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Commonist Ethics
1.
Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 26, n. 51, set-dez. 2019, Natal. ISSN1983-2109
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2.
Marx mudou a relação entre política e filosofia ao criar
uma articulação a partir das ciências sociais. Esta articulação se
desgastou. As ciências sociais de hoje, filosoficamente ingênu-
as, pretendem ser objetivas à medida que dividem a realidade
em disciplinas acadêmicas autorreferentes que argumentam a
partir dos “dados” atuais como uma base quase natural (em vez
de estruturas instáveis e dinâmicas que dependem da ação hu-
mana). De sua parte, a filosofia, sozinha, refugia-se nas huma-
nidades: no pensamento normativo, em uma análise da razão e
no mundo kantiano dos deveres morais, ou, alternativamente,
em um anti-racionalismo inspirado em Nietzsche, na celebra-
ção do afeto, no relativismo cultural, na narratividade literá-
ria, na contingência hermenêutica. Até mesmo a filosofia crítica
compartilha com as ciências positivistas das quais se separou a
suposição de que pode conhecer a realidade por conta própria.
Ambas as abordagens – pensamento sem entendimento empí-
rico e entendimento empírico sem pensamento, sem reflexão
crítica – são extremamente suscetíveis à reificação.
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3.
“O que está acontecendo?”
O acontecimento não é um milagre que nos domina de
admiração e nos fulmina. Ele nos eleva, precisamente porque
é realizado por pessoas comuns que interrompem sua ativida-
de habitual para agir coletivamente, dando poder não apenas
àqueles que estão presentes, mas àqueles que, observando,
sentem uma tremenda onda de solidariedade e senso de união
humana, e mesmo (ouso dizer?) de universalidade. Testemu-
nhamos a realidade de seres humanos se unindo para superar
barreiras, para iniciar uma mudança. Essa capacidade de agir
em comum é a possibilidade real de uma ética do comum.
A solidariedade produzida no espectador, tornada fa-
mosa por Kant no caso da Revolução Francesa, se intensificou
na era eletrônica. Diferentemente da época de Kant e também
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4.
O que produz? Os muros caem, tiranos caem, um afro-
-americano, filho de imigrante, é eleito presidente dos Estados
Unidos. Mas o que permanece? O que se mantém apesar de
todas essas transformações? Os marxistas nos dirão: o sistema
capitalista global. E a resposta não está errada. Quando Warren
Buffett proclamou (dizendo a verdade a partir do poder): “Há,
de fato, guerra de classes, e estamos vencendo”, ele poderia
ter acrescentado: “a nível mundial”. Em tempos como o nosso
hoje, em que estamos considerando um novo começo político,
o elefante no meio da sala é o passado da política radical, sua
dívida com a análise marxista do capital e com a ênfase des-
ta na desigualdade econômica em uma teoria da exploração
global da terra e do trabalho, na história dialética da luta de
classes e na justificativa racional para a necessidade de uma
revolução política para que a sociedade humana avance.
Nunca, ao longo de minha vida, a crítica marxista do
capital e de sua dinâmica global pareceram mais precisas. E
nunca pareceu mais errado voltar ao marxismo em suas for-
mas históricas. Pelo menos durante a década de 1960, a teoria
marxista era a língua franca dos ativistas em todo o mundo,
não importando o quanto discordassem quanto à interpretação
apropriada (soviética, trotskista, maoísta, humanista). A queda
da União Soviética e a adoção de elementos capitalistas pela
República da China deram um golpe fatal a essa convergên-
cia. Ao mesmo tempo, a teoria marxista não poderia resistir
ao escrutínio da teoria feminista, pós-colonial, crítica da raça e
outras teorias que estenderam o significado de opressão e ex-
ploração para muito além do que acontece no chão de fábrica.
Em sua definição da universalidade humana, o marxismo foi
provinciano na melhor das hipóteses. E sua lógica, muitas vezes
determinista, estava firmemente ancorada em uma teoria dos
estágios históricos que se mostrou simplesmente imprecisa –
graças a Samir Amin, Janet Abu-Lughod e Dipesh Chakrabarty,
para citar alguns.
E a ideia do proletariado revolucionário? A classe traba-
lhadora, enquanto vanguarda política, ainda é a forma organi-
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5.
O brilho de otimismo sentido em todo o mundo quando
Barack Obama conquistou a presidência dos EUA em 2008 foi a
última (e perdida) chance de acreditar que o sistema era capaz
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Notas
[1] Bruno Bosteels cita Mouffe em “The Ontological Turn” [A
virada ontológica], em seu informativo novo livro The Actuality of
Communism [A atualidade do comunismo](Londres/Nova York:
Verso, 20011), pp. 40-41. Mouffe: “[…] é a falta de compreensão do
‘político’ em sua dimensão ontológica que está na origem de nossa
atual incapacidade de pensar de maneira política” (Chantal Mouffe,
On the Political [Nova York: Routledge, 2005], p 80. Também Negri:
“Aqui é onde o comunismo precisa de Marx: para instalar-se no
comum, na ontologia, e vice-versa: sem ontologia histórica não há
comunismo” (Antonio Negri, “Est-il possible d’être communiste sans
Marx?” [É possível ser comunista sem Marx?] citado em Bosteels,
“The Ontological Turn”, p. 49.)
[2] Para uma exame crítico da ontologia de esquerda, ver Carsten
Strathausen, ed., A Leftist Ontology: Beyond Relativism and Identity
Politics [Uma ontologia de esquerda: para além do relativismo e das
políticas identitárias] (Minneapolis: University of Minnesota Press,
2009), particularmente o “Afterward” conclusivo de Bruno Bosteels
(reimpresso como “The Ontological Turn” [A virada ontológica],
citado acima)
[3] “On Evil: An Interview with Alain Badiou,” [Sobre o mal: uma
entrevista com Alain Badiou] Cabinet 5 (2001/02), em: http://
www.cabinetmagazine.org/issues/5/alainbadiou.php
[4] Para a ontologia pós-metafísica, a essência não pode ser uma
categoria transcendente, mas deve permanecer imanente à existên-
cia. Como Heidegger escreve: “a ‘essência’ [Wesen] desta entidade
está em seu ‘ser’” (Martin Heidegger, Being and Time [Ser e tempo],
trad. John Macquarrie e Edward Robinson [Nova York: Harper &
Row, 1962), p. 67; Original alemão, p. 42). O ser referido aqui (ser
com um “s” minúsculo) é o mundo “dado”, o mundo que “es gibt”
(que “há”) enquanto o ser humano, consciente, é ontologicamente
entendido como “Dasein” (“ser-aí”).
[5] Cf. O método de redução fenomenológica de Husserl que in-
fluenciou Adorno quando estudante.
[6] No nível do ôntico, o verbo “é” é usado descritivamente e a ver-
dade é uma questão de percepção acurada, portanto, basicamente
um problema epistemológico. Mas outra coisa é supor, mergulhando
nas estruturas do ôntico, que elas próprias são capazes de revelar
uma verdade ontológica mais profunda. Se uma tal “diferença on-
tológica” é impossível, como afirmou Adorno, então todo o procedi-
mento é uma farsa.
[7] Adorno criticava o conceito liberal-parlamentar de compromis-
so, como fez Schmitt, mas precisamente pela razão oposta, ou seja,
porque as diferenças de posição não eram grandes o bastante. O
princípio de não-identidade de Adorno – sua afirmação de que a
verdade não está na segura equidistância, mas que, em vez disso,
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4. A OPACIDADE LINGUÍSTICA DO PENSAMENTO: UMA CRÍTICA À
INTERPRETAÇÃO DERRIDIANA DA SEMIOLOGIA DE HEGEL
"Apesar das aparências, o lugar da semiologia teria sido, pois, no centro, não à
margem ou em apêndice da Lógica de Hegel" (DERRIDA, 1991, p. 107). É com esta
frase que Derrida inicia seu ensaio O poço e a pirâmide: introdução à semiologia de
Hegel, apresentado em janeiro de 1968 em um seminário organizado por Jean
Hyppolite consagrado à Lógica de Hegel. Neste ensaio, Derrida analisa detidamente a
teoria hegeliana do signo, exposta na Filosofia do Espírito da Enciclopédia, a fim de
mostrar como nela encontramos um recalque da escritura que revelaria uma
orientação implícita de toda sua filosofia, a inserindo na história da metafísica
compreendida como metafísica da presença. Para Derrida, em toda a história da
metafísica, de Platão a Hegel, o Logos, enquanto significado conceitual ao qual se
atribuiu a origem da verdade, foi compreendido sob o modelo da voz como
significante privilegiado, encetando, assim, um modelo de significação baseado na
presença e proximidade a si do sentido na palavra falada. Por isso, em Gramatologia,
o livro que funda seu método desconstrutivo como estudo da escritura, do grama,
Derrida (2013, p. 4) caracteriza a história da metafísica como a do "rebaixamento da
escritura e seu recalcamento para fora da fala ‘plena’, já que a dimensão não fonética
da escritura figuraria como elemento ameaçador à presença a si desta fala. O recalque
da escritura como condição de possibilidade da linguagem se daria, principalmente
na filosofia moderna, por meio do conceito de signo, tornado explícito com a
separação entre significado, definido como conceito, e significante, definido como
imagem acústica, na linguística de Saussure (2006, p. 80-81), onde o significado é
compreendido como decalque da palavra falada como modelo para a imagem
acústica. É por isso que Derrida busca revelar a centralidade “recalcada” da teoria
hegeliana do signo para a Lógica e, com isso, para toda filosofia de Hegel, para a qual
o signo seria mero momento transitório, um meio transparente de passagem e
retorno ao estar junto de si do espírito, cujo modelo de presença seria o do sentido na
fala plena.
Contudo, procurarei mostrar que a abordagem hegeliana do signo não teria a
centralidade pretendida por Derrida, ao menos não como aquilo que o alinha à
por uma lógica teleológica, já que, para Derrida (1974, p. 29, tradução nossa), o
espírito é aquilo que “de antemão interioriza todo conteúdo”.
Na introdução de O poço e a pirâmide, Derrida retoma seu diagnóstico,
primeiramente formulado a partir de seus estudos sobre o signo na fenomenologia
husserliana, sobre o tratamento do signo pela metafísica, compreendida como
metafísica da presença.
que, ao ser separada e fixada pela atenção, torna-se intuição propriamente dita,
conteúdo que servirá de base aos desenvolvimentos da representação. A análise de
Derrida inicia-se com a passagem do primeiro momento da representação, a
rememoração (Erinnerung), para o segundo momento, a imaginação
(Einbildungskraft). O processo de rememoração, Erinnerung, que traduzida
literalmente é interiorização, parte da transformação da intuição sensível em
imagem, descrita por Derrida (1991, p. 113) como “passagem à conceituação”, uma
vez que enquanto imagem a intuição se liberta da imediatidade e singularidade de sua
existência exterior ao se interiorizar e se conservar inconscientemente na inteligência.
Derrida ressalta a caracterização hegeliana da inteligência como “esse poço noturno
em que se conserva um mundo de imagens infinitamente numerosas, sem que
estejam na consciência”120 (HEGEL, 1995, § 453), pois a trajetória de seu texto será a
que parte deste “poço noturno, silencioso como a morte” (DERRIDA, 1991, p. 113),
até a pirâmide, metáfora do signo como uma tumba significante que abrigaria o
significado como uma alma, a ela alheia e arbitrária. Com a passagem para a
imaginação, a imagem se torna a representação propriamente dita, “síntese da
imagem interior com o ser-aí rememorado [erinnerten Dasein121]” (HEGEL 1995, §
454). Na imaginação a inteligência dispõe das imagens, que não se conservam mais
apenas de modo inconsciente no poço noturno da inteligência.
Contudo, a imaginação é primeiramente reprodutora, cuja atividade maneja
apenas um conteúdo ainda dado ou encontrado, ou, como afirma Derrida (1991, p.
114), "esta imaginação não produz, não imagina, não forma seus próprios Gebilde
[formações imaginárias]". É só com a imaginação produtora, a “fantasia produtora de
signo [Zeichen machende Phantasie]” (HEGEL, 1995, § 457), que adentramos a
teoria hegeliana do signo, onde a inteligência sinaliza um conteúdo produzido por ela
mesma, a representação autônoma, por meio de uma intuição que lhe serve de
significante. Derrida identifica aqui o motivo kantiano da unidade entre conceito e
intuição, espontaneidade e receptividade, já que, assim, como em Kant, a imaginação
120 Esta metáfora da inteligência como poço noturno já prefigurava-se na poética descrição da
inteligência na Filosofia do Espírito de Jena (1806) como sendo "este nada vazio que contém tudo em
sua simplicidade – uma riqueza infinita de muitas representações e imagens (...) a terrível noite do
mundo que descobrimos quando olhamos um homem nos olhos" (HEGEL, 1987, p. 172, tradução
nossa).
121 Derrida traduz o erinnerten Dasein de Hegel como "presença interiorizada pela lembrança
[présence interiorisée par le souvenir]" (DERRIDA, 1991, p. 114), o que manifesta seu ardil ao traduzir
Dasein por presença, expediente bastante justificado no caso da tradução do Dasein husserliano em A
voz e o fenômeno, mas que aqui é empregado sem a menor justificativa.
241 |Leituras da Lógica de Hegel, Vol. 3
122Os termos entre aspas mencionados por Derrida referem-se aos conceitos formulados por Hegel de
selbständiger Vorstellung e Anschauung.
Régis de Melo Alves| 242
a Coisa entram em oposição, a palavra é o mais elevado; pois a Coisa não expressa
[die nicht ausgesprochene Sache] é apenas algo irracional; o racional existe somente
como língua [Sprache]" (HEGEL, 1986, p. 527, nossa tradução). Assim, a localização
da teoria do signo no sistema como momento da representação deve aqui fazer sentir
todo seu peso contra Derrida.
A representação é a forma moderna por excelência do pensamento para Hegel.
A oposição, seja ela entre sujeito e objeto, pensamento e coisa, conceito e ser, ou
significado e significante, seria seu traço elementar, de Descartes a Kant. A posição
dupla de Hegel frente à representação reside entre o elogio e a necessidade de
superação de suas oposições. A Entäusserung, extrusão de si que a inteligência
realiza no signo não é uma simples exteriorização ou expressão de um significado
interior em um significante exterior. O momento representativo da inteligência é
essencial, pois a Entäusserung opera um esvaziamento da subjetividade como
abertura para aquilo que é não idêntico a ela, à exterioridade que habita seu interior:
“o caminho das representações consiste tanto em interiorizar a imediatidade (...)
quanto em superar a subjetividade da interioridade, em extrusar-se [sich entäussern]
dela nela mesma e ser em si em sua própria exterioridade” (HEGEL, 1995, § 451).
Somente com a passagem da representação para o pensamento que a inteligência
alcança esse ponto máximo de esvaziamento e exterioridade dentro de si mesma com
a memória mecânica. Procurarei mostrar agora brevemente, por fim, como a
Aufhebung da representação pelo pensamento, longe de meramente reapropriar esta
exterioridade e negatividade como aspectos já determinados teleologicamente de
antemão pelo espírito, que se manteria incólume nessas passagens, se dará, ao
contrário, por meio da perda de significado do nome na memória mecânica. Tal perda
alterará a figura representativa da inteligência na medida em que insistirá, sem ser
reapropriada pelo sentido, nas formas do pensamento enquanto tal.
Em seu ensaio Da economia restrita à economia geral, Derrida afirma que
inteligência ao se pôr como ser, como “laço vazio” (leere Band) que liga a série de
nomes enquanto “palavras sem sentido” (HEGEL, 1995, § 463). A inteligência,
reduzida à identidade entre significação e objetividade exterior no nome, sofre um
esvaziamento de sua subjetividade, tal como a entendemos, enquanto intencional e
representativa.
Essa identidade extrusada da subjetividade com a objetividade da palavra sem
sentido na memória mecânica se mostra como o elemento na base da atividade do
pensamento. “A memória, dessa maneira, é a passagem para a atividade do
pensamento, que não tem mais significado [Bedeutung]” (HEGEL, 1995, § 464). Esta
afirmação que facilmente poderia passar batida deve ser compreendida literalmente:
a perda do significado, como aquilo que sustentava a riqueza interior da
subjetividade, é o elemento crucial na passagem ao pensamento. Com isso, certa
opacidade e intransparência do nome revelam-se característica fundamentais da
linguagem no âmbito do pensamento. Para que haja pensamento é necessária a
passagem por um momento de dispêndio absoluto com a perda do significado como
algo claro e garantido pela subjetividade interior. Esta perda é permanente e altera
aquilo mesmo que entendíamos por inteligência como figura do espírito até então,
contrariando a compreensão teleológica na qual o espírito se manteria sempre já o
mesmo após o retorno de sua exteriorização. Com isso, o conceito especulativo, como
aquilo que orienta o pensamento, nada tem a ver com um significado ou esquema
categorial como na concepção ainda representativa de Kant. Sua linguagem, como
afirma Lebrun (2006, p. 89-90), “em oposição à da misticidade, abole toda
profundidade (...) é a auto-supressão da expressão”. E, se é possível falar em telos,
fim do espírito em Hegel, é somente como a abolição da ilusão de profundidade em
um significado último, como nos diz o último parágrafo da Fenomenologia sobre o
fim (Zweck) do espírito: “Seu fim é a revelação da profundidade [die Offenbarung
der Tiefe], e essa é o conceito absoluto: esta revelação é, com isso, a supressão de sua
profundidade” (HEGEL, 2011a, p. 544).
Referências
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. orlesungen ber die Geschichte der Philosophie
I, Frankfurt: Suhrkamp, 1986.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
SCHÜLEIN, Johannes-Georg. Metaphysik und ihre Kritik bei Hegel und Derrida
(Hegel- Studien Beiheft 65). Hamburg: Meiner Verlag, 2016.