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Resumo
As ações afirmativas têm como principal objetivo a inclusão social de grupos minoritários que
no passado sofreram algum tipo de preconceito. O sistema de cotas raciais, espécie do gênero
ações afirmativas, começou a ser adotado por universidades públicas brasileiras facilitando o
acesso de estudantes negros no ensino superior, como forma de reparar a discriminação sofrida
por referido grupo no período escravocrata. Porém, além de inexistir no campo da genética
contemporânea a classificação de grupos em raças distintas, o Brasil é o país que possui o mais
alto grau de miscigenação, o que dificulta a concessão de privilégios baseados em critérios
puramente raciais. Desse modo, embora a Corte Suprema já tenha reconhecido, em decisão
unânime, a constitucionalidade do sistema de cotas raciais para o ingresso em universidades,
referido tema ainda gera acirradas discussões, merecendo, portanto, estudo científico acerca de
alguns aspectos relevantes, com ênfase em uma abordagem histórica, biológica e social, sendo
forçoso reconhecer que tal análise vai de encontro à posição firmada pelo Supremo Tribunal
Federal.
Abstract
Affirmative action has as main objective the inclusion of minority groups, who once suffered
some type of injury. The racial quotas system, a kind of affirmative action of gender, began to
be adopted by the Brazilian public universities, facilitating the access of black students to the
higher education as a way to correct the discrimination suffered by this people group during the
period of slavery. However, besides the absence of the classification of groups in different races
in the field of contemporary genetic, Brazil has the highest degree of miscegenation, which
makes difficult the granting of privileges leading into account a purely racial criterion. Thereby
in despite of Federal SuprememCourt recognition by unanimous decision, the constitutionality
for admission based on racial quotes system on public universities, still generates deeply
discussions, this theme still deserves to relevant scientific studies for certain aspects, mainly
focused on historical, biological and social approaches, being demanded to recognize that such
analysis goes against the Federal Supreme Court decision.
Introdução
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O presente artigo não tem o objetivo de discutir se o Pretório Excelso tomou a decisão
mais acertada, já que em sede de julgamento histórico simplesmente cumpriu sua função
primordial, qual seja, de “guarda da Constituição”, considerando, em suma, que a política de
inclusão de afrodescendentes em universidades públicas brasileiras seria a efetivação do
postulado da igualdade material tutelada constitucionalmente.
Em realidade, mais do que buscar um embasamento jurídico para assunto tão nebuloso,
este estudo busca enfrentar a questão através dos pontos de vista histórico, genético e social,
aspectos esses deixados em segundo plano no julgamento final levado a efeito.
É forçoso reconhecer que o entendimento da mais alta Corte do País pode ter acirrado
ainda mais a “guerra civil” entre afrodescendentes e estudantes egressos do ensino médio que
não possuem o benefício das cotas, já que ainda hoje não é difícil visualizar, nas mídias sociais,
a discriminação sofrida por negros que ingressaram em universidades públicas através das cotas
raciais.
Deve ser esclarecido que a presença da escravidão data dos tempos mais antigos
da história do homem, pois no passado aqueles que, por exemplo, perdiam uma guerra, eram
escravizados pelos vencedores.
Assim a submissão de alguns seres humanos não tinha qualquer relação com
seus atributos físicos e/ou intelectuais, mas tão somente com sua capacidade de conseguir
resultados satisfatórios em episódios de luta.
Nesse sentido ensina o geógrafo Demétrio Magnoli:
Ao longo da história, nos mais diversos contextos etnocêntricos, o termo raça foi
utilizado com finalidades descritivas e sentidos associados a “tipo”, “variedade”,
“linhagem” e “ancestralidade”. Entretanto, o termo ganhou seu sentido atual, de uma
divisão geral da humanidade amparada em características físicas e hereditárias, na
moldura do eurocentrismo e no final do século XVIII. A centelha deflagradora do
conceito foi a campanha contra o tráfico de escravos e contra o instituto da escravidão.
Desde tempos imemoriais, sociedades escravizaram seres humanos como resultado de
conquistas, guerras ou dívidas, mas esse ato nunca precisou de uma legitimação
baseada em diferenças físicas ou intelectuais.
(...)
A escravidão existiu na África, como em tantos outros lugares do mundo, muito antes
do advento do tráfico internacional de escravos. Inimigos derrotados eram convertidos
em escravos, bem como pessoas endividadas ou condenados por uma série de crimes.
No mais das vezes, os escravos trabalhavam como empregados domésticos e a
condição de cativos era temporária. Mas o princípio da escravidão inscrevia-se na
tradição, de modo que a captura de escravos para a venda aos traficantes estrangeiros
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vontades daqueles. O quilombo mais conhecido da história do Brasil foi o de “Palmares”, que
tinha o negro Zumbi dos Palmares como líder (MAGNOLI, 2009).
Ante o exposto conclui-se que embora os negros tenham sofrido em decorrência
da escravidão, fato este inegável, o simples argumento referente ao racismo não pode ser
utilizado como respaldo a justificar todo um período escravocrata, período este que encontra
seu fundamento em outras questões diversas, mas nunca na cor da pele considerada em si
mesma.
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mulata clara (portanto, já parcialmente “branqueada”), ter se casado com um migrante branco
e gerado uma criança de tez branca” (SANTOS; MAIO, 2004, p. 62).
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3 Ações Afirmativas
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visão do juiz Lewis Powell no caso Bakke: ‘cotas rígidas são inconstitucionais, metas a ser
atingidas por critérios de raça não’ ” (SANTOS, 2005, p. 67-68).
Portanto a utilização de meta, ou seja, objetivo a ser buscado com empenho e
boa-fé, figura como sendo constitucional, o que não ocorre com a cota, uma vez que essa deve
ser cumprida de maneira rigorosa, normalmente estabelecida em números.
4 Cotas Sociais
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pesquisa feita pela agência de pesquisa Hello Research no primeiro semestre de 2015 (G1,
2015)”, e mais, “de acordo com o levantamento, 48% dos pesquisados apoiam a política de
cotas sociais no ensino superior, enquanto 38% aprovam o uso de cotas raciais” (G1, 2015).
Considerações Finais
Por derradeiro e como de início frisado a política de cotas raciais, para o ingresso de
estudantes negros em universidades públicas brasileiras, como forma de reparar toda
discriminação historicamente sofrida, não se sustenta à luz da escravidão, uma vez que todo
processo escravocrata não pode ser justificado com a utilização de um simples argumento, qual
seja, “cor da pele”.
Ademais não se pode olvidar que além dos próprios negros terem participado da
escravidão dos seus iguais, mantendo tal prática – como foi o caso da escrava Chica da Silva
que ao fazer parte da nobreza passou a ter seus próprios serviçais, e de Zumbi, líder do quilombo
de “Palmares”, local onde se abrigava e escravizava certos fugitivos –, brancos pobres também
foram sobremodo lesados em referido período, tendo em vista que viviam à mercê dos grandes
proprietários rurais.
Outro ponto merecedor de destaque encontra respaldo na constatação de que as políticas
raciais também não se justificam a luz de aspectos biológicos. Conforme exaustivamente
explanado em tempo anterior, os estudiosos do genoma humano entendem que para a genética
contemporânea errônea é a classificação de grupos em raças distintas.
Restou sobejamente demonstrado que a humanidade descende diretamente de uma
mesma linhagem africana, formada há alguns mil anos, que em razão de ter se expandido para
diferentes lugares, a cor da pele de cada grupo acabou resultando de um processo natural
somado à intensidade dos raios solares incidentes nos diferentes locais habitados. Assim
enquanto a pigmentação da pele de alguns indivíduos passou a ser mais acentuada, a coloração
de outros ficou menos marcante.
Na realidade a segregação de grupos por raças subsume em uma necessidade político-
social para a concessão de privilégios a certos grupos considerados minoritários, com a
utilização de argumentos que em verdade não possuem qualquer respaldo científico.
Cumpre observar, outrossim, que o modelo norte-americano de políticas positivas,
adotado pelo Brasil, não condiz com a realidade aqui encontrada. Após a abolição da
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discriminação sofrida por seus antepassados que não puderam ingressar em uma universidade
pública por terem sido classificados como brancos. Pois nessa época o mérito acadêmico e a
capacidade intelectual de cada indivíduo eram preteridos ao critério racial, ainda que este tenha
sido considerado inexistente sob o ponto de vista da genética humana.
Não é demais ressaltar que o presente artigo científico foi baseado na premiada
monografia apresentada pela autora quando da conclusão de seu curso de Direito, na qual
defendeu, antes da pacificação do tema pelo Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade
das cotas raciais para o ingresso em universidades públicas brasileiras, aplaudindo a
necessidade de adoção das cotas sociais.
Naquela oportunidade foram destacados diversos pontos, inclusive os detalhados neste
artigo, valendo salientar que embora o Pretório Excelso já tenha emanado decisão final, a autora
mantém sua opinião anteriormente firmada e agora ratificada no que diz respeito à temática,
ainda que desprovida, por ora, de validade e aplicação prática, vez que futuramente a Corte
Suprema pode vir a alterar, com efeitos prospectivos (ex nunc), seu atual e já consolidado
entendimento.
Referências
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Associados, 2002.
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Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.6, n.6, p.28-42, jul/dez.2015