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NA ESCURIDÃO, EU ESPIO

Aquela era uma terra de névoas e escuridão, onde as árvores eram retorcidas e as estrelas
abandonavam o céu. Era para lá que as pessoas iam em busca de esperança. Para alguns, esperança
de poder. Para outros, de reversão.
Liam avançava pela estrada velha com convicção. Seus passos largos não hesitavam, e sua
postura era ereta, mesmo com o peso da mochila sobre seus ombros. Depois de horas de viagem,
ainda não havia parado para descansar. Continuava seguindo. Só pararia quando pudesse finalmente
ver a floresta, se espalhando diante de si.
A lua agora era apenas um resquício no céu, com as nuvens espessas a cobrindo, permitindo
apenas com que um filete de luz pálida escapasse. Essa luz iluminava a estrada parcamente,
servindo mais para criar sombras movediças ao redor do que propriamente revelar o caminho. O ar
ficava cada vez mais frio, Liam percebeu, a cada passo que dava. Sentia suas juntas se enrijecendo,
mas continuava. Em determinado momento de sua viagem, os sons que ouvia vindos da escuridão o
preocuparam, mas agora não podia ouvir nada. O mundo prendia a respiração ao seu redor. Isso o
preocupava ainda mais. Mas indicava que estava chegando lá, um passo de cada vez.
O tempo ali era difícil de se medir. Tudo permanecia igual, como se andasse em círculos, as
mesmas pedras, as mesmas raízes que avançavam pela estrada. Liam tentava manter o ritmo, como
uma maneira de computar seu avanço. Não sabia quanto tempo levaria para chegar lá, ou por
quantas milhas aquela estrada se estendia. Essa era a parte ruim de lugares amaldiçoados. Ninguém
fazia questão de documentar seus pormenores.
Porém, com o tempo, as coisas começaram a mudar. Liam percebeu vultos que surgiam ao
seu redor, mesmo sem conseguir reconhecer suas formas. Primeiro, eles apareciam esparsos,
sombras solitárias ao redor da estrada. Então, começaram a se tornar mais frequentes. Liam se viu
cercado por eles. Eram ruínas de uma cidade. Aqui, o que restou de uma casa. Ali, um muro de
tijolos caído. Suas formas agora estavam mais claras, mesmo a lua ainda estando encoberta no céu.
Era como se a própria terra se iluminasse. Não. Era como se ela se fizesse visível, mesmo através da
escuridão.
Logo após as ruínas, a estrada começou a subir uma colina. O monte não era íngreme, mas
foi o suficiente para fazer Liam diminuir os passos. Seus músculos queimavam, e uma possível
caibra se anunciava. Continuou seguindo. O frio agora era intenso, e ele podia ver sua respiração se
tornar fumaça. A floresta estava próxima, logo depois da subida. Liam tinha certeza. Os relatos
nunca davam sua posição exata, mas podia senti-la em seus ossos. Era um toque afiado, singelo, que
poderia passar despercebido.
As ruínas da cidade haviam ficado para trás, restando apenas alguns escombros pequenos,
não mais que montes de madeira e pedra. A estrada agora carregava buracos que dificultavam ainda
mais o avanço. O restante da subida foi exaustivo mas, finalmente, Liam atingiu o cume. E então
ele viu. Uma sombra sob a sombra, se estendendo e alcançando o horizonte. O céu se tornou um
negrume opaco, mas Liam podia reparar cada detalhe da floresta. O terreno irregular criava vales
que aprisionavam a noite, e as árvores que compunham a vista eram negras e deformadas. Não
conseguia avistar o solo, pois os galhos carregados de folhas criavam um teto denso para a floresta.
O toque se apertou mais uma vez, agarrando seu coração e o congelando.

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