendem
as crianças de família daquelas que viviam com relação à infância e juventude: a De-
“em situação irregular”. claração Universal dos Direitos da Criança,
de 1959, a Constituição Federal do Brasil
A chamada “doutrina da situação irregular”
de 1988, a Convenção Internacional sobre
foi consagrada pelo antigo Código de Me-
os Direitos da Criança de 1989 (ONU) e o
nores (Lei 6.697/1979) e seu objetivo não era
Estatuto da Criança e do Adolescente, de
proteger as crianças e jovens, mas garantir
1990 (Brasil). O Estatuto formula com mui-
as condições de intervenção judicial para
ta clareza a doutrina da proteção integral
deter, segregar e isolar os chamados “me-
apoiada em duas ideias simples: o melhor
nores infratores”. A doutrina visava antes
interesse do menor e a absoluta prioridade.
à proteção do patrimônio eventualmen-
te ameaçado pelos delitos cometidos por Essas legislações trabalham com definição
pessoas de idade inferior a 18 anos e não à geracional a partir de corte etário. Para o

185
Um mundo para as crianças. A Sessão Especial da Assem- 5. Educar todas as crianças. Todas as meninas e todos os
bleia-Geral das Nações Unidas, em maio de 2002, fixou meninos devem ter acesso à educação primária obriga-
metas em áreas vitais do bem-estar e do desenvolvimen- tória, totalmente gratuita e de boa qualidade como base
to da criança: de um ensino fundamental completo. Devem eliminar-se
as disparidades de gênero na educação primária e secun-
Por meio do presente, convocamos todos os membros
dária.
da sociedade para juntarem-se a nós em um movimento
mundial que contribua para a criação de um mundo para 6. Proteger as crianças da violência e da exploração. As
as crianças, apoiando nossos compromissos com os prin- crianças devem ser protegidas de todo e qualquer ato de
cípios e objetivos seguintes: violência, maus-tratos, exploração e discriminação, as-
sim como de todas as formas de terrorismo e de serem
1. Colocar as crianças em primeiro lugar. Em todas as
mantidas como reféns.
medidas relativas à infância será dada prioridade aos
melhores interesses da criança. 7. Proteger as crianças da guerra. As crianças devem ser
protegidas dos horrores dos conflitos armados. Crianças
2. Erradicar a pobreza: investir na infância. Reafirmamos
que estão em território sob ocupação estrangeira tam-
nossa promessa de romper o ciclo da pobreza em uma
bém devem ser protegidas de acordo com as disposições
só geração, unidos na convicção de que investir na infân-
do direito humanitário
cia e realizar os direitos da criança estão entre as formas
mais efetivas de erradicar a pobreza. Medidas imediatas 8. Combater o HIV/AIDS. É necessário proteger as crian-
devem ser tomadas para eliminar as piores formas de ças e suas famílias dos efeitos devastadores do HIV/AIDS.
trabalho infantil.
9. Ouvir as crianças e assegurar sua participação. As
3. Não abandonar nenhuma criança. Todas as meninas e crianças e os adolescentes são cidadãos valiosos que
todos os meninos nascem livres e têm a mesma dignida- podem ajudar a criar um futuro melhor para todos. De-
de e os mesmos direitos; portanto, é necessário eliminar vemos respeitar seus direitos de se expressar e de parti-
todas as formas de discriminação contra as crianças. cipar em todos os assuntos que lhes dizem respeito, de
acordo com sua idade e maturidade.
4. Cuidar de cada criança. As crianças devem ter o melhor
início de vida. Sua sobrevivência, proteção, crescimento 10. Proteger a Terra para as crianças. Devemos defender
e desenvolvimento com boa saúde e uma nutrição ade- nosso ambiente natural com sua diversidade biológica,
quada são as bases fundamentais do desenvolvimento sua beleza e seus recursos, tudo aquilo que melhora a
humano. Faremos um esforço conjunto para lutar contra qualidade de vida para as gerações atuais e futuras. Será
as doenças infecciosas, combater as principais causas da dada toda a assistência possível para proteger as crian-
desnutrição e criar as crianças em um meio seguro que ças e reduzir ao mínimo os impactos nelas provocados
lhes permita desfrutar de boa saúde, estar mentalmente pelos desastres naturais e pela degradação do meio am-
alerta, sentirem-se emocionalmente seguras e ser social- biente.
mente competentes e capazes de aprender.

186
Estatuto, entende-se por criança a etapa da pobreza e miséria e suas metas têm prazo
vida que vai até os 12 anos e adolescência de conclusão em 2015. A ONU já está promo-
até os 18 anos5. Em agosto de 2013, foi apro- vendo o debate do que tem sido chamado
vado o Estatuto da Juventude que define: “pós-2015”.
“Para os efeitos desta Lei, são consideradas
Os ODM dedicam especificamente à infân-
jovens as pessoas com idade entre 15 (quin-
cia, seis dos oito objetivos. Cada país assu-
ze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. Assim,
miu um conjunto de metas e o compromis-
o Brasil conta com uma legislação própria
so de alcançar essas metas em determina-
para atenção da infância, adolescência e
do período de tempo.
juventude.

O movimento de conscientização da impor-


tância da infância e dos cuidados de que Primeiro objetivo
ela necessita inspiraram outras iniciativas
Objetivo nº 1 foi definido como: “Acabar
de proteção. A ONU, ao unir os esforços dos
com a Fome e com a Miséria”. A miséria foi
países membros em apoio ao cuidado com 10
medida pelo percentual de pessoas com
as crianças, apresentou em 2002 o docu-
renda inferior a um dólar per capita por
mento “Um mundo para as crianças”, apro-
dia. O resultado previsto era reduzir para
vado numa Assembleia geral exclusivamen-
menos da metade esse número em relação
te dedicada ao tema da infância. (Um mun-
ao percentual de 1990. Em termos de metas
do para as crianças: princípios). O texto do
pactuadas, já em 2002, o Brasil conseguiu
documento estabelece metas compatíveis
alcançar uma importante redução da fome
com outro grande momento de atuação
e da miséria. Depois, em 2007 o Brasil por
da ONU: a criação dos Objetivos do Milênio
conta própria se colocou outra meta, mais
(ODM), conjunto de oito metas aprovadas
ambiciosa: reduzir a ¼ do percentual de
por todos os países que integram as Na-
1990. Esta nova meta também já foi atingi-
ções Unidas. Os Objetivos do Milênio são
da em 2008.
um instrumento mundial para enfrentar a
No Brasil, os indicadores referentes à por-
5 “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta
Lei, a pessoa até doze anos de idade, incompletos, e
centagem de crianças com menos de cinco
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. anos de idade abaixo do peso e desnutrição

187
de crianças com menos de um ano de idade sentado maior crescimento dentre as famí- conclusão do ensino médio, além de ter ain-
também já alcançaram a meta. Dados do lias pertencentes ao grupo dos 20% mais da um grande número de crianças e jovens
Ministério da Saúde apontam que as áreas pobres da população. fora da escola.
que ainda mantêm índices maiores são a
Por outro lado, o déficit de altura se con- Um dos desafios que os sistemas educacio-
Região Norte, o Semiárido na Região Nor-
centra nas camadas com maior incidência nais devem enfrentar com vigor é o precon-
deste e comunidades quilombolas e indíge-
de pobreza e principalmente na Região ceito existente contra as crianças pobres
nas. A desnutrição e as demais deficiências
Norte. Os déficits de altura e aumentos de que frequentam a escola. Há diversos e
em termos nutricionais estão diretamente
peso indicam situações de desequilíbrio repetidos relatos de atitudes de discrimi-
relacionadas à situação de pobreza, tanto
que colocam em risco a saúde atual e futu- nação e de estigmas contra as crianças po-
no tocante à falta, quanto no tipo e quali-
ra de nossas crianças. Se antes o desafio era bres, afetando sua autoestima e sua capaci-
dade do alimento. dade de aprender. Há relatos que apontam
a desnutrição, hoje ainda permanecem bol-
A redução da fome tem sido bem sucedi- sões de pobreza e miséria onde o alimento o racismo como uma das formas de estig-
da, mas há um fenômeno que vem aumen- não está assegurado, mas cresce em toda a matizar essas crianças e jovens e em mui-
tando no Brasil e nos países em desenvol- população a situação de uma alimentação tos casos ocorre o que se chama de profe-
vimento: a obesidade e o excesso de peso inadequada que traz graves consequências cias que se autorrealizam: logo nos primei-
de crianças e jovens. O número de crianças para o cotidiano da infância. ros dias de aula, são apontadas as crianças
entre cinco e nove anos acima do peso vem que terão dificuldades de aprendizagem
aumentando – em movimento inverso ao e são candidatas à reprovação7. A falta de
comportamento do déficit da altura (um Segundo objetivo confiança nessas crianças faz com que haja
dos indicadores de desnutrição)6. O mes- pouco investimento pedagógico no seu
O segundo Objetivo de Desenvolvimento do
mo aumento de peso se verifica para crian- aprendizado e a profecia se concretiza: as
Milênio propõe “Educação Básica de Quali-
ças e adolescentes entre 10 e 18 anos, com crianças são reprovadas, aumentado as fu-
dade para Todos”. Vamos examinar adiante
maior evidência para os meninos e para os turas estatísticas de abandono escolar. Ze-
com mais detalhe os níveis de educação
adolescentes de classes de maior renda. O lar pelo direito de aprender de todos e de
alcançados, de acordo com perfis de renda. cada uma de nossas crianças, adolescentes
aumento de peso entre crianças de cinco a Em linhas gerais, o país tem avançado na
nove anos de idade tem sido percebido em e jovens é uma recomendação que tem sido
escolarização de crianças e adolescentes, reiterada pelo Fundo das Nações Unidas
diferentes classes de renda, mas tem apre- mas ainda enfrenta imensos desafios para para a Infância (United Nations Children’s
6 Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do
garantir o acesso à educação infantil, a qua-
IBGE. lidade da educação para todos, o acesso e a 7 Ver o estudo de Paula Lozano, 2013.

188
Fund – Unicef), a agência da ONU que tem dos: a taxa de mortalidade infantil foi redu- nhuma consulta pré-natal caiu de 4,7% para
como missão promover o direito de crian- zida, no período entre 2000 e 2010, naquele 1,8%. Em 2011, mais de 1,7 milhão de gestan-
ças, sua sobrevivência, desenvolvimento e ano o número de mortes de menores de um tes fizeram sete consultas antes do parto,
proteção. ano era de 29,7 por 1.000 nascidos vivos. Em o que é um bom indicador do sistema de
2010 a taxa chegou a 15,6 mortes para 1.000 atendimento. A meta a ser atingida em 2015
nascidos vivos, quando a meta para 2015 é o máximo de 35 óbitos maternos por 100
Terceiro objetivo era de 15,7. Já na faixa etária de crianças mil nascidos vivos, mas em 2010 tivemos o
menores de cinco anos, apesar da redução registro de 68,2 mortes, praticamente o do-
No Objetivo nº 3, que trata de “Igualdade bro do resultado esperado para o Objetivo
na taxa – de 32,8 em 2.000 para 18,6 por mil
entre os Sexos e Valorização da mulher”, nº 5.
nascidos vivos em 2010, o país ainda não
o país tem bons resultados na educação,
alcançou a meta de no máximo 17,9 óbitos O tema da saúde da gestante traz também
pois a inserção de meninas já está acima da
por mil nascidos vivos em 2015. a questão da gravidez das adolescentes, um
meta prevista. Hoje, as meninas e mulheres
são a maioria em todos os níveis de ensino. grande desafio dadas as consequências que
Como nosso Caderno apontou nos textos pode trazer para a vida dos pais, em particu-
Quinto objetivo lar para a mãe e a própria criança. Em 2010, 10
de março e de maio, as mulheres no Brasil
têm em média mais anos de estudos do que Com relação ao Objetivo nº 5 “Melhorar a quase 20% dos nascimentos no Brasil foram
os homens, mas ainda sofrem diferentes saúde das Gestantes”, o Brasil ainda não de mães menores de 18 anos. De acordo
discriminações no mundo profissional e na conseguiu atingir a meta prevista de redu- com relatórios internacionais, o acesso das
política. As mulheres, em média, recebem ção da razão da mortalidade materna. Os meninas grávidas ao tratamento pré-natal,
natal e pós-natal tem avançado de modo
rendimentos inferiores aos dos homens, Objetivos três, quatro e cinco estão rela-
expressivo no Brasil, mas é a própria gravi-
mesmo em trabalhos iguais, sua represen- cionados aos temas de gênero e à atenção
dez que preocupa. Como observou o diretor
tação nas instâncias de poder e decisão, que as meninas e as mulheres recebem na
executivo do Programa da ONU para as po-
como nos poderes legislativo e executivo, sociedade. A meta do objetivo de “melhorar
pulações, “a gravidez na adolescência não
ainda é muito pequena. a saúde das gestantes” era reduzir, no perí-
é o resultado de escolhas, mas da ausência
odo entre 1990 e 2015, em ¾ a mortalidade
delas e também de circunstâncias que vão
materna nas situações de parto.
além do controle das meninas”8.
Quarto objetivo
Os óbitos vêm diminuindo, as consultas no
8 Diretor executivo do Fundo de População das Nações
No Objetivo nº 4 “Reduzir a Mortalidade In- pré-natal são realizadas por mais mulheres Unidas (UNFPA), Babatunde Osotimehin, no lançamento
fantil”, o Brasil tem melhorado seus resulta- e a proporção de mães que não fizeram ne- do relatório “O Estado da População Mundial 2013”.

189
Sexto objetivo rio adequado – com destaque para as regi-
ões Norte e Nordeste e as áreas relativas ao
O 6º Objetivo do milênio é relativo ao com-
que o IBGE denomina “agrupamentos sub-
bate ao HIV/AIDS, a malária, tuberculose e
normais” (comunidades/favelas). O atendi-
outras doenças transmissíveis em função
mento domiciliar de coleta de lixo e a rede
de condições de cuidado pessoal e am-
elétrica tem melhor cobertura, mas ainda
biental. Com relação ao HIV/AIDS, malária
assim, a maioria dos que não são atendidos
e tuberculose, o país vem alcançando os
estão nas camadas com maior incidência
resultados esperados, mas a batalha con-
de pobreza.
tra a dengue ainda não foi vencida. Embo-
ra tenham diminuído os óbitos e os casos Não ter acesso a saneamento básico, à
graves, aumentou em 190% a incidência da água tratada, à coleta de lixo e à luz elétrica
dengue no país, comparando resultados de significa a violação de direitos da criança
2012 com os de 2013. Embora não haja da- enquanto sujeito desses direitos hoje. Além
dos precisos, são os grupos mais pobres e disso, poderá haver impactos significativos
as crianças que vivem em condições onde sobre a formação biológica dessas crianças,
prospera a dengue e que mais sofrem com afetando também a formação educacional
essa doença. e sua futura inserção no mundo do traba-
lho. Como vimos em nosso Caderno no mês
de julho, dedicado ao tema da moradia, são
Sétimo objetivo os grupos pobres da população – urbana e
rural – que mais sofrem com as restrições
O Objetivo de Desenvolvimento do Milênio ao acesso de condições ambientais dignas
7 se refere a questões relativas a “Garantir para se viver.
qualidade de vida e respeito ao meio am-
biente”. Neste Objetivo podem-se perceber As crianças e os jovens representam a
algumas dimensões importantes da po- maior parte entre as pessoas pobres e em
breza que mais afligem quem está na base condições de miséria. O IPEA apresentou
da distribuição de recursos. Ainda existem um estudo sobre o progresso das condi-
crianças vivendo em habitações sem aces- ções da infância em 2011, definindo a linha
so à água tratada e a esgotamento sanitá- de pobreza no valor de R$ 158,00 por pessoa

190
ao mês na família, o estudo demonstra que Legislação trabalhista para me- situação do trabalho infantil no mundo
no período de 2001 a 2011 houve a redução nores de 16 anos Segundo estimativas da Organização Interna-
em quase 15% de pessoas que viviam com cional do Trabalho (OIT) para os anos de 2000 a
No Brasil, a legislação proíbe menores de
recursos abaixo desse valor. Mas entre as 2012, publicadas no relatório “Medir o progres-
16 anos de serem empregados. A única ex- so na Luta contra o Trabalho Infantil”, existem
crianças e jovens a redução foi ainda maior:
ceção se dá no caso de adolescentes de 14 168 milhões de crianças e adolescentes entre
quase 22% na faixa etária de 0 a 4 anos.
e 15 anos que são empregados na condição cinco e 17 anos submetidas ao trabalho infantil
Houve redução expressiva também nas ou- de aprendizes, quando a atividade laboral e 85 milhões expostas a trabalho perigoso. Isso
tras faixas etárias, mas mesmo assim, os representa 10,6% e 5,4% das crianças e adoles-
faz parte de um contexto formativo. Os ado-
centes do mundo desta faixa etária, respec-
dados de 2011 revelam que é na faixa etária lescentes com idade entre 16 e 18 anos po- tivamente. Na América Latina e Caribe, estes
entre zero e 14 anos que está a maior pro- dem trabalhar desde que não seja à noite, números chegam a 12,5 milhões em trabalho
porção de pessoas pobres: em média, 21% em situação perigosa, insalubre, penosa ou escravo e 9,6 milhões em trabalho perigoso –
das pessoas desse grupo de idade estão em que o impeça de frequentar a escola. (situ- representando 8,8% e 6,8% das crianças e ado-
condições de pobreza, mesmo consideran- ação do trabalho infantil no mundo). Pelos lescentes, respectivamente. Segundo os dados
do os importantes avanços conquistados desse relatório da OIT, a incidência do trabalho
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
infantil é maior em países com maiores índices
neste início do século XXI. Cerceiam tam- Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE, ha- 10
de pobreza. Nesses países, o percentual de
bém o direito à cultura e ao lazer por parte via 3,5 milhões de crianças e adolescentes crianças e adolescentes submetidas ao traba-
das crianças. Brincar não é apenas uma ati- entre cinco e 17 anos de idade sujeitos ao lho infantil chega a representar 22,5% na faixa
vidade lúdica para horas vagas. Brincar faz trabalho infantil no ano de 2012. Isto repre- de 5 a 17 anos de idade. Para mais detalhes, ver:
parte de um conjunto de direitos que estes senta 8,3% das crianças e adolescentes nes- http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/
sujeitos possuem, podem e devem exercer gender/doc/relatoriotiporset13_1085.pdf )
ta faixa etária no Brasil. Destes, 81 mil são
hoje. Muitas dessas crianças e jovens aca- crianças com idade entre cinco e nove anos
bam se envolvendo em atividades incom- e 473 mil têm entre 10 e 13 anos, os demais
patíveis com a infância, como o trabalho estão com idade entre 14 e 17 anos.
infantil.
A maior parte dessas crianças e adoles-
centes é composta de meninos. O número
de 2012 é muito elevado, mas no início da
década de 90 o trabalho infantil alcançava
mais de oito milhões de crianças. Grande
parte do problema está relacionada com

191
a pobreza das famílias. O IBGE fez um cál- dizagem ou auxiliar no sustento da famí- criança ou o adolescente são levados a pra-
culo do rendimento mensal domiciliar por lia, dado que ela faz parte tanto da família ticar isso em um ambiente onde é mantida
pessoa nas famílias onde ocorria o trabalho quanto dos gastos para subsistência. Isso em semiescravidão, outras vezes, o alicia-
infantil. Este ficou estimado em R$ 512,00 é mais frequente em situações em que os dor se vale de pressão psicológica ou até de
em 2012. Já nas famílias onde as crianças de pais mantêm atividades profissionais que envolvimento emocional ou sexual com a
cinco a 17 anos não trabalhavam, este ren- dependem de aprendizagem não formal. criança ou adolescente.
dimento foi estimado em R$ 547,00. O IBGE Isso se aplica tanto para o campo, relativo,
As situações elencadas acima demandam
também estimou o tempo de trabalho, que por exemplo, aos saberes de um pescador
um posicionamento de toda a sociedade
representava, em média, 27,5 horas de tra- ou agricultor, quanto para as cidades e até
para garantir os processos formativos das
balho por semana. A maioria das crianças grandes metrópoles, onde a inserção das
crianças e adolescentes. A educação, como
que trabalhavam, estavam submetidas a crianças nos pequenos negócios – bares,
vimos, tem sido a resposta que as socieda-
atividades agrícolas – chegando a atingir restaurantes, salão de cabelo, etc. – dá-se
des oferecem para romper a transmissão
60,2% das crianças e adolescentes de cinco desde muito cedo, quando os pais são pro-
das condições pobreza entre as gerações,
a 13 anos de idade submetidas ao trabalho prietários e lá trabalham. Contudo, a le-
gerar mais justiça social e melhores condi-
infantil9. Porém, cabe frisar que muitas ve- gislação é clara quanto aos impedimentos
ções de vida. Com educação de qualidade
zes o trabalho doméstico em situação de- relativos a atividades trabalhistas que pre-
toda a sociedade ganha, pois as pessoas
gradante não aparece em toda sua dimen- judiquem a escolarização ou o desenvolvi-
mais educadas têm melhores condições
são nas estatísticas. mento físico, psíquico e moral da criança.
de zelar por sua saúde e de seus familiares,
Há situações em que o trabalho infantil não Dentre as formas mais degradantes de são cidadãos mais conscientes de seus di-
está diretamente ligado à pobreza. Em di- trabalho infantil está a exploração sexual reitos e responsabilidades, ficam mais bem
versos ambientes sociais existe a compre- da criança e do adolescente. Não pode ser informados sobre um conjunto de assuntos
ensão de que as crianças devem ajudar no denominada como “prostituição infantil”, que têm impacto para a sociedade, como as
trabalho doméstico como forma de apren- pois as crianças não tomam esta decisão questões ambientais, os debates políticos e
por si só, pelo contrário, são aliciadas por os compromissos da cidadania.
9 Para maiores detalhes, ver o Mapa do Trabalho terceiros, que por vezes se valem de uma
Infantil que o IBGE disponibiliza em sua página: http://
censo2010.ibge.gov.br/apps/trabalhoinfantil/ Este mapa situação de pobreza da família ou do pró-
é baseado nos dados do Censo Demográfico de 2010. prio adolescente. As privações oriundas da
Ver também o suplemento da PNAD em 2006: Aspectos
Complementares de Educação, Afazeres Domésticos pobreza estão diretamente relacionadas
e Trabalho Infantil, em: http://www.ibge.gov.br/home/ com a vulnerabilidade ao aliciamento para
estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/
suplementos/afazeres/default.shtm exploração sexual comercial. Por vezes, a

192
Relações entre pobreza e Os grupos sociais transmitem entre si e
educação entre gerações diferentes tipos de conhe-
cimentos, desde aqueles ligados à vida co-
Quanto mais cedo se iniciar a participação munitária como também ao trabalho e à or-
em processos educativos adequados à idade ganização de atividades culturais e esporti-
das crianças, maiores chances elas terão de vas. A cada dia, a educação não formal ga-
ter um percurso escolar regular e com isso nha maior importância, visto que os meios
concluir níveis cada vez mais avançados de de acesso à comunicação, à informação e
escolaridade. Portanto, um modo de exami- à cultura se ampliam para todas as classes
nar as relações entre pobreza e educação sociais. A UNESCO tem afirmado que a edu-
é saber se os pobres têm tido seu direito à cação que precisamos desenvolver e forta-
educação, realizado pelo acesso à escola lecer é a educação ao longo da vida, que se
e se a educação tem qualidade necessária inicia com a educação escolar e prossegue,
pra atender as expectativas da sociedade. por diversos meios. A educação não formal,
Em outras palavras, o país tem tido êxito em embora nem sempre identificada como
oferecer educação como uma resposta para processo educativo, permeia as atividades 10
superar as condições de pobreza? cotidianas de todos os grupos da sociedade
e deve ser vista como complementar à edu-
É importante lembrar que quando falamos
cação escolar. A articulação entre a educa-
de educação não estamos falando apenas
ção informal e a educação formal tem pro-
de escola. O acesso de todas as crianças,
duzido maior integração das crianças nas
jovens e adultos à escola é um direito fun-
escolas com a valorização de sua herança
damental. Além da educação escolar, há a
cultural e melhores resultados na aprendi-
educação não formal, processos de apren-
zagem escolar.
dizados que se dão em diferentes espaços,
sem adotar metodologias de currículos ou A educação escolar brasileira é dividida em
a sequência dos conhecimentos, mas igual- dois grandes blocos: a educação básica e a
mente fundamentais para o aprendizado educação superior. A básica compreende
ao longo da vida, como o fortalecimento três níveis: educação infantil (de zero a cin-
dos vínculos com as atividades de cultura, co anos), que se subdivide em duas etapas:
participação política e formação cidadã. creche, atendendo à idade de zero a três

193
anos, a pré-escola, de quatro e cinco anos. ção é ainda uma herança entre gerações,
Dos seis aos 14 anos está previsto que as pois filhos de pais escolarizados costu-
crianças e adolescentes cursem o ensino mam ter bons resultados escolares.
fundamental. Por fim, o terceiro nível da
Esse é um dos grandes desafios brasileiros,
educação básica é o ensino médio, que cor-
pois como os mais pobres tiveram poucas
responde idealmente à faixa etária de 15
oportunidades educacionais, têm baixa
aos 17 anos. A educação superior correspon-
CRIANÇAS FORA DA ESCOLA escolaridade e uma experiência escolar de
de, também idealmente, à faixa etária dos
18 aos 24 anos. Usamos a expressão “ideal- fracasso e exclusão. É necessário romper a
355.600
mente” porque nem todos os estudantes herança da pobreza, superar o abandono
1.539.811 escolar e garantir a frequência e o apren-
375.177 têm um percurso regular que mantenha, ao
longo da vida escolar, essa correlação entre dizado. O país deve conseguir que todas as
idade e série. Na prática, o Brasil ainda man- crianças, adolescentes e jovens, de todas as
tém elevadas taxas de reprovação, que re- classes sociais, de todas as cores e raças e
tardam o percurso escolar, em especial das de todas as regiões, rurais ou urbanas, te-
crianças e jovens dos grupos mais pobres. nham educação de qualidade, completem
1.419.981 os níveis de ensino dentro de prazos razo-
A partir do ano de 2016, a educação es- áveis e, principalmente, que aprendam o
População de 4 e 5 anos
colar será obrigatória para a faixa etária necessário para cumprir o que a Constitui-
fora da escola dos quatro aos 17 anos. Isto significa que ção Federal atribui à educação: “o pleno de-
População de 6 a 10 anos os estados e municípios têm a responsa- senvolvimento da pessoa, seu preparo para
fora da escola bilidade de garantir as vagas e as famílias
População de 11 a 14 anos
o exercício da cidadania e sua qualificação
a de levar as crianças, adolescentes e jo-
fora da escola para o trabalho”10.
vens à escola. A participação das famílias
População de 15 a 17 anos
fora da escola é fundamental para que as crianças, ado- O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
lescentes e jovens frequentem a escola e Educacionais Anísio Teixeira – INEP – publi-
Fonte: Maria Salete Silva, Unicef. tenham bom aproveitamento. As pesqui-
10 Artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito
sas educacionais demonstram que existe de todos e dever do Estado e da família, será promovida
alta correlação entre a escolaridade dos e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
pais e os resultados de aprendizagem dos para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
estudantes. Em outras palavras, a educa- trabalho.”

194
ca anualmente os dados do Censo Escolar Jovens, estudo e trabalho:
da Educação Básica. Em 2012, o Brasil tinha “Em 2012, 9,6 milhões de jovens de 15 a 29 anos de idade (um em cada cinco) não frequentava
50 milhões de estudantes na educação bá- escola e não trabalhava na semana de referência, sendo a maioria do sexo feminino (70,3%).
sica, sendo 42 milhões nas redes públicas, Entre essas mulheres, 58,4% tinham pelo menos um filho, sendo esta proporção crescente com
composta por escolas federais, de estados a idade: 30,0% entre aquelas com 15 a 17 anos de idade, 51,6% na faixa de 18 a 24 anos e 74,1%
e municípios e oito milhões em escolas pri- daquelas de 25 a 29 anos de idade. No grupo de 15 a 17 anos, a proporção dos jovens que não
estudavam nem trabalhavam foi de 9,4%. Essa incidência foi de 23,4% entre aqueles com 18 a
vadas. Desse modo, a rede pública brasilei-
24 anos, e de 21,3% na faixa de 25 e 29 anos. Entre os que não trabalham nem estudam, 10,2%
ra atende a mais de 83% dos estudantes, tinham de 15 a 17 anos, 54,6% tinham entre 18 e 24 anos e 35,2% de 25 a 29 anos. Entre as pesso-
enquanto a rede privada atende a, apro- as de 15 a 17 anos de idade que não frequentavam escola e não trabalhavam, 56,7% não tinham
ximadamente, 16%. São 44 milhões de es- ensino fundamental completo, sendo que com essa idade já deveriam estar cursando o ensino
tudantes em áreas urbanas e seis milhões médio. Entre as pessoas de 18 a 24 anos, que já deveriam ter ao menos o ensino médio comple-
em áreas rurais. São números que impres- to, somente 47,4% das que não trabalhavam e não estudavam tinham completado este nível
de ensino, enquanto 52,6% tinham até o ensino médio incompleto. Das pessoas de 25 a 29 anos
sionam, maiores do que a população de
de idade que não trabalhavam e não estudavam, 51,5% tinham até ensino médio incompleto,
muitos países do mundo. Atender com qua- 39,2% tinham ensino médio completo e apenas 9,3% tinham ensino superior incompleto ou
lidade e equidade a toda essa população es- completo”.
tudantil exige muitos esforços das famílias, Fonte: SIS 2013, IBGE
10
do Estado e de toda a sociedade.

O ingresso de crianças na creche está pre-


visto na Constituição, mas ainda hoje ape-
nas 21% das crianças de zero a três anos
frequentam a creche. Ou seja, uma em
cada cinco crianças estava na creche. É
preciso analisar como os mais pobres es-
tão exercendo esse direito. Se dividirmos
o total da população em cinco grupos de
acordo com seus níveis de renda, vamos
ter uma gradação de renda entre 1º quin-
til formado pelo grupo mais pobre e o 5º
quintil formado pelo grupo mais rico. Um
modo de avaliar a equidade da educação é

195
examinar como cada quintil está atendido desigualdades permanecem: enquanto no crianças ia à escola e quase uma em cada
em seu direito educacional. No caso da cre- quintil mais rico mais de 90% das crianças três foram obrigadas a repetir o ano, o que
che, quando olhamos a participação por ní- estavam atendidas, no quintil mais pobre representa um processo de exclusão sem jus-
vel de renda, as desigualdades saltam aos pouco mais de 71% das crianças frequenta- tificativa. Uma criança de sete anos só não
olhos. O IBGE fez um estudo considerando vam a pré-escola. Essas diferenças são mui- aprende o que não lhe for ensinado e sua re-
o atendimento às crianças de dois e três to importantes de serem observadas, pois provação já anuncia um comportamento que
anos: no 1º quintil, o mais pobre, apenas revelam desigualdades que vão se apro- ainda marca os sistemas de ensino no Brasil:
21,9% das crianças estavam frequentando fundar ao longo do percurso escolar e as a inclusão excludente, em que a criança che-
creches, enquanto nas famílias do 5º quin- crianças mais pobres, das áreas rurais e es- ga à escola, mas por não atender a exigências
til, o mais rico, 63% das crianças frequenta- pecialmente na região norte, serão as mais nem sempre adequadas, é excluída e, o mais
vam a creche. prejudicadas pela falta de oportunidades grave, responsabilizada por sua própria ex-
em sua fase inicial de escolarização. Além clusão. Os números da reprovação no Brasil
Na faixa etária de quatro e cinco anos, que do mais, é preciso lembrar que a população vêm melhorando de forma significativa, mas
integra a pré-escola e que será obrigatória a brasileira de quatro e cinco anos é compos- a reprovação ainda afasta milhares de crian-
partir de 2016, a proporção de atendimento ta por mais de 5,6 milhões de crianças e se o ças, adolescentes e jovens das escolas.
é bem melhor: 78% das crianças frequentam sistema educacional está atendendo a 78%,
a pré-escola, mas há grandes desigualda- O resultado da cultura da reprovação esco-
significa que mais de um milhão de crianças
des tanto entre regiões, como entre níveis lar é a elevação da distorção idade/série, ou
estão fora da escola nesta faixa etária.
de renda e localização, rural ou urbana. En- seja, crianças que vão ficando retidas en-
quanto na região Norte o atendimento era No ensino fundamental, o Brasil alcançou a quanto seus colegas de turma seguem o per-
de 63%, no Nordeste alcançava 84%, melhor universalização da oferta, com 29,7 milhões curso. No Brasil, em 2012, 16% dos estudan-
do que as demais regiões, pois o Sudeste ti- de matrículas. O número é um pouco supe- tes dos primeiros anos do ensino fundamen-
nha 82%, o Sul 71% e o Centro-Oeste 70%. A rior ao da população na faixa etária de seis a tal já tinham sofrido reprovação e estavam
14 anos porque ainda existe um importante dois anos ou mais com atraso em relação
desigualdade também se manifesta quando
fator de retenção dos alunos dadas as ain- aos seus colegas da turma inicial. Nos anos
examinamos a localização da moradia das
da elevadas taxas de reprovação no ensino finais, a taxa de distorção subia para 28% e
crianças: na área rural, 66,7% das crianças
fundamental. Para se ter uma ideia, em 2005 no ensino médio chegava a 31%. Isso signi-
frequentavam a pré-escola, enquanto na
haviam sido reprovadas 29,1% das crianças fica que os sistemas de ensino acabam por
área urbana o número ultrapassa os 80%.
de sete anos de idade, na época, o primeiro penalizar as crianças, adolescentes e jovens
Quando examinamos o exercício desse di- ano do ensino fundamental obrigatório. Era, que enfrentam mais dificuldades na vida es-
reito considerando os níveis de renda, as portanto, o primeiro ano que a maioria das colar, seja por desinteresse, falta de preparo,

196
falta de apoio familiar, demanda por ingres- xa escolaridade aumenta as dificuldades a 50%. Outra desigualdade chama a atenção:
sar no mercado de trabalho e muitas outras de colocação profissional, as alternativas trata-se da diferença de gênero no percurso
razões. Todas elas, no entanto, deveriam ser de emprego são piores e são grandes os escolar. As meninas têm-se mantido por mais
razões para maior investimento em quem riscos desses jovens, em sua maioria das
tempo na escola e quase 60% delas, nessa fai-
mais precisa, pois a educação é um direito classes mais pobres, repetirem o ciclo da
das crianças, adolescentes e jovens. xa etária, já estão no ensino médio, enquanto
herança da pobreza e transmitirem esse
ciclo para a nova geração que virá. para os homens a proporção é inferior a 50%.
É entre os jovens que a educação brasileira
vive um de seus maiores desafios. O ensi- Segundo estudos, os rapazes são pressiona-
A frequência à escola nessa faixa etária não é
no médio idealmente atende aos jovens dos a buscar seu sustento e ajudar suas famí-
a mesma para diferentes grupos da socieda-
de 15 a 17 anos, que no Brasil são aproxi- de: enquanto quase 63% dos jovens de 15 a lias o que os leva a entrar mais cedo no mer-
madamente 10,5 milhões de pessoas. Em cado de trabalho e nem sempre conseguem
17 anos brancos já estavam no ensino médio,
2012, apenas 8,3 milhões dos jovens dessa
entre os jovens negros essa taxa era inferior conciliar estudo e trabalho.
faixa etária frequentavam a escola. O ide-
al, como vimos, é que estivessem no ensino
Atividade dos jovens de 15 a 29 anos
médio, mas dado histórico de reprovações, Em %, por grupo de idade 10
apenas 54% desses jovens frequentavam
Somente estuda Trabalha e estuda Somente trabalha Não trabalha nem estuda
o ensino médio, enquanto 28% estavam
ainda no ensino fundamental e 15,8% não 65.4 67.5
frequentavam nenhuma escola. Em outras
palavras, 1,5 milhão de jovens de 15 a 17
estava fora da escola em 2012, um índice 45.2 47.3

altamente preocupante, pois em dez anos


a frequência à escola cresceu apenas 2,7
pontos, passando de 81,5% em 2002 para 21.6 23.4
21.3
19.6 18.8
84,2% em 2012. 14.5 14.8
13.6
9.4 8.3
O abandono da vida escolar antes da con- 6.5
2.9
clusão dos níveis da educação básica é um
fato que tem consequências importantes 15 a 29 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos
para a vida adulta de nossos jovens. A bai- Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por amostra de domicílios 2012

197
Juventude e percurso escolar 30% deles permanecem frequentando re-
gularmente alguma instituição de ensino.
O percurso escolar dos estudantes vai so- Entre os que frequentam, uma pequena
frendo sucessivas retenções, que afetam parte está no ensino fundamental (5,8%) e
principalmente os mais pobres. Aos seis outra parte (33,8%) frequenta o ensino mé-
anos, praticamente todos estão na cor- dio. Do total de jovens de 18 a 24 anos no
relação idade/anos de escolaridade ade- Brasil, apenas 15,1% estão no nível superior,
Crianças e jovens fora da escola:
quados: a taxa no Brasil é de 95,4%. Aos 12 como seria esperado para a maior parte.
dados do UNICEF apresentados no
seminário Internacional “Por que anos de idade, quase um em cada quatro Mas ao examinarmos quem são os jovens
pobreza?” Canal Futura 2013 estudantes já sofre atraso no percurso: são dessa faixa etária que frequentam facul-
76% os que estão com anos de escolaridade dades e universidades, revelam-se novos
As faixas de 4 a 5 anos e 15 a 17 anos são
críticas. No caso de 15 a 17 é mais angustian-
adequados à idade. Aos 16 anos, a adequa- números da desigualdade brasileira: 22,1%
te porque quem está na escola não está no ção é de 62,7% e aos 19 anos, a taxa alcança dos jovens brancos e 9,6% dos jovens pre-
Ensino Médio, onde deveria estar. seu nível mais baixo: menos da metade dos tos e pardos alcançaram o nível superior.
estudantes (48,7%) estão na adequada cor- São dois problemas a desafiar o país: baixa
Os dados que temos hoje são:
relação idade/anos de escolaridade. Ideal- proporção de jovens e elevada desigualda-
• Há 3,7 milhões de crianças e adolescentes mente, aos 19 anos, todos os estudantes de-
de 4 a 17 anos (faixa de ensino obrigatório)
de no acesso à educação superior.
veriam ter concluído o ensino médio e boa
fora da escola no Brasil; A oferta de vagas em cursos de educação
parte deveria já estar cursando ou a educa-
• 8,8 milhões de alunos das séries iniciais e ção profissional ou a educação superior. técnica e profissional tem crescido de modo
finais do Ensino Fundamental encontram-se expressivo, inclusive pela expansão da rede
em risco de exclusão por estarem com idade Esse processo de perda de estudantes ao federal de escolas técnicas, atualmente de-
superior à recomendada para a série que longo do percurso escolar tem sido deno- nominados Institutos Federais. Somada à
frequentam; minado, equivocadamente, de abandono oferta das redes estaduais de educação téc-
• 25% das crianças de 12 anos não termina- escolar. Muitos pesquisadores perguntam nica e profissional, o setor público contou
ram o Ensino Fundamental; quem abandonou quem: se foram os estu- com quase 730 mil matrículas em 2012, en-
• 40% dos adolescentes de 16 anos não termi-
dantes que abandonaram a escola ou se quanto o setor privado oferecia pouco mais
naram o Ensino Fundamental; foram os sistemas de ensino que abando- de 630 mil. Os cursos de educação técnica e
naram os estudantes. Desse modo, entre profissional podem ser frequentados como
• 50% dos adolescentes de 19 anos não termi-
os jovens de 18 aos 24 anos a frequência à ensino médio integrado, concomitante ou
naram o Ensino Médio.
escola é bastante baixa no país: menos de subsequente, oferecendo inúmeras alternati-

198
vas de carreiras que abrem caminhos para o social, cor ou localização são iniciativas De modo geral, os estudos sobre motivação
ingresso qualificado no mercado de trabalho. que beneficiam toda a sociedade. A educa- do abandono e da evasão escolar sinalizam
ção técnica profissional tem sido um des- perda de significado da escola para um de-
Ainda hoje no Brasil existe o preconceito
ses caminhos pouco valorizados, mas que terminado grupo social11. Alguns adoles-
contra os cursos técnicos de nível médio,
se encontra em franca expansão, criando centes estão com dificuldades de enxergar
como se fosse natural que a população
novas oportunidades para muitos jovens. o espaço escolar como ambiente relevante
rica se destinasse às universidades e os
para sua vida. Existe um grande contin-
pobres deveriam se contentar com o cur- Quando examinamos a frequência à esco- gente de adolescentes e jovens que nem
so técnico. Esse preconceito está enraiza- la de jovens da faixa etária de 18 a 24 anos estuda, nem trabalha, nem está procuran-
do numa sociedade de passado recente de acordo com os níveis de renda, um do emprego (Jovens, estudo e trabalho).
escravagista, cujo trabalho manual e pró- modo de avaliar o impacto desses suces- Seja por razões relacionadas à oferta local,
ximo da produção era destinado à mão de sivos obstáculos no percurso escolar é ve- seja por uma concepção de futuro em que
obra escrava, cabendo aos filhos das fa- rificar qual a proporção de pessoas nessa a educação formal não é percebida como
mílias abastadas a formação bachareles- faixa etária que alcançaram 11 anos de es- diferencial, esses adolescentes precisam
ca, de preferência em instituições estran- tudo, o que equivale à conclusão da edu- ser ouvidos. Criar canais de comunicação
geiras. As muitas mudanças no mundo cação básica. Entre os jovens do 1º quintil com aqueles que ainda estão dentro do am- 10
do trabalho e da escola ainda não foram de renda, o mais pobre, mais da metade biente escolar e buscar ativamente os que
suficientes para que os cursos técnicos (53,8%) não tinham 11 anos de estudo em estão fora da escola é de responsabilidade
sejam valorizados como devem ser para 2012. Para o 5º quintil, o mais rico, apenas da instituição escolar, mas também implica
uma sociedade que precisa inserir jovens 10,2% não haviam completado essa eta- um comprometimento de toda a sociedade
de modo qualificado no setor produtivo. pa. O denominado abandono escolar pre- para com o futuro destes sujeitos, que so-
coce atinge fortemente a população mais frem de antemão pela violação de um direi-
O preconceito ignora que o talento, a capa-
pobre e traz implicações para toda a so- to básico.
cidade criativa e a curiosidade não nascem
de acordo com as classes sociais, mas estão ciedade, pois resulta em pessoas menos A questão que se coloca é: como motivar
amplamente distribuídos em toda a socie- conscientes de seus direitos, populações um adolescente ou um jovem a retomar
dade. Ampliar as oportunidades de forma- com menor preparo para a participação o estudo em um mesmo contexto que se
ção, criar novos trajetos e caminhos para na vida cidadã e no mercado de trabalho. tornou tão pouco atrativo a ponto de ele
a inclusão educacional e profissional, esti- O resultado é uma sociedade com baixo
11 “O Tempo de Permanência na Escola e as Motivações
mular e promover talentos e capacidades grau de escolaridade e alto nível de desi- dos Sem-Escola” Marcelo Neri (coord.). Rio de Janeiro:
para além das restrições de classe, origem gualdade no acesso à educação. FGV/IBRE, CPS, 2009.

199
9ª Conferência nacional dos direitos de crianças e adolescentes; abandoná-lo? Como transformar a escola a
ocorreu em Brasília em junho de 2012, com participação de delegados adolescentes. tal ponto que atraia quem está fora e man-
A matéria é da Agência Jovem.
tenha quem dentro está? Qual seria o papel
Foram quatro dias de muita discussão, 1) Promoção dos Direitos de Crianças e Adoles- do professor nesse processo? Qual seria o
elaboração de propostas e votações. A princí- centes;  papel dos demais atores envolvidos com a
pio, nada diferente do processo de uma con- escola (diretores, secretarias de educação,
2) Proteção e Defesa dos Direitos;
ferência. Mas bastava circular entre as quase pais, conselheiros tutelares, etc.)? Essas co-
três mil pessoas que estavam em Brasília (DF), 3) Protagonismo e Participação de Crianças e locações exigem reflexão e respostas ade-
entre os dias 11 e 14 de julho (de 2012), para ver Adolescentes;
que o ambiente da 9ª Conferência Nacional quadas a cada realidade local.
dos Direitos da Criança e do Adolescente era  4) Controle Social da Efetivação dos Direitos;
A escolaridade média da população de 25
diferente. Entre os delegados eleitos pelos  5) Gestão da Política Nacional dos Direitos
Estados, mais de 800 eram adolescentes de 12 anos ou mais é um indicador da democra-
Humanos de Crianças e Adolescentes.
a 18 anos que ajudaram a construir propostas tização dos sistemas de ensino. O Brasil de-
que embasarão a Política Nacional e o Plano Neste ano, o objetivo geral da Conferência era morou muito a alcançar a universalização
Decenal dos Direitos da Criança e do Adoles- mobilizar grupos que constituem o sistema da educação básica. Assim, a população
cente. de garantia de direitos e a população em geral
adulta tem poucos anos de estudo o que
para implementação e monitoramento da
A Conferência foi construída com cinco política e do plano. traz consequências para as crianças e jo-
eixos estratégicos:  vens que hoje, filhos dessa geração pouco
As propostas aprovadas na Conferência po-
escolarizada, frequentam a escola.
dem ser conferidas no documento em PDF, ge-
rado ao clicar neste link: http://www.agencia- Nos últimos anos tem aumentado a escola-
jovem.org/wp/wp-content/uploads/2012/07/
ridade da população mais pobre para o gru-
PLENÁRIA-GERAL-APROVADAS-20072012.pdf
po de 25 anos ou mais de idade. Em 2002,
os mais pobres tinham apenas 3,3 anos de
estudo, enquanto os mais ricos tinham a
média de 9,7 anos de estudo. Passados 10
anos, em 2012, o mesmo grupo dos mais
pobres alcançou 5,2 anos em média, en-
quanto os mais ricos tinham 10,7. Observe
que o crescimento do grupo mais pobre foi
bastante significativo, mas o resultado em

200
2012 é ainda inferior ao que foi a média do verifica-se uma crescente redução de ma- sua oferta para os modos como as pessoas
país em 2002, de 6,1 anos de estudo em mé- trículas, chegando, em alguns estados, a podem ser atendidas. A orientação que o
dia para a população de 25 anos ou mais. uma redução de mais de 40% das vagas. Brasil segue é a de incluir as pessoas com
deficiência nas turmas regulares de ensino
Um desafio que ainda persiste no sistema A Constituição Federal é muito clara ao afir-
e financiar atividades complementares para
educacional brasileiro é a alfabetização de mar o direito à educação básica por todos
aqueles que necessitam de maior apoio
jovens e adultos. A taxa de analfabetismo os cidadãos e cidadãs. Diz artigo 208: “O
educacional.
no Brasil em 2012 era de 8,7%, mas desigual- dever do Estado com a educação será efe-
mente distribuída entre regiões, grupos de tivado mediante a garantia de: I - educação A política de inclusão das pessoas com de-
raça e cor, localizações e faixas de renda. En- básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) ficiência em turmas regulares obedece ao
tre as pessoas que integram o grupo do 1º aos 17 (dezessete) anos de idade, assegura- princípio de que a convivência educa tanto
quintil de renda, os mais pobres, a taxa de da inclusive sua oferta gratuita para todos as pessoas com deficiência como os demais.
analfabetismo é de 15%. Na região Nordes- os que a ela não tiveram acesso na idade Todos aprendem uns com os outros, apren-
te, é de 17,4%, o dobro da média nacional. A própria”. O conceito de “idade própria” dem a conviver, a não discriminar, a lidar e
população preta ou parda também tem taxa tem sido discutido por muitos educadores: aceitar diferenças, a respeitar as fragilida-
superior à população de cor branca: 11,8% sempre é tempo de aprender, inclusive por- des e valorizar a força de cada um. 10
dos negros são analfabetos. O analfabetis- que o desafio colocado para as sociedades
As redes públicas de ensino têm demons-
mo está mais concentrado nas faixas etárias contemporâneas é o aprendizado ao longo
trado grande empenho em promover a
da vida e, nesse sentido, não há idade que
mais elevadas: acima de 65 anos de idade, educação inclusiva e os bons resultados
não seja própria. Mas o importante do tex-
praticamente um em cada quatro idosos aparecem nos números de matrículas: das
to constitucional é determinar a “oferta
são analfabetos (27,2%). 820 mil matrículas de pessoas com defici-
gratuita para todos”, o que cria um direito
ência, 640 mil estavam nas redes públicas,
É preocupante que nesse cenário de baixa a ser reivindicado pelos cidadãos.
sendo 580 mil em classes comuns. Por outro
escolaridade para as populações adultas,
Se a educação é um direito de todos, deve al- lado, o sistema de financiamento prevê que
as matrículas na educação de jovens e
cançar também as pessoas com deficiência. esses estudantes tenham suas matrículas
adultos (EJA) venham declinando em anos
Há diversos tipos de deficiência que afetam computadas em dobro: parte dos recursos
recentes. Apesar da inovação que deter- públicos vai para as redes públicas e a ou-
as pessoas, ou por razões genéticas, ou por
minou o financiamento da educação de tra parte para as instituições especializadas
acidentes, traumas no nascimento, doenças
jovens e adultos em padrões semelhantes e muitos outros motivos. A educação deve que atendem os alunos no contra turno da
aos da educação dita regular, desde 2007 ser acessível a todas as pessoas e adaptar rede regular.

201
O papel dos professores no uma referência salarial satisfatória, sem tem sido o fator responsável pelas altera-
processo educacional perspectiva de carreira, muitos estudiosos ções que melhoram significativamente a
avaliam que o Brasil precisará de mais pro- proposta original, como por exemplo a des-
Como tratamos no início desse texto, o mês fessores do que será capaz de inserir nas tinação de 10% do PIB para educação no
de outubro é lembrado como o dia dos pro- vagas disponíveis. Hoje já existe enorme final do período de 10 anos. Mais recursos,
fessores e nada mais justo do que dedicar carência de profissionais do magistério nas mais participação da sociedade, melhores
a eles nossa atenção. No Brasil são mais de áreas de física, química, biologia e matemá- condições de formação e trabalho para os
dois milhões de professores que atendem tica para o ensino médio. A educação, para profissionais da educação, melhores salá-
aos 50 milhões de estudantes da educação cumprir sua missão emancipatória, neces- rios, melhores instalações, mais tempo na
básica. Mais de 78% dos professores do Bra- sita de profissionais formados, comprome- escola, mais atenção e valorização da diver-
sil têm formação de nível superior e outros tidos e valorizados por sua função social e sidade cultural, são avanços que o país pre-
400 mil, em 2012, estavam cursando esse ní- o país terá que fazer um esforço especial cisa para que a educação possa ser o cami-
vel de ensino, além de ministrarem aulas na para cumprir esse objetivo. nho seguro da superação da pobreza, pois,
educação infantil e no ensino fundamental. como disse o educador Paulo Freire, “a edu-
Já foi dito que a qualidade da educação de- Os objetivos da educação nacional estão
cação sozinha não transforma a sociedade,
pende diretamente da qualidade dos pro- expressos no Plano Nacional de Educação.
sem ela tampouco a sociedade muda”. E é
fessores e a qualidade dos professores é (Educação Integral) A primeira edição do
preciso que a sociedade mude.
função de um amplo conjunto de fatores: PNE cobriu o período de 2001 a 2010, o pla-
formação inicial, processos de seleção, re- no era bastante extenso em seus diagnósti-
muneração, carreira, formação continuada, cos e metas, apenas parte delas cumpridas.
avaliação e reconhecimento da sociedade. O segundo plano incorporou um elemento
que para muitos foi a razão do insucesso do
A situação dos professores, como profissão,
primeiro PNE: uma fonte clara de financia-
no Brasil ainda não alcançou os níveis dese-
mento e metas passiveis de verificação. O
jados de formação, remuneração e carreira.
novo plano conta com 21 metas e foi pensa-
A lei 11.738, aprovada em 2008, instituiu o
do para ser acompanhado pela sociedade.
piso salarial nacional para os professores.
No entanto, ainda não tem sua vigência De fato, a participação das organizações
plena em todos os estados e municípios e da sociedade civil, desde a apresentação
sofre contestação na justiça por parte de do projeto de Lei para o Plano, enviado em
governadores de diferentes partidos. Sem dezembro de 2010 ao Congresso Nacional,

202
Educação integral
A oferta de educação em tempo integral é, segundo especia- De acordo com o Censo Escolar 2010, mais de 1,3 milhão de
listas, uma estratégia fundamental para quebrar o círculo alunos matriculados no Ensino Fundamental recebem edu-
vicioso da pobreza e reduzir a desigualdade social. Ela fa- cação em tempo integral, a maior parte deles (cerca de 95%)
vorece o desenvolvimento das crianças ao propiciar mais na rede pública de ensino. Outros 1,7 milhão de estudantes
oportunidades de aprendizado, de ampliação do seu reper- dessa etapa de ensino participam de algum tipo de atividade
tório cultural e de aquisição de informações diversas, prin- complementar – desse total, se somado o tempo em ativida-
cipalmente em regiões de vulnerabilidade social, por meio des complementares com o de escolarização, quase 850 mil
do aumento de jornada, com atividades desenvolvidas na podem ser considerados alunos em tempo integral. Outras ini-
escola ou em outros espaços, por professores ou por educa- ciativas do MEC no sentido de fortalecer o papel da escola na
dores sociais, envolvendo também a família e a comunidade comunidade e na rede de proteção às crianças e aos adoles-
na educação das crianças. centes, principalmente em regiões mais carentes, contribuin-
do para a valorização da educação e a redução da violência,
Em 2007, o governo federal criou o programa Mais Educa-
são os programas Escola Aberta e Escola que Protege.
ção, que prevê a ampliação da jornada escolar para cerca
de sete horas diárias e a oferta de atividades educativas nas Fonte: Acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da
áreas de cultura, artes, esporte, lazer, cultura digital, comu- educação básica na idade certa – Direito de todas e de cada
nicação, direitos humanos, meio ambiente, saúde, ciências uma das crianças e dos adolescentes /Fundo das Nações Uni-
10
da natureza e economia, em diferentes territórios educati- das para a Infância. - Brasília: UNICEF, 2012.
vos. Para isso, estimula o estabelecimento de parcerias en-
Matrículas no Ensino Fundamental por Rede, segundo a Dura-
tre as redes públicas de ensino e clubes, parques, organiza-
ção do Tempo de Escolarização – Brasil – 2010-2012
ções sociais, museus, bibliotecas, cinemas e outros espaços
da comunidade. INEP: Censo Escolar da Educação Básica 2012, página 22

203
para saber mais
A seguir algumas indicações de textos e le- 2014/2013/Lei/L12852.htm obra conquistou o prêmio de melhor filme
gislação, filmes e documentos de referência do Festival de Veneza de 1999.
NOTA PÚBLICA sobre a participação de crian-
que podem contribuir para estudos e deba-
ças e adolescentes em manifestações públi- Vídeos do Futura
tes sobre o tema criança.
cas no Brasil. CONANDA/SDH/Presidência da Veja no caderno de textos a lista completa
Links República. 2013. http://www.sdh.gov.br/no- dos filmes, sinopses e tempo de duração,
Convenção sobre os Direitos da Criança. ticias/2013/novembro/nota-publica-sobre-a assim como com qual mês eles conversam.
UNICEF. 1989. http://www.unicef.org/brazil/ -participacao-de-criancas-e-adolescentes-em
Documentos de referência:
pt/resources_10120.htm -manifestacoes-publicas-no-brasil
GADOTTI, Moacir. A questão da educação
DECRETO No 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO Filmes formal/não formal. In: Droit à l’éducation:
DE 1990. Promulga a Convenção sobre os Di- Entre os Muros da Escola, filme de Laurent solution à tous les problèmes ou problème
reitos da Criança no Brasil. http://www.pla- Cantet. França, 2008. Sinopse: François Ma- sans solution? Institut International des
nalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/ rin é professor de francês para a 7ª série de Droits de L’enfant (IDE), Sion (Suisse), 18 au
D99710.htm uma escola parisiense. Durante o ano le- 22 octobre 2005.
tivo, ele terá de enfrentar muitos desafios
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. IBGE: SIS 2013.
para ensinar essa turma que tem alunos de
LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. http:// Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
origens diversas.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Educacionais Anísio Teixeira. Censo da edu-
Nenhum a menos, filme de Zhang Yimou. cação básica: 2012 – resumo técnico. Brasí-
“Construindo a Política Nacional dos Direi-
China, 1999. Sinopse: o filme revela as con- lia: Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-
tos Humanos de Crianças e Adolescentes
dições da educação na zona rural chinesa. O sas Educacionais Anísio Teixeira, 2013.
e o Plano Decenal dos Direitos Humanos
diretor flagra uma escola primária em esta-
de Crianças e Adolescentes 2011 – 2020” LOZANO, Paula. Fracasso escolar e desigual-
do precário, na remota aldeia de Shuiquan,
CONANDA/SDH/Presidência da República. dade no Ensino Fundamental. In: De olho
na qual os recursos são tão reduzidos que
Outubro de 2010. http://portal.mj.gov.br/ nas metas 2012. Todos pela Educação, São
seu titular, Gao, é obrigado a reservar um
sedh/conanda/Politica%20e%20Plano%20 Paulo, Moderna, 2013, p. 114 a 125.
giz para cada dia letivo. Protagonizado por
Decenal%20consulta%20publica%2013%20
atores amadores, com as falas, principal- Priore, Mary Del. História das crianças no
de%20outubro.pdf
mente as infantis, improvisadas, realça o Brasil. São Paulo: Contexto, 1999
Lei 12.852: Estatuto da juventude: http:// realismo do enredo. O resultado é tão cria-
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- tivo, rico e transbordante de emoção, que a

204
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: entrevista e debate Tipo de atividade: entrevista e debate
des complementares, individuais ou cole-
Objetivo: dar voz às crianças Objetivo: ouvir os professores sobre os sis-
tivas, associadas às questões apresentadas
temas de avaliação escolar
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que O item 9 da Convenção sobre os Direitos da
seja útil para sua prática e para mobilizar e Criança proclama que devemos ouvir as 1ª etapa: convide os participantes para as-
exercitar o pensamento crítico. crianças e assegurar sua participação. sistir e debater a entrevista que Antonio
Góes fez com Chico Soares sobre as avalia-
Tipo de atividade: competição. Divida os participantes em pequenos gru-
ções aplicadas nas escolas e como podem
pos conforme o número.
Objetivo: conhecer os grupos de alimentos ajudar a melhorar o ensino.
e suas funções para o corpo. 1ª etapa: cada grupo selecionará um profes-
2ª etapa: peça aos participantes que, em du-
sor para ser entrevistado. O tema da entre-
1a etapa: os alunos devem realizar uma pes- pla, elaborem um questionário para entre-
vista será: como a escola ouve as crianças?
quisa na internet sobre os grupos em que vistar professores da rede pública e privada
Qual seria o seu papel como professor para
os alimentos podem ser divididos: energé- do ensino fundamental sobre as avaliações
dar voz às crianças? Que sugestão daria?
ticos – que fornecem energia para o corpo de rendimento escolar que são aplicadas
(pão, macarrão, óleo, doces etc.), construto- 2ª etapa: os grupos elegerão das entrevistas na sua escola. As perguntas devem girar em 10
res – que fornecem proteína, ferro e cálcio as sugestões mais interessantes e as lista- torno: da avaliação das questões, da aplica-
(leite, iogurte, carnes etc.), e reguladores – rão em um cartaz a ser afixado na parede da ção, do que os professores consideram que
que fornecem vitaminas, minerais e fibras escola. deve ser alterado, etc.
(frutas, legumes e verduras).
3ª etapa: os participantes deixarão à vista 3ª etapa: com o grupo novamente reunido
2a etapa: na cantina, os alunos devem colo- uma urna para que a comunidade escolar peça que leiam suas entrevistas focando
car os alimentos em sacolas diferentes, de coloque outras sugestões que depois pode- nas respostas que acharam mais relevan-
acordo com o grupo a que eles se referem. rão ser acrescidas ao cartaz. tes. Debata.
Os alunos têm um tempo para realizar a ta-
4ª etapa: de posse das sugestões o grupo
refa. Cada acerto vale um ponto, cada erro
deverá promover uma discussão com a co-
perde dois pontos. O grupo com mais pon-
munidade escolar para decidir quais dedas
tos vence o jogo.
sugestões será implementada.

205
novembro

República,
consciência negra
“A educação é a arma mais poderosa que
você pode usar para mudar o mundo.”
Nelson Mandela
novembro
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

11
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

05 Dia da ciência | 14 Dia Nacional da Alfabetização | 15 Proclamação da República


16 Dia Internacional da Tolerância | 17 Dia da Criatividade | 19 Dia da Bandeira
20 Dia Nacional da Consciência Negra
Cadê o povo? No mês de novembro, comemoramos a Pro- desagradado parte das elites da cafeicultu-
“Por ora, a cor do governo é puramente clamação da República no Brasil, fruto de ra de Minas e de São Paulo, que dependiam
militar e deverá ser assim. O fato foi um golpe do qual participaram parte das da mão de obra escrava para manter seus
deles, deles só porque a colaboração do elites políticas, econômicas e militares, des- padrões de produção e acumulação de ri-
elemento civil foi quase nula. O povo contentes com os rumos que o país ganha- quezas. No entanto, mesmo as elites que
assistiu àquilo tudo bestializado, atônito,
va sob o comando do Imperador D. Pedro II. se uniram para apoiar o movimento militar
surpreso, sem conhecer o que signifi-
cava. Muitos acreditaram seriamente
Como diz um cronista da época, a popula- alimentavam tensões e contradições entre
estar vendo uma parada!” - afirmação de ção assistiu atônita, sem entender o que se elas. A implementação de um sistema re-
Aristides Lobo, no Diário Popular de São passava (Cadê o povo?). O golpe militar de publicano federativo e presidencialista en-
Paulo, após a Proclamação da República 15 de novembro de 1889 depôs o Imperador frentou muitos percalços durante o final do
do Brasil em 18 de novembro de 1889. e pôs fim ao Império. Ainda hoje a persona- século XIX e no próprio século XX. (Fases da
lidade e os valores do Imperador deposto República)
chamam a atenção: acompanhava os avan-
ços da ciência de sua época, defendia a O regime republicano prevê a separação
educação pública, garantiu a liberdade de entre a Igreja e o Estado, a realização de
Fases da República eleições regulares para o mais elevado car-
imprensa mesmo sofrendo ataques duros e
A República no Brasil, nascida de um constantes, conseguiu, a ferro e fogo, man- go da nação, a introdução do casamento
golpe de estado, sofreu vários outros ao ter a unidade territorial do Brasil e, embora civil, entre outras inovações. No entanto,
longo de sua existência. Cada período a república nascente ao aprovar o voto di-
seja apontado como abolicionista, tardou
republicano foi encerrado com um golpe
muito a banir a escravidão. A república nas- reto para maiores de 21 anos, excluía des-
militar, exceto na sucessão à ditadura
militar, quando o novo presidente foi cente vinha amadurecendo desde o inicio se direito as mulheres, os analfabetos, os
eleito pelo voto indireto, apesar da inten- do século XIX. mendigos, soldados e religiosos sob voto
sa mobilização popular pelas Diretas Já de obediência. (A participação eleitoral no
(1983 e 1984). Antes de 1889, haviam ocorrido diversas
brasil) A República já nasceu minoritária.
revoltas no Brasil que tinham a intenção
República Velha (1889 – 1930)
de criar repúblicas – mas poucas tinham a Talvez a inovação mais importante e mais
Era Vargas (1930-1945) proposta clara para, por exemplo, libertar difícil de ser alcançada diz respeito a uma
República Populista (1945-1964) os escravos, realizar uma reforma agrária atitude de todos e de cada um dos cidadãos:
e reconhecer a igualdade de todos os cida- a palavra república quer dizer “res-publica”,
Ditadura Militar (1964-1985)
dãos e cidadãs diante da Lei. A abolição da que em latim significa “coisa pública”. A
Nova República (1985-hoje) escravatura no ano anterior, em 1888, havia vida republicana quer significar que todos

208
somos responsáveis, não existe mais uma administrar os interesses públicos. No Bra- o voto dos analfabetos
figura que por hereditariedade ou dom divi- sil, o Chefe de Estado também acumula as “O artigo 14 da Carta que “a soberania po-
no possa estar acima dos demais cidadãos, responsabilidades sobre o poder executivo, pular será exercida pelo sufrágio universal
como ocorre nos regimes monárquicos. ou seja, ele também é Chefe de Governo. e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos”. E estabelece que o alistamento
Influenciados pela filosofia positivista de OBS.: Na década de 90 houve um plebis- eleitoral e o voto são obrigatórios para os
Augusto Comte, os republicanos, muitos de- cito no Brasil para saber se a população maiores de 18 anos e facultativos para os
les associados a lojas maçônicas, elegeram preferiria presidencialismo, parlamenta- analfabetos, os maiores de 70 anos e os
maiores de 16 e menores de 18 anos.” Na
a nova bandeira e seu lema: “Ordem e Pro- rismo ou monarquia constitucional. Pre-
verdade, embora a constituição do Império
gresso”. A fonte de inspiração desse lema valeceu o primeiro. tivesse permitido o voto dos analfabetos,
é a religião positivista que afirma: “o amor a Lei Saraiva, de 1881, retirou essa possibi-
Democracia no sistema republi-
por princípio, a ordem por base e o progres- lidade quando criou o “censo literário” que
cano exigia do eleitor saber ler e escrever. Esse
so por meta”, expressando os ideais de uma
direito só foi restituído 104 anos depois,
sociedade justa, fraterna e progressista. O sistema republicano funciona por meio
quando promulgada a emenda constitu-
Até hoje muitos se perguntam por que não do equilíbrio entre os três poderes: legisla- cional de 15 de maio de 1985. Fonte: http://
foi incluído o amor, terceira palavra de or- tivo, executivo e judiciário. Durante muito www.tse.jus.br/noticias-tse/2013/Abril/ 11
dem que constava do lema positivista. tempo, o acesso a papéis nesses poderes serie-inclusao-a-luta-dos-analfabetos-para-
esteve restrito às elites econômica e po- garantir-seu-direito-ao-voto-na-republica
O termo república designa uma estrutura
lítica, mantendo à margem das decisões
de poder político cujo governo é formado
dos interesses nacionais o imenso contin-
por um chefe escolhido por eleições diretas
gente de brasileiros e brasileiras que não
ou indiretas, sem imposição por heredita-
preenchiam requisitos necessários ao que
riedade ou por direito divino. Do sentido
se entendia por cidadania (voto dos analfa-
inicial que o termo teve em latim “res-pu-
betos)
blica” acabou evoluindo para representar
a busca pelo bem comum, público. Em opo- Mesmo hoje, em pleno século XXI, a repre-
sição a regimes monárquicos, a república é sentação política não corresponde à com-
baseada na concepção de que todo poder posição da população. Embora o país tenha
emana do povo. Neste sentido, são reali- elegido pela primeira vez uma Presidenta,
zadas eleições para constituir o Chefe de em 2010, a presença de mulheres nos po-
Estado (Presidente da República), a fim de deres legislativo e executivo ainda é muito

209
baixa considerando-se a participação das forma de distribuição de cadeiras no parla- Essas unidades estão reunidas sob um
mulheres no conjunto da população brasi- mento brasileiro tem sofrido críticas, pois mesmo governo central, denominado Go-
leira. Do mesmo modo os negros, pessoas alguns estados argumentam que o peso do verno Federal e respondem a uma mesma
com deficiência, povos indígenas, as popu- voto de seus cidadãos, na prática, é menor legislação máxima, a Constituição Federal
lações do campo e das florestas não estão do que o de eleitores de estados menores1. do Brasil. Os Estados também contam com
presentes na vida pública brasileira de tal Constituições próprias que seguem as di-
No Senado são 81 cadeiras, cabendo três ca-
modo que ela represente proporcional- retrizes gerais da Constituição federal. Há
deiras a cada um dos 26 Estados e ao Distri-
mente o conjunto da população. na Constituição o que se chama de “cláu-
to Federal. O mandato dos senadores é de
Em função desses desafios, também tramita oito anos, mas a cada 4 anos há renovação sula pétrea”, que dizer princípios que não
no Congresso Nacional proposta relativa à de parte dos mandatos (1/3 ou 2/3), de tal podem ser alterados em hipótese nenhu-
participação de negros no parlamento. O de- modo que em cada eleição escolhemos um ma2.
bate da democracia representativa nos dias ou dois senadores. Em um país marcado Apesar das autonomias garantidas pela
de hoje procura encontrar modos de expres- por desigualdades regionais, como garantir Constituição, ainda há enormes dispari-
sar a diversidade nacional na pluralidade mecanismo de representação que promova dades entre as Unidades da Federação no
de partidos existentes, nos cargos de poder o adequado atendimento de cada região tocante a indicadores sociais. Essas dispari-
e em formas de participação mais amplas, sem reforçar desigualdades e, consequen- dades também se refletem na distribuição
como Conselhos de controle social, audiên- temente, reforçar os mecanismos de repro- dos recursos arrecadados mediante siste-
cias públicas e Conferências temáticas. dução da pobreza? ma tributário. A estrutura de cobrança e de
Na organização da República Brasileira, o No tocante à Federação, o Brasil está di- (re)distribuição dos recursos arrecadados
legislativo tem estrutura bicameral: a Câ- vidido em unidades com autonomia rela- pelo poder público no Brasil foi desenha-
mara dos Deputados procura refletir a dis- tiva de governo, denominadas “Estados”. da para tentar enfrentar as desigualdades
tribuição espacial da população brasileira, regionais, mas, na realidade, estão entre os
enquanto o Senado busca dar equilíbrio 1 “O número de cadeiras por estado é distribuído
componentes que, por vezes, ao invés de
conforme o número de habitantes por Estado, de acordo
ao relacionamento entre as Unidades da com a medição oficial feita pelo IBGE, através do Censo. contribuir para a redução, terminam por re-
Federação. Assim, na Câmara há 513 vagas Entretanto, essa proporcionalidade é limitada a um
forçar essas desigualdades.
mínimo de oito deputados e a um máximo de setenta
de deputados federais que são preenchi- deputados por estado. Essa  semiproporcionalidade  faz
das a cada quatro anos por eleições diretas com que  Roraima  seja representado por um deputado 2 São cláusulas pétreas definidas no artigo 60 da CF 1988:
para cada 51 mil habitantes e, no outro extremo,  São “A forma federativa de Estado; O voto direto, secreto,
e a quantidade de vagas para cada estado Paulo, seja representado por um deputado para cada 585 universal e periódico; A separação dos Poderes; Os
depende do número de habitantes. Essa mil habitantes”. Wikipedia. direitos e garantias individuais”.

210
A Constituição Federal vigente, aprovada A superação da pobreza e da marginaliza- FUNDEB
em 1988, ficou também conhecida como a ção de parte da sociedade está claramente Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Constituição Cidadã pela atenção que deu definida como um dos objetivos fundamen- Educação Básica (FUNDEB) é um conjunto de
à garantia dos direitos da cidadania após tais da nação. Hoje, passados mais de 25 fundos contábeis formado por recursos dos
um longo e doloroso período de ditadura anos da promulgação da Constituição, a si- três níveis da administração pública do Bra-
militar em que havia censura às artes e à tuação da pobreza e da miséria ainda desa- sil para promover o financiamento da educa-
ção básica pública. Os estados e municípios
cultura, restrições à liberdade de imprensa, fiam nossa República: dos 26 Estados mais
colaboram com 20% da sua receita proveniente
proibição de organização política e de ma- o Distrito Federal, apenas 12 apresentavam de impostos e transferências. Já a União a par-
nifestação, além de perseguição, tortura e proporções inferiores a 10% de sua popu- tir de 2010 aporta, no mínimo, 10% do total de
morte de opositores. Após ampla mobiliza- lação que vivem em condições de pobreza recursos do fundo para complementar fundos
ção popular e grande participação da socie- extrema. Santa Catarina, Distrito Federal e estaduais que não alcançaram um mínimo por
dade civil, a Constituição cidadã foi aprova- São Paulo estão entre os Estados que têm aluno/ ano definido legalmente. Tem a duração
de 14 anos (2007-2020), com o intuito de aten-
da, definindo em seu artigo 3º: os menores níveis de população extrema-
der os alunos da educação infantil, do ensino
mente pobre. Nos outros 15, a proporção fundamental e médio e da educação de jovens
“Art. 3.º  Constituem objetivos funda-
da população em condições de extrema po- e adultos.
mentais da República Federativa do Bra- 11
breza varia entre 11,9% e 26,3%. Maranhão,
sil: “O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
Piauí e Alagoas estão entre os Estados com da Educação Básica e de Valorização dos Pro-
I - construir uma sociedade livre, justa e maior incidência de pobreza extrema. O fissionais da Educação – Fundeb foi criado pela
solidária; mapa da pobreza no país revela que as uni- Emenda Constitucional nº 53/2006 e regula-
dades mais afetadas estão nas Regiões Nor- mentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto
II - garantir o desenvolvimento nacional; nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Ma-
te e Nordeste. A organização federativa da
nutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
III - erradicar a pobreza e a marginaliza- república não tem sido eficiente o bastante
mental e de Valorização do Magistério - Fundef,
ção e reduzir as desigualdades sociais e para dar cabo das desigualdades sociais e que vigorou de 1998 a 2006”. www.fnde.gov.br/
regionais; regionais, embora seja esse um de seus ob- financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao
jetivos fundamentais.
IV - promover o bem de todos, sem pre-
conceitos de origem, raça, sexo, cor, ida-
de e quaisquer outras formas de discri-
minação.”

211
SUS República e Constituição de para a continuidade dos estudos e para a
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a deno- 1988 qualidade da inserção desses sujeitos na
minação do sistema público de saúde brasi- sociedade.
leiro, considerado um dos maiores sistemas A organização da República segundo a
públicos de saúde do mundo, segundo infor- Constituição de 1988 provocou mudanças Um dos desafios que a República enfrenta
mações do Conselho Nacional de Saúde. Foi no poder central e estadual e também no para superar a pobreza e a miséria é o equi-
instituído pela Constituição Federal de 1988, papel dos municípios. A Constituição Fede- líbrio entre as unidades da federação, espe-
em seu artigo 196, como forma de efetivar o ral de 1988 reconhece os municípios como cialmente entre aquilo que podem arreca-
mandamento constitucional do direito à saúde dar como impostos e as obrigações que as-
“entes federados” que têm autonomia, sem
como um “direito de todos” e “dever do Estado”
subordinação política e administrativa aos sumem diante do conjunto da população e
e está regulado pela Lei nº. 8.080/1990, que ope-
racionaliza o atendimento público da saúde. estados em que estão situados e ainda ou- dos demais entes federados. Pensar em Re-
Com o advento do SUS, toda a população bra- torga aos municípios responsabilidades no pública, ou seja, na administração da “coisa
sileira passou a ter direito à saúde universal e tocante à promoção do bem-estar social. pública”, significa também ter sempre em
gratuita, financiada com recursos provenientes Com relação à pobreza, a municipalidade mente os papéis de cada ente federado e
dos orçamentos da União, dos Estados, do Dis- como o atendimento destes papéis pode
é responsável por uma série de serviços
trito Federal e dos Municípios, conforme rege
públicos relacionados a condições de vida contribuir para o enfrentamento ou para o
o artigo 195 da Constituição.
adequadas. recrudescimento da pobreza no Brasil.

Saneamento básico, acesso à energia elétri- Muitas vezes, a União, os Estados e os Mu-
ca e iluminação pública e, principalmente, nicípios firmam pactos para superar dimen-
educação, são de responsabilidade direta sões da pobreza, como ocorre no caso de
do município. No caso da educação, o papel políticas de saúde, de assistência social e
da municipalidade é a oferta de creche (zero de educação. Algumas dessas políticas cria-
SUAS a três anos), ensino fundamental e também ram um modo de gestão compartilhado,
educação de jovens e adultos. A educação como é o caso do Sistema Único de Saúde
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (SUS)( Sistema único da Saúde) e o Sistema
é o modelo de gestão utilizado no Brasil para
é fundamental para superar a pobreza e
garantir o pleno exercício da cidadania. Em Único de Assistência Social (SUAS).
operacionalizar as ações de assistência social.
O SUAS foi criado pelo Ministério do Desenvol- primeiro lugar, por se tratar de exercício de Já em educação, não existe um sistema
vimento Social e Combate à Fome a partir do direito de cidadão desta República Federa- único, mas um fundo para o qual contri-
previsto na lei federal nº 8.742, de sete de de- tiva, mas também pelo papel estratégico da
zembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência
buem a União, os Estados e os Municípios
educação infantil e do ensino fundamental – o FUNDEB. Este fundo, aprovado em 2006,
Social (LOAS).

212
começou a operar em 2007 e ampliou o fi- por aluno/ano. Os mais baixos valores es- grupo formado pelas outras declarações
nanciamento para todos os níveis da edu- tão nos estados mais pobres. Vale lembrar (indígena e amarela) representou 0,8% (1,6
cação básica, da creche ao ensino médio, que o valor mensal dos colégios particula- milhão). A maioria do Brasil é negra, soma de
incluindo a educação de jovens e adultos. A res mais caros do Sudeste é equivalente ao pretos e pardos. Quando se examina a popu-
participação da União cresceu, mas mesmo valor anual da rede pública. lação em condições de extrema pobreza, a
assim o FUNDEB mantém expressivas desi- proporção de negros alcança valores impres-
A mesma Constituição que elegeu a erradi-
gualdades regionais. sionantes. De acordo com relatório elabora-
cação da pobreza como um dos objetivos
do pelo Governo Brasileiro para o Conselho
Os valores adotados pelo FUNDEB para da República Federativa do Brasil, compro-
de Direitos Humanos das Nações Unidas,
cada estado do Brasil demonstram dimen- meteu-se, no mesmo artigo, a “promover o
utilizando dados do Censo de 2010, 8,5% da
sões da desigualdade. Para 2013, foi esta- bem de todos, sem preconceitos de origem,
população ainda vivem em situação de ex-
belecido o valor mínimo de R$ 2.221,73 por raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
trema pobreza. “Destes, 59% estão na região
ano para cada matrícula de aluno da rede formas de discriminação.” A promessa é ne-
Nordeste, 51% têm menos de 19 anos de ida-
pública nas séries iniciais do ensino funda- cessária, pois expressa o reconhecimento
de e 71% são negros (pretos e pardos)”3.
mental urbano. Os valores variam de acor- de um desafio a ser vencido, especialmente
do com a série dos estudantes, da creche ao o preconceito e a discriminação em função 11
ensino médio, incluindo a educação de jo- da cor e origem das pessoas. O longo perío-
Afrodescendentes na República
vens e adultos e a matrícula urbana das sé- do de escravidão que o Brasil viveu deixou
ries iniciais é o valor de referência. Quando marcas muito profundas e duradouras tan- A saga dos negros no Brasil atravessa um lon-
a soma dos impostos recolhidos pelo esta- to no imaginário nacional quanto no coti- go período de escravidão, iniciado logo após
do e seus municípios, dividido pelo número diano. a conquista no início do século XVI (1533) e se
de matrículas da rede pública não alcança estendendo até quase o final do século XIX
Ainda hoje a população negra, composta por (1888). Mais de trezentos anos de escravidão!
esse valor, o Governo Federal deve comple-
pretos e pardos, enfrenta preconceito e dis- A violência da escravidão se abateu sobre ho-
mentar, segundo está previsto na lei.
criminação, apesar de o racismo ser caracte- mens, mulheres e crianças, envolvendo des-
Nove estados receberam a complementa- rizado como crime inafiançável. O IBGE reali- de os castigos corporais e a tortura até o abu-
ção da União para alcançar esse valor mí- za periodicamente estudos sobre população so sexual e a humilhação. Os negros trazidos
nimo. Já outros quatro estados (RR, SP, AP e brasileira. Em 2012, com relação à declaração
ES), quando somam os impostos e dividem de cor ou raça, 46,2% da população (91,0 mi- 3 Segundo Relatório Nacional do Estado Brasileiro
apresentado no Mecanismo de Revisão Periódica
pelo número de matrículas na rede pública, lhões de pessoas) era branca; 45,0% parda Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações
alcançam valores superiores a R$ 3 mil reais (88,6 milhões) e 7,9% preta (15,6 milhões). O Unidas – 2012, página 5.

213
Muitas repúblicas da África vinham de diferentes povos, partici-
Revolução Pernambucana de 1817: dente. A luta pela independência ficou também pavam de diferentes sistemas de governo em
conhecida como Guerra dos Farrapos e durou suas nações, diferentes religiões e cultos.
A revolução Pernambucana de 1817 ficou tam-
de 1836 a 1845, uma das mais longas na história
bém conhecida como a “revolução dos padres” Os traficantes de escravos tinham o cuida-
brasileira. Um dos participantes na luta foi Giu-
pelo papel que nela desempenharam os reli- do de, ao chegar ao Brasil após longa via-
seppe Garibladi, mais tarde um dos heróis da
giosos católicos, entre eles frei Caneca, um dos gem pelo Atlântico, afastar os escravos da
unificação da Itália. O acordo de paz assinado
símbolos da revolução. O movimento teve início
entre o Império e os revoltosos em 1845 reco- mesma língua e cultura, evitando a comuni-
em 6 de março de 1817 e foi sufocado por tropas
nhecia a autoridade do Imperador D. Pedro II cação entre eles e diminuindo os riscos de
leais ao Rei que entraram em Recife em maio
e concedia a anistia, incorporando ao exército
daquele ano, sem encontrar resistências. revolta. A posse de escravos era um sinal de
brasileiro os que desejassem. O acordo também
poder e prestígio no Brasil, pois além de tra-
Os ideais da revolução eram a proclamação da favoreceu os criadores de gado da província,
que impuseram impostos elevados ao charque balhar na lavoura e na casa dos senhores,
República e convocação de uma Assembléia
Constituinte, a separação entre os poderes, a importado da Argentina e Uruguai, protegendo era também uma mercadoria que podia ser
manutenção do catolicismo como religião ofi- desse modo a produção local. comprada, vendida, alugada ou leiloada. Es-
cial, mas garantida a liberdade de culto de ou- tima-se que mais de três milhões de negros
tras religiões. Além dessas medidas, o movimen- foram trazidos da África ao longo de todo o
to proclamou a liberdade de imprensa, aboliu A República Baiana de 1837 período escravagista. Ao final, com a abo-
impostos e manteve a escravidão. Fracassaram
Coube ao médico e jornalista Francisco Sabino lição, ao invés de políticas que incluíssem
as tentativas de obter apoio das províncias
Vieira a liderança da revolta que conduziu à socialmente os negros e lhes garantissem
vizinhas e dos Estados Unidos, que se tornara
proclamação da República Baiana, decretada na a sobrevivência em condições humanas,
independente em 1776. Quatro revoltosos fo-
madrugada de 7 de novembro de 1837. Era uma
ram executados e os demais foram anistiados os esforços do último ano do Império e dos
república provisória, que seria mantida até a
um ano depois. anos iniciais da República voltaram-se para
maioridade do jovem D. Pedro II. A revolta, tam-
bém conhecida como Sabinada, dominou o a apaziguar e ressarcir de algum modo os se-
cidade de Salvador por 4 meses, mas sem contar nhores proprietários de escravos que alega-
A República Rio-grandense de 1836
com o apoio dos latifundiários e das camadas vam prejuízos com a abolição4. Os ressenti-
Iniciou-se em 1835 a Revolução Farroupilha, populares urbanas, foi duramente reprimida. mentos dos escravocratas tornaram-se uma
originada na Província de São Pedro do Rio Em março de 1838 a cidade de Salvador foi blo-
Grande contra o Império do Brasil. Em 1836, queada e mais de mil pessoas morreram nos
4 “Assim, na primeira matrícula de escravos encerrada em
após a vitória numa dura batalha contra as combates. Os líderes foram executados e re- 1872, havia sido registrados 1.600.000 escravos e na última
forças imperiais, o General Antonio de Sousa beldes submetidos a um tribunal tão cruel que matrícula geral de escravos encerrada em 30 de março
ficou conhecido como Júri de Sangue. de 1887, havia somente 720.000, uma queda de mais
Neto proclamou a República Rio-grandense e
de 50% no total de escravos, em 15 anos.” Fonte: http://
o General Bento Gonçalves foi aclamado presi- pt.wikipedia.org/wiki/Lei_%C3%81urea

214
justificativa para a derrubada do Império. trópicos têm sido expressões do preconcei-
Rendimento mensal familiar
O Brasil foi o último país independente das to que ignora as tradições e saberes que as
per capita segundo cor e
Américas a abolir a escravidão. populações negras traziam de suas cultu- raça, Brasil 2012.
ras de origem.
Foi e tem sido imensa a contribuição das O gráfico abaixo apresenta a dis-
populações negras à cultura e à civiliza- Os negros sempre foram discriminados no tribuição da população negra e
ção brasileira. O tráfico de escravos trazia Brasil Império. A condição de escravidão branca de acordo com o nível de
pessoas – homens, mulheres e crianças – lhes negava direitos fundamentais. A pro- renda mensal familiar per capita. O
1º décimo representa os 10% mais
de diferentes regiões do continente afri- clamação da República trouxe um novo
pobre da população e o 10º décimo
cano, oriundos de culturas, línguas e reli- arcabouço político e jurídico para o Brasil, representa os 10% de maior renda.
giões distintas. No Brasil, os negros escra- mas não representou significativa mudan- Observe que 14% dos negros estão
vizados foram durante séculos, a principal ça para a população negra, do ponto de entre os mais pobres e apenas
força de trabalho no campo e nas cidades, vista político e econômico. A abolição da 5,3% dos brancos. Isso significa que
nas ruas e nas casas e assim as culturas escravatura, ocorrida pouco tempo antes há quase três vezes mais pretos
e pardos pobres do que brancos,
negras fundiram-se com elementos euro- do fim do Império, não significou melhor
pois a população brasileira é prati-
peus e indígenas na formação de uma cul- inserção socioeconômica dos negros. As camente metade negra e metade 11
tura afro-brasileira. restrições ao acesso à educação e a condi- branca. Por outro lado, 15,9 dos
ção de pobreza assolavam a população re- brancos estão entre os de maior
Sua presença é notável na culinária, na
cém “liberta”. A questão do analfabetismo renda e apenas 4,8% dos pretos.
dança, na música, na religiosidade e na lín- (Fonte: IBGE: síntese das condições
continuava escandalosa – mais de 80% da
gua que falamos. Mas também os negros de vida 2013. Página 178)
população era analfabeta, sendo a grande
tiveram forte impacto na formação da civi-
maioria de negros. As condições de pobreza
lização: ao chegarem ao Brasil, em muitas Distribuição percentual da população residente, por cor ou raça, segundo
permaneceram na transição de um regime os décimos de rendimento mensal familiar per capita. Brasil 2012
regiões eram os negros os construtores, os %
formalmente reconhecido como de escra- 15.6
que conheciam os trabalhos com metais,
vidão, para uma inserção social subumana, 14.1
os curandeiros e médicos, apropriando-se 13.2
13.6
de escravidão não formalizada. 12.1 12.4
de sabedorias nativas e atualizando sabe- 11.6
11.3
10.7 10.2
res oriundos da própria África. Reduzir o A história dos negros no Brasil tem mo- 9.2 9.9
8.9
papel dos negros à função de escravos e mentos marcantes de manifestação polí- 7.6
8.2 7.9

desconhecer as contribuições que deram tica por outra sociedade, mais justa, mais 6.3 6.8

à formação da cultura e da civilização nos igualitária, realmente marcada pela fra- 5.3
Brancos Pretos ou pardos 4.8

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º
décimo décimo décimo décimo décimo décimo décimo décimo décimo décimo

215 Fonte:
Fonte: IBGE,
IBGE, Pesquisa
Pesquisa NacionalNacional
por Amostrapor Amostra2012
de Domicílios de Domicílios 2012
ternidade. A liberdade era um objetivo, pessoas, não apenas negros, mas também
um fim em si mesmo, mas também era um indígenas e outros fugitivos do sistema es-
meio de conquistar humanidade, em um cravagista.
sentido mais amplo. Ser livre para ser. A
O Quilombo resistiu a diversas guerras, con-
luta pela liberdade começou já nos navios
tra holandeses e portugueses, tendo sido
negreiros, onde muitos não se sujeitavam
destruído em 1694. No dia 20 de novembro
ao sistema escravo e se deixavam morrer,
de 1695 Zumbi foi capturado, morto, decapi-
como forma de protesto silencioso e elo-
tado e sua cabeça exposta em praça públi-
quente ao mesmo tempo.
ca do Recife. A fama de sua luta atravessou
A voz dos negros se fez ouvir nos cantos de séculos e o dia 20 de novembro tornou-se
resistência, nas danças, nas lutas, na arte e uma data de referência para homenagear
nas próprias propostas de organização po- a luta dos negros por liberdade e respeito.
lítica alternativa. Os Quilombos, tão com- Em muitos estados e cidades a data 20 de
batidos durante o Império, também mos- novembro tornou-se um feriado em torno
travam a possibilidade de outra sociedade, do qual se realiza a semana da Consciência
outra convivência, na qual a diversidade Negra5.
era reconhecida e valorizada. A pobreza de Passados mais de 120 anos da Proclama-
dinheiro não significava pobreza cultural. ção da República, a situação dos negros
Tampouco a situação de foragidos ofusca- mudou, mas ainda não alcançou o ideal de
va o estabelecimento de direitos e deveres igualdade prometido pela República a to-
aos participantes dos quilombos. dos os seus cidadãos. A condição de pobre-
Um dos Quilombos que representou a luta za ainda afeta a maioria da população de
dos negros foi o Quilombo dos Palmares, pretos e pardos no Brasil e em outros países
no atual estado de Alagoas, comandado da América onde houve o trabalho escravo.
pelo lendário Zumbi dos Palmares. Zumbi As situações são precárias e os indicadores
não é uma lenda, mas um personagem real mostram que os piores níveis, nas diversas
que lutou realmente. O Quilombo que lide- dimensões da pobreza, sempre marcam
rou foi criado em 1630, existiu por mais de 5 O dia 20 de novembro tornou-se feriado em 217
60 anos e consta que abrigou mais de 30 mil cidades, de 11 Estados do país.

216
Moradores Tradicionais da Comunidade Quilombola de
São Domingos - Paracatu MG
mais este grupo da população. A discrimi- composição da Câmara dos Deputados e no Escravidão e Educação
nação tem sido denunciada fortemente. Senado. A oferta de instrução primária gratuita aos ci-
Mas ainda existe a negação, pessoas e ins- dadãos no Brasil estava relacionada à concep-
tituições que argumentam não haver pre- ção de nação que marcava o momento de pós
conceito racial no Brasil e pretendem negar Educação e trabalho -independência. Uma das primeiras tentativas
a própria diferença. O mito da democracia de se impor no Brasil uma política nacional de
No acesso à educação e nos anos de esco- instrução se deu com a Constituição de 1824,
racial, apoiada na ideia de que no Brasil to-
laridade, os negros ainda são os que so- cujo artigo 197 determinava que nos povoa-
dos são fruto da “mistura das raças”, tem dos e vilas mais populosos fosse estabelecida
frem as maiores desigualdades. Embora
sido utilizado para negar a existência do uma escola para cada sexo, a fim de garantir a
os indicadores relativos ao analfabetismo
racismo e da discriminação. instrução elementar da população livre. A edu-
de jovens e adultos e anos de escolaridade cação no Brasil Império tinha como objetivo
As garantias constitucionais de igualdade média venham melhorando a cada ano, per- a difusão e a unificação da língua nacional, a
de acesso não têm sido adequadamente manece expressiva diferença em relação propagação da religião, o ensino da escrita, da
praticadas pelas instâncias públicas e pri- ao segmento da população que se declara leitura e de rudimentos de aritmética, além de
vadas. Este é um caso em que as políticas branca. uma moral correspondente à da nobreza e às
tradições do Império.
federais, estaduais, distrital e municipais 11
Segundo os dados do IBGE, de 1995 até 2011
não têm sido suficientes para romper as Em um movimento conservador, o governo
a escolaridade média aumentou no Brasil estabeleceu o Regulamento da Instrução Pri-
barreiras da desigualdade social. Além
tanto para brancos quanto para negros. Os mária e Secundária, de 17 de fevereiro de 1854,
disso, o próprio funcionamento do setor
brancos de 25 anos ou mais de idade passa- destinado a instituir práticas gerais sobre o
privado tem produzido e reforçado as dis-
ram de 6,2 anos de estudo em média, para ensino primário, obrigatório, e o secundário. O
paridades baseadas em preconceito con- documento estabelecia que o acesso às esco-
8,3 anos de estudo, que significa que em
tra negros. Isso se percebe desde a divisão las públicas fosse limitado à população livre e
média concluem o Ensino Fundamental.
racial da ocupação das profissões ditas vacinada, que não portasse moléstias contagio-
Enquanto os negros passaram de 3,9 anos sas. A presença de escravos era expressamente
de baixa escolaridade – portanto de baixa
de estudo para 6,4 anos de escolaridade. proibida nas escolas públicas. Desta forma, a
remuneração, na grande maioria – até na
escola pública ratificava a distinção fundamen-
composição do Congresso Nacional. Em um Ao final de mais de quinze anos, período
tal da sociedade imperial: a dos homens livres
país de maioria negra, a participação de ne- marcado pela Lei de Diretrizes e Bases da e dos escravos. Além dessa restrição, o Regula-
gros nos postos e cargos da vida política é Educação, pelo Plano Nacional de Educa- mento estabelecia um limite de idade para os
baixa, principalmente em cargos eletivos. ção, pelo FUNDEF e pela expansão da uni- alunos conforme os graus de ensino: cinco a
Isso tem variações por unidade da Federa- versalização do acesso à escola e pela am- 14 anos no ensino primário e 14 a 21 no ensino
ção, mas pode ser facilmente percebido na secundário.
pliação da oferta pública de ensino, todas

217
A participação eleitoral no Brasil essas iniciativas ainda foram insuficientes As desigualdades entre brancos e negros
“Por mais de cem anos (1882-1985) as leis para promover o nível de escolaridade con- também está presente no acesso à educa-
eleitorais (Império) e as Constituições (Repú- siderada “fundamental” pela Constituição ção superior. Informações do ano de 2012
blica) negaram o direito de voto aos que não de 1988. O grande problema é que a diferen- revelam que do total de estudantes bran-
soubessem ler e escrever. Apesar de decli- ça se mantém ao longo de todo o período e cos de 18 a 24 anos 66,6% frequentavam o
nante, o contingente de analfabetos na po- ensino superior, enquanto apenas 37,4%
a melhoria das médias de brancos e negros
pulação adulta brasileira sempre foi muito
não tem sido suficiente para diminuir a di- dos jovens estudantes pretos ou pardos es-
elevado. Os censos realizados no século XIX
(1872 e 1890) não calcularam o percentual de ferença entre elas. tavam nesse nível. Para termos uma dimen-
analfabetos sobre a população adulta, mas são da diferença, o que os jovens negros
somente para a população total. O acesso à educação revela dimensões da alcançaram em 2013 é ainda é menor do
desigualdade que ainda estrutura a socie- que os jovens brancos haviam alcançado
Os números são impressionantes: 84,2%
dade brasileira. Além de ser um direito, a 10 anos antes (43,4%)6.
de analfabetos em 1872 e 85,2% em 1890. A
partir de 1900, os censos passaram a apurar educação traz grandes consequências para
vida das pessoas, das comunidades e para A desigualdade racial continua sendo tra-
o contingente de adultos analfabetos. Nas
quatro primeiras décadas do século XX a sociedade como um todo. Um dos efeitos duzida em desigualdades econômicas, que
mais da metade dos adultos era analfabeta, mais visíveis da educação é a participação reforçam esses mecanismos reprodutores
com a taxa caindo muito pouco ao longo da pobreza. Por fim, é importante observar
no mercado de trabalho. Os anos de esco-
dos anos: 65% (1900), 65% (1920), 60% (1930), que essas diferenças se mantêm apesar de
56% (1940). Somente a partir da década de laridade têm impactos no mundo do traba-
um período em que já houve mudanças sig-
1950, o contingente de analfabetos passa a lho. As desigualdades na qualidade e nos
nificativas a partir da Constituição Cidadã e
ser inferior a 50% da população adulta: 48% anos de educação fortalecem os mecanis-
(1950), 39% (1960), 33% (1970), 26% (1980), de políticas de ação afirmativas – tais como
mos de produção e reprodução da pobreza.
20% (1991) e 13% (2000). Os efeitos desses melhoria do salário mínimo, expansão da
números são claros: como o contingente de Segundo dados do IBGE, uma pessoa sem oferta educacional, programas de cotas e
analfabetos na população adulta sempre instrução recebia em média o equivalente programas assistenciais e de complemen-
foi muito acentuado, provavelmente esse tação de renda. (Ações Afirmativas na edu-
a 15,4% do rendimento de uma pessoa com
tenha sido o principal obstáculo para a am-
superior completo no Brasil, em 2011. No cação). Como seria o cenário caso não hou-
pliação do eleitorado brasileiro”. In: A par-
ticipação eleitoral no Brasil. Jairo Nicolau caso de Ensino Fundamental incompleto, vesse estas medidas?
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio esse percentual era de 19,9%. Vale frisar que A renda média no Brasil realmente aumen-
de Janeiro (IUPERJ) In: University of Oxford a maioria do segmento sem instrução é com-
Centre for Brazilian Studies (Working Paper tou entre 1995 e 2011 para todos os grupos
posta por negros e que a escolaridade média
Series) CBS-26-2002, fevereiro de 2002.
dos negros era de 6,4 anos de estudo em 2011. 6 IBGE: síntese das condições de vida, 2013, p. 125.

218
raciais considerados pelo IBGE. Com a con- seja, os negros têm o dobro da taxa que a Ações afirmativas
tribuição de políticas universais em articu- população branca. Esses dados variam por Ações afirmativas são políticas focais que alocam
lação com políticas específicas para deter- Unidade da Federação, sendo mais precá- recursos em benefício de pessoas pertencentes a
minados grupos sociais, as diferenças entre rios nas Regiões Norte e Nordeste. grupos discriminados e vitimados pela exclusão
os rendimentos de brancos e negros dimi- sócio-econômica no passado ou no presente. Trata-
nuíram, mas ainda persistem. O rendimento Segundo os pesquisadores em educação, a se de medidas que têm como objetivo combater
médio dos brancos passou de R$ 640,40 para alfabetização das pessoas pode ser avalia- discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gêne-
da em diversos níveis, desde o analfabeto ro ou de casta, aumentando a participação de mi-
R$ 798,00 entre 1995 e 2011 (em valores re- norias no processo político, no acesso à educação,
ais de setembro de 2011), enquanto a renda absoluto, passando pelo analfabetismo
saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção
média recebida por negros saiu de R$ 367,80 funcional, alfabetismo básico e pleno. Es- social e/ou no reconhecimento cultural.
para R$ 586,10. Isto aponta para a necessida- sas categorias foram utilizadas para esta-
de de continuidade de políticas articuladas belecer o Indicador de Alfabetismo Funcio-
para contemplar o universal e o particular, nal (INAF), um estudo realizado por duas Entre as medidas que podemos classificar como
ações afirmativas podemos mencionar: incremen-
no tocante a segmentos não adequadamen- organizações não governamentais brasilei-
to da contratação e promoção de membros de
te atendidos de um ponto de vista republi- ras. Os dados do INAF mostram que cerca grupos discriminados no emprego e na educação
cano. (Rendimento mensal familiar per ca- de um terço dos negros eram analfabetos por via de metas, cotas, bônus ou fundos de estí-
11
pita segundo cor e raça, Brasil 2012) funcionais em 20117. Infelizmente a oferta mulo; bolsas de estudo; empréstimos e preferência
de EJA não tem se expandido para atender em contratos públicos; determinação de metas ou
Esses diferenciais de acesso, de permanên- cotas mínimas de participação na mídia, na políti-
essa demanda reprimida. Os dados do Cen-
cia e de conclusão dos níveis de escolarida- ca e outros âmbitos; reparações financeiras; distri-
so Escolar do INEP mostram claramente buição de terras e habitação; medidas de proteção
de entre brancos e negros e entre popula-
que há fechamento de turmas de EJA em a estilos de vida ameaçados; e políticas de valoriza-
ções das Unidades da Federação reforçam
a necessidade de se pensar uma Educação quase todas as Unidades da Federação. ção identitária.
Fonte: http://gemaa.iesp.uerj.br/index.php?option=com_
de Jovens e Adultos que realmente seja de- A diminuição da oferta de Educação de Jo- k2&view=item&layout=item&id=1&Itemid=217
mocrática e republicana. Deixamos a situ- vens e Adultos afeta principalmente a po-
ação da primeira República, marcada pelo pulação mais pobre que saiu da escola ou
analfabetismo massivo, majoritariamente dela foi expulsa e tem dificuldades de en-
de negros, e chegamos à segunda década
do século XXI com uma taxa de analfabetis- 7 Dados retirados do Informe sobre os principais
resultados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF)
mo de pessoas de 15 anos ou mais de 5,3% 2011, da Ação Educativa, do Instituto Paulo Montenegro e
para brancos e de 11,8% para negros – ou o IBOPE Inteligência.

219
contrar escolas para concluir seus estudos las relatam conflitos de natureza religiosa: médio, levando ainda em conta critérios de
e seguir estudando. A educação ao longo famílias de diferentes crenças acusam a renda e cor. A Lei de Cotas terá validade por
da vida tem-se tornado uma exigência da escola de propagar e promover as religiões 10 anos e abre uma nova janela de oportu-
sociedade contemporânea e aqueles que de matrizes africanas – umbanda, candom- nidades para a juventude que estuda em
foram excluídos anteriormente terão cada blé e outras – e não aceitam que seus filhos escolas públicas, para estudantes de baixa
dia mais dificuldades de participar dos acompanhem as aulas. Por outro lado, pa- renda, pretos, pardos e indígenas.
processos de aprendizagem, que se fazem rece que são poucas as instituições forma-
A conquista dos movimentos negros, que
na escola e fora dela. A garantia do direito doras de professores que mantêm a oferta
desde os anos 40 lutavam por políticas de
à educação independentemente da idade regular da disciplina para seus estudantes.
promoção da igualdade racial, demonstra
está escrita na Constituição Cidadã e é res- O mesmo racismo que a lei pretende com- uma das importantes características da
ponsabilidade dos três níveis de governo bater parece ser o grande obstáculo para República: a participação ativa dos cida-
da Federação. sua implantação. dãos organizados em associações, sindica-
Algumas das iniciativas atuais para o en- Outra iniciativa que despertou grande polê- tos, partidos ou outras formas coletivas de
frentamento do preconceito e da discrimi- mica foi a adoção de cotas para estudantes atuação política. A rigor, a participação da
nação contra a população negra ainda so- negros nas Instituições de Educação Su- sociedade civil não ocorreu de modo amplo
frem resistências: no caso da educação, em perior, especialmente as universidade pú- nas mudanças bruscas de sistema político
2003 foi aprovada a Lei 10.639, que determi- blicas e os institutos federais de educação vivido pelo Brasil nas transições do final do
na o ensino da história e da cultura africana profissional e tecnológica. A decisão unâni- século XIX e início do século XX. De modo
e afro-brasileira em todas as escolas, públi- me do Supremo Tribunal Federal, adotada geral, podem ser percebidos movimentos
cas e privadas, da educação básica. Após em abril de 2012, reconheceu a adoção de de elites e de grupos específicos ligados
10 anos de sua aprovação, as avaliações critérios raciais como legítima para regular direta ou indiretamente ao poder – seja ele
atuais identificam que a cada ano um nú- os processos de acesso à educação supe- político ou econômico.
mero maior de escolas e de redes de ensino rior de modo a contribuir com a redução
incorpora a temática, mas são iniciativas das desigualdades raciais.
que dependem fortemente do compromis-
so pessoal de professores e diretores. A partir desse reconhecimento, o Congres-
so Brasileiro aprovou a Lei 12.711/2012 que
As redes de ensino parecem resistir a apoiar determina a reserva de 50% das vagas das
a oferta regular de atividades que envol- Instituições Federais de Educação Superior
vam a cultura afro-brasileira. Algumas esco- a estudantes de escolas públicas de nível

220
A participação popular na “res- Há de se destacar que a Constituição Cidadã
publica” garantiu a participação da sociedade civil nos
espaços de controle, esferas conquistadas
Nos anos 30 do século XX, cresce de modo siste- para o acompanhamento da administração
mático e organizado a participação popular e a pública. Existem diversos conselhos (fiscais,
campanha pela nacionalização do Petróleo tal- de Direitos Humanos, de educação, saúde,
vez seja a marca mais reconhecida dessa atuação, orçamentários, etc.) nos quais está prevista a
brutalmente interrompida pela ditadura de 1964. participação da sociedade e também outros
Mas essa interrupção foi momentânea e mesmo espaços que se constituem em instâncias for-
sob a ditadura cresceu a organização popular e a mais ou informais, como associações de bair-
participação política buscou novas formas de ex- ros, movimentos sociais, sindicatos e partidos
pressão. Exemplos dessa luta são as conquistas políticos.
no campo da saúde na década de 80, as mobiliza-
ções pelo direito à educação pública e gratuita de As Conferências Nacionais ganharam impul-
qualidade e o movimento pelas Diretas Já. so no início do século XXI e elas representam
oportunidades para que a população apresen- 11
O enfrentamento da pobreza em suas múltiplas te suas críticas, propostas e faça o acompa-
dimensões depende também da maior participa- nhamento dos temas de interesse público. As Recibo de compra e venda de escravos. Rio de
Janeiro, 1851.
ção política dos sujeitos de direitos. O exercício eleições regulares não são o único momento
da cidadania, a participação no debate público, em que o cidadão é convocado a participar
a pressão pacífica e legítima sobre as institui- da vida pública, da condução da “res-publica”.
ções, a ocupação dos espaços de manifestação Organizada de diversas maneiras, em associa-
são fundamentais para a superação das condi- ções e grupos de pressão, ou mesmo nas for-
ções de pobreza. Essa maior participação políti- mas mais recentes como demonstraram asa
ca não diz respeito apenas ao momento de elei- manifestações de junho e julho de 2013 no
ção do cargo máximo de Chefe de Estado, mas Brasil, o essencial da República é que todos
deve estar presente também nas demais fases possam expressar suas expectativas e propos-
dos processos decisórios sobre a vida pública tas para que se cumpram as promessas grava-
e o bem comum, tanto na eleição dos represen- das na Constituição federal. Afinal, a vida em
tantes dos poderes executivo e legislativo, como sociedade, na República, é um bem comum
nas etapas de elaboração de leis e orçamentos. que interessa a todos.

221
para saber mais
Filmes Histórias Cruzadas de Tate Taylor. USA 2012. não deveria voar. Ao crescer Besouro recebe
Aqui você encontra as sinopses de alguns fil- Sinopse: Jackson, pequena cidade no estado a função de defender seu povo, combaten-
mes que fazem parte da filmografia sobre o do Mississipi, anos 60. Skeeter (Emma Stone) do a opressão e o preconceito existentes.
tema deste mês que vale a pena assistir. é uma garota da sociedade que retorna de-
Vídeos do Futura
terminada a se tornar escritora. Ela começa
Quanto vale ou é por quilo? de Sérgio Bian- Veja no caderno de textos a lista completa
a entrevistar as mulheres negras da cidade,
chi. Brasil 2005. Sinopse: adaptação livre dos vídeos, sinopses e tempo de duração,
que deixaram suas vidas para trabalhar na
para o conto “Pai contra Mãe”, de Macha- assim como sugestão de uso por tema/mês.
criação dos filhos da elite branca, da qual
do de Assis, o filme desenha um painel de
a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark Livros
duas épocas aparentemente distintas, mas,
(Viola Davis), a empregada da melhor amiga Capitães da Areia é um romance de autoria
no fundo, semelhantes na manutenção de
de Skeeter, é a primeira a conceder uma en- do escritor brasileiro Jorge Amado, publica-
uma perversa dinâmica socioeconômica,
trevista, o que desagrada a sociedade como do em 1937. O livro retrata a vida de um gru-
embalada pela corrupção impune, pela vio-
um todo.Apesar das críticas, Skeeter e Aibi- po de menores abandonados, chamados de
lência e pelas enormes diferenças sociais.
leen continuam trabalhando juntas e, aos “Capitães da Areia”, ambientado na cidade
No século XVIII, época da escravidão explí-
poucos, conseguem novas adesões. de Salvador dos anos 30.
cita, os capitães do mato caçavam negros
para vendê-los aos senhores de terra com Besouro de João Daniel Tikhomiroff. Bra- Documentos de referência
um único objetivo: o lucro. Nos dias atuais, sil 2010. Sinopse: Bahia, década de 20. No - Constituição Federal (capítulo da educa-
o chamado Terceiro Setor explora a miséria, interior os negros continuavam sendo tra- ção).
preenchendo a ausência do Estado em ati- tados como escravos, apesar da abolição
- Relatório da desigualdade racial, Marcelo
vidades assistenciais, que na verdade tam- da escravatura ter ocorrido décadas antes.
Paixão.
bém são fontes de muito lucro. Com humor Entre eles está Manoel (Aílton Carmo), que
afinado e um elenco poucas vezes reunido quando criança foi apresentado à capoeira - Estudo de Paula Lozano: De olho nas me-
pelo cinema nacional, Quanto Vale ou É Por pelo Mestre Alípio (Macalé). O tutor tentou tas 2013. Todos pela educação.
Quilo? mostra que o tempo passa e nada ensiná-lo não apenas os golpes da capoeira,
- IBGE: síntese das condições de vida, 2013
muda. O Brasil é um país em permanente mas também as virtudes da concentração e
crise de valores. da justiça. A escolha pelo nome Besouro foi
devido à identificação que Manuel teve com
o inseto, que segundo suas características

222
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- de debate, para conhecer a partir da fala Tipo de atividade: pesquisa
des complementares, individuais ou cole- deste segmento social.
Objetivo: identificar a presença do negro
tivas, associadas às questões apresentadas
3ª etapa: o educador deve estar atento às na literatura brasileira
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que
escolhas feitas pelo grupo e refletir con-
seja útil para sua prática e para mobilizar e 1ª etapa: faça uma seleção de livros de auto-
juntamente com o grupo os motivos que
exercitar o pensamento crítico. res nacionais (ou de livros didáticos) onde
levaram a escolher este segmento social.
haja um personagem negro.
A atividade de troca e partilhas de vidas
deve ser construída em conjunto com os 2ª etapa: distribua entre os participantes os
Tipo de atividade: leitura de imagem e re-
adolescentes/jovens, privilegiando as suas livros e peça que identifiquem a presença
flexão
demandas e interesses. Após o momento de do negro na literatura brasileira e como es-
Objetivo: incentiva a mobilização social troca com o segmento social o grupo deve ses personagens são retratados.
novamente debater o que se sobrepôs nes-
1ª etapa: assista com o grupo ao episódio 3ª etapa: num cartaz mapeie perfis e debata
te diálogo, como reconhecem uma ligação
Identidade da série Diz aí – Extermínio com os participantes se essa representação
com a realidade relatada e o grupo social e
mudou (ou não) ao longo dos anos à medida 11
2ª etapa: leitura de imagem. Após a exibição como identificam formas de somar esfor-
que a sociedade civil reivindicou a igualda-
de um dos vídeos escolhidos debater em ços a esta ação coletiva.
de dos direitos dos negros.
grupo: Esta realidade está presente nas nos-
sas vidas? Se sim, de que forma? Esta reali-
dade está presenta na comunidade? Como
ela se manifesta? Qual foi a intencionalida-
de em contar a história desta forma? Neste
momento o educador/professor deve pro-
vocar o grupo para refletir sobre realidades
desconhecidas. Outros materiais e vídeos
da Maleta podem colaborar para isto. Após
esta reflexão sobre realidades não conheci-
das, o grupo pode eleger um segmento so-
cial que deseja se aproximar, em uma roda

223
dezembro

DIREITOS HUMANOS
E POBREZA
“A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”
Hanna Arendt
dezembro
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

12
16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

01 Dia Internacional da luta contra a Aids | 02 Dia Nacional do Samba | 10 Declaração Universal dos Direitos Humanos
10 Dia Universal do Palhaço | 25 Natal | 31 Dia de São Silvestre
Status hierárquico no Brasil O mês de dezembro de nosso Caderno tem no documento, mas seu conteúdo tem sido
No Brasil, a Emenda Constitucional nº 45 de como tema central os Direitos Humanos, incorporado a diversas constituições nacio-
2004 determinou no § 3º que “os tratados e em homenagem ao dia 10 de dezembro de nais, tratados internacionais, organizações
convenções internacionais sobre direitos hu- 1948, quando a recém-criada Organização de diferentes tipos (Status hierárquico no
manos que forem aprovados, em cada Casa do das Nações Unidas (ONU) aprovou a Decla- Brasil). Em 1968, a Conferência Internacio-
Congresso Nacional, em dois turnos, por três
ração Universal dos Direitos Humanos. Este nal de Direitos Humanos da ONU anunciou
quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucio- documento veio a ter grande importância que a Declaração constitui obrigação para
nais”. Essa medida permite que os tratados de em todos os países, pois apresenta de modo os países da comunidade internacional.
Direitos Humanos tenham status hierárquico sistemático o que se deve compreender e Mas trata-se mais de uma obrigação moral
de norma constitucional. Atualmente, os de- praticar como direitos humanos. e política do que uma obrigação legal e im-
mais tratados de direitos humanos têm status positiva.
de norma supralegal. Na verdade, é possível identificar ao longo
da história momentos e lugares em que A Declaração Universal dos Direitos Huma-
orientações religiosas, leis, mandamentos nos nasceu após um período de guerras
afirmavam a dignidade da pessoa humana. marcadas por muita violência e crueldade
Mas nem sempre esses direitos, ou melhor, contra populações civis. A Europa viveu du-
esses princípios e valores eram reconhe- rante a primeira metade do século 20 duas
cidos como válidos para todas as pessoas grandes guerras, a primeira de 1914 a 1918
– eles variavam de acordo com suas con- e a segunda de 1939 a 1945. Essas guerras
dições de riqueza ou pobreza, sua religião arrastaram para os conflitos um grande nú-
e gênero. As mulheres, os escravos, os mi- mero de países em todo o mundo – o Brasil,
grantes, muitos indivíduos e grupos esta- inclusive, teve uma participação muito ati-
vam excluídos da proteção desses princí- va na Segunda Guerra. As guerras destruí-
ram parte da Europa, com elevado custo
pios.
de vidas humanas, civis e militares, e dei-
A partir de 1948, com a Declaração Uni- xaram um rastro de violência e destruição,
versal, a expressão “Direitos Humanos” como a perda de patrimônios culturais. A
ganhou uma força nova e um significado brutalidade e a crueldade da guerra não fi-
abrangente. A Declaração não tem o poder caram apenas no confronto entre as forças
legal de imposição para que os governos militares envolvidas, os conflitos alcança-
cumpram todas as orientações contidas ram cidades, vilas e famílias, espalhando

226
destruição, fome e morte por toda a Euro-
pa, norte da África e países da Ásia. Houve Mantenha a calma

uma intensa mobilização de pessoas no O lema “Keep Calm and Carry On” (“Tenha
atendimento aos feridos e doentes, na dis- calma e siga em frente”, em tradução
tribuição de alimentos, na reconstrução livre) foi estampado em um cartaz motiva-
cional produzido pelo governo do Reino
de pontes, casas, estradas, o que provocou
Unido em 1939, durante o início da Segunda
uma consciência mais profunda sobre os Guerra Mundial, para ser usado somente se
problemas sociais como questões coletivas os alemães conseguissem invadir a Grã-Bre-
(Mantenha a calma). tanha. O cartaz foi distribuído em número
limitado e não ficou muito conhecido na
Na Segunda Guerra Mundial, a perseguição, época. Seu criador permanece desconhecido
tortura e morte que os nazistas impuse- até hoje.
ram a milhares de judeus, ciganos e outros
grupos é um dos mais terríveis exemplos
de como a crueldade pode alcançar níveis Bombardeio atômico
tão radicais mesmo em sociedades tidas Em Hiroshima foi jogada a bomba atômica 12
como educadas e cultas, como eram os es- “Little Boy” e, três dias depois, a bomba “Fat
tados europeus do início do século 20. As Man” em Nagasaki, ambas no Japão. Até
argumentações nazistas relativas à pureza os dias de hoje, as duas bombas foram as
únicas armas nucleares utilizadas de fato
racial tentavam justificar a violência sobre
numa guerra. Estima-se que cerca de 140 mil
as populações perseguidas. As bombas atô- pessoas morreram em Hiroshima e 80 mil em
micas lançadas pelas forças americanas, Nagasaki, além das mortes ocorridas poste-
em 1945, contra as cidades japonesas de Hi- riormente aos ataques em decorrência da ex-
roshima e Nagasaki (Bombardeio atômico), posição radioativa. A maioria dos mortos era
matando milhares de civis, provocaram um composta por civis, mulheres, idosos e crian-
ças, pessoas que não estavam combatendo
enorme choque na consciência moral das
na guerra. As bombas atômicas forçaram a
sociedades que apoiavam a guerra contra rendição das tropas do Império do Japão em
o nazi-fascismo. Foi outro alerta de que a 15 de agosto de 1945. Em 2 de setembro do
violência da guerra não vê limites e tenta mesmo ano foi assinado o armistício oficial e
criar justificativas para defender o inaceitá- o fim da Segunda Guerra Mundial.
vel. Após 1945, as potências que venceram

227
a guerra contra as forças do nazi-fascismo,
ainda buscavam compreender como tanta
violência havia se abatido sobre a popu-
lação civil. Os países vitoriosos criaram as
Nações Unidas (ONU), organismo que tinha
como objetivo evitar que novos conflitos
ONU
ganhassem as proporções da guerra que
A Organização das Nações Uni- havia terminado.
das (ONU), ou simplesmente Nações
Unidas (NU), é uma organização in- Durante a guerra, com o objetivo de man-
ternacional cujo objetivo declarado ter claros e vivos os valores pelos quais
é facilitar a cooperação em termos lutavam, os países aliados afirmaram as
de direito e segurança internacio- chamadas ”Quatro Liberdades”: liberda-
nal, desenvolvimento econômico,
de da palavra e de expressão, liberdade
progresso social, direitos humanos
e a conquista da paz mundial. A de religião, liberdade de viver sem sofrer
ONU foi fundada em 1945 após a necessidades e liberdade de viver sem
Segunda Guerra Mundial para subs- medo (Discurso de Roosevelt). Estas eram
tituir a Liga das Nações, com o pro- diretrizes gerais que os países deveriam
pósito de deter a guerra entre pa- praticar (Bases para criação da ONU). O
íses e fornecer uma plataforma
conhecimento das atrocidades praticadas
para o diálogo. São atualmente 193
países-membros. O termo “Nações contra as populações civis estimulou os
Unidas”, que havia se tornado sinô- governos a buscar um documento mais
nimo dos Aliados durante a guerra, claro e forte sobre o que deveriam ser os
foi considerado o nome formal sob direitos universais para que nunca mais
o qual estavam lutando e nomeou a fossem possíveis acontecimentos daquela
nova organização.
natureza. A Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos nasce nesse contexto de
busca de princípios e de fundamentos que
congreguem os diversos povos do planeta
em torno de valores comuns e de respeito
à dignidade humana.

228
O documento é relativamente pequeno, Os 30 artigos que integram a Declaração Discurso de Roosevelt
inversamente proporcional à importância são, em geral, classificados de acordo com Num discurso ao Congresso dos Estados Uni-
que adquiriu a partir de sua aprovação os temas de que tratam. Os dois primeiros dos, em 6 de janeiro de 1941, que ficou conhe-
pela Assembleia das Nações Unidas. A De- apresentam os princípios gerais, de liberda- cido como “Quatro Liberdades”, o Presidente
claração Universal se inicia com um Pre- de, igualdade e fraternidade, e o segundo ar- Franklin D. Roosevelt, sintetizou: “(...) almeja-
mos um mundo fundado em quatro liberdades
âmbulo, em que os Governos que assinam tigo destaca que os direitos ali proclamados
humanas essenciais. A primeira é a liberdade
se comprometem, juntamente com seus valem para todas as pessoas, sejam quais de expressão — em todos os lugares do mun-
povos, a tomarem medidas que garantam forem os territórios em que vivem, sejam au- do. A segunda é a liberdade de toda pessoa
os direitos humanos. O Preâmbulo afirma tônomos ou não. Os artigos seguintes, do 3º adorar deus à sua própria maneira — em todos
que “o advento de um mundo em que os ao 11º, tratam da vida, da liberdade, da segu- os lugares do mundo. A terceira é a liberdade
de viver sem passar necessidade (...) em todos
seres humanos sejam livres de falar e de rança, proteção da lei, garantias contra a tor-
os lugares do mundo. A quarta é a liberdade
crer, libertos do terror e da miséria, foi tura, a prisão e também contra as discrimi- de viver sem medo (...) em todos os lugares do
proclamado como a mais alta inspiração nações, reafirmam o princípio da inocência mundo.” Não era “uma visão de um milênio
do homem”. A dignidade da pessoa huma- até a conclusão do julgamento. Os artigos do distante”, prometeu o então presidente, mas a
na é o fundamento da liberdade, da justi- 12º ao 17º tratam do respeito à vida privada, “base definida para um tipo de mundo possível
no nosso próprio tempo e na nossa geração”. 12
ça e da paz entre as nações. O documento à inviolabilidade da residência e da corres-
reconhece a necessidade de um regime pondência, o direito à honra e à reputação.
de direito “para que o homem não seja Defende também o direito de as pessoas
compelido, em supremo recurso, à revolta abandonarem e retornarem a seus países
contra a tirania e a opressão”. Reconhece, de origem quando lhes convier, além da ga- Bases para criação da ONU
assim, o direito à revolta para que se ins- rantia de asilo, exceto em caso de crimes. O
A Declaração das Nações Unidas, de 1942, que
taure um regime de direito e liberdades. artigo 17º afirma o direito, individual ou cole-
deu as bases para a futura criação da ONU, já
Após o Preâmbulo, seguem-se 30 artigos tivo, à propriedade. Os artigos de número 18 afirmava a perspectiva dos 26 países signa-
que detalham o conjunto dos direitos e seguintes, até o 21º, tratam de liberdades tários de que a “completa vitória sobre seus
humanos. Vemos, portanto, que libertar de culto, de reunião, de expressão e opinião. inimigos é essencial para defender a vida, a
os povos da miséria é apresentado como Esse conjunto inicial de artigos refere-se aos liberdade, a independência e a liberdade reli-
giosa, e para preservar os direitos humanos e a
motivação central para a garantia dos di- direitos civis, políticos e às liberdades clássi-
justiça em suas próprias terras, bem como em
reitos humanos. Mas como estão relacio- cas. São chamados de direitos humanos da outras terras, e que eles já estão envolvidos em
nados os direitos humanos, a pobreza e a primeira geração, pois tratam principalmen- uma luta comum contra as forças selvagens e
miséria na Declaração? te dos direitos de garantias individuais. brutais que procuram subjugar o mundo”.

229
O conjunto de artigos seguintes, do 22º ao equilibram para a vida de paz que a Declara- limitam a capacidade das pessoas e das co-
27º, refere-se a direitos econômicos, sociais ção pretende promover. E o 30º artigo desau- munidades de garantirem sua subsistência
e culturais, também chamados de direitos toriza o uso da Declaração para finalidades e a de seus filhos, fragilizam ou impedem
humanos de segunda geração. Ali aparecem que contrariem seus princípios e objetivos. o exercício das liberdades fundamentais,
o direito à segurança social, ao trabalho restringem os direitos e ameaçam a própria
É possível identificar na Declaração Univer-
sem discriminação, à organização sindical vida.
sal dos Direitos Humanos de 1948 a reto-
e ao repouso e férias periódicas pagas. Afir-
mada de antigos sonhos acalentados por
ma também que “toda pessoa tem direito
a um nível de vida suficiente para lhe asse- filósofos, políticos e por inúmeras revoltas Escândalo moral
gurar e à sua família a saúde e o bem-estar, que ocorreram no mundo, em períodos an-
teriores. Assim, as gerações de direitos são Recentemente, em setembro de 2012, o Con-
principalmente quanto à alimentação, ao
comumente associadas ao lema da Revolu- selho dos Direitos Humanos das Nações
vestuário, ao alojamento, à assistência mé-
ção Francesa (1789): “liberdade, igualdade e Unidas aprovou os “Princípios Diretores
dica”. Afirma o direito das crianças, sejam
fraternidade”. Os direitos da chamada pri- sobre Extrema Pobreza e Direitos Huma-
quais forem as condições de seu nascimen-
meira geração são os direitos da liberdade, nos”. O documento, aprovado pelos países
to, dentro ou fora do casamento. O artigo
os da segunda geração, os de igualdade e, integrantes do Conselho e adotado pelas
26º expressa o direito à educação elementar
por fim, os direitos da terceira geração iden- Nações Unidas, argumenta que a pobreza
fundamental obrigatória e gratuita e orien-
tificados como expressões da fraternidade. e a miséria são um “escândalo moral” num
ta que o conteúdo da educação deve promo-
Desse modo, na terceira geração estariam mundo caracterizado pelo nível sem prece-
ver a expressão da personalidade, o diálogo
também o respeito ao meio ambiente, o di- dentes de desenvolvimento econômico, tec-
e os direitos humanos por meio dos valores
reito a uma vida saudável e à paz. nológico e de recursos financeiros. A pobre-
da tolerância, da amizade e da paz. O artigo
za não é um fenômeno econômico apenas.
27º afirma o direito à expressão cultural e A Declaração está apoiada no valor da dig- Seu caráter multidimensional faz com que
participação nos progressos científicos.
nidade humana, uma ideia que fundamenta seja causa e consequência de violações de
O 28º artigo clama pela paz, pelo direito que a relação entre as pessoas e que deve ser direitos humanos. Para os mais pobres, so-
todas as pessoas têm de viver em paz, no também o fundamento da vida em socieda- mam-se inúmeros obstáculos ao exercício
plano social e internacional. O 29º declara: de. Além de ser um fundamento, a dignidade de seus direitos. As privações se relacionam
“O indivíduo tem deveres para com a comu- da pessoa humana deve ser garantida pela entre si e se reforçam mutuamente: condi-
nidade, fora da qual não é possível o livre e ação consciente e intencional dos Estados ção de trabalho perigosa, insulabridade de
pleno desenvolvimento da sua personalida- e da comunidade internacional. A pobreza e moradia, falta de alimentação adequada,
de”, enunciando que direitos e deveres se a miséria afetam diretamente a dignidade: acesso desigual à justiça e à saúde, educa-

230
ção inexistente ou de baixa qualidade, falta e ambientais sejam respeitados. Eles são com frequência e os mais pobres são, geral-
de espaços de participação e ausência de imprescritíveis, ou seja, valem para sempre mente, os grupos mais afetados. No Brasil, o
representação política. Somam-se a isso a e não podem ser suprimidos em determi- IBGE, em parceria com a Secretaria de Direi-
estigmatização, preconceitos e discrimi- nado período de tempo. São inalienáveis, tos Humanos, está adotando um conjunto
nações que sofrem por serem pobres. Não quer dizer, não podem ser comprados ou de informações como indicadores do exer-
raro, a pobreza é mais aguda para os que vendidos, não podem ser negociados. São cício e da garantia dos direitos humanos.
reúnem características de cor de pele, cre- invioláveis, no sentido de que não pode ha- Para isso, levou em consideração a orienta-
do religioso, região de moradia e uso de ver leis ou mandatos que suprimam esses ção das Nações Unidas para a promoção e
línguas que são alvos de preconceitos da direitos. Essas orientações dizem respeito monitoramento da implantação dos direi-
sociedade onde vivem. Por esses motivos, a princípios que os países devem seguir a tos humanos e apresentou, em 2012, no do-
o enfrentamento da pobreza exige mais do partir de sua assinatura da Declaração Uni- cumento síntese da análise das condições
que planos e programas de qualificação e versal dos Direitos Humanos. Apesar disso, de vida dos brasileiros, uma primeira ava-
inserção profissional, ou ações de atendi- muitos países violam de diferentes manei- liação dos direitos humanos (Indicadores e
mento à saúde e complementação de ren- ras os artigos da declaração, como é o caso atributos dos direitos humanos - ONU).
da. É a perspectiva dos direitos humanos, da manutenção da pena de morte. Essa é
Ao buscar indicadores que permitam acom- 12
que baseada na noção de dignidade procu- uma medida expressamente condenada
panhar a situação dos direitos humanos,
ra enxergar a complexa teia em que a vida pelas Nações Unidas, mas ainda praticada
a ONU orienta que sejam considerados 12
de cada um de nós está envolvida, que pode por muitos países, entre eles estão os Esta-
direitos e, associados a eles, atributos e
dar as melhores respostas para a sua supe- dos Unidos e a China. No Brasil, a pena de
indicadores que identificam aspectos es-
ração. morte é vedada como cláusula pétrea da
truturais, processos e resultados. Ao exa-
Constituição. A única exceção, no caso bra-
Os direitos humanos são princípios que minar a pobreza em outros textos de nosso
sileiro, é a situação de guerra declarada.
guardam entre si relações muito especiais. Caderno, tratamos de muitos dos direitos
Algumas dessas características nos ajudam Muitos outros princípios contidos na de- que estão na tabela de indicadores, pois,
a entender porque se defende que o efeti- claração sofrem violações constantes, em como já sabemos, a pobreza é multidimen-
vo combate à pobreza e à miséria deve ser diversos países do mundo. É importante sional e suprime condições básicas da vida.
feito considerando todos os direitos e não que a sociedade possa acompanhar e ava- Assim, nos meses anteriores, tratamos de
apenas alguns deles. Os direitos humanos liar como avançam as garantias e os exercí- temas como segurança (janeiro), trabalho
são “indivisíveis”, o que significa dizer que, cios dos direitos humanos em cada país, em (maio), moradia (junho), educação (outubro)
para garantir o direito à vida, é preciso que cada estado e em cada cidade. Mesmo em e participação política (novembro). Outros
os direitos sociais, econômicos, culturais países desenvolvidos, violações ocorrem temas foram comentados ao longo do Ca-

231
Indicadores e atributos dos direitos humanos – ONU

Direitos humanos Atributos Indicadores Fonte Direitos humanos Atributos Indicadores Fonte
selecionados selecionados

1. À vida 1.1 Privação arbitrária da vida Taxas de Datasus 7. À educação 7.1 Educação primária universal Distribuição INEP
1.2 Desaparecimento de mortalidade (MS) 7.2 Acesso à educação secundária e percentual de (MEC)
indivíduos específicas por superior concluintes (Ver também
1.3 Saúde e nutrição causas externas 7.3 Recursos educacionais e em graduações capítulo 3)
1.4 Pena de morte curriculares presenciais
7.4 Oportunidade e liberdade na Taxas de reprovação
2. À liberdade e 2.1 Privação e detenção com Proporção de PNAD educação
segurança da pessoa base em acusações criminais pessoas que se Suplemento
2.2 Privação administrativa da sentem inseguras Vitimização 8. À moradia 8.1 Condições de habitação Despesas das famílias TEM
liberdade (IBGE) adequada 8.2 Acesso aos serviços públicos com habitação PNAD
2.3 Revisão efetiva pelo tribunal 8.3 Moradia acessível Pessoas residentes Suplemento
de justiça 8.4 Segurança de posse em aglomerados Saúde
2.4 Garantia contra crime e subnormais (IBGE)
abuso por oficiais de justiça
CadÚnico
(MDS)
3. À alimentação 3.1 Nutrição Proporção de POF
adequada 3.2 Alimentação segura e pessoas com PENSE 9. À seguridade 9.1 Seguridade de renda para os Proporção de TEM
proteção ao consumidor déficit de altura e (IBGE) social trabalhadores contribuintes PNAD
3.3 Disponibilidade de alimentos peso; excesso de 9.2 Acesso à assistência médica Suplemento
3.4 Acesso a alimentos peso e obesidade Beneficiários do
9.3 Suporte à família, criança e adulto seguro desemprego Saúde
dependente (IBGE)
9.4 Assistência social para grupos Cobertura de plano
vulneráveis de saúde e Programa CadÚnico
4. À satisfação do mais 4.1 Saúde sexual e reprodutiva Mortalidade DATASUS (MS) Saúde da Família (MDS)
alto padrão de saúde 4.2 Mortalidade infantil e proporcional de (ver também
física e mental assistência à saúde menores de 1 ano Capítulo 1 sobre 10. Ao trabalho 10.1 Acesso ao trabalho decente e Indicadores de DATAPREV
4.3 Ambiente natural e crianças com produtivo acidente do trabalho (MPS)
ocupacional Taxas de baixo peso ao 10.2 Condições de trabalho justas e Taxas de desemprego
4.4 Prevenção tratamento e incidência de nascer) seguras PME (IBGE)
controle de doenças AIDS, tuberculose 10.3 Treinamento, melhora nas Fiscalizações contra TEM
4.5 Acesso a instalações de e dengue habilidades e desenvolvimento trabalho forçado
saúde e remédios essenciais profissional (ver também
10.4 Proteção contra trabalho forçado capítulo 4)
e desemprego
5. de não ser 5.1 Integridade física e mental Violência PNAD
submetido á tortura, do preso e detento doméstica Suplemento 11. À liberdade 11.1 Liberdade de opinião e de convir Pedido de informação CGU
tratamento e punição 5.2 Condições de detenção Vitimização de expressão e informação ao e-SIC
desumanos ou 5.3 Uso da força por oficiais da (IBGE) opinião 11.2 Acesso a informação
degradantes lei fora da detenção 11.3 Responsabilidade e deveres
5.4 Violência doméstica e da Ligue 180 (SPM) especiais
comunidade
12.A julgamento 12.1 Acesso a tratamento igualitário Número de CNJ
6. De participar 6.1 Exercício dos poderes Participação das TSE justo nas cortes e tribunais magistrados por 100
de manifestações executivo, legislativo e poderes mulheres em MUNIC 12.2 Audiência pública por tribunais 000 habitantes no
públicas administrativos cargos eletivos (IBGE) competentes e independentes judiciário estadual
6.2 Sufrágio universal e 12.3 Presunção da inocência e garantia Percentual de
igualitário de determinação de acusação criminal cumprimento da
6.3 Acesso a trabalho no serviço 12.4 Proteção especial para crianças meta 2
público 12.5 Revisão por tribunais superiores

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais.


Nota: Elaboração própria a partir da estrutura proposta no relatório da ONU (REPORT...,2008)
232
derno, como a condição das mu- Taxas de morte em homicídios e armas de fogo
lheres (março), de minorias como Número de mortes diretas e taxas* em conflitos armados no mundo por homicídios e armas de fogo no
os povos indígenas (abril), o meio Brasil. 2004/2007.
ambiente (junho).
Tabela 2.1.2. Número de mortes diretas e taxas* em conflitos armados no mundo por homicídios e armas de fogo
Vamos selecionar alguns temas no Brasil. 2004/2007.
que ainda não foram analisados
Total
para que possamos avaliar a situ- Conflitos armados 2004 2005 2006 2007 % Total Taxas * Médias
Mortes
ação atual e compreender como Iraque 9.803 15.788 26.910 23.765 76.266 36,6 64,9
é possível acompanhar o exercí-
Sudão 7.284 1.098 2.603 1.734 12.719 6,1 8,8
cio e a garantia dos direitos hu-
manos no Brasil. O primeiro direi- Afeganistão 917 1.000 4.000 6.500 12.417 6,0 9,9

to apontado pela ONU é o direito Colômbia 2.988 3.092 2.141 3.612 11.833 5,7 6,4
à vida. Neste caso, o relatório do Rep. Dem. do Congo 3.500 3.750 746 1.351 9.347 4,5 4,1
IBGE examina as taxas de mor-
Sri Lanka 109 330 4.126 4.500 9.065 4,4 10,8
talidade por causas externas. A 12
Índia 2.642 2.519 1.559 1.713 8.433 4,0 0,2
taxa de mortalidade por causas
externas masculina é muito su- Somália 760 285 879 6.500 8.424 4,0 24,4

perior à feminina (122,5 por 100 Nepal 3.407 2.950 792 137 7.286 3,5 6,8
mil homens contra 24 por 100 mil Paquistão 863 648 1.471 3.599 6.581 3,2 1,0
mulheres). Os estados do Espírito
Índia/Paquistão (Caxemira) 1.511 1.552 1.116 777 4.956 2,4  
Santo, Alagoas, Mato Grosso, Ron-
Israel/Terr. Palestinos 899 226 673 449 2.247 1,1 8,3
dônia e Pernambuco apresen-
taram taxas superiores a 90 por Total de 12 conflitos 34.683 33.238 47.016 54.637 169.574 81,4 11,1
100 mil habitantes. As taxas do Restantes 50 conflitos 11.388 9.252 8.862 9.273 38.775 18,6  
Brasil são das maiores do mundo, Total (62 conflitos) 46.071 42.490 55.878 63.910 208.349 100
superiores a de países que estão
Brasil: homicídios 48.374 47.578 49.145 47.707 192.804   25,7
em guerras ou conflitos armados
(Taxas de morte em homicídios e Brasil: armas de fogo 37.113 36.060 37.360 36.840 147.373   20

armas de fogo). *taxas em 100 mil habitantes. Fontes. Conflitos armados: Global BurdenofArmedViolence. Homicídios e armas Brasil: SIM/SVS/MS

Fonte: Mapa da Violência 2012

233
Na análise por grupamentos etários, as lícia militar para prestar depoimento. De-
maiores taxas são registradas entre os jo- pois de longa investigação da polícia civil e
vens de 20 a 24 anos, grupo no qual, histo- do Ministério Público, o inquérito concluiu
ricamente, concentra-se a maior parte dos que Amarildo foi torturado e morto duran-
óbitos violentos (acidentes e homicídios)1. te interrogatório realizado em dependên-
Em alguns municípios, como Maceió, em cias da polícia militar na Favela da Rocinha,
Alagoas, a taxa de homicídios de jovens uma das maiores da cidade.
chegou, em 2011, a 288 por 100 mil habitan-
Um dos indicadores utilizados pelo IBGE
tes. O Iraque, em guerra, tinha a taxa média
para avaliar a situação dos direitos huma-
de 64 homicídios. A população jovem negra
nos foi baseado numa pesquisa adicional
tem sido vítima das causas externas, em
à PNAD 2009 sobre “Vitimização e Justiça”.
proporções bem superiores a dos jovens
O modo como as pessoas se sentem segu-
brancos2. A publicação Síntese das Condi-
ras em suas casas, bairros e cidades é fun-
ções de Vida 2013, do IBGE, informa: “No
damental para expressar um conjunto de
grupo de 20 a 24 anos de idade, a taxa de
direitos, como o direito à vida, o de ir e vir,
óbitos por agressão por 100 mil habitantes
o direito à privacidade e a viver sem medo.
é de 30 para brancos, contra 82 para pretos
As respostas das pessoas das áreas rurais
ou pardos, uma taxa que chega a ser 2,7 ve-
mostram que, entre eles, a sensação de se-
zes maior do que a para brancos em 2010”.
gurança é maior. Os resultados de todo o
Há também os casos de desaparecimento país surpreendem: quase a metade da po-
forçado, seja por sequestro, tráfico de pes- pulação brasileira (48%) não se sente segu-
soas e de órgãos, ou ainda devido à violên- ra nas cidades e mais de 20% não se sentem
cia policial. Em 2013, alguns casos ficaram seguras em suas casas!
conhecidos em todo o Brasil, como o do aju-
dante de pedreiro Amarildo, desaparecido Consultando estudos sobre a violência
no Rio de Janeiro após ser levado pela po- no Brasil, um fato que chama a atenção é
que, embora a taxa média de 26 homicídios
1 Veja Homicídios e juventude no Brasil 2013: http://www. por 100 mil habitantes esteja se manten-
mapadaviolencia.org.br/mapa2013_jovens.php.
2 Veja A cor dos homicídios no Brasil  2012: http://www.
do relativamente estável há alguns anos,
mapadaviolencia.org.br/mapa2012_cor.php. a distribuição geográfica da violência vem

234
se alterando de modo significativo. Antes to à educação. No entanto, se o déficit de
concentrada em alguns estados e cidades, peso alcança ainda 4% das crianças de 5 a 9
como Rio de Janeiro e São Paulo, atualmen- anos em 2012, a pesquisa revelou um dado
te ela vem diminuindo nessas regiões e au- igualmente preocupante: mais de um terço Programa Nacional de Alimentação
Escolar
mentando de modo alarmante em estados das crianças brasileiras dessa faixa etária
como, por exemplo, Pará e Alagoas. Pesqui- têm sobrepeso e a proporção de obesos en- O PNAE garante as refeições dos alunos da
sa realizada em 2011 pelo IPEA revela dados tre meninas e meninos é de 11,8% e 16,6%, educação pública básica em todo o país,
preocupantes: 85% dos entrevistados na respectivamente (Programa Nacional de um esforço conjugado da União, estados,
municípios e assessoria técnica de univer-
região Nordeste declaram “muito medo” Alimentação Escolar).
sidades. Em 2011, foram beneficiados 48,1
de serem assassinados, enquanto a menor milhões de alunos.
Tanto a obesidade quanto os déficits ali-
proporção, em relação a essa questão, é
mentares comprometem a saúde e desse
de 69,9% na região Sul. Estamos longe de
modo somam-se violações, pois o acesso
alcançar o direito de “viver sem medo” e o
ao serviço público de saúde ainda repre-
medo cresce nas populações de mais bai-
senta um desafio para as populações mais
xa renda, que vivem em áreas com menor
pobres. O direito à saúde implica o reco- 12
atendimento de serviços públicos, mais ex-
nhecimento de que todos os cidadãos, sem
postas ao preconceito e à criminalização,
exceção, possuem garantias em relação à
ou seja, as pessoas que vivem em condições
saúde. Essa prerrogativa impulsionou os
de pobreza.
movimentos sociais na área a lutar por um
Outro indicador relevante é o direito à ali- novo paradigma de acesso à saúde para a
mentação adequada. O Brasil tem conquis- população. A questão da saúde pública pas-
tado importantes avanços na redução da sou a ser vista como um direito de todos, e
desnutrição infantil e esses esforços têm sobre o qual todos os sujeitos implicados
sido reconhecidos e festejados pelos orga- tomam decisões. Essa busca por um siste-
nismos internacionais que acompanham ma de saúde público, universal e participa-
os indicadores mundiais. O programa de tivo culminou na criação do Sistema Único
alimentação escolar, por exemplo, tem sido de Saúde (SUS). O SUS foi criado pela Cons-
levado a outros países, da América Latina e tituição Federal de 1988, com a finalidade
da África, como uma boa prática de comba- de alterar a situação de desigualdade na as-
te à desnutrição infantil e garantia do direi- sistência à saúde da população, tornando

235
Atenção básica obrigatório o atendimento público a qual- por população de baixa renda (mais de 60%
A Saúde da Família é uma estratégia de reorien- quer cidadão, sendo proibidas cobranças dos domicílios com até meio salário míni-
tação do modelo assistencial, operacionalizada em dinheiro, sob qualquer pretexto. O SUS é mo). Por outro lado, 82,5% das pessoas com
mediante a implantação de equipes multipro- destinado a todos os cidadãos e financiado rendimento domiciliar per capita superior
fissionais em unidades básicas de saúde. Estas através de impostos e contribuições sociais a cinco salários mínimos são atendidas por
equipes são responsáveis pelo acompanha-
pagos pela população e que compõem os plano privado de saúde. Quanto maior a
mento de um número definido de famílias, lo-
calizadas em uma área geográfica delimitada.
recursos dos governos federal, estadual e renda, maior a proporção de atendimento
As equipes atuam com ações de promoção da municipal. por plano privado; quanto menor a renda,
saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de
Apesar do avanço que a criação do SUS sig- maior a cobertura da atenção primária pela
doenças e agravos mais frequentes, e na manu- estratégia de Saúde da Família. A privatiza-
tenção da saúde desta comunidade. A respon- nificou na luta pela universalização do di-
reito à saúde, o Brasil ainda é marcado por ção do serviço de saúde não tem contribu-
sabilidade pelo acompanhamento das famílias
coloca para as equipes de Saúde da Família a uma divisão profunda entre a rede de saúde ído para democratizar o acesso, mas é pre-
necessidade de ultrapassar os limites definidos pública e a particular. Enquanto na primei- ciso destacar algumas inciativas que vêm
para a atenção básica no Brasil, especialmente
ra, em sua maioria, faltam equipamentos ampliando a relação entre a população e o
no contexto do SUS. Fonte: http://dab.saude. sistema de saúde público, como o aumento
gov.br/atencaobasica.php
básicos, pessoal qualificado, infraestrutura
e material de atendimento, a última atende dos serviços de prevenção e atenção bási-
às populações de maior renda por meio dos ca, os agentes comunitários e a Saúde da
planos de saúde privados. Aí se encontram Família (Atenção básica). O direito à saúde,
equipamentos sofisticados, ainda que se- com atendimento de qualidade, gratuito e
jam crescentes as queixas quanto à demora universal, permanece como um elemento
no atendimento. Um levantamento realiza- fundamental na luta pela conquista dos di-
do em 2008 mostrou que, das 26,5 milhões reitos plenos dos cidadãos no Brasil.
de pessoas que procuraram os serviços de
Participação na vida pública
saúde no período da pesquisa, 96,3% fo-
ram atendidas, mas pouco mais da metade Outra dimensão fundamental dos direitos
(57%) através do SUS. Quando os dados de humanos para o exercício da democracia
acesso são analisados levando-se em conta é a participação dos indivíduos na vida pú-
o rendimento per capita dos domicílios, ob- blica, quer pela livre expressão do voto nos
serva-se que as unidades de Saúde da Famí- processos eleitorais, quer tomando parte
lia estão concentradas nas áreas habitadas em associações ou ainda em manifestações

236
públicas. Em junho e julho de 2013, para pítulo que está em suas primeiras páginas. Órgãos internacionais para promoção e
surpresa do mundo político, de jornalistas O debate sobre o significado e amplitude proteção dos direitos humanos
especializados e de acadêmicos, o Brasil foi dessas manifestações ainda está sendo HumanRightsWatch
às ruas! Mais de um milhão de pessoas, em feito, pois as formas de organização e de A HumanRightsWatch é uma das principais
todos os estados do país, por motivos diver- organizações independentes do mundo dedica-
comunicação utilizadas foram inéditas no
das à defesa e proteção dos direitos humanos.
sos, foram às ruas manifestar seus desejos país, assim como a ausência de lideranças Sua atuação é focada em divulgar situações em
de mudança, lutar por direitos e serviços reconhecidas e de uma pauta que facili- que há violação de direitos, dando voz àqueles
públicos de transporte, segurança, educa- tasse as negociações. O ineditismo desse que têm seus direitos violados e denunciando
ção e saúde de qualidade. Cartazes e slo- processo também demonstrou que o Esta- os violadores. www.hrw.org
gans expressavam duras críticas ao mundo do parece não ter sido capaz de garantir a Anistia Internacional
político, à corrupção e falta de transparên- segurança e tranquilidade daqueles que en- Anistia Internacional é um movimento global
cia na esfera pública. xergam nas ruas um espaço legítimo para o com mais de três milhões de apoiadores, mem-
bros e ativistas, que atuam para proteger os
Diante da surpresa e da ausência de uma exercício do direito à participação política
direitos humanos através de cartas, campanhas,
organização formal que representasse o e à livre manifestação de ideias. manifestações, vigílias e lobby direto junto a pes-
conjunto de manifestantes e de interes- soas com poder e influência.http://anistia.org.br/
A liberdade de expressão e o acesso à in- 12
ses, a reação do mundo oficial não foi das formação são outras dimensões onde se Conselho de Direitos Humanos da ONU
mais adequadas: as manifestações foram pode avaliar o efetivo exercício dos direitos O Conselho é formado por 47 Estados e é encar-
dispersadas, diversas vezes, por meio da regado de fortalecer a promoção e a proteção
humanos em uma sociedade. O acesso à dos direitos humanos em todo o mundo, solu-
violência policial, com bombas de gás, ba- internet e o uso das redes sociais são uma cionando situações de violações dos direitos
las de borracha, cassetetes e cães que ata- novidade que tem alterado de modo deci- humanos e fazendo recomendações sobre elas,
caram manifestantes. Ruas das capitais sivo o direito à informação e à liberdade incluindo a resposta às emergências.http://
transformaram-se em praças de guerra. Em www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-di-
de expressão. As manifestações de junho
meio a manifestações pacíficas, surgiram reitos-humanos/
e julho no Brasil são um exemplo de como
expressões de revolta e violência, com de- Corte Interamericana de Direitos Humanos
esses meios de comunicação, expressão
predação de lojas, ataques a carros da im- A Corte Interamericana de Direitos Humanos
e informação trouxeram novas formas de
prensa, invasão de repartições públicas. As é um órgão judicial internacional autônomo
participação e exercício das liberdades fun- da Organização dos Estados Americanos (OEA),
manifestações de 2013 no país, a exemplo
damentais. que tem como papel aplicar e interpretar
do que ocorreu em outras partes do mun- a  Convenção Americana de Direitos Huma-
do, abriram um novo capítulo na história O acesso às informações de interesse da nos e outros tratados de Direitos Humanos.
das manifestações populares no Brasil, ca- população está previsto no artigo 5º da http://www.corteidh.or.cr/

237
Constituição Federal: “todos têm direito a Na ditadura militar, a tortura e morte de cativo e as pessoas detidas em prisões de
receber dos órgãos públicos informações presos políticos e o desaparecimento força- delegacias. Ainda é um esforço garantir de
de seu interesse particular, ou de interes- do de pessoas foram práticas adotadas con- fato a integridade dos presos contra as vio-
se coletivo e geral, que serão prestadas no tra aqueles que supostamente agiam para lências praticadas entre as gangues e aque-
prazo da lei (...).” Em maio de 2012, entrou enfrentar o regime. Passado o período de las promovidas pelos próprios agentes
em vigor a Lei 12.527, que regulamenta o exceção e sem apurar os crimes cometidos, encarregados de zelar pelo cumprimento
acesso à informação. A lei tem grandes as práticas de tortura e desaparecimento das penas. O Brasil, em 2011, tinha 513 mil
implicações para a vida democrática, pois se disseminaram pelo aparato policial e pessoas mantidas em unidades do sistema
permite que o cidadão esteja a par de deci- são costumeiramente utilizadas contra de- carcerário e 50 mil em delegacias. Mais da
sões do Estado, nos três níveis de governo. fensores de direitos humanos, lideranças metade (53,6%) da população carcerária é
No momento em que o Brasil ainda pro- de movimentos sociais, presos comuns e jovem (entre 18 e 29 anos) e a maior parte
cura esclarecer casos de tortura, morte e suspeitos, quando são pobres e vivem em (57,6%) é composta por homens negros de
desaparecimento de pessoas no período comunidades do campo ou de baixa renda. baixa escolaridade.
da ditadura militar (1964-1985), a força da Já vimos no texto relativo ao mês de janeiro
A tortura ainda é uma prática difundida nos
lei pode ser um instrumento fundamental como têm ocorrido atos de violência contra
sistemas carcerário e socioeducativo e a Se-
para revelar informações e, desse modo, pessoas e grupos que atuam na defesa de
cretaria de Direitos Humanos criou um mó-
contribuir para que nunca mais aconte- direitos, em particular na luta pela terra e
dulo específico para receber denúncias de
çam crimes dessa ordem, em que o Estado dos povos indígenas. Segundo a Ouvidoria
tortura no Disque Direitos Humanos (Disque
mobiliza o monopólio da violência para Agrária Nacional, do Ministério de Desen-
100), um sistema que recebe e apura denún-
atacar cidadãos fora de qualquer ordena- volvimento Agrário, em 2010 houve 227 ocu-
cias de violações de direitos humanos. Aces-
mento jurídico. pações de imóveis rurais e 63 homicídios no
so à Justiça, no entanto, ainda é um desafio
campo, a maior parte decorrente de confli-
O acesso à Justiça é outro tema que integra imenso, como observa relatório do governo
tos agrários. Mas não é só aí.
o conjunto de indicadores do efetivo exer- brasileiro apresentado em 2012 no Conselho
cício dos direitos humanos pelos cidadãos É preciso avançar para garantir que a Jus- de Direitos Humanos da ONU (Revisão perió-
do país. Neste particular, o Brasil ainda tiça seja respeitada e praticada pelas insti- dica): “não obstante os esforços (...) é preciso
sofre com um sistema de Justiça sobrecar- tuições que integram as forças de seguran- reconhecer que garantir assistência jurídica
regado – e por isso moroso e frágil – para ça e os operados pelo sistema de direitos. integral a cerca de 134 milhões de brasileiros
garantir o acesso igualitário de todos a um Preocupação equivalente diz respeito às que não dispõem de meios representa um
julgamento justo de seus direitos e reivin- populações que sofrem privação de liber- grande desafio para a Defensoria Pública e
dicações. dade, como os jovens do sistema socioedu- mecanismos associados”

238
Direitos e sua ausência legítimas. A elevada taxa de mortalidade Revisão periódica
por causas externas na juventude, um dos Como parte do mecanismo de Revisão Perió-
O modo como são tratados os presos e os indicadores analisados, chega a ser supe- dica Universal (RPU) do Conselho de Direitos
jovens do Sistema Nacional de Atendimen- Humanos das Nações Unidas, o Brasil preparou
rior a de países em guerra e afeta direta e
to Socioeducativo (SINASE) talvez ofereçam um documento, apresentado em 2012, em que
brutalmente a juventude negra. descreve o cumprimento das obrigações inter-
uma medida para se avaliar o respeito aos
nacionais assumidas pelo país no campo dos
direitos humanos no país, pois essas pesso- A prática da violência faz parte da cultu-
direitos civis, políticos, econômicos, sociais,
as estão sob a custódia do Estado, a quem ra brasileira, uma prática silenciada, mas culturais e do direito ao desenvolvimento. Aqui
cabe zelar por sua vida e reabilitação. Du- a cada dia mais amplamente revelada destacamos um trecho do Segundo Relatório
rante muitos anos no Brasil a defesa dos por denúncias de cidadãos e cidadãs, or- Nacional do Estado Brasileiro apresentado no
Conselho da ONU: “Um dos avanços obtidos em
direitos humanos foi associada à defesa de ganizações, parlamentares e os próprios
termos de democratização do processo da Revi-
pessoas que violaram direitos humanos. A órgãos públicos. A violência se abate de são Periódica Universal (RPU) foi o envolvimen-
crítica ignora que ou o Estado é um agente modo mais sistemático contra as popula- to das unidades federativas e dos Conselhos
civilizatório e impõe as regras de respeito à ções que vivem em condições de pobreza. Nacionais de representação paritária. Todos
dignidade humana ou ele se torna a repre- os governadores de Estados receberam infor-
As polícias também estão envolvidas por
mações e convite para contribuir ao processo.
sentação da violência e da barbárie, aquilo essa cultura da violência e, de novo, a 12
Dezoito estados e o Distrito Federal enviaram
em nome do qual se constituiu o próprio violência policial se volta contra os mais subsídios para a elaboração do relatório. Além
Estado, que tem o poder do exercício legí- pobres em nome de uma ordem que os ex- disso, o Brasil informou 39 Conselhos Nacionais
timo da violência, em defesa de direitos e sobre a consulta pública, por entender que são
clui e oprime. A violência gera um ambien-
canal de diálogo entre o Governo e a sociedade
não para a sua supressão. te em que todos sofrem e as estatísticas civil. O envolvimento dos Conselhos fez parte
Os indicadores comentados apontam para captam esse sentimento de insegurança, de uma estratégia de institucionalização do
um “viver com medo” que contraria nos- controle social no monitoramento da situação
a necessidade de enfretamento das distin- dos direitos humanos no Brasil, utilizando os es-
tas e múltiplas violações de direitos huma- so direito à vida. Esse sentimento tem se paços de diálogo democrático já criados e legi-
nos no nosso país, tanto pelos governos revelado majoritário nas grandes cidades, timados na prática da gestão pública brasileira.
como pelas organizações da sociedade ci- maior ainda nas periferias, onde vivem Dessa forma, o Brasil tem buscado estabelecer
as pessoas e famílias mais pobres. Esses mecanismos formais de consulta e de participa-
vil, empresas, sindicatos e pelos cidadãos e
ção de diferentes agentes da sociedade no pro-
cidadãs. As violações não são apenas as do sofrem de múltiplas maneiras as ameaças cesso de RPU, a fim de aprimorar a metodologia
Estado contra indivíduos e organizações, da violência física e a simbólica, pelos es- de elaboração do relatório nacional e de faci-
mas violações que a própria sociedade tole- tigmas e preconceitos, pela mera razão de litar seu seguimento por parte das diferentes
instâncias governamentais e da sociedade”.
ra, fica indiferente ou mesmo aceita como serem pobres.

239
Os indicadores também informam que con- Acabar com a miséria, a fome
quistas recentes, como o acesso à alimenta- e a pobreza
ção, reduziram a desnutrição a 4% da popu-
lação de 5 a 9 anos. Um resultado importante. A pobreza e a miséria são multidimensio-
No entanto, quando se trata de estatísticas nais e trazem implicações múltiplas para
de população é fundamental converter a pro- a vida de toda a sociedade. São, ao mesmo
porção e lembrar que falamos de pessoas: 4% tempo, um desafio moral, uma responsa-
de crianças de 5 a 9 anos desnutridas signifi- bilidade política, o resultado de decisões
ca que ainda há mais de 600.000 crianças des- econômicas, o fruto da indiferença social.
nutridas no Brasil! Ao mesmo tempo, a obe- São também um escândalo por revelarem a
sidade já é uma realidade para uma parcela distância ainda persistente entre intenção
maior ainda de crianças nessa mesma faixa e gesto: acabar com a miséria, a fome e a
etária: das 15 milhões de crianças brasileiras pobreza é uma das mais recorrentes pro-
entre 5 e 9 anos, mais de 2 milhões apresen- messas do mundo moderno. A Declaração
tam características da obesidade. Esses as- Universal dos Direitos Humanos, os Objeti-
pectos nutricionais das crianças brasileiras vos do Milênio, o relatório da Conferência
impõem grandes desafios para as áreas de das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
educação, esporte, cultura e principalmente Sustentável  (CNUDS), conhecida também
para as expectativas sobre o sistema de saú- como Rio+20, em todos esses e em muitos
de. O direito humano à saúde está previsto outros documentos firmados pela comu-
na Constituição brasileira e seu exercício se nidade internacional, a pobreza persiste
exaure nas filas de espera, na precariedade como um desafio a ser superado. E a pobre-
das instalações, medicamentos, equipamen- za permanece, como uma denúncia, uma
tos e ausência mesmo pessoal especializado dor, uma pergunta: “por que pobreza?”.
para o atendimento necessário. Pobreza, fome e miséria não são inevitá-
Um balanço dos direitos humanos no Bra- veis. Enfrentar esses desafios põe em ques-
sil é também um balanço das limitações e tão o exercício dos direitos humanos, não
ameaças que se impõem às populações po- apenas pelos pobres, mas também pelo
bres, mais afetadas, por mais tempo, pela restante da sociedade. Não existe o direito
ausência de direitos. humano de ser indiferente aos outros seres

240
humanos. Sistemas econômicos e políticos pobreza, mas à própria dignidade humana, Podemos agora ler novamente nosso Ca-
produzem e reproduzem as condições de que resistiu em cada uma dessas pessoas, derno à luz desse entendimento: conhecer
pobreza, que se perpetuam e renovam de grupos, povos e comunidades. Eles sem- a complexidade da pobreza, compreender
geração em geração. A arquitetura e funcio- pre souberam que sua força ia muito além as pessoas e os desafios que diariamente
namento desses sistemas deveriam estar do que lhes permitiam as miseráveis con- enfrentam os que vivem em condições de
subordinados às diretrizes dos direitos hu- dições a que estavam submetidos. E que pobreza, mobilizar e agir para romper o ci-
manos, que são propagadas na vida públi- mesmo nessas condições são capazes de clo de sua perversa reprodução.
ca, mas ignoradas ou mesmo desprezadas alimentar a vida com diversidade, solidarie-
no momento em que são tomadas decisões dade, força e alegria.
sobre a distribuição de riquezas, as opor-
Nosso Caderno completou o ciclo de um
tunidades de trabalho, ouvir e dar valor às
ano. Em cada uma de suas etapas, buscou
vozes das populações mais pobres e discri-
pensar e compreender “Por que pobreza?”.
minadas. A pobreza e a miséria podem ser
Ao final, quando examinamos o tema dos
vencidas. Mas a superação das condições
direitos humanos, talvez fique mais clara
que produzem e reproduzem a pobreza não
uma hipótese, uma resposta possível para 12
ocorrerá ignorando o que pensam, sentem
enfrentar a pobreza: em cada um dos temas
e têm a dizer as pessoas que suportam es-
tratados há uma agenda para vencer a po-
sas condições, de agora ou há gerações.
breza. A multidimensionalidade da pobre-
Sem a participação direta dessas pessoas,
za exige que ela seja enfrentada em todas
sem o reconhecimento ativo de sua digni-
essas frentes e temas e que, em todos eles,
dade e de seus direitos, as vitórias serão
sejam considerados os mesmos princípios:
passageiras e superficiais.
o valor inestimável da dignidade humana
O que antigamente se tentou atribuir aos e a necessidade imperiosa de respeitar e
pobres – uma cultura de acomodação e garantir que as pessoas que suportam as
resignação às condições de pobreza – tem condições de pobreza sejam reconhecidas
se revelado exatamente o oposto: imensa como sujeitos de direitos. E que sua ativa
capacidade de luta e de resistência, de or- participação em todas as dimensões da
ganização e diálogo, criatividade e resiliên- vida é uma condição necessária para mo-
cia diante dos desafios. Nenhuma dessas dificar as lógicas que produzem e reprodu-
virtudes deve ser atribuída às condições de zem a pobreza.

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para saber mais
Filmes Hoje de Tati Amaral. Brasil 2011. Sinopse: Leia mais: http://www.cinemanasaladeau-
Aqui você encontra as sinopses de alguns Vera é uma ex-militante política que recebe la.com/filmes-sobre-a-tematica-dos-direi-
filmes que fazem parte da filmografia sobre uma indenização do governo, em decorrên- tos-humanos/
o tema deste mês e que vale a pena assistir. cia do desaparecimento do marido, vítima
Crie seu site grátis: http://www.webnode.
da repressão provocada pela ditadura mili-
Uma História de Amor e Fúria, animação de com.br
tar. Com o dinheiro ela consegue comprar
Luiz Bolognesi, Sinopse: a animação retrata
um apartamento próprio, além de enfim Vídeos da maleta
o amor entre um herói imortal e Janaína, a
poder ser reconhecida como viúva. Só que, Veja no caderno de textos a lista completa
mulher por quem é apaixonado há 600 anos.
quando está prestes a se mudar, recebe dos vídeos, sinopses e tempo de duração,
Como pano de fundo do romance, o longa
uma visita que altera sua vida assim como sugestão de uso por tema/mês.
percorre quatro fases da história do Brasil: a
colonização, a escravidão, o regime militar A Missão de Roland Joffé. 1986. Sinopse: Páginas na internet
e o futuro, em 2096, quando haverá guerra Século XVIII. Os grandes impérios coloniais, As manifestações de junho e julho de 2013
pela água. Espanha e Portugal, disputam o domínio no Brasil, que reuniram mais de um milhão
da América do Sul. O padre Gabriel (Je- de pessoas em todos os estados do país, fo-
O fio da memória de Eduardo Coutinho, Bra-
remy Irons) dirige uma missão no alto das ram tema de muitas entrevistas. Entre elas,
sil 1991. Sinopse: um documentário sobre a
montanhas no Brasil, onde os nativos são destacamos:
identidade cultural dos negros, o preconcei-
evangelizados levando uma vida pacífica.
to que eles sofrem, e como eles povoam o - Entrevista com Manuel Castells
Mendonza, um traficante de escravos ar-
imaginário popular. O foco fica no trabalho https://www.google.com.br/search?hl=en&-
rependido que, fascinado pelo trabalho do
de Gabriel Joaquim dos Santos, trabalhador q=castels+manifesta%C3%A7%C3%B5es+-
padre Gabriel, acaba por se lhe juntar na
de uma mina de sal, semi-analfabeto e artis- no+rio
missão, tornando-se sacerdote. A pressão
ta. Ele construiu em São Pedro da Aldeia, no
levada a cabo por Portugal obriga a Igreja Entrevista com Luiz Eduardo Soares
Rio de Janeiro, a Casa da Flor, uma casa de
a ceder as terras em que estava implantada http://www.luizeduardosoares.
arte feita com objetos encontrados no lixo.
a missão. O padre Gabriel e Mendonza, por com/?p=1130
Cabra marcado para morrer de Eduardo caminhos diferentes, fazem o possível para
Entrevista com David Harvey
Coutinho. Brasil 1984. Sinopse: O filme é defender a missão e evitar que os nativos
http://www1.folha.uol.com.br/po-
uma narrativa semidocumental da vida de sejam escravizados.
der/2013/11/1373745-privatizacao-de-tudo-
João Pedro Teixeira, um líder camponês da
gerou-protestos-que-vao-continuar-pelo
Paraíba, assassinado em 1962.
-mundo-preve-marxista.shtml

242
Documentos de referência Culturais.pdf
- Carta Internacional dos Direitos Humanos:
- Carta das Responsabilidades Humanas.
ver a ficha informativa, uma publicação
http://www.charter-human-responsibili-
do Alto Comissariado das Nações Unidas
ties.net/IMG/pdf/CRH_Portuguese_Brasil_
para os Direitos Humanos, Delegação das
aout08.pdf
Nações Unidas em Genebra. Reúne os do-
cumentos citados e também informações - Segundo Relatório Nacional do Estado
sobre sua criação e implantação. http:// Brasileiro apresentado no mecanismo de
direitoshumanos.gddc.pt/pdf/Ficha_Infor- Revisão Periódica Universal do Conselho
mativa_2.pdf de Direitos Humanos das Nações Unidas,
2012. http://www.sdh.gov.br/assuntos/atu-
- Declaração Universal dos Direitos do Ho-
acaointernacional/programas/pdf/meca-
mem (1948). http://portal.mj.gov.br/sedh/
nismo-de-revisao-universal-das-nacoes-uni-
ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.
das-rpu-_1
htm
- Direitos humanos no Brasil 3: diagnósti- 12
- Pacto Internacional dos Direitos Civis e
cos e perspectivas, Movimento Nacional de
Políticos (1966). http://www.oas.org/dil/
Direitos Humanos et. al. Passo Fundo: Ifibe,
port/1966%20Pacto%20Internacional%20
2012.
sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%-
C3%ADticos.pdf - Síntese de indicadores sociais: uma aná-
lise das condições de vida da população
- Pacto Internacional dos Direitos Econômi-
brasileira. Estudos e pesquisas, informação
cos, Sociais e Culturais (1966). http://www.
demográfica e socioeconômica número 29.
oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Inter-
IBGE, Rio de Janeiro, 2012.
nacional%20sobre%20os%20Direitos%20
Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20 - Mapa da Violência, Centro Brasileiro de
Estudos Latino Americanos (Cebela) e Facul-
dade Latino americana de Ciências Sociais
(Flacso).
http://www.mapadaviolencia.org.br/

243
mobilizar
Aqui você encontra sugestões de ativida- Tipo de atividade: Tipo de atividade: criação do “Guia para
des complementares, individuais ou cole- uma vida melhor”.
Objetivo: Debate sobre formas de mobi-
tivas, associadas às questões apresentadas
lização. Objetivo: Criar uma rotina de atitudes sus-
ao longo dos textos e vídeos. A ideia é que
tentáveis junto à comunidade escolar.
seja útil para sua prática e para mobilizar e 1ª etapa: proponha aos participantes que
exercitar o pensamento crítico. assistam ao episódio 4 Mobilização e En- 1a etapa: reúna a turma para elaborar um
frentamento do Diz aí – Extermínio. guia da sustentabilidade com ações sim-
Tipo de atividade: Debate
ples e baratas a serem colocadas em práti-
2ª etapa: numa roda de conversa verifique
Objetivos: Reconhecimento de contextos ca na escola. Estimule cada participante a
quem dos presentes participa de alguma
de violações de direitos humanos. ter ideias que possam melhorar o cotidiano
organização da sociedade civil. Por que
escolar com pequenas atitudes como apro-
1ª etapa: escolha um tema que trate de con- acha importante participar? Como se dá veitar a luz natural, estimular o consumo
textos de violações de direitos humanos. essa participação? Debata com o grupo se consciente, criar áreas verdes, reaproveitar
Isso pode ser feito através de um texto, fil- conhecem outras formas de mobilização o entulho, implantar a coleta seletiva, rea-
me documentário ou mesmo imagens. A podem ser implementadas na sua região e proveitar o óleo usado na cantina, evitar
pergunta motivadora é “Como reconheço com qual objetivo. desperdício de água e energia etc.
ao outro”?
3ª etapa: consolide com o grupo as suges- 2a etapa: após as ações serem listadas sugira
2ª etapa: debater em grupo a compreen- tões e debata formas de atrair os jovens que criem um descrição da atividade incluin-
são que eles tem sobre a violação de direi- para as ações sugeridas. Proponha ao grupo do instruções de como fazer, caso necessário.
tos humanos. Pedir aos participantes que realizar uma das ações indicadas.
exemplifiquem situações de direitos huma- 3ª etapa: no computador, o grupo elabora o
nos. Eles devem registrar estes exemplos seu “Guia de pequenas ações para uma vida
em grandes papelotes. melhor”.

3ª etapa: após a participação dos alunos, 4a etapa: proponha ao grupo que procurem
solicitar que avaliem quais grupos sociais apoiadores no comércio local para imprimir
estão compreendidos nos exemplos e quais uma primeira edição do guia que poderá ser
outros não estão. Problematizar – por que distribuído na escola e arredores. Incentive
escolhemos relatar estes casos? Qual é meu para que procuram formas criativas e práti-
envolvimento com esta situação relatada cas de colocar as ações na internet e atrair a
ou com este grupo social? atenção dos demais alunos.

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