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CONTATO 

Foto: Jared Sluyter

O caminho da felicidade
Lama Padma Samten nos ensina sobre como ouvir e praticar os
ensinamentos da Natureza da Mente em etapas

Revista Bodisatva > Acervo Bodisatva > O caminho da felicidade


Sempre brincamos quando falamos de Maharaja, dizendo que ele é
Por Lama Padma Samten aquele que nos traz a impermanência. Maharaja é como se fosse o
agente que faz com que tudo aquilo que não queremos que aconteça se
Revisão: Danilo Martelli

manifeste. No entanto, é de grande importância aproveitarmos esse


Transcrição: Wimerson Gomes

movimento inevitável de Maharaja como caminho espiritual, ou seja,


aproveitar as adversidades como caminho espiritual.

Todos nós dispomos de qualidades positivas, mas, infelizmente, em


geral, temos uma certa inconsciência dessas qualidades, uma
inconsciência daquilo que realmente pode nos favorecer. Nem sempre
somos capazes de localizar esses fatos como uma vantagem. Quando
achamos que alguma coisa seja boa, favorável, nem sempre a
utilizamos da melhor maneira.

Frequentemente, simplesmente desgastamos essas condições


favoráveis. Mas quando desgastamos as condições favoráveis, as
condições desfavoráveis vão surgir, uma vez que tudo gira. Assim, é
interessante olharmos esse aspecto, pois, quando atravessarmos as
condições menos agradáveis, vamos ter de aprender como lidar com
elas e tentar atravessá-las com aquilo de que dispomos. Aqui, vamos
conversar sobre como utilizar aquilo que é vantajoso de fato como
caminho espiritual.

Lembro-me de um exemplo de uma aluna de


um mestre zen que entra em uma grande
crise e pede conselhos ao seu mestre, que lhe
diz, “Quando caímos, usamos o chão para nos
levantar”.

Em outras palavras, quando a mão de


Maharaja nos bate, pegamos a sua própria
mão para subir novamente. A adversidade é,
enfim, o que temos. Sendo assim, utilizamos a
própria adversidade para subir, para ir
adiante.

Existem vários tipos de abordagens sobre como olhar os ensinamentos.


Vamos utilizar aqui uma abordagem tibetana, ou seja, o caminho é o
ouvir, o meditar e, posteriormente, o agir. Dentro dessa abordagem, é
necessário ouvir os ensinamentos, meditar sobre eles e, então, praticá-
los de uma forma natural na nossa vida, a partir daquilo que
compreendemos e sabemos fazer.

Por outro lado, o próprio caminho é trilhado em corpo, fala e mente,


todos esses aspectos também devem ser observados. Quando estamos
em uma situação favorável, nem sempre conseguimos ouvir, e isso é
um obstáculo. Nós não nos damos conta de que temos um corpo
humano precioso, e que ele é impermanente. Simplesmente utilizamos
os aspectos favoráveis como se eles fossem eternos. Também não nos
damos conta de que todos os aspectos favoráveis se desgastam se não
soubermos mantê-los, alimentá-los.

É um pouco semelhante a um adolescente vivendo na casa dos pais. Ele


pensa que a casa é eterna, que as condições são eternas. Não vê o
esforço dos pais, acha tudo completamente natural e se acha
merecedor disso, sem perceber as surpresas que podem surgir mais
adiante. No entanto, se a pessoa se dá conta de todos os aspectos
positivos, do esforço de seus pais, pode ser que brote em seu coração o
impulso de ajudá-los nesse esforço ou de, pelo menos, alegrar-se com
isso.

Agindo desta forma, provavelmente suas condições positivas vão durar


por um tempo um pouco mais longo. Mas, se a pessoa simplesmente
desgastar a boa vontade de seus pais, chegará o momento em que eles
se cansarão e decidirão que é melhor a pessoa tomar seu próprio rumo.

Condição humana preciosa


De um modo geral, dentro das linhagens tibetanas, os mestres nos
lembram repetidas vezes que nós temos uma vida humana preciosa e
isso é extraordinário. Por quê? Porque se reuniram condições para os
seres humanos que não existem para outros seres. Nós podemos ouvir
os ensinamentos, o que não existe para seres de outros âmbitos. A vida
humana é uma vida realmente especial.

Ainda que a nossa vida humana esteja dominada por avydia, pela
ignorância, pelo não reconhecimento da nossa Natureza Ilimitada,
muitos mestres vieram e se manifestaram dentro da condição humana.
Eles fizeram isso para gerar uma linguagem, gerar métodos que nós,
dentro deste sonho da vida humana, dentro desta situação ilusória,
onírica, limitada, possamos reconhecer o que é ilimitado.

Todas as doutrinas de todas as tradições fazem apenas a ponte entre a


experiência limitada e o reconhecimento da Natureza Ilimitada, que já
está presente. Nenhuma tradição poderá nos oferecer mais do que essa
Natureza Ilimitada, e ela nós já temos. É por não reconhecer a
experiência ilimitada que temos o sentimento de aflição nas diversas
circunstâncias.

No entanto, a condição humana é tal que muitos mestres vieram e


deixaram um legado de ensinamentos que nos permitem reconhecer, a
partir daquele âmbito limitado, o que é ilimitado. Na compreensão
budista, todos os seres têm a Natureza Ilimitada. O que nos diferencia
dos seres de outros âmbitos é que eles não têm o ensinamento de como
reconhecer essa Natureza Ilimitada a partir de suas próprias
experiências. Mesmo os deuses, que vivem imersos em grande
felicidade, não têm esses ensinamentos.

Nós temos faculdades perfeitas. Mesmo os ensinamentos existindo, se


tivéssemos dificuldades de audição e de visão, não teríamos como
recebê-los. Se tivéssemos um corpo humano doente, isto seria sempre
uma perturbação intensa, que praticamente nos impediria de ir
adiante no nosso caminho. Mas nós somos saudáveis. Poderíamos estar
dominados por outros seres que nos impedissem, mas este não é o
caso. Mesmo as pessoas que trabalham ainda têm um tempinho que as
permite ouvir os ensinamentos. Por outro lado, a nossa forma de vida
não contraria o Darma. Não estamos torturando ou matando pessoas,
ou roubando para poder viver.

Todas essas condições são favoráveis. Diz-se que os mestres vieram e


poderiam não ter ensinado, mas ensinaram. O ensinamento poderia
ter desaparecido, mas perdurou. Eles poderiam não existir em nossa
região, mas eles existem. Tudo isso é muito favorável.

Ouvir
O vaso emborcado
Mesmo tendo uma vida humana preciosa, pode ser que não
consigamos ouvir os ensinamentos, e isso seria desperdiçar uma
condição favorável. É como se uma pessoa estivesse em uma festa com
muitas comidas e bebidas e ela não bebesse e nem comesse. Com muita
música, mas ela não dançasse. Tudo o que a pessoa precisaria para
desfrutar da festa seria estar lá. No entanto, apesar de ela estar lá,
existe ainda um obstáculo que a impede de tirar proveito da festa.

As coisas estão oferecidas, e nós temos a condição perfeita para


usufruí-las. No entanto, pode ser que por orgulho não consigamos
ouvir. Podemos dizer que isso não nos interessa, que já sabemos como
andar o caminho e que não precisamos ouvir. Desta forma, uma
oportunidade preciosa pode ser facilmente desperdiçada.

Por outro lado, pode ser que a pessoa não possa ouvir por ter a mente
competitiva. Ela pode dizer, “Eu não tenho nada para ouvir, se eu ouvir,
estarei valorizando isto. Eu pertenço a outra doutrina que é superior a
esta”. Existe um processo de competição que a impede de ouvir.
Foto: Igor Ovsyannykov

A experiência de estar envolvido em um desses processos que nos


impede de ouvir os ensinamentos se compara a um vaso emborcado.
Um vaso emborcado não consegue receber coisa alguma.

Tomando o exemplo de uma casa, se construirmos as janelas para o


sul, o sol não vai penetrar. Mas o problema não está no sol, e sim na
posição das janelas. Mesmo que haja a condição de felicidade pela
disponibilidade do sol, não há a penetração do sol ali, porque existe
uma posição incorreta. Isso entra na categoria do ouvir impróprio, um
vaso emborcado, nada pode ser colocado ali dentro.

O vaso rachado
O nosso vaso é rachado, ele não é perfeito. Mesmo que consigamos
receber aquilo que seja favorável, nós terminamos por esquecer.
Ouvimos um pouco, achamos bonito, na semana seguinte acabou.
Muitas vezes, até no dia seguinte, ou mesmo no momento em que
saímos da sala, já esquecemos o que ouvimos. Ouvimos, mas a forma
como estamos vinculados externamente faz com que a nossa posição
mental retorne a uma condição anterior, e aqueles ensinamentos
parecem inúteis. Assim, tudo se perde, e nós vamos precisar ouvir tudo
novamente. Após ouvir várias vezes, aos poucos, alguma coisa vai se
fixando.

O vaso contaminado
Ao ouvir os ensinamentos, podemos pensar, “Que método excelente de
ganhar dinheiro!” Existem, por exemplo, pessoas em várias cidades
muito eficientes na organização de eventos, mas não conseguem sentar
para ouvi-los. Elas organizam tudo, mas não ouvem. Elas têm essa
excelente motivação de organizar, de serem generosas para com os
outros. Infelizmente, a motivação não é forte o suficiente para ouvi-los.
É como se eles misturassem com alguma outra coisa, não conseguem
ficar disponíveis para ouvir. É uma pena, pois elas fazem o trabalho,
mas não chegam a usufruir dele propriamente.

Pior do que isso é ouvir e gerar uma doutrina parecida, mas com um
objetivo outro que não a motivação de atingir a liberação. Ouvimos
sobre coisas muito sutis, como as pessoas mudam de opinião ou
superam certos obstáculos e transformam suas posições mentais.
Então, pensam, “Hummm, então posso usar isso para obter sucesso na
minha profissão de …” Ou mesmo a motivação de usar os mantras, por
exemplo, para produzir uma linha de CDs com mantras musicados.
Assim, com o tempo, a pessoa perde a sua condição favorável, perde a
sua saúde, o seu tempo e, apesar de muitas vezes atingir objetivos
desejados, a impermanência vem e faz com que tudo desabe.

O ouvir Vajra
Vajra significa diamante. Temos ainda o caminho vajraiana. Temos o
sutra do Diamante, que também é conhecido como Vajracchedika
Prajna Paramita. É o sutra que revela a natureza vajra das coisas. Essa
natureza vajra é aquela que substitui a compreensão separativa.
Quando avançamos no caminho, começamos a perceber que a
natureza das coisas não é separativa. Ela é mágica, inseparável. Assim,
começamos a dizer que todas as coisas têm a natureza vajra. Elas são
plásticas, todas as coisas são vivas. Mesmo os objetos inanimados são
vivos, porque eles têm a natureza vajra. Eles não estão congelados, são
vivos, incessantemente eles podem se modificar, são multifacetados,
amplos. Quando reconhecemos isso, estamos reconhecendo a natureza
vajra em todas as coisas.

O nosso processo de treinamento vai nos levando ao reconhecimento


da inseparatividade, da natureza vajra de todas as coisas. O que isto
significa? Que ultrapassamos em cada um dos âmbitos da nossa ação o
aspecto convencional. Quando estamos falando sobre o ouvir, parece
ser alguém falando e outro ouvindo. Mas o ouvir também é vajra. Este
é um ponto bem delicado, e devemos avançar dentro dele. Por quê?
Porque temos de trabalhar o ouvir convencional de tal forma que ele
se transforme no ouvir vajra. Precisamos trabalhar o meditar
convencional até que ele se transforme no meditar vajra. Devemos
transformar o agir convencional até que ele se transforme no agir
vajra.

O que seria o ouvir vajra? Como podemos compreender essa natureza


vajra no próprio ouvir? Convencionalmente, parece que enquanto eu
estou aqui falando, eu falo e vocês ouvem. Isso seria o ouvir usual. Tem
alguém que fala e outros que ouvem, existe uma separatividade nisso.
Essa separatividade parece completamente evidente. Mas tem dois
níveis sutis de separatividade atuando, e nós podemos trabalhar nesses
dois níveis, ou seja, tentar avançar nessa prática.
A ressonância
O primeiro dos níveis é o reconhecimento de que, enquanto eu falo, eu
não faço nada mais do que produzir uma vibração no ar. Essa vibração
chega em vocês, e vocês atribuem os significados. Logo, ainda que o
som se origine daqui, o significado propriamente não se origina daqui.
No entanto, o significado é inseparável daqui também, porque nós
estamos trabalhando em ressonância, as nossas mentes estão em
ressonância.

Enquanto eu produzo o som, eu o produzo de


tal forma que estruturas internas de vocês
ressoem a esse som, e é exatamente isso o que
eu quero, que os elementos de sabedoria que
estão dentro de vocês surjam. Mas essa
sabedoria, se ela não estiver dentro de vocês,
ela não vai surgir, porque ela não vem daqui.

Existe, portanto, uma inseparatividade. Se vocês não tiverem a


sabedoria, vocês não a escutarão. Mas se o som não for produzido,
vocês também não a ouvirão. Existe uma inseparatividade atuando.
Ainda que pareça, ainda que convencionalmente o som brote daqui, da
minha boca, não é verdade. É importante que vocês, enquanto estão
ouvindo, percebam que vocês ouvem de dentro.

Percebam que o ouvir é vivo.

O mesmo acontece quando nós lemos,


também tem um som.

Transmissão mente a mente


Tem ainda um segundo aspecto de inseparatividade, que é mais útil e
que diz respeito à ressonância. Quando alguém produz sons,
significados, ensinamentos, podemos ouvi-los, mas esse ouvir estará
com nós mesmos, nós daremos o significado para os ensinamentos. Se
nós não temos a sabedoria dentro de nós, não vai brotar nenhuma
sabedoria dos ensinamentos. Se tivermos uma má motivação, vão
surgir ensinamentos equivocados dos ensinamentos corretos, assim se
dá com o vaso contaminado.

Assim é a inseparatividade: vamos gerar uma má ação ou


ensinamentos equivocados e diremos que isso surgiu da outra pessoa,
como se fosse alguém separado de nós, de quem ouvimos algo que
vamos praticar. Não percebemos que, mesmo tendo nós ouvido aquilo,
esse ouvir é inseparável de nós mesmos. Portanto, o que nós
recebemos é vivo, o som é vivo. Sem percebermos, nós damos vida,
atribuímos significado a ele. Parece que o significado vem junto com a
audição; quando ouvimos, já ouvimos o significado junto.

Quando compreendemos isso, percebemos que sempre foi assim,


nunca ouvimos nada que não tenha sido assim, sempre ouvimos dessa
maneira. Os sons sempre foram sons vajra, a audição sempre foi
audição vajra. Mas nós achávamos que a audição era separativa, que
ouvíamos de outro à distância.

Mesmo que a separatividade funcione, que possamos calcular a


preparação do som em três dimensões, ainda que calculemos a
absorção do som nas paredes, ainda que toda essa física do som
funcione, a inseparatividade segue, assim como o aspecto vajra do
ouvir. O aspecto convencional não substitui o aspecto ilimitado.

Copiando a mente do mestre


Além desse aspecto de inseparatividade, existe outra característica
ainda mais sutil do ouvir vajra. É quando nós ouvimos os
ensinamentos, não olhamos apenas o ensinamento, mas vemos como
ele está sendo produzido na mente de quem o produz. Isso é mais sutil.
Quando ouvimos, os significados brotam de nós. Para os significados
brotarem dentro de nós, é como se tivéssemos um sino que, quando o
som bate, o nosso próprio sino interno gera os mesmos ensinamentos
que estamos vendo chegar. Aquele significado que brota é como se
brotasse dentro de nós verdadeiramente – nós temos a consciência de
que aquilo está brotando dentro de nós.

Foto: ritesh singh


Ao mesmo tempo, aquilo só está brotando dentro de nós porque
também estamos ouvindo. Se tivesse de brotar dentro de nós sem que
pudéssemos ouvir, talvez não fosse possível. Assim, tentamos ouvir um
som que não tem som, mas que se manifesta junto com o som,
tentamos ouvir adiante, ou seja, tentamos ouvir a forma pela qual
aquela sabedoria brota na mente de quem está falando.

Quando alguém fala, essa pessoa produz o som que é ouvido por nós.
Procuramos perceber, então, como a pessoa bate o sino para produzir
aquilo e tentamos bater o nosso sino dentro exatamente como a outra
pessoa bate e comparamos os sons.

Nós não apenas pegamos a sabedoria que o outro está expressando,


como tentamos ouvir o método pelo qual ele gera a sabedoria. Olhamos
dentro dos olhos da pessoa e tentamos descobrir como ela está
produzindo, manifestando a sabedoria.

Quando utilizamos o método para transmitir ensinamentos,


produzimos o som, mas o próprio método não é expresso pelos sons. O
próprio método não se manifesta, não é visível. No entanto, é possível
localizar como esse método ocorre, pois a mente não é local, não está
centrada no nosso corpo. Ela pode operar através dos cinco sentidos,
mas não está limitada a eles. Podemos facilmente deslocar a atenção
em várias direções e obter resultados como se estivéssemos vendo ou
ouvindo em diversos outros lugares.

Sendo assim, podemos também nos colocar na condição do mestre que


está falando e vamos tentar copiar as condições que ele utiliza para
produzir essa sabedoria. Desta forma, vamos terminar por copiar o
silêncio mental e os condicionamentos que o mestre utiliza para
produzir a sabedoria que vai produzir os sons. Isso é copiar a mente do
mestre, esse é o ouvir mais sutil, isso é a transmissão de mente a
mente. Isso pode ocorrer com sons, com gestos ou com qualquer
movimento.

Usualmente, se retornamos à condição convencional, parece que


ouvimos de alguém separado de nós. Ouvimos informações, com as
quais podemos concordar ou não. Podemos lembrá-las durante um
tempo, mas em breve as esquecemos. Pode ser ainda que, mesmo
lembrando as próprias palavras, não consigamos pôr aquilo em
prática, parece que a compreensão não brota mais, parece que perdeu
a vida, o brilho. Às vezes, ouvimos e anotamos para não esquecer mais.
Uma semana mais tarde, lemos as mesmas palavras, mas elas já
perderam o brilho. Nós não conseguimos entender, não sabemos o que
dá e tira a vida das palavras. Olhamos aquilo e pensamos, “Mas tudo
isso estava nítido, visível, claro. Como isso é possível?”

As palavras não estão nas palavras, elas são vajra. Assim,


tentamos capturar, contemplar esse aspecto vajra. A nossa
compreensão é inseparável da paisagem na qual estamos
operando. Temos um conjunto de referenciais sutis não expressos,
que não são referenciais lógicos, racionais, discursivos. Esses
referenciais dão significado, sentimento, vida a todas as coisas.

Assim, as palavras não vivem sozinhas, elas


adquirem seus significados dentro das
paisagens em que estamos atuando. Quando
nos deslocamos de paisagem, as palavras
perdem o brilho. Assim, é necessário retornar
à paisagem original e olhar as mesmas
palavras novamente para que elas, de novo,
ganhem vida.

Quando estamos sob o efeito de algum vento especial, de alguma


circunstância como, por exemplo, em pé no ônibus indo para a
faculdade fazer uma prova, é como se estivéssemos no meio de um
sonho. Tudo aquilo que ouvimos antes não tem valor, parece que não
tem significado. Depois que passa a febre, o nosso estado, olhamos
novamente, e os ensinamentos readquirem seu significado.

O mesmo acontece quando estamos em meio a uma emoção


perturbadora muito intensa, como a raiva, por exemplo. Nesse
momento, parece que os ensinamentos do Buda não funcionam.
Quando a raiva passa, a pessoa volta aos ensinamentos e pensa, “Claro,
por que eu não me dei conta disso no meio da raiva? Eu certamente não
teria agido daquela forma!” Mas em meio a tais circunstâncias, parece
impossível ouvir a sabedoria que tínhamos no dia anterior.

A mente Vajra
A sabedoria não está nas palavras, ela é um aspecto sutil. Ela vai
ressurgir. Mesmo que nós escrevamos pela segunda vez o que
acabamos de relembrar, de novamente entender, vamos perder outra
vez. Por quê? Cada vez que lermos as palavras que nós próprios
geramos e escrevemos, vamos precisar reconstruí-las. Essas palavras
são vajra, nós geramos as palavras vajra e escrevemos no papel vajra,
com tinta vajra. Vamos precisar fazer ressurgir o significado ao ler
aquilo. Para isso, teremos de nos colocar na mesma condição, na
mesma paisagem. Como fazer aquela paisagem ressurgir para que
possamos compreender mais uma vez os ensinamentos?

Nós nos recolocamos na paisagem de


sabedoria, na paisagem não construída.
Acendemos uma vela ou um incenso e
fazemos prostrações diante da imagem do
Buda. Tomamos refúgio na Natureza
Ilimitada, na natureza de brilho, na
motivação de trazer benefícios aos seres e
sentamos um pouco em silêncio. Tendo,
então, estabilizado a mente, procuramos
relembrar os ensinamentos. De repente,
vemos que as palavras voltaram a ter vida.

Foto: Yuri Bodrikhin

Tudo é vajra, tudo muda. Ainda que pareça impossível, por exemplo,
um livro mudar, todos vocês já reencontraram livros antigos e
perceberam que eles tinham mudado. Percebemos que vemos outras
coisas nas fotos, nos desenhos, nas palavras. Cada vez que vemos
alguma coisa, recriamos uma experiência. Essa experiência pode ser
igual à anterior ou não. Ela não precisa ser igual. Isso é a compreensão
da inseparatividade de todos os objetos. Todos eles são vajra. Esse
aspecto é o reconhecimento da Natureza Ilimitada presente em todos
os objetos e todas as experiências. Essa compreensão é muito
importante e ela é indolor. Justamente utilizamos a lucidez da nossa
mente para compreender isso. Isso está na categoria de “mente vajra”.

A natureza da mente
Todas as construções são transitórias, incluindo a própria sabedoria.
No entanto, existe uma natureza da mente que produz as construções,
e ela está sempre presente em qualquer construção. Ela se manifesta
como se fosse um brilho de atividade da nossa mente que opera
incessantemente, dia e noite, fisicamente acordada ou sonhando. Ela
não dorme, não descansa, ela troca de uma atividade para outra sem
cessar, está sempre em atividade, vida após vida. Na vida, ela tem a
atividade da vida; na morte, tem a atividade da morte; no desmaio, ela
tem a atividade do desmaio; no sono, a atividade do sono; no sonho, a
atividade do sonho. Como teríamos o sonho se não fosse essa
atividade? Como teríamos qualquer das nossas experiências se não
fosse essa atividade?

Essa atividade é permanente, mesmo que a face pela qual ela se


manifesta mude. Ela é como o espaço, que pode ter diferentes objetos,
mas permanece o espaço. Ou o céu, que pode estar escuro, estrelado,
nublado ou ensolarado. O céu é como o espaço onde tudo isso ocorre, e
ele é permanente. Suas manifestações são impermanentes.

A Natureza Ilimitada que contém essas manifestações é como se fosse o


espaço onde tudo acontece, é como se fosse o princípio de atividade, a
energia básica que faz seja o que for acontecer. É o conteúdo sutil de
cada coisa. Essa natureza segue, ela está sempre se manifestando de
algum jeito, ela é a essência de todas as experiências. Assim, quando
buscamos a origem da sabedoria, vamos localizar que a mente de todos
os grandes mestres repousa nesse grande conhecimento, nessa
natureza de espaço e energia, de onde brotam todas as experiências e
manifestações.

Os grandes mestres repousam nessa compreensão e, quando eles


olham as manifestações, eles naturalmente reconhecem através de que
tipo de condicionamento as manifestações brotam. Eles são capazes de
explicar por que a aparência que surge é luminosidade e liberdade.
Assim, eles liberam a experiência ilusória da aparência. A
compreensão da natureza vajra vai até este ponto, no qual nós
compreendemos a natureza fundamental que anima todas as
manifestações.

É como se fosse o barro primordial que está em todos os potes.


Podemos, com uma bolota de barro, gerar muitas formas. No entanto,
nunca vamos contemplar qualquer coisa que não a própria bolota
original de barro. É sempre a mesma bolota, não importa a forma, não
há outra essência. A essência original e luminosidade e espacialidade
se manifestam sob condições em diferentes formas.

Quando aprofundamos a condição do ouvir, vamos chegando nessa


região. Esta é a maneira através da qual vamos ouvir com sabedoria.
Assim, vemos que o ouvir é inseparável do falar, é inseparável da
nossa sabedoria interna e, portanto, inseparável do nosso próprio som
interno. Nós nunca vamos ouvir sabedoria se não tivermos um som
interno também sábio, nunca vamos conseguir ouvir, fazê-lo brotar de
fora. O som interno, essa sabedoria, depende dessa experiência. Assim,
quando vamos ouvir os ensinamentos, é importante reconhecermos o
som interno brotando na mente do Buda.

Como podemos ouvir dessa forma? Precisamos das condições


favoráveis. Se os deuses da felicidade ouvissem esses ensinamentos,
isso seria útil para eles. Só quem está em uma condição muito
favorável pode ouvir esses ensinamentos. Se estivéssemos em grande
sofrimento nesse momento, esse ensinamento não serviria.

Ele só funciona quando a mente do ouvinte está bem, receptiva. Isso é


o caminho da felicidade. Estamos felizes de uma forma condicionada,
temos condições favoráveis e estamos aprendendo como utilizá-las da
melhor forma. Não estamos sob quatro montanhas, não tem um
desastre acontecendo conosco. Por isso, podemos nos direcionar para
esse tema. Como todas as condições favoráveis são impermanentes, é
bom aproveitarmos isso para gerar essa estrutura e solidificá-la.

O texto acima foi publicado originalmente na Revista Bodisatva n 14, em


2005.

Apoiadores

6 Comentários

Sergio luis bravo disse: Responder


21/04/2018 às 10:41 am

hoEste realmente é o caminho vamos colocar em pratíca.

Andrea Maria Valenca Rangel disse: Responder


22/08/2018 às 9:46 am
🙏❤️🦋🙌🏿

Andrea Maria Valenca Rangel disse: Responder

🙏❤️🦋
22/08/2018 às 9:46 am

Andrea Maria Valenca Rangel disse: Responder

🙏❤️
22/08/2018 às 9:47 am

Andrea Maria Valenca Rangel disse: Responder


22/08/2018 às 9:48 am

Obrigada!!!

Mario Carvalho disse: Responder


16/02/2021 às 6:22 pm

Nem sei que dizer…talvez obrigado

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