Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Organização:
Vitor Cei
Sarah Maria Forte Diogo
Silvio Cesar dos Santos Alves
ABRALIC
Associação Brasileira de Literatura Comparada
Rio de Janeiro
2018
ABRALIC
Associação Brasileira de Literatura Comparada
Coordenação editorial
Ana Maria Amorim
Frederico Cabala
Série E-books ABRALIC, 2018
ISBN: 978-85-86678-16-5
PREFÁCIO – p. 6
Vitor Cei; Sarah Maria Forte Diogo; Sílvio César dos Santos Alves
VIDA-ENSAIO – p. 192
Manuela Fantinato
ANGÚSTIA E NIILISMO: A ESCUTA DO HOMEM PERANTE O MUNDO – p. 210
Mauro Lopes Leal
PREFÁCIO
Vitor Cei*1
Sarah Maria Forte Diogo**
Silvio Cesar dos Santos Alves***
6
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
7
Série E-book | ABRALIC
8
Série E-book | ABRALIC
312
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
2Cf.: SALGADO JÚNIOR, António. História das conferências do Casino. Lisboa: s.e., 1930; REIS, Carlos. As conferências
314
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
Terá a sociedade contemporânea (essa sociedade, ao que dizem, positiva até ao mais
desolador utilitarismo) na sua atmosfera sufocadora de indústria, de lutas sociais e de
ciência friamente analítica, condições de vida e desenvolvimento normal para a
construção delicada das castas musas, das musas melindrosas e cismativas? Não será
uma sociedade essencialmente antipoética, esta nossa, um mundo rebelde a toda a
idealidade? Por outras palavras; poderá haver poesia racional, positiva e social? Será
um ser poético o homem do nosso tempo? (Quental, 1923, p. 185).
... é ali que é necess{rio beber, porque é ali, n aquelas {guas rumorosas e confusas,
que se contêm os elementos da inspiração real, os princípios vitais de que se nutre a
sociedade, e de que tem por conseguinte de se alimentar também a poesia, sob pena
de se tornar uma abstração, um fantasma, uma puerilidade. O problema da evolução
poética na atualidade encerra todo n isto Quental, , p. .
Síntese como pessoa artificial e síntese como poeta. O poeta concilia a soberana
consciência humanitarista de Hugo e a visão prosaica que Baudelaire tem do homem.
Postula a dignidade da pessoa humana, independente face à aspiração de autoridade
por parte da Igreja e do Cristianismo, e descreve o aviltamento moral do homem em
virtude da simulação e do comprazimento no mal. Nesse sentido ele encarna a
ruptura da consciência moderna motivada pela crise do Cristianismo e da ordem
social. Essa ruptura encontra a sua sedimentação poética no satanismo,
317
Série E-book | ABRALIC
318
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
As burguesinhas do catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo (Verde, 2003, p. 145).
Essa espécie de deriva satânica também pode ser vista neste outro
trecho em que, após lamentar a impossibilidade de pintar, com versos
magistrais, salubres e sinceros , a reverberação da contraditória realidade
que o cerca, o sujeito parece magnetizado por uma dama espartilhada e
fatal, de modo que nem mesmo a visão contrastante de uma velha, de
bandos e todo o ritual sufocador da vida estéril e artificial do luxo, dos
cetins e dos pós da moda parecem suficientes para trazer-lhe de volta aquela
visão que em tudo achava quadros revoltados
3Aludimos a esta referência de natureza metapoética que Baudelaire faz no poema Le soleil Je vais m exercer
Seul à ma fantasque escrime,/Flairant dans tous les coins les hasards de la rime,/Trébuchant sur les mots comme
sur les pavês,/Heurtant parfois des vers depuis longtemps rêvés . In. BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 318.
321
Série E-book | ABRALIC
[...] não acontece por acaso e por factos de natureza puramente idiossincrásica
relativamente aos poetas, acontece num contexto cultural deste tempo que medeia
entre aquilo que significou a geração de Coimbra e o que significa, pelos fins do
século, a proclamação de Zaratustra: de que Deus morrera e que o Super-homem
nascera. Ou seja, trata-se na verdade de uma crise fundamental na evolução da
história ocidental e sobretudo da relação do homem com o sagrado. Com o sagrado
que está ligado às origens de toda a civilização dita ocidental (Serrão, 1993, p. 88).
326
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
Tão importante foi essa conferência, que se pode mesmo dizer que a obra cultural da
Geração de 70 consiste no desenvolvimento das teses e propostas aí apresentadas, e
que, cada um a seu modo, os companheiros de Antero tratarão de descobrir e
apresentar caminhos para reverter a decadência profunda que, de seu ponto de vista,
caracteriza aquele momento da vida nacional (Franchetti, 2007, p. 137).
Três séculos depois, este ocidental percorre o espaço de uma civilização industrial e
urbana e reage emocionalmente a ela, confrontando amargamente o presente com um
passado épico que é apenas a memória quase perdida de que fala Eça no final d O
Crime do Padre Amaro daí, como se viu j{, o contraste do épico de outrora com a
vulgaridade de um recinto público , com bancos de namoro e exíguas pimenteiras
(Reis, 2001, p. 416).
328
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
Tipoias vazias rodavam devagar; pares de senhoras passavam, de cuia cheia e tacão
alto, com os movimentos derreados, a palidez clorótica duma degeneração de raça;
nalguma magra pileca, ia trotando algum moço de nome histórico, com a face ainda
esverdeada da noitada de vinho; pelos bancos de praça gente estirava-se num torpor
de vadiagem; um carro de bois, aos solavancos sobre as suas altas rodas, era como o
símbolo de agriculturas atrasadas de séculos; fadistas gingavam, de cigarro nos
329
Série E-book | ABRALIC
dentes; algum burguês enfastiado lia nos cartazes o anúncio de operetas obsoletas;
nas faces enfezadas de operários havia como a personificação das indústrias
moribundas... E todo este mundo decrépito se movia lentamente, sob um céu lustroso
de clima rico, entre garotos apregoando a lotaria e a batota pública, e rapazitos de voz
plangente oferecendo o Jornal das pequenas novidades: e iam, num vagar madraço, entre
o largo onde se erguiam duas fachadas tristes de igreja, e o renque comprido das
casarias da praça onde brilhavam três tabuletas de casas de penhores, negrejavam
quatro entradas de taberna, e desembocavam, com um tom sujo de esgoto aberto, as
vielas de todo um bairro de prostituição e de crime (Queirós, 2000, p. 1033-1035).
Vejam, ia dizendo o conde: vejam toda esta paz, esta prosperidade, este
contentamento... Meus senhores, não admira realmente que sejamos a inveja da
Europa!
E o homem de Estado, os dois homens de religião, todos três em linha, junto às
grades do monumento, gozavam de cabeça alta esta certeza gloriosa da grandeza do
seu país, ─ ali ao pé daquele pedestal, sob o frio olhar de bronze do velho poeta, ereto
e nobre, com os seus largos ombros de cavaleiro forte, a epopeia sobre o coração, a
espada firme, cercado dos cronistas e dos poetas heroicos da antiga pátria ─ pátria
para sempre passada, memória quase perdida! (Queirós, 2000, p. 1035).
Em Cesário, tal consciência poderá ver-se como uma presença do fradiquismo na sua
concepção estética, enquanto tal significa um prolongamento, com uma vincada
marca pessoal, da problemática de Fradique Mendes. Problemática que não se resume
somente a um domínio baudelaireano ou a um outro mais ou menos naturalista.
Fradique Mendes est{ também presente em Ces{rio ao nível da reflexão sobre o ser
português e o ser um homem deste momento concreto da nossa civilização
(Mourão, 1984, p. 297).
331
Série E-book | ABRALIC
332
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia
fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes
e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina
defronte, na Havaneza, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando
(Queirós, 1971b, p. 328).
333
Série E-book | ABRALIC
REFERÊNCIAS
334
Ética, Estética e Filosofia da Literatura
CAPUANO, Cláudio de Sá. Tudo que trago são papéis: história, escrita e
ironia em Que farei com este livro? , de José Saramago. Dissertação
(Mestrado em Poética). Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
335
Série E-book | ABRALIC
______. O crepúsculo dos ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
337