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A A R T E D A T E S H U V Á • R AV K O O K

O que é Teshuvá?

O tema “teshuvá” é central no judaísmo, e não é à toa que esses primei-


ros dez dias do ano – justamente os que incluem tanto o Rosh Hashaná como
o Iom Kipúr – são conhecidos como “Os dez dias de Teshuvá”.
Mas, o que é teshuvá?
O Rav Kook – um grande mestre do judaísmo do início do século passa-
do – escreveu um livro inteiro só sobre isso, mas com muita profundidade e
num estilo sucinto e poético que é quase incompreensível para nós. Já o texto
a seguir, extraído do livro A Arte da Teshuvá, apresenta e desenvolve as ideias
do Rav Kook sobre a teshuvá especialmente para nós, que não estamos fami-
liarizados com a complexidade de seu estilo, sua rara erudição e sensibilidade
espiritual.
A abrangência da visão do Rav Kook sobre a teshuvá, contrariamente ao
conceito comum e empobrecido que enxerga a teshuvá apenas como arrepen-
dimento ou penitência, nos ajudará a enxergar com clareza a grandiosidade
deste processo de retorno à fonte, à raiz da vida, ao estado mais puro e natural
que se pode alcançar e de aperfeiçoamento do mundo, pois – acreditem! –
toda a humanidade está destinada à perfeição e à elevação espiritual.
Boa leitura e boa teshuvá!
1. O segredo da felicidade

Seja feliz

Caro leitor,
Se você aspira ser feliz, criativo e viver em harmonia com Deus e com o
universo, o Rav Kook oferece a receita: a teshuvá.
Para o Rav Kook, a teshuvá é um conceito muito mais profundo do que o
entendimento comum de arrependimento. Vai muito além da penitência pelos
pecados ou do remorso que a pessoa deve sentir após se desviar dos cami-
nhos da bondade e da verdade. Apesar de englobar também esses fatores, o
fenômeno da teshuvá se estende por todo o universo, trazendo harmonia e
perfeição a toda a existência.

Retorno à fonte

Apesar de teshuvá ser normalmente traduzido como penitência ou arre-


pendimento, a raiz da palavra hebraica teshuvá significa “retorno”.
A teshuvá é um retorno à fonte, à raiz de cada um, ao mais profundo
interior da pessoa.
O Rav Kook escreve:

“Quando se esquece a natureza essencial da própria alma, quando se


deixa a introspecção na essência da vida interior de si próprio, tudo se
torna embaralhado e duvidoso. A teshuvá principal, que ilumina de ime-
diato os lugares obscuros, é que a pessoa retorne a si mesma, à fonte
de sua alma. Ela imediatamente irá retornar a Deus, a Alma de todas
as almas, e se elevará cada vez mais e mais alto em santidade e pureza.
Isto se aplica tanto a uma pessoa em particular quanto a um povo inteiro,
à toda a humanidade e ao aperfeiçoamento de toda a existência.”

Tudo que representa um retorno ao puro, original e natural, seja no cam-


po físico, moral ou espiritual, é parte da teshuvá. Enquanto desenvolve suas
ideias sobre a teshuvá, o Rav Kook fala tanto para o indivíduo quanto para o
povo judeu como um todo. A teshuvá diz respeito ao povo de Israel e vai ainda
além disso. Toda a humanidade está destinada à perfeição e à elevação. O Rav
Kook escreve até mesmo sobre a teshuvá dos Céus e da Terra, quando o tronco
de uma árvore será tão saboroso quanto seus frutos e a Lua retornará ao seu ta-
manho original, tão grande e brilhante quanto o Sol. Na verdade, a teshuvá é a
força que compele todos os mundos espirituais e físicos em direção à plenitude.
É compreensível que, para alcançar satisfação e felicidade, a pessoa
deva agir com naturalidade, ser ela mesma. Nos tempos modernos, este con-
ceito foi deturpado e traduzido na expressão “faça do seu jeito”. O Rav Kook
prega uma busca interior profunda, muito além da superficialidade das paixões
e emoções que frequentemente levam as pessoas a expressar todos os seus
desejos e ambições. O Rav Kook entende que o indivíduo, assim como toda a
existência, deriva de uma fonte espiritual profunda. Nossa verdadeira essência
se encontra neste domínio de pureza absoluta. Ao trilhar esta jornada interna
da teshuvá, a pessoa encontra sua própria alma e o Criador que a concebeu. De
acordo com as palavras do Rav Kook,

“Apenas com a grande verdade do retorno a si próprio retornarão o in-


divíduo e a nação, o mundo e todos os mundos – toda a existência –  ao
seu Criador, para serem iluminados com a luz da vida.”

Ao longo da história, o ser humano tem buscado encontrar a força con-


dutora da vida. Para o capitalista, o mundo gira em torno do dinheiro. Para
o romântico, o amor é o que apaixona a humanidade. Freudianos culpam os
desejos inconscientes do ser humano e a libido. Ao observar através das lentes
do microscópio, um físico moderno declara que os átomos e os nêutrons dão
movimento ao mundo. Para os biólogos, a força unificada reside em cadeias
de DNA.
Quando o Rav Kook analisa o interior da alma, seja a alma individual,
seja a alma global, ele enxerga que a força determinante de toda a existência
é a teshuvá.

A era da angústia

São visíveis a escuridão, a confusão e a dor que permeiam o mundo.


As livrarias estão repletas de livros de autoajuda que prometem a chave para
se alcançar a felicidade. Ocupando prateleiras e mais prateleiras, enfileiram-
se livros de Psicologia. Nossa geração foi apelidada de “Era da Angústia”. É
frequente ver pessoas cuja vida se encontra assolada por depressão, doença,
sentimento de vazio e inquietação constante. Psiquiatras, psicólogos e huma-
nistas, tais como Freud, Jung, Adler, Horney, Fromm, May, Erikson, Dr. Dryer e
muitos outros, tornaram-se os profetas da atualidade, propondo incontáveis
teorias com o intuito de explicar os dilemas existenciais do ser humano. Ora
dizem que sofremos de Complexo de Édipo ou de uma ansiedade primária por
havermos sido separados do ventre materno, ora apontam o desejo sexual re-
primido ou o trauma da morte. Seja como for, a humanidade está repleta de
neuroses. Cápsulas de Valium e uma variedade de antidepressivos podem ser
encontrados nos armários de remédios das melhores famílias. Sem mencionar
as 24 horas diárias de bombardeio por trabalho, televisão, discotecas e drogas,
usados para eliminar o intermitente sentimento de angústia.
O psicólogo Erich Fromm, em seu livro Psicanálise e Religião, descreve
uma interessante fotografia que captura a dor do ser humano comum:
“Muitas vozes proclamam que o modo como vivemos nos traz felicida-
de. Entretanto, quantas pessoas em nosso tempo são felizes? É interessante re-
cordar uma fotografia publicada na revista Life há algum tempo, na qual se via
um grupo de pessoas que esperava pela luz verde do semáforo na esquina de
uma rua. O que causava espanto e choque na imagem era o fato de que todas
as pessoas, que pareciam atordoadas e assustadas, não haviam testemunhado
um terrível acidente, mas, como o texto explicava, eram apenas cidadãos co-
muns a caminho do trabalho.”
Fromm prossegue afirmando:
“Fingimos que a nossa vida se baseia numa fundação sólida e ignoramos
as sombras de inquietações, angústias e confusão que nunca nos deixam.”
O Rav Kook compreende toda essa escuridão e angústia. Ele não vê suas
fontes em causas externas, em traumas de infância e tampouco em pressões
sociais por normas comportamentais. Ele enxerga além do social, cultural, psi-
cológico, sexual e da dinâmica familiar, espalhando a luz espiritual sobre a con-
fusão e a dor do mundo.

“De onde deriva a melancolia? Devemos responder: da abundância de


más ações, opiniões e características que atuam sobre a alma. Pois ela
sente, com seu sentido penetrante, sua amargura e se enoja, fica assus-
tada e melancólica.”
“Toda melancolia vem como resultado do pecado – e a teshuvá ilumina a
alma e transforma a melancolia em alegria. A melancolia geral do mundo
tem sua fonte na imundície coletiva encontrada na atmosfera do mundo,
que vem dos pecados da sociedade, dos indivíduos e do pecado oculto da
Terra, que emergiu para a realidade com o pecado do ser humano.”

Se o Rav Kook examinasse a fotografia publicada na revista Life, na qual se


vê pessoas tensas e infelizes esperando para atravessar a rua, ele sugeriria uma
única razão para essa ansiedade e uma explicação muito mais profunda que a su-
gerida por qualquer psicólogo. Uma razão mais profunda e uma cura moderna:

“Cada pecado impõe um temor específico sobre a alma, que não desa-
parece senão por meio da teshuvá. Proporcionalmente à profundidade
da teshuvá, o próprio temor se transforma em confiança e coragem. A
impressão deixada por esse temor, que vem através do pecado, pode ser
percebida nas linhas do rosto, nos movimentos, na voz, na conduta, na
escrita manual, no estilo de linguagem, no discurso e, mais particular-
mente, nos escritos, na expressão e na ordenação das ideias.”

A melancolia e a angústia que assombram a humanidade não resultam


do “trauma do nascimento”, mas de uma separação espiritual muito profunda
– a separação de Deus.

“Eis que vejo como as iniquidades se levantam como uma barreira diante
da clara luz Divina, que irradia com grande brilho sobre cada alma. Elas
obscurecem e escurecem a alma.”

O antídoto é a teshuvá. Para o indivíduo, para a comunidade e para o


mundo. O Rav Kook ensina que, para descobrir a verdadeira alegria interior,
cada pessoa, assim como toda a Criação, deve retornar para a Fonte da exis-
tência e construir uma conexão viva com Deus.
Os livros sobre aperfeiçoamento pessoal, Psicologia e autoajuda encon-
trados nas livrarias podem conter muitas reflexões e dicas úteis. Afinal, o ser
humano é influenciado por uma ampla série de fatores, alguns deles ocorridos
até mesmo antes de seu nascimento, durante a fase no ventre materno, nos
anos de infância e ao longo das diversas fases enfrentadas na vida de cada indi-
víduo. O Rav Kook revela que, além de todas as teorias e curas da moda, existe
um fenômeno espiritual de intensa beleza, num nível muito mais profundo. É
como uma borboleta enclausurada em seu casulo esperando para voar livre-
mente. Esta é a luz e o admirável poder de cura da teshuvá.

2. Os três estágios da Teshuvá

O Rav Kook começa a análise da teshuvá descrevendo suas três fases


básicas. Ele enumera o estado que a pessoa que almeja felicidade na vida deve
adquirir:

1) Um corpo e uma mente saudáveis


2) Uma orientação saudável para a fé religiosa
3) Uma aspiração idealista de estar em concordância com os planos de
Deus para o universo.

“A teshuvá nós encontramos em três categorias:


1) Teshuvá natural
2) Teshuvá baseada na crença
3) Teshuvá intelectual.”

Entrando em forma

O conceito da teshuvá, que vai além do mero reparo religioso para estar
em harmonia com a perfeição da Criação, começa com um simples conselho:
seja saudável. Nós mencionamos que a teshuvá é essencialmente o retorno de
cada um às suas próprias raízes. Para alcançar isto, a pessoa deve inicialmente
retornar ao seu ser físico natural, à sua essência física natural. Para alcançar a paz
interior e a harmonia com o mundo, a pessoa deve antes ter um corpo saudável.
Nos tempos modernos, quando proliferam lojas de produtos naturais
e academias de ginástica, este simples ensinamento é conhecido por prati-
camente todos. Um corpo saudável é a base para qualquer empreendimento
criativo. O desconhecido, no entanto, é que, como ensina o Rav Kook, esta prá-
tica faz parte do processo de teshuvá. Estar em forma é um fator importante
não apenas para o bem-estar pessoal, mas também para a construção de uma
conexão com Deus.

“A teshuvá física diz respeito a todas as transgressões contra as leis da


natureza, da consciência moral e da Torá ,que estão ligadas às leis da
natureza. Pois o resultado de toda má conduta é enfermidade e dor, e o
indivíduo, bem como a sociedade, sofrem intensamente por meio disso.
Após a análise que deixa claro para o indivíduo que ele próprio, com sua
má conduta, é o responsável por toda a deterioração de sua vida, ele se
concentra em retificar a situação, retornar às leis da vida, guardar as leis
da natureza, da moral e da Torá – de maneira que volte a viver e que a
vida lhe seja restaurada em todo seu vigor.”

A pessoa é saudável quando seu metabolismo funciona naturalmente


em equilíbrio. Ao estar em sintonia com o funcionamento interno e harmônico
de seu corpo, a pessoa é capaz de se alinhar corretamente com o mundo. Pode
soar como um ensinamento da mística oriental, mas é simplesmente um bom
conselho. Para estar em sintonia com os canais espirituais que conectam o céu
à Terra, a própria pessoa deve antes se pôr em condição física saudável. Prova
disto é que um dos requisitos para se atingir o nível de profecia é manter o
corpo em estado forte e saudável. Saúde física e espiritual caminham juntas. O
Maimônides, que costumava exercer a Medicina durante o tempo em que não
se dedicava à Torá, detalhou sistematicamente em seus escritos as regras para
uma vida saudável, enfatizando a importância de exercícios físicos, de uma die-
ta apropriada e de cuidados com o corpo, considerando todos estes pré-requi-
sitos para a observância da Torá.
Hoje, parece que cada pessoa tem uma grande lista de médicos. Muitas
são incapazes de agir sem o amparo de uma variedade de pílulas e comprimi-
dos. Clínicas médicas agendam consultas com antecedência de vários meses.
Contudo, o estado natural do ser humano é ser saudável. Dor física, letargia e
obesidade excessiva são sinais de que o corpo precisa de reparo. Às vezes, o re-
médio é a Medicina. Em alguns casos, uma dieta apropriada. Em outras ainda,
descanso e relaxamento trazem a cura.
O apelo do Rav Kook por um estado natural de bem-estar foi parcial-
mente atendido em nossa geração. Em nosso mundo moderno, existe uma
vasta indústria mundial voltada para tudo que é natural. Nós temos comida
natural, legumes e frutas orgânicas, pão de farinha integral natural, chás e me-
dicamentos naturais, roupas naturais e uma grande variedade de estilos de
vida que pregam o retorno à natureza. No passado, escrevia-se nos rótulos dos
alimentos os ingredientes que eles continham. Agora, é comum ler nos rótulos
os ingredientes que o alimento NÃO CONTÉM: não contém conservantes, não
contém aditivos, não contém sal, livre de carboidratos, não contém corantes
artificiais, e outras informações do gênero.
Seguindo o conceito de “retorno ao Éden”, o Rav Kook ensina que, quan-
do a pessoa corrige um hábito não saudável, ela está fazendo teshuvá. Assim,
podemos dizer que as academias de ginásticas espalhadas por todos os cantos
estão repletas de pessoas fazendo teshuvá. Se você se exercita numa bicicleta
ergométrica para entrar em forma, você está se aproximando de Deus. Atletas
estão fazendo teshuvá.
De acordo com isso, uma pessoa que deixa de fumar está se engajando
no arrependimento. Uma pessoa obesa que faz uma dieta está embarcando
numa jornada de aperfeiçoamento pessoal e ticun (“conserto”). Um adoles-
cente viciado em refrigerante que modifica seus hábitos e passa a beber sucos
de fruta está retornando a um estado mais saudável. Em lugar de cafeína, o
sangue que corre por seu sistema sanguíneo levará vitaminas. Na linguagem
do Maimônides, a pessoa está substituindo um alimento meramente saboroso
por outro benéfico ao metabolismo humano. Segundo sua explicação, a pessoa
deve sempre comer o que é saudável em vez de alimentos que apenas atraem
seu paladar. Curiosamente, o guia do Maimônides para uma vida saudável,
escrito há muitas gerações, é bastante similar aos mais recentes best-sellers
sobre o tema no mercado.
É importante notar que, enquanto o bem-estar físico é uma regra básica
para a qualidade de vida, a obrigação de ser saudável é um preceito da Torá.
Nós somos conclamados a preservar nossa vida com cuidado .Esta é uma ad-
vertência para evitar perigos desnecessários e manter vigilância sobre nossa
saúde. Infligir a si mesmo qualquer tipo de ferimento ou dano físico (como
fumar em excesso) é proibido. O Maimônides explica:
“Ter um corpo íntegro e são é parte do serviço a Deus, pois é impossível
alcançar entendimento e sabedoria para conhecer o Criador se a pessoa esti-
ver enferma. Portanto, ela deve evitar agir de maneira que cause danos a seu
corpo e procurar adquirir hábitos que promovam sua saúde.”
Ao final do livro Orot Hateshuvá, o Rav Kook nos ensina que a teshuvá
está ligada a força e valor pessoal. O ser humano foi criado para ser uma cria-
tura forte e ativa. Isto não se aplica somente aos atletas; é válido também para
pessoas de espírito iluminado. Os homens santos citados na Torá possuíam
grandes qualidades e sabedoria, mas eram igualmente dotados de grande bra-
vura e atributos físicos. Apesar de Jacob ter dedicado toda sua juventude ao
estudo da Torá, ele era capaz de erguer uma enorme pedra quando isso se fazia
necessário. O franzino e jovem pastor David era capaz de sobrepujar leões e
ursos. E a Inspiração Divina (rúach hacodesh) que marcou a vida de Sansão não
se tratava apenas de sabedoria, mas de uma incrível força física.
O Rav Kook escreve que a pessoa deve fazer teshuvá por fraquezas físi-
cas e suas consequências .Uma pessoa muito obesa, por exemplo, que se can-
sa facilmente, pode não dispor da energia necessária para cumprir os preceitos
com o devido entusiasmo ou sentir-se muito fraca para resistir às tentações do
corpo. Sua fadiga pode interferir no seu estudo de Torá e em suas orações. No
serviço a Deus, corpo e mente fortes devem caminhar de mãos dadas.
O Rav Kook explica que, em grande parte, a vontade debilitada é con-
sequência da falta de energia e força física .Com a força de vontade fraca, a
pessoa pode adquirir muitos hábitos ruins. Como parte do processo de rea-
bilitação, a pessoa deve melhorar sua saúde física, assim como seu mundo
espiritual e moral.

Uma mente e um corpo poderosos

É interessante notar que, ao exaltar os benefícios do exercício e do corpo


saudável, o Rav Kook foi condenado e censurado por alguns grupos ultraorto-
doxos que pertenciam ao antigo assentamento de Jerusalém (ishuv haiashan).
Em sua obra clássica Orot, o Rav Kook escreve que o exercício físico de jovens
judeus em Érets Israel, visando fortalecer seus corpos para se tornarem pode-
rosos filhos da nação, adiciona força para todo o povo judeu, possibilitando aos
justos trazer mais luz Divina ao mundo.

“Quando jovens se engajam no esporte para fortalecer suas capacida-


des físicas e sua moral, com o propósito de aumentar a força da nação
(...), este empreendimento sagrado eleva a Presença Divina sempre mais
alto, da mesma maneira que esta pode ser exaltada pelos cânticos e ora-
ções proferidos por David, rei de Israel, no Livro dos Salmos...”

Ao ouvir a comparação entre esporte e os Salmos do rei David, a co-


munidade ultraortodoxa de Jerusalém atacou veementemente o Rav Kook. Ela
temia que qualquer elogio aos sionistas seculares pudesse levar ao rompimen-
to das barreiras entre o sagrado e o profano. Além desta preocupação real, a
atitude negativa dela em relação à força física pode ser vista como consequên-
cia da miserável situação vivida pelos judeus no gueto. Na Galut, os judeus da
diáspora eram indefesos contra a opressão dos gentios. Desenvolveu-se uma
filosofia segundo a qual o judeu deveria procurar somente a Deus por salvação
e resgate. Como poderiam os judeus, em número tão inferior, lutar contra os
opressores? Bravura física não tinha significado algum. O judeu estava conde-
nado a apoiar-se somente na Torá e na reza. Apesar desta realidade ser verda-
deira na diáspora, com o retorno do povo judeu a Israel, a força física tornou-se
uma necessidade para que os judeus pudessem assentar-se com sucesso na
terra e defender suas cidades frente a vizinhos hostis.
Na geração do ressurgimento nacional, enquanto o povo judeu retorna-
va à sua terra natal, um novo tipo de judeu religioso deveria surgir para assumir
o desafio. O Rav Kook escreve em Orot:

“Nossa demanda física é grande. Nós precisamos ter um corpo saudá-


vel. Imersos em nossa profunda preocupação com a espiritualidade, nos
esquecemos da santidade do corpo. Negligenciamos a saúde do corpo e
sua força. Nos esquecemos de que temos uma carne sagrada, não me-
nos santa que nosso sagrado espírito. Nós abandonamos a vida prática
e negamos nossos sentidos físicos e aquilo que está conectado com a
realidade física tangível, devido a um temor causado pela falta de fé na
santidade da terra...”

De fato, é o ressurgimento da força física da nação que renova o fortale-


cimento espiritual.

“Toda nossa teshuvá somente alcançará sucesso se, juntamente com seu
esplendor espiritual, ela for uma teshuvá que produza sangue saudável,
carne saudável, firme, corpos poderosos e um espírito flamejante que se
alastre por músculos fortes. Através do poder da santificação da carne, a
alma enfraquecida então brilhará – com a ressurreição física dos mortos.”
Judeus, religiosos ou não, não devem ser pessoas sofredoras e fracas
que podem ser empurradas por qualquer um. Não podemos nos envergonhar
do nosso corpo. Nós devemos ser fortes para estudar Guemará e para recons-
truir a Terra.
Em outras palavras, se árvores frutíferas não forem plantadas por judeus
em Israel, tampouco acontecerá a colheita dos frutos, o mais seguro sinal da
redenção. O Rav Kook enxergava que o repovoamento de Tsión, mesmo por ju-
deus laicos, era um grande ato de teshuvá, um retorno da nação às suas raízes.
Portanto, o primeiro passo na jornada da teshuvá consiste na saúde físi-
ca, tanto para o indivíduo quanto para a nação. E realmente, em todas as par-
tes do mundo, as pessoas estão “malhando” para adquirir uma aproximação
maior a Deus. Uma vez que seus corpos estiverem em forma, o próximo passo
será trocar as músicas em seus aparelhos de walkman por fitas de conteúdo
mais sagrado.

Saúde mental

A segunda categoria da teshuvá natural está ligada ao estado psicológico


e moral do ser humano.

“Mais profunda é a teshuvá natural relacionada à alma e ao espírito. Ela


é o que chamamos de remorso. É da natureza da alma humana andar no
caminho correto e, quando uma pessoa se desvia dele e cai em pecado,
se sua alma ainda não estiver completamente corrompida, este sentido
de retidão fere seu coração e o leva a sofrer uma grande angústia – e ela
se apressa a retornar e a retificar o que foi pervertido, até sentir que seu
pecado foi apagado.”
Este segundo aspecto da teshuvá natural serve de base para grande par-
te da literatura ocidental. A luta do ser humano entre os diferentes lados de
sua natureza interior proveu um terreno fértil para autores como Dostoiévski,
Tolstói, Hugo, Dickens, Shakespeare, Balzac, Hardy e Joyce. Kant, o filósofo, sus-
tentava que a humanidade possui uma tendência natural para a moralidade.
Psicólogos publicaram inumeráveis pesquisas sobre a consciência moral. Para
todos eles, está claro que a consciência desempenha um papel fundamental na
psique interior do ser humano.
Por natureza, o caráter das pessoas é bom. Elas sentem prazer em ajudar
os outros e praticar boas ações. Ao praticar maldades, são normalmente aco-
metidas pelo remorso. O Rav Kook diz que essa tendência impele o ser humano
a ser uma pessoa melhor. Quando as diversas forças da vida desviam a pessoa
do caminho de justiça e bondade, esta sente necessidade de cessar o compor-
tamento ignóbil e retornar a um plano mais elevado.
Incomodado pela voz interna de sua consciência, a pessoa almeja retifi-
car seus atos equivocados. Esse chamado interno é paralelo à demanda física
do corpo pelo saudável. Tanto o corpo quanto a alma possuem sistemas de
alarme embutidos que disparam advertências quando a pessoa se desvia das
normas de vida apropriadas e corretas. Enquanto essa sensibilidade interna
ainda estiver intacta, o mecanismo da teshuvá promove recuperação e renasci-
mento. Inspirada pelo chamado de retorno a uma vida de saúde física e moral,
a pessoa pode se libertar da enfermidade do passado. Comprometida com o
caminho de uma vida saudável e correta, ela descobre a felicidade perdida.
De acordo com o ensinamento do Rav Kook, o segundo elemento da
teshuvá natural consiste em ser simplesmente uma boa pessoa.
Estes dois componentes da teshuvá natural não representam concei-
tos estritamente religiosos, nem mesmo são considerados conceitos exclusi-
vamente judaicos. São universais. Nós os vemos caracterizados em diversos
moldes e formatos – sob o lema de condicionamento físico, na busca por si
próprio, na descoberta da autoconfiança ou na obtenção da verdadeira felici-
dade. Entretanto, é importante ressaltar que todos estes são componentes do
fenômeno da teshuvá.

Teshuvá religiosa

Após a elevação alcançada através da teshuvá natural, harmonizando


as demandas internas do corpo e da alma, surge a teshuvá religiosa. Esta é a
teshuvá identificada pela maioria das pessoas como arrependimento. Neste
ponto, a pessoa almeja mais do que saúde física e moral – ela também deseja
se aproximar e assemelhar-se a Deus. As instruções e regras que conduzem
este tipo de teshuvá estão prescritas detalhadamente na Torá e nos comentá-
rios dos Sábios. Neste estágio, a tradição religiosa se torna necessária. Na au-
sência da orientação dos mandamentos e pormenores da lei judaica, a pessoa
nunca saberá como servir corretamente a Deus. Aquela que pensa agradar a
Deus seguindo seu próprio entendimento e caprichos, na realidade serve a sua
própria imaginação. Ela se iguala a um tolo que invade uma farmácia e distribui
cápsulas e pílulas, desconhecendo suas características e a dosagem correta de
cada uma. Em consequência, ao invés da cura desejada, ele tornará as pessoas
ainda mais enfermas. Somente através da observância dos mandamentos de
Deus, conforme descritos na Torá, a pessoa será capaz de construir uma cone-
xão verdadeira com o Criador. Para isso, ela necessita instruções específicas
– as doutrinas do judaísmo.

“Após a teshuvá natural vem aquela que tem, como fonte de sua vi-
talidade, a tradição e a religião, que trata muito da teshuvá. A Torá garante
perdão aos que retornam da transgressão. Os pecados individuais e os da
comunidade são apagados por meio da teshuvá. Os escritos proféticos es-
tão repletos de discursos sublimes sobre a questão da teshuvá. Em geral,
todo o sentido das admoestações bíblicas está fundamentado na teshuvá
pela crença.”
É importante enfatizar que as diferentes fases da teshuvá formam um
processo contínuo. A teshuvá religiosa não deve ocorrer às custas da saúde fí-
sica ou psicológica. A pessoa não deve ser exteriormente religiosa, porém mo-
ralmente corrupta ou fisicamente fraca. Cada estágio deve se basear no estágio
anterior. Para começar, a pessoa deve ser fisicamente saudável. Então, ela deve
alcançar um estado mental saudável. Deve sentir-se motivada a praticar boas
ações e corrigir deficiências éticas. Uma vez alcançado um estado saudável e
dispondo de moral positiva, a pessoa poderá se envolver com a religiosidade.
Desta maneira, seu código moral pessoal é elevado para um nível mais alto e
sagrado, aceitando uma série de preceitos éticos que não foram ditados pelos
desígnios de seu coração, mas pela palavra de Deus, conforme consta na Torá.

Teshuvá motivada pelo amor

Neste ponto, atingimos o estágio final e mais exaltado da teshuvá. Esta


fase não deve ser alcançada separadamente; trata-se da continuação dos está-
gios anteriores. Uma vez obtidos corpo e mente saudáveis, após haver criado
um vínculo com a Torá e cumprir seus preceitos, a pessoa está pronta para o
que o Rav Kook chama de teshuvá sichlit. A tradução literal da expressão, que
seria teshuvá intelectual ou teshuvá através da razão, não expressa o desejo
e o anseio pela Divina Unicidade envolvido nesse conceito. Esta fase é mais
frequentemente denominada de teshuvá determinada pela ahavá, pelo amor.
Trata-se de um retorno completo, motivado não apenas por erros e más ações
físicas ou espirituais, por influência da religião, pelo medo da punição ou mes-
mo pela elevação do ser decorrente do cumprimento dos preceitos, mas sim,
pelo claro reconhecimento que surge pela influência dos estágios da teshuvá
natural e religiosa – o entendimento de que o mundo todo é Deus.

“Essa teshuvá que engloba as formas precedentes contém em si uma


alegria infinita. Ela transforma todos os pecados em méritos, e de todos os erros
derivam ensinamentos sublimes e, de toda degradação, ascensões magníficas.”
Uma pessoa acostumada a mentir durante toda sua vida, por exemplo,
decide reformular seus hábitos. Essa decisão pode ser tomada em decorrência
de um sentimento de interno desgosto moral. A resolução pode também ter
sido assumida após o reconhecimento de que a mentira contraria as leis da
Torá e que o dia da punição não tardará a chegar. Entretanto, se o abandono
da mentira provém do desejo de estar em harmonia com a direção positiva da
existência, em alinhamento com a verdade da Criação, então essa teshuvá é
motivada por amor. Ela deriva do entendimento de que o mais elevado pro-
pósito do ser humano reside em aprazer seu Criador. Ao perceber que todo o
mundo está sendo desequilibrado pelos erros e falsidades cometidas, a pes-
soa busca retificar o que foi danificado. Ela almeja a reunificação com o bem
universal. Sua alma deseja se unificar com toda a Criação. Ela não é motivada
pelo medo da punição, tampouco pelo desejo de receber uma recompensa,
mas por uma inspiração muito acima disto – o reconhecimento de que a von-
tade de Deus consiste em absoluta bondade e verdade. Sob a luz iluminadora
da teshuvá, ela entende que o mundo aspira constantemente atingir um nível
supremo de existência. A cada minuto, o universo progride em direção a um
ideal de redenção que ela agora pode vivenciar. A pessoa resolve corrigir seus
enganos, pois compreende que a mentira é antagônica ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento do mundo. Ela quer fluir em consonância com a vida e sincro-
nizar seus atos com as ondas da corrente Divina e da energia espiritual Divina
que inspiram toda a existência. Essa é a teshuvá motivada pelo amor, que não
se baseia em nada além do absoluto amor e devoção a Deus. Inspirada pela ra-
diante bondade que emana de Deus, a pessoa decide modificar todos os seus
atos negativos e egoístas por ideais transcendentais positivos.
Este último nível da teshuvá não apenas expia as transgressões ,como
transforma os pecados em méritos. Todos os atos que precederam o alcan-
ce deste nível de amor, até mesmo os pecados, são vistos agora sob uma luz
positiva. Foram precisamente seus atos desonestos e enganos passados que
estimularam os pensamentos de arrependimento e a ajudaram a retornar ao
desejo purificador de alcançar a unicidade com Deus.
“Esta é a teshuvá que todos esperam, que deve vir e que ao final virá.”
*   *   *
Mas não acabou...
Os demais capítulos deste livro são:

3. Teshuvá repentina e teshuvá gradual


4. Teshuvá específica e teshuvá geral
5. A teshuvá faz o mundo girar
6. Morte, impostos e teshuvá
7. A alegria da teshuvá
8. Os pensamentos fazem o ser humano
9. Sorria!
10. Felicidade agora
11. Quem tem medo da teshuvá?
12. Sucesso
13. O poder da vontade
14. Teshuvá e Torá
15. Barreiras para a teshuvá
16. Israel e o Mundo
17. Érets Israel
18. Torá, Torá, Torá
19. Uma luz para as nações
Disponível
20. Luzes do Retorno em nosso site
21. A Estrada para a perfeição

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