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A terceira onda extremista (1963-64), que levaria a esquerda e os movimentos sociais, mais uma vez – vide
artigo anterior –, aos calabouços, não seria, infelizmente, a última. A culpa pelo mau cálculo e o subsequente desastre
político, como de costume na esquerda brasileira – para a qual autocrítica não passa de uma modalidade laica de
expiação de culpa –, não recairia sobre seus idealizadores/implementadores, mas sobre seus inimigos (o
“imperialismo latifundista”) e a parcela mais experimentada da esquerda radical que, refletindo sobre a tortuosa
trajetória, tateava uma alternativa, ainda que enredada em seus mitos e utopias.
Foi assim que o PCB assistiu, impotente, a debandada de sua juventude em direção à luta armada de
inspiração cubana (foquista), a partir de 1967 – até ser esmagada pela repressão em 1974. Enquanto brizolistas,
castristas e maoístas, buscavam o caminho das armas, supondo estar o povo à sua espera, o PCB enveredou pela
resistência pacífica dando apoio à Frente Ampla que, em 1966, uniu, no exílio, João Goulart, Juscelino Kubitschek e
Carlos Lacerda, e, posteriormente, animando a oposição criada pela reforma partidária de 1965 (Ato Complementar
4), que instituíra o bipartidarismo (Arena x MDB).
transição democrática, os louros da resistência foram colhidos pelos remanescentes do caminho revolucionário: como
explicar o paradoxo?
Uma das causas do fenômeno, para além do peso do milenarismo na cultura continental, foi a relativa
paralisia que tomou conta do PCB após a razzia repressiva de 1974-76, que eliminou um terço de seus dirigentes
nacionais, levou o restante ao exílio, e desmantelou suas conexões internas. Como consequência, os quadros
remanescentes, que restaram no país, fecharam-se em extremada clandestinidade, crispando ainda mais a mentalidade
de gerações formadas na adversidade da ilegalidade. Mesmo tendo Prestes rompido com o partido na volta do exílio
(1979) – formalizando sua dissidência na Carta aos Comunistas (1980) –, o partido prosseguiu fiel ao sovietismo e
resistente à renovação de seus quadros e métodos, colocando-se a meio caminho do necessário encontro com a nova
sociedade brasileira transformada pela industrialização acelerada do período 1967-1979.
A exacerbação defensiva fechou o partido para a sociedade e as novas gerações. Os jovens que se
aproximavam do PCB nesse período tinham uma noção de radicalidade diversa da dos dirigentes – a maior parte deles
formada nos embates dos anos 1930-50, quando o país ainda era predominantemente rural. Enquanto para os velhos a
radicalidade se confundia com períodos da própria trajetória onde predominara o sectarismo e o revolucionarismo,
para os jovens ela significava uma mudança drástica nas instituições republicanas e nos organismos
sociais/partidários, no sentido da aproximação com as bases por meio da pluralidade de ideias e dos métodos
democráticos – inclusive internos às organizações.
Em termos práticos, a renovação inconclusa dos comunistas – uma tradição de longa data1 – significou a
interdição efetiva de toda uma geração de novos quadros bem preparados à posição de direção, que continuaria nas
mãos da geração heróica formada em condições bem mais desvantajosas e culturalmente defasada em relação ao
novo país que emergia. A consequência foi o desencontro entre a nova política democrática dos comunistas e a
geração radical-democrática em desacordo com seus métodos e crenças ideológicas, o que acabou por abortar as
possibilidades competitivas do PCB diante de um PT que nascia encetando essas expectativas.
Enquanto a classe operária irrompia num cenário político de agitações marcadas pelo protagonismo
intelectual e estudantil das classes médias renovadas, o PCB aprofundava seu hiato ideológico-social ao reagir de
modo convencional aos novos desafios colocados pela agitação popular. Em novembro de 1978, por meio de sua
imprensa clandestina (Voz Operária)2, os pecebistas afirmavam que “(…) o melhor canal para onde fazer confluir (…)
1 Vide Raimundo Santos, A Primeira Renovação Pecebista: reflexos do XX Congresso do PCUS no PCB (1956-57); ed. Oficina de Livros/BH-
1988.
2 Apud Hamilton Lima, O Ocaso do Comunismo Democrático – o PCB na última ilegalidade (1964-84), in.
<http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/278789>, pp.246-247.
BLOG OPINIÕES – HAMILTON GARCIA
toda a movimentação (…) em favor das soluções democráticas é o Congresso Nacional” e que “(…) estes objetivos só
podem ser realizados com a (…) unidade do MDB (…)”, onde "caberá a estes parlamentares introduzir
permanentemente no debate político nacional as grandes reivindicações dos movimentos populares (…)”.
Apontando a via institucional concreta para a superação do regime de exceção, os comunistas, ao mesmo
tempo, sem se aperceberem, colocavam em segundo plano a pressão pela renovação da política em si, que a equação
parlamentar-emedebista expressava apenas em parte, menosprezando os efeitos positivos das mudanças que a frente
democrática estava fadada a sofrer diante dos novos desafios sociais e da iminência da volta das velhas lideranças
exiladas, entre elas Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes.
O novo contexto abriria as portas para a ascensão das esquerdas às estruturas de poder do Estado a partir
das eleições de 1982, com a participação marginal do PCB. Mas, as promessas de grandes mudanças não se
realizariam, dada as pressões centrípetas do sistema de poder vigente e o despreparo das esquerdas em encarar o
desafio numa perspectiva frentista; tal como apontado pelo VI Congresso do PCB em 1967. Mas, isso é assunto para o
próximo artigo.