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Douglas Fischer 3
RESUMO
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Palavras-chave: Obrigações processuais penais positivas. Cortes
supranacionais de direitos humanos. Direitos fundamentais.
1 INTRODUÇÃO
4 Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas Segundo
as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
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5 Sintetizando,[...], embora construídos por premissas e prismas um pouco diversos, o princípio da pro-
porcionalidade (em seus dois parâmetros: o que não ultrapassar as balizas do excesso e da deficiência
é proporcional) e a teoria do garantismo penal integral (em nossa compreensão) expressam a mesma
preocupação: o equilíbrio na proteção de todos (individuais ou coletivos) direitos e deveres fundamentais
expressos na Carta Maior. Quer-se dizer com isso que, em nossa compreensão (integral) dos postulados
garantistas, o Estado deve levar em conta que, na aplicação dos direitos fundamentais (individuais
e sociais), há a necessidade de garantir também ao cidadão a eficiência e segurança, evitando-se a
impunidade. O dever de garantir a segurança não está em apenas evitar condutas criminosas que
atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também (segundo pensamos) na devida apuração (com
respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito, e, em sendo o caso, da punição do
responsável. Fischer, Douglas. Garantismo penal integral [
] e o Princípio da Proporcionalidade: breves
anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Revista de Doutrina 4. Região, v. 28, p. 1,
2009. Também em Revista do Núcleo Criminal da PRR 1ª Região - Brasília, v. Ano 2, p. 16-17, 2009.
Também em Revista de Doutrina 4. Região, v. 28, p. 1, 2009.
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Como salienta Prieto Sanchís, Ferrajoli sempre insistiu que o
paradigma garantista
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compreensão (Ibid., p.171). E realmente é inacabado, pois seria
impossível conceber-se ideais desse jaez estanques no tempo
e no espaço, sem a devida contextualização na realidade atual,
que gera um constante (re)ajuste de todos os valores protegidos
constitucionalmente. A sua base ‘‘sobretudo por razões históricas‘‘
é fundamental. Mas demanda a devida adaptação.
De certa, forma Ferrajoli parece aceitar a crítica construtiva de
Carbonell, ao admitir expressamente que “el paradigma garantista
puede expandirse (y en el plano normativo ha ido efectivamente
expandiéndose) en tres direcciones: hacia la tutela de los derechos
sociales y no solo de los derechos de libertad, frente a los poderes
privados y no solo a los poderes públicos y en ámbito internacional
y nó solo estatal’’ (FERRAJOLI, 2006, p. 113).
Compreendemos que todos os direitos fundamentais equiva-
lem a vínculos de substância, que, por sua vez, condicionam a
validez da essência das normas produzidas (e também nas suas
aplicações), expressando, ao mesmo tempo, os fins aos quais
está orientado o denominado Estado Constitucional de Direito
(FERRAJOLI, 2004, p. 152).
Assim, se todos os Poderes estão vinculados a esses paradigmas
‘‘como de fato estão‘‘, especialmente é o Poder Judiciário quem
tem o dever de dar garantia também aos cidadãos (sem descurar
da necessária proteção dos interesses sociais e coletivos) diante
das eventuais violações que eles vierem a sofrer. É exatamente
por isso que Miguel Carbonell refere que “en el modelo del Estado
social los poderes públicos dejan de ser percibidos como enemi-
gos de los derechos fundamentales y comienzan a tomar, por el
contrario, el papel de promotores de esos derechos, sobre todo de
los de caracter social”. Carbonell (2005, p. 179).
Em nossa compreensão (integral) dos postulados garantistas,
o Estado deve levar em conta que, na aplicação dos direitos fun-
damentais (individuais e sociais), há a necessidade de garantir
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la cláusula del Estado social de derecho modifica el conte-
nido que los derechos fundamentales tenían en el Estado
liberal. [
] De este modo, junto a la tradicional dimensión
de derechos de defensa, que impone al Estado el deber
de no lesionar la esfera de libertad constitucionalmente
protegida, se genera un nuevo tipo de vinculación, la vin-
culación positiva. En esta segunda dimensión, los derechos
fundamentales imponen al Estado un conjunto de ‘‘deberes
de protección’’ [dizemos nós: de proteção ótima] que en-
carnan en conjunto el deber de contribuir a la efectividad
de tales derechos y de los valores que representan. Bernal
Pulido (2005, p.126).
6 Aplicável integralmente não só ao controle das ações do legislador, mas a todos os Poderes.
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preensão do garantismo penal que se considera mais adequada (e
de algum modo recepcionada pelas Cortes Interamericana e Euro-
peia de Direitos Humanos) pois, na senda de Larenz, a alternativa
verdadeiro/falso é estranha ao Direito, em que existe apenas o
aceitável (justificável)” (Ibid., 2018, p.29) e portando-se a Jorge
Reis Novais (2003, p. 57), enfatizamos nossa compreensão de que
3 OS MANDADOS DE PROTEÇÃO DE
DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO E DAS REGRAS CONVENCIONAIS
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as convenções e demais fontes supranacionais que tratam sobre
direitos humanos e jurisdição penal. Assim, na “busca de soluções
sistematicamente melhores, ao desenvolver a hierarquização dos
princípios, regras e valores, o intérprete deve estar imbuído em
seu espírito da prudência e da necessidade de agir com temperan-
ça”, devendo também “considerar a premissa de que não existem
princípios, regras ou valores absolutos, atentando para o fato
de que essa relativização não significa debilidade, ao contrário,
demonstra o fortalecimento mútuo dos princípios, bem como de
suas dimensões” (Ibid., 2018, p. 43).
Diante de tais premissas, há se ver que as fontes normativas
internacionais provenientes do sistema de tutela dos direitos
humanos - o que inclui os aportes jurisprudenciais da Corte In-
teramericana para o caso do Brasil - devem ser utilizadas como
cânones interpretativos do direito pátrio, gerando uma obrigação
aos juízes domésticos de aplicarem o ordenamento jurídico interno
de maneira conforme também ao direito supranacional, valorizan-
do, assim, exegese normativa que preserve o Estado dos riscos
de uma responsabilização internacional por descumprimento de
obrigações daí decorrentes. Assim, uma “melhor interpretação”
deve considerar todas as normas integradas entre si, não isoladas
nem dispersas, compreendendo-se que todos os comandos nela
insertos (unidade) estão costurados por fios seguros, e por isso
suficientemente fortes para sustentar as tensões dialéticas que
naturalmente dela defluem (pluralidade).
Exatamente por isso que sustentamos que os direitos e os de-
veres fundamentais possuem uma conexão indissociável.
Pouco considerados especialmente na doutrina nacional, os
deveres fundamentais são objeto de incisiva advertência de Za-
grebelsky, para quem “son los deberes de todos hacia los demás
los que estan destinados a asentarse de una manera estable, como
situación empírica permanente. En otras palabras, en las socie-
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assente num regime unilateral de deveres, já que contra ele
se levantariam as mais elementares exigências de justiça
e de respeito pelos direitos humanos, como demonstra à
saciedade a específica dimensão histórica dessa fórmula,
que simultaneamente teve por objectivo e constituiu a
base fundamental da instituição do estado constitucional
democrático [...] Em suma, os direitos e deveres funda-
mentais não constituem categorias totalmente separadas
nem domínios sobrepostos, encontrando-se antes numa
relação de ´conexão funcional´, que, por um lado, impede
o exclusivismo ou a unilateralidade dos direitos fundamen-
tais, como em larga medida aconteceu durante a vigência
do estado de direito liberal em que um tal entendimento
tinha subjacente a concepção dualista do estado então do-
minante e, por outro lado, não constitui obstáculo à garantia
da primazia ou primacidade dos direitos fundamentais ou
da liberdade face aos deveres fundamentais, uma vez que
estes ainda servem, se bem que indirectamente, o objectivo
constitucional da liberdade. (Ibid., pp. 119-120).
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DOS DIREITOS HUMANOS E A REPERCUSSÃO NO
ORDENAMENTO INTERNO BRASILEIRO
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domésticos a condução de investigações aprofundadas, céleres
e diligentes, tendo como finalidade a tentativa de esclarecer os
fatos e punir os responsáveis ao final do processo (identificando-
-se nítida hipótese de prevenção geral). Portanto, fica muito claro
que os deveres processuais positivos decorrem diretamente, como
implicações imediatas, dos direitos humanos protegidos também
nas Convenções.
Não custa relembrar (especialmente aos mais desavisados) que,
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DJ 10.10.2005)’’, com especial referência no sentido de que para
haver o deslocamento
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Como destacam Pacelli e Fischer,
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denação da CIDH, no conhecido Caso Vladimir Herzog 8. A Corte
analisou a responsabilidade internacional do Estado com base nas
obrigações internacionais derivadas da Convenção Americana e
da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura,
relativamente à ausência de investigação, julgamento e eventual
punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir
Herzog. Concluiu-se – e nesse ponto a questão importante que
reflete no tema ora sob debate – que a obrigação de investigar
e, nesse caso, julgar e punir os responsáveis adquire particular
importância ante a gravidade dos delitos cometidos e a natureza
dos direitos lesionados. Mais que isso, reconheceu-se que o Brasil
assumiu obrigações internacionais de prevenir e punir crimes dessa
natureza, reafirmando que “o Estado deve conduzir de maneira
eficaz a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de
esclarecê-los, determinar as respectivas responsabilidades penais
e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei dis-
ponha” (parágrafo 371).
Portanto, para cumprir os mandados impostos constitucional-
mente, e as obrigações assumidas internacionalmente, é dever do
Estado brasileiro adotar todas as medidas essenciais para que haja
uma adequada tipificação de fatos que necessitem a proteção na
seara penal, bem assim que sejam adotadas providências para uma
efetiva, célere, eficaz e eficiente apuração desses fatos noticiados,
responsabilizando-se os agentes criminosos.
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6 EXIGÊNCIAS PROCESSUAIS COMO
OBRIGAÇÕES DE MEIO E NÃO DE RESULTADO
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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processuais positivos decorrem diretamente, como implicações
imediatas, dos direitos humanos protegidos nas Convenções, con-
forme inúmeros julgados indicados na obra de referência.
Com base em várias decisões de jurisprudências das Cortes su-
pranacionais, demonstrou-se que a tutela da vítima não é apenas
um tema recorrente, como central, exatamente porque existe a
noção (não tão clara ainda em terras brasileiras) de que, no âmbito
criminal, o processo deve ser adequado e idôneo no esclarecimen-
to dos fatos criminais. Daí a razão que afirmarmos que não há
como compreender o processo penal sem levar em consideração
os direitos e deveres fundamentais, pois, “ao contrário do que
procuram sustentar alguns posicionamentos, a compreensão não
pode ser parcial, pelo prisma exclusivo dos direitos fundamentais
do investigado ou processado”.
Assim, as obrigações processuais penais positivas são deveres
impostos aos Estados para que conduzam procedimentos inves-
tigativos e processo penal aptos a assegurar a punição eventual
dos autores das práticas ilícitas.
Encerrando, reiteramos que os direitos humanos e as garantias
individuais de cada pessoa requerem, para sua efetiva existência,
igual fundamento ou base constitucional de deveres de igual
hierarquia e significação. Portanto, os Estados devem agir sem
excessos nem deficiências, buscando a equalização e proteção
na máxima medida possível de todos os direitos protegidos cons-
titucional e convencionalmente.
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ABSTRACT
REFERÊNCIAS
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