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Recentemente, por meio de uma votação, a Organização das Nações Unidas

(ONU) retirou a maconha e seus derivados da lista de drogas mais perigosas, o


que representa não só um grande avanço científico, mas também um passo
rumo ao fortalecimento do movimento pela legalização. Dentre os países que
votaram contra, estava o Brasil. A minha proposta como autor é que, ao final
desse texto, você entenda o contexto que inicialmente tornou a maconha algo a
ser criminalizado no Brasil; os interesses políticos, econômicos e sociais
envolvidos; e por fim, os benefícios da legalização da planta: para pesquisa,
uso medicinal, cultivo e uso recreativo.
Primeiramente, qual é o motivo da existência de toda a discussão e o tabu
envolvendo essa planta que é usada há milhares de anos, mas só
recentemente na história da humanidade passou a ser criminalizada? Para
entender isso, deve-se entender o contexto histórico ao qual essa planta estava
ligada e, principalmente, a quais grupos ela estava relacionada.
Antes de se tornar ilegal, no século passado, a maconha e seus derivados não
só eram comuns na Europa e em outros lugares do mundo, como também
eram extremamente importantes para sua economia. Uma curiosidade é que
as primeiras bíblias impressas no mundo, por Gutenberg, eram de papel de
cânhamo. Além disso, as caravelas portuguesas eram feitas de fibras de
cânhamo (palavra que é um anagrama de maconha na língua portuguesa).
Fora tais usos, não tão conhecidos, a planta era obviamente utilizada, desde
milhares de anos, para o tratamento de doenças e condições específicas. Mas
por que uma planta tão milagrosa e com tanto potencial foi criminalizada a
partir do século XIX e início do XX?
A priori, deve-se entender que a criminalização da maconha reflete questões
que vão além de interesses meramente econômicos e envolvem principalmente
o racismo e o preconceito. Economicamente o cânhamo, que é uma excelente
matéria-prima para produção têxtil, colocou em risco setores grandes da época
que se sentiram ameaçados, como o algodão por exemplo, o que colaborou
para essa criminalização ao redor do mundo, mas está longe de ser seu
principal motivo. Em seu artigo Proibição da maconha no Brasil e suas
raízes históricas escravocratas, André Barros e Marta Peres definem
perfeitamente o contexto sócio histórico que levou à proibição da maconha no
Brasil:
“ [...] a psiquiatria lombrosiana chegou ao Brasil em meados do século
XIX. Ao defender que determinadas raças carregavam características
naturais dos criminosos, seu discurso pseudo científico criminalizou
os negros, sua religião, sua cultura e, obviamente, o hábito de fumar
maconha. Prova de que esse hábito foi trazido da África pelos
escravos é que uma das mais conhecidas denominações da maconha
era “fumo de Angola”. Deste modo, seu consumo era considerado um
impulsionador da prática de condutas penais e seus consumidores,
tidos como criminosos de antemão. Com a Abolição da Escravatura,
esse pensamento viria auxiliar a controlar e reprimir a liberdade, de
maneira que antigos escravos e seus descendentes foram
criminalizados. Observem que a escravidão foi abolida em 1888, a
República foi proclamada em 1889 e a sua Constituição entrou em
vigor em 1891. Um ano antes mesmo de ser promulgada sua lei
maior, a República tratou de instaurar dois instrumentos de controle
dos negros em 1890: o Código Penal e a "Seção de Entorpecentes
Tóxicos e Mistificação", a fim de combater Proibição da Maconha no
Brasil André Barros e Marta Peres cultos de origem africana e ao uso
da cannabis, utilizada em rituais do Candomblé, considerado “baixo
espiritismo”. ” (2011, p. 11-12)

Torna-se evidente que a criminalização não foi consequente dos males da


cannabis ou dos seus efeitos, mas sim, devido aos povos aos quais ela estava
associada em um Brasil estruturalmente racista desde sua formação até os
dias atuais.
Atualmente, a legalização da maconha, (para todos os tipos de uso) traria para
o país uma série de benefícios, nos mais diversos setores. A planta possui
produtos que podem ser usados desde o tratamento de doenças até a indústria
têxtil e de construção civil. Todavia o preconceito e o tabu envolvido com essa
droga continua predominante na sociedade, o que dificulta o movimento
inevitável que caminha rumo a legalização, como ocorreu em diversos países
do mundo, inclusive em alguns da América Latina, como o Uruguai que em
2017 foi o primeiro país do mundo a vender a maconha para fins recreativos ao
público e a Argentina que recentemente legalizou a planta para fins
terapêuticos. Mas afinal, de modo direto, quais são os benefícios da cannabis
na vida do brasileiro?
Para começar, os derivados da maconha podem ser usados para o tratamento
de: ansiedade, estresse pós-traumático, dor crônica, AIDS, câncer, epilepsia,
esclerose múltipla (EM), autismo, esquizofrenia, mal de Alzheimer, mal de
Parkinson, fibromialgia, depressão, obesidade, glaucoma, inflamações
intestinais, artrite, entre outras.
Se o uso dos óleos a base de CBD não forem o suficiente, vale ressaltar o
cânhamo. Essa parte da maconha pode ser usada para produção de papel,
cordas, além da indústria têxtil, de cosméticos, compostos plásticos e até
mesmo construção civil (isso mesmo, dá para construir casas “de maconha”!).
Além disso essa planta tem um impacto muito menor no meio ambiente, sendo
ótima tanto para o solo no qual é plantada quanto na remoção de CO2, o que é
positivo sob a ótica das questões climáticas e ambientais.
O uso recreativo, por si só, é uma questão de liberdade individual. Como
qualquer droga pode também ser usada meramente para o prazer, todavia, a
maconha gera menos dependência quando comparada a drogas atualmente
lícitas como álcool (que é responsável por cerca de 3 milhões de mortes por
ano segundo a Organização Mundial da Saúde – dados de 2018) e nicotina
(que é a causa de cerca de 428 mortes a cada dia, segundo o Instituto
Nacional de Câncer e Ministério da Saúde- dados de 2020). Além disso a
maconha não gera overdoses fatais, ou seja, morte pelo abuso da substância,
coisa que é comum entre as outras drogas.
A legalização da maconha, no campo econômico, traria benefícios diversos. A
Cannabis é uma planta extremamente boa para o solo, vale ressaltar ainda que
o clima do país é favorável para seu desenvolvimento. Seu plantio para
posterior uso (do caule às flores, do cânhamo ao CBD e THC) não só diminuiria
a dependência do Brasil de seus commodities, (a soja, por exemplo, que é
quase toda exportada) como criaria todo um novo mercado interno e geraria
novos empregos (frente à crise do desemprego vigente no país). Além disso,
parte do grande lucro que é gerado - a Califórnia, por exemplo, arrecadou 1
bilhão em impostos por conta do mercado canábico em um período de 2 anos
de legalização- poderia ser destinado à políticas públicas que visem fazer
reparações históricas aos grupos que foram mais afetados por conta da
criminalização.
Socialmente a droga, uma vez descriminalizada e legalizada (inclusive para
uso recreativo), seria submetida a legislações, o que diminuiria
consideravelmente o mercado do tráfico da planta e a consequente relação
dela com a “guerra às drogas”. Esta “guerra” nada mais é que uma desculpa
política para oprimir populações pobres e marginalizadas da sociedade, uma
vez que os ricos e poderosos continuam a utilizar do tráfico de substâncias
como fonte de lucro sem responder à justiça ou sofrer quaisquer
consequências.
Enquanto diversos países vizinhos do Brasil descriminalizaram e legalizaram a
maconha, nosso país é um dos que ainda se mantém retrógrado, antiquado e
conservador. Um novo PL: o 399, tramita na Câmara; este projeto visa legalizar
o cultivo da maconha medicinal e do cânhamo. Entretanto as pessoas não
poderiam plantar sem serem previamente autorizadas e o cânhamo se
restringiria à grandes empresas e produção industrial, logo a maconha só seria
legalmente utilizada pelo governo e empresas, além disso o uso recreativo não
estaria incluso. Mesmo que não seja uma PL que engloba toda a legalização, é
um passo na direção certa. Observa-se aí, a importância de movimentos como,
por exemplo, a marcha da maconha que acontece anualmente em São Paulo.
Se ao final desse texto ainda lhe restam dúvidas ou preconceitos, peço que
releia ou busque outras fontes: a cannabis não é só a solução para os
problemas do agora como é o futuro, estima-se que até 2026 a sua indústria
vai movimentar mais de 190 bilhões de dólares. Por fim, deixo o
questionamento: o tráfico é contra a legalização, e você?

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