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As rotinas produtivas na cobertura jornalística da

Presidência no Brasil
Fábio Henrique Pereira, Ana Guerreiro Lacerda e
Michelle Mattos dos Santos∗

Índice Introdução
1 Referencial teórico utilizado 2 Diariamente, cerca de 30 jornalistas se ins-
2 As rotinas de jornalistas e assessores talam no comitê de imprensa do Palácio do
no Palácio do Planalto 3 Planalto à espera dos acontecimentos que
3 Conclusões 7 vão compor os principais assuntos do noti-
4 Referências Bibliográficas 7 ciário político em Brasília. São profissionais
jovens – a maioria não tem mais de 35 anos –
que sofrem com uma rotina de trabalho des-
Resumo: O artigo analisa a cobertura jor- gastante que pode chegar a 10, 12 horas por
nalística diária do presidente brasileiro Luiz dia. Para eles, noticiar o centro do poder nem
Inácio Lula da Silva. Para a realização do sempre é tão interessante quanto possa pa-
estudo, os autores acompanharam, durante o recer. Na verdade, tudo se resume a acom-
período de 11 a 14 de janeiro de 2005, o coti- panhar e transmitir os eventos pautados pela
diano do Comitê de Imprensa do Palácio do agenda oficial do Presidente da República,
Planalto e da Secretaria de Imprensa e Di- Luiz Inácio Lula da Silva.
vulgação (SID), ligada à Presidência da Re- Algumas escadas acima, no segundo an-
pública. O foco da pesquisa foram as roti- dar do Palácio do Planalto, os assessores que
nas produtivas dos jornalistas que cobrem o trabalham na Secretaria de Imprensa e Divul-
Planalto e suas relação com os assessores de gação (SID) da Presidência vivem uma situ-
imprensa na construção da agenda jornalís- ação contraditória: ajudar os jornalistas no
tica dos atos ligados ao presidente Lula. seu trabalho diário e preservar a imagem do

Presidente Lula. Sem as pressões de tempo e
Fábio Henrique Pereira (Universidade de Brasí-
lia) é Doutorando em Comunicação pela Universi-
deadline que costumam acompanhar as ro-
dade de Brasília. Atualmente faz estagio de douto- tinas dos repórteres, os assessores da SID
ramento na Université de Rennes 1 (França). Ana são cautelosos em divulgar uma informação
Guerreiro Lacerda é estudante de Jornalismo da Uni- e tentam se mostrar sempre disponíveis para
versidade de Brasília. Michelle Mattos dos Santos é uma imprensa que várias vezes rotulou o pre-
estudante de Jornalismo da Universidade de Brasília.
sidente como “autoritário”.
Jornalistas e assessores de imprensa. Eles
2 Fábio Pereira, Ana Lacerda e Michelle Santos

são os principais personagens deste artigo. notícias sem grandes sobressaltos (Traquina
Nosso foco são as rotinas produtivas dos pro- 1993), se constituem num atalho capaz de
fissionais que cobrem o Palácio do Planalto e facilitar as decisões pessoais dos jornalis-
a influência das relações entre imprensa e as- tas. São também uma forma eficaz de li-
sessoria na construção do noticiário sobre a dar com os constrangimentos do tempo, já
Presidência. Para isso, realizamos uma pes- que a consciência temporal estaria subja-
quisa qualitativa de caráter etnográfico, onde cente à estrutura básica das rotinas (Schle-
observamos o cotidiano da SID e Comitê de singer, 1993).
imprensa durante quatro dias, de 11 a 14 de Por outro lado, as rotinas representam um
janeiro de 2005. Completamos nossa obser- recorte artificial dos fatos, pois induzem os
vação entrevistando jornalistas e funcioná- jornalistas a adaptar a complexidade de um
rios do Palácio do Planalto. No final conver- acontecimento ao seu esquema de produção.
samos durante uma hora com o Secretário de Segundo Moretzsohn (2002), elas refletem
Imprensa e Divulgação da Presidência, Fábio muito mais o meio jornalístico do que a reali-
Kerche. dade reportada. Além disso, aos se converte-
rem em organizações excessivamente buro-
cratizadas, os media estão cada vez mais de-
1 Referencial teórico utilizado
pendentes das informações provenientes dos
Os jornalistas possuem um papel estratégico canais de rotina (conferências de imprensa,
na sociedade: dar a um evento o status de press-releases, agências, etc), processo que
notícia. Eles influenciam a percepção do pú- diminui a polifonia do discurso jornalístico e
blico e transmitem uma interpretação da rea- leva a uma excessiva dependência das fontes
lidade em que atribuem sentido a fenômenos oficiais (Sousa, 2000).
complexos. Ao situar esta função do jorna-
lista dentro da perspectiva teórica do agenda- 1.2 A ação dos promotores de
mento, Nelson Traquina (2000: 26), explica
que a notícia não pode ser tomada como um notícia
simples espelho da realidade, mas resulta da A produção da notícia não deve ser enten-
interação entre “a atuação dos membros da dida apenas como resultado isolado da ação
tribo jornalística” e a “acção estratégica dos pessoal do jornalista. Cada vez mais, como
promotores de notícia e os recursos que pos- afirma Sousa (2000), toma-se conhecimento
suem e são capazes de mobilizar para obte- da influência do contexto social na constru-
rem acesso ao campo jornalístico”. ção do noticiário. No caso, da cobertura
do Palácio do Planalto, torna-se importante
1.1 Os jornalistas e as rotinas entender como se estrutura a interação en-
tre jornalistas e assessores de imprensa. Por
produtivas isso, adotamos o marco teórico de Harvey
Durante o dia-a-dia da cobertura noticiosa os Molotch e Marilyn Lester (1993) que pres-
jornalistas estruturam seu trabalho por meio supõe a existência de três agentes, inseridos
de rotinas produtivas. Elas permitem que os no processo de produção e difusão da notí-
repórteres transformem acontecimentos em cia:

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As rotinas produtivas 3

a) Os promotores de notícia (news pro- nalto será analisada a seguir, a partir dos re-
moters): identificam uma ocorrência como sultados de nossa investigação empírica.
especial. São eles também os responsá-
veis pela proposição da agenda político-
2 As rotinas de jornalistas e
governamental;
b) Os news assemblers (os jornalistas) que assessores no Palácio do
a partir do material proposto pelos promoto- Planalto
res de notícia transformam uma ocorrência
Embora jornalistas e assessores possam ser
em acontecimento público por meio da pu-
entendidos como atores de um mesmo pro-
blicação ou radiodifusão;
cesso de construção da agenda jornalística,
c) Os consumidores da notícia.
eles atuam em instituições distintas. Os inte-
Segundo Molotch e Lester, a produção no-
resses e rotinas produtivas de quem trabalha
ticiosa nasce de uma relação entre promoto-
para o governo divergem bastante dos profis-
res e jornalistas. Por um lado, os news pro-
sionais da mídia. Por isso, uma análise da
moters preparam seus clientes no trato com
cobertura da Presidência parte de uma des-
os media. Eles se dedicariam ao treinamento
crição do cotidiano dos atores envolvido.
das fontes e à “racionalização das ativida-
des a serem divulgadas (ou eventos a serem
promovidos), adequando-se ao ritmo de tra- 2.1 O lado dos promotores
balho (ao tempo) do jornal” (Moretzsohn, A rotina dos funcionários da SID é pautada
2002: 69). Os jornalistas, por sua vez, bus- pela agenda diária do Presidente Lula, ge-
cam formatar as informações difundidas pe- ralmente definida com alguma antecedência
los promotores de acordo com suas as rotinas pelo gabinete da Presidência e pelo Cerimo-
de produção, com os valores notícia e com a nial do Palácio do Planalto. As funções da
cultura das organizações noticiosas em que Secretaria compreendem desde a parte logís-
trabalham. tica – operação de áudio e vídeo, credencia-
Para Manuel Carlos Chaparro (1993: 73), mento de jornalistas, definição da área des-
essa relação seria de dupla conveniência. tinada a repórteres e fotógrafos – ao atendi-
“Os jornalistas das redações escrevem cada mento pessoal da imprensa. Para isso, a Se-
vez mais sobre fatos que não observam e so- cretaria conta com 73 funcionários, 13 deles
bre assuntos que não entendem – precisam lotadas na sua “Redação”1 .
de bons informantes e intérpretes da reali- A divulgação de qualquer tipo de informa-
dade: as fontes empresariais e institucionais, ção é feita com bastante cautela: qualquer
geradores de fatos e atos de relevância so- declaração da SID é tomada como oficial.
cial”. As fontes, por sua vez, não sobrevi- Informações de bastidor costumam ser evita-
veriam sem a comunicação junto ao público das, embora os assessores evitem mentir para
e, portanto, necessitam da mediação promo-
1
vida pela imprensa. A Redação da SID é dividida nos seguintes se-
tores: imprensa nacional (3 jornalistas), regional (2
A forma como essa relação se estabelece jornalistas), internacional (2 jornalistas), fotografia (1
no dia-a-dia da cobertura do Palácio do Pla- jornalista), site (4 jornalistas) e operação de reporta-
gem (1 jornalista).

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4 Fábio Pereira, Ana Lacerda e Michelle Santos

os jornalistas. Quando sabem de algum ato das em tempo real pelas agências de notícias.
que não pode ser divulgado oficialmente, os Com base nesse clipping informal, é possível
funcionários da secretaria utilizam o recurso corrigir algum fato ou verificar informações
do off. obtidas em off. O maior receio dos asses-
Após ser divulgada a agenda, os jornalis- sores, contudo, são os escândalos publica-
tas começam a entrar em contato com a SID dos no Jornal Nacional, principal telejornal
em busca de detalhes sobre os eventos e in- da Rede Globo. "Se sai algo na mídia im-
formações sobre os assuntos que serão dis- pressa, esperamos até a noite para ver se o
cutidos naquele dia. O procedimento nor- Jornal Nacional vai dar. Se não der, é como
mal da Secretaria é registrar dia, hora e as- se não tivesse acontecido", afirma Ivan Mar-
sunto abordado. Nos anos de 2003 e 2004, ciglia, assessor para a imprensa regional da
os assessores atenderam 43.394 mil jornalis- SID.
tas por telefone. Outros 8.908 profissionais
foram atendidos pessoalmente2 . Para redu- 2.2 O lado dos jornalistas
zir parte dessa demanda, a SID inaugurou
em setembro de 2003uma página na inter- Os jornalistas que cobrem a Presidência tam-
net (www.info.planalto.gov.br). Durante 15 bém estão à mercê da agenda oficial do Pre-
meses de funcionamento, o site publicou 528 sidente. Enquanto esperam algum evento no-
agendas do presidente, 2.205 notas, 2304 fo- ticiável, os repórteres passam o dia sentados
tografias e 190 programas de viagem3 . Em- no Comitê de Imprensa, assistindo TV ou
bora fique disponível a qualquer pessoa, o navegando na Internet. A monotonia só é
conteúdo da página é voltado aos jornalistas quebrada quando algum político que vai ao
que cobrem a Presidência. As notas publi- Planalto decide conversar com os jornalis-
cadas, por exemplo, servem apenas para di- tas. Nessas horas, avisados por algum fotó-
vulgar um evento, dificilmente um assessor grafo, os repórteres correm e cercam o entre-
da SID fará uma cobertura ‘jornalística’ de vistado. “Aqui é um inferno”, afirma a jorna-
um evento do Presidente. Ou seja, idéia do lista da Radiobrás, Ana Paula Tamarra, “Fa-
site não é substituir o trabalho dos jornalis- zemos jornalismo de portaria, à espera dos
tas, mas subsidiá-lo, disponibilizando, inclu- que vêm e vão”.
sive, fotografias que podem ser baixadas em Jornalismo investigativo é raro junto aos
alta resolução e publicadas por veículos que profissionais que cobrem a agenda diário
não enviaram um fotógrafo para cobrir deter- do Presidente. As grandes matérias geral-
minado acontecimento. mente são produzidas por um grupo seleto de
No decorrer do dia, os assessores ainda se jornalistas como Franklin Martins da Rede
dedicam a acompanhar as matérias publica- Globo e Fernando Rodrigues da Folha de
São Paulo. Como possuem acesso direto ao
2
Dados retirados do Relatório das Atividades da presidente, esses jornalistas não comparti-
SID 2003/2004, disponibilizado aos autores pela Se-
lham da rotina diária dos repórteres que tra-
cretaria.
3
Dados retirados do Relatório das Atividades da balham no comitê. Vedetes do jornalismo,
SID 2003/2004, disponibilizado aos autores pela Se- eles transitam sem problemas no terceiro e
cretaria. quarto andares do Palácio do Planalto, local

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de trabalho do presidente Lula e dos minis- Neste caso, mentir para um jornalista para
tros ligados a Presidência. esconder uma informação confidencial pode
Cobrindo os mesmos eventos e entrevis- minar essa relação de “dupla conveniência”.
tando praticamente as mesmas fontes, os re- É o que afirmam o Secretário de Imprensa da
pórteres do Comitê são incapazes de fazer Presidência Fábio Kerche:
uma cobertura diferenciada, o que explica a
semelhança do noticiário político produzido O assessor de imprensa também tem cre-
pela imprensa. Este mecanismo de retro- dibilidade. Se eu tirar o jornalista do ca-
alimentação é chamado por alguns teóricos minho, amanhã ele não me liga de novo.
de “mimetismo midiático”. Segundo Ra- É uma troca. O jornalista passa a confiar
monet (2001: 21), o mimetismo gera uma em mim e isso me dá liberdade, dentro
confusão de suportes, “impelindo a mídia a dos limites do razoável, para ligar, corri-
precipitar-se para cobrir um acontecimento gir uma informação, conversar com ele.
(seja lá qual for) sob o pretexto de que os ou-
tros meios – principalmente a mídia de refe- O repórter Lincon Macário da Rádio CBN
rência – lhes atribuam grande importância”. confirma que, mesmo com interesses diver-
No dia-a-dia, os jornalistas que cobrem o gentes, a questão da credibilidade torna-se
Palácio do Planalto costumam recorrer aos essencial para um assessor:
assessores da SID em busca de detalhes so-
bre algum evento oficial, para confirmar al- Eles não vão passar os bastidores. Eles
guma informação de bastidor, ou mesmo pe- não têm essa obrigação. Mas eles garan-
dir um off. Informações importantes também tem que não vão nos tirar do caminho.
podem ser obtidas numa conversa informa- Se nós tivermos uma boa informação de
ção ou num documento perdido na mesa de bastidores e ligar para confirmar, eles não
algum assessor da Presidência. vão mentir.

A cooperação entre jornalistas e assesso-


2.3 Jornalistas, assessores e res explica-se em parte pela origem dos pró-
rotinas: influências na prios funcionários da SID: a maioria traba-
construção da notícia lhou em redações antes de entrar para o go-
verno. Exceção feita ao Secretário de Im-
A descrição das rotinas de assessores e jorna- prensa, Fábio Kerche, que é sociólogo e dou-
listas evidencia a influência dessa relação na tor em ciências políticas e pela assessora
produção do noticiário. Convivendo a toda responsável por imprensa internacional, Ana
hora com boatos, mas trabalhando num am- Maria Matos, formada em letras.
biente onde o acesso à principal fonte – o Em outros momentos, contudo, o interesse
Presidente – é bastante limitado, os repór- das instituições prevalece sobre o sentimento
teres do Planalto dependem de informações camaradagem entre assessores e jornalistas.
confiáveis fornecidas pelos assessores. Já os Afinal, eles trabalham em pólos distintos na
funcionários da SID constroem sua credibili- cadeia noticiosa. A busca por informações
dade na convivência diária com a imprensa.

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6 Fábio Pereira, Ana Lacerda e Michelle Santos

de bastidor, por exemplo, mostra a assime- Já citamos, por exemplo, o caso da ma-
tria dessa relação. Enquanto a oferta de in- téria sobre o almoço self service oferecido
formações é monopolizada pelas fontes, a pelo Itamaraty à delegação búlgara. No dia
busca por notícias é concorrencial: vários seguinte – 13 de janeiro –o presidente san-
jornalistas estão atrás de uma mesma infor- cionou, em solenidade no Palácio do Pla-
mação (Rieffel, 1984). “A burocracia é sem- nalto, o Programa Universidade Para Todos
pre mesma. Mudam os governos, mas nin- (Prouni), que prevê bolsas integrais para es-
guém nunca fica sabendo de nada”, reclama tudantes carentes. Mas a cobertura feita pelo
Luciana Matosinhos, repórter da Rádio Jo- jornal da TV Bandeirantes preferiu explorar
vem Pan. uma declaração feito por Lula em que ele
Divergências também acontecem entre as afirmava a intenção se inscrever no Prouni
informações divulgadas pelos assessores e os quando o seu mandato terminasse.
valores-notícia adotados pelos jornalistas4 . Parte dos conflitos entre jornalistas e as-
Alguns episódios que ilustram essa diferença sessores é provocado pelas diferentes tem-
puderam ser observador durante a pesquisa. poralidades que perpassam o mundo da po-
No dia 12 de janeiro, por exemplo, o Presi- lítica e o mundo da mídia. Autores como
dente Lula recebeu a primeira visita de um Sylvia Moretzsohn (2000), Dominique Wol-
chefe de estado búlgaro. Durante a visita, al- ton (2004) já haviam apontado essas diver-
guns acordos na área de esporte e relações gências. A pesquisadora portuguesa Estrela
internacionais foram assinados. Contudo, no Serrano (1999: 07) ilustra bem essa perspec-
dia seguinte, a matéria publicada pelo jornal tiva ao afirmar que:
Folha de São Paulo centrou-se na ausência
de garçons durante o almoço servido no Pa- O tempo dos media e o tempo da política
lácio do Itamaraty. Já no dia 13, o presidente não são compatíveis. Os media precisam
sancionou, numa solenidade no Palácio do de boas “estórias” que enfatizem os as-
Planalto, o Programa Universidade Para To- pectos fora do comum, controversos ou
dos (Prouni), que prevê bolsas integrais para dramáticos do mundo e da política. Os
estudantes carentes. Porém, a cobertura feita media orientam-se para acontecimentos
pelo jornal da TV Bandeirantes preferiu ex- que possam constituir se em oportunida-
plorar uma declaração feito por Lula, onde des de notícias, não para valores de natu-
afirmava que, ao fim de seu mandato aca- reza política.
basse, ele e o vice-presidente José Alencar Essa diferença de temporalidades foi
poderiam também se inscrever no Prouni5 . apontada pelo secretário de imprensa, Fábio
4
Segundo Mauro Wolf (1995: 175), os critérios Kerche:
de noticiabilidade ou os valores-notícia constituem-se
num “conjunto de elementos através dos quais o órgão Se governo faz uma reunião para discutir
informativo controla e gera a quantidade e o tipo de um assunto, é lógico que a imprensa já
acontecimentos, dentre os quais há que selecionar as quer a decisão. Mas não tem decisão. Às
notícias”.
5 vezes, recebo um telefonema de um jor-
Em alusão ao fato de, tanto o presidente como o
vice não possuírem diploma universitário. nalista as sete da noite, desesperado por-
que tem que fechar a matéria. E eu não

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posso responder prontamente. O tempo costumam ser pautados pelo que sai na im-
da imprensa é muito mais imediato e o prensa. E isso se reflete na agenda do pró-
tempo do governo exige mais elaboração. prio presidente que toma conhecimento das
E, às vezes esses tempos entram em con- principais assuntos da agenda mediática por
flito. meio de um clipping feito pela Secretaria
de Comunicação (Secom), pela SID e pelo
A falta de sincronia entre o ritmo dos as- porta-voz da presidência numa reunião mati-
sessores e dos jornalistas tende a se agravar nal. Não que a ação do Presidente Lula seja
na era do ‘tempo real’. Isso pode levar a duas pautada pela imprensa, mas é inegável a in-
conseqüências distintas: ou os jornalistas fluência dos media no exercício do poder.
atropelam o tempo da política e publicam in- A realidade retratada nos jornais é, por-
formações sem credibilidade, como mostram tanto, resultado de uma disputa de interes-
os trabalhos de Zélia Adghirni6 e Sylvia Mo- ses entre fontes e jornalistas. É difícil dizer
retzsohn (2002); ou os assessores adaptam- com precisão quem seria o vencedor desse
se à temporalidade da mídia. Segundo o Fá- jogo, mas é possível constatar como a buro-
bio Kerche, o Presidente Lula, por exemplo, cratização das rotinas jornalísticas, pautadas
costuma acompanhar, em tempo real, os des- pela agenda dos news promoters, a produção
pachos da Agência Broadcast, que publica de notícias sem investigação, sem enfoques
informações voltadas para o mercado finan- diferenciados, demonstra um certo distanci-
ceiro. amento entre a cobertura do Palácio do Pla-
nalto o ideal, muitas vezes romantizado, do
3 Conclusões que deveria ser o jornalismo político em Bra-
sília.
A aplicação dos conceitos de rotinas produ-
tivas e a análise das relações entre jornalis-
tas e news promoters na análise da cobertura 4 Referências Bibliográficas
do Planalto permite compreender a relevân- MOLOTCH, Harvey e LESTER Marilyn.
cia da interação entre jornalistas e assessores ‘As notícias como procedimento in-
- nos processo de construção da notícia. A tencional: acerca do uso estratégico
produção jornalística é vista um conjunto de dos acontecimentos de rotina, aciden-
ações e procedimentos que buscam dar pre- tes e escândalos’ in TRAQUINA, Nel-
visibilidade à cobertura noticiosa. Para jor- son (org.) Jornalismo: Questões, teo-
nalistas é preciso ter meios eficazes de li- rias, estórias. Lisboa (Portugal) Vega,
dar com a realidade, matéria-prima da re- 1993, pp. 34-51.
portagem. Para os assessores, a importância
está em satisfazer as demandas da imprensa MORETSZHON, Sylvia. Jornalismo em
e preservar a imagem do presidente. “tempo real” – o fetiche da velocidade.
Se a função dos news promoters é inter- Rio de Janeiro, Revan, 2002.
ferir na pauta dos jornalistas, eles também
RAMONET, Ignacio. A tirania da comuni-
6
Ver as diversas pesquisas da professora sobre jor- cação. 2a Ed. Petrópolis, Vozes, 2001.
nalismo em tempo real.

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8 Fábio Pereira, Ana Lacerda e Michelle Santos

RIEFFEL, Rémy. L’élite des journalistes.


Paris: Press Universitaires de France,
1984.

SCHLESINGER, Philip. ‘Os jornalistas e


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teorias, estórias. Lisboa (Portugal)
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TRAQUINA, Nelson. ‘As notícias’ in TRA-


QUINA, Nelson (org.) Jornalismo:
Questões, teorias, estórias. Lisboa
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TRAQUINA, Nelson ‘A descoberta do po-


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WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 4a


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WOLTON, Dominique. Pensar a Comuni-


cação. Brasília, Ed. UnB, 2004.

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