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ruído branco

Todo aquele drama existencial fatalista que me perseguiu por anos… Aquela voz que

eu ouvia gritar toda noite dentro de mim… Essa voz que não me pertence… Essa voz que

me faz ter a certeza que posso morrer agora… Essa voz, esse ruído, que foi embora assim

que colocamos óleo no eixo do ventilador de teto…

todos os dedos nus

Todos os dedos nus, as roupas jogadas, som dos passos corridos. Estão frescos.

Sinta! Choro quente no rosto e lençóis puxados da cama. As fotografias, antes tantas pela

parede, amassadas no lixo. O vestido rasgado. Uma ameaça, um desarme, uma derrota.

Espelho quebrado na testa. Cacos no chão do quarto. Esse sangue não coagula. Cena fatal.

Cada gota cai diz menos. O amor é flexível como vidro da janela desse quarto. Não há o que

dizer. O coração estilhaçou no peito.


Mas a gente se ama.

FIM

o jardim

Quando vou a casa da minha avó, adoro passar o tempo somente olhando jardim.

Uma casa pequena, simples. É a casa onde cresci. Onde pretendo morrer. A parte que mais

me importa está lá fora. O jardim mais lindo; matos secos murchos, terra batida amarela,

os ossos da galinha da janta. Jardim perfeito, jardim sem flores. Se por alguma desgraça

umazinha que seja brotasse daquele chão rasgado, eu queimaria no fogo de meu sal. Minha

raiva. Se fosse pelas flores, o jardim não me valeria nada. Nunca me lembraria da sua terra

rachada, cicatrizes, terra quente. As flores roubam toda perfeição. Toda perfeição: é

tentativa. Mas as flores serão sempre flores, o ponto fora da curva na criação. As flores

serão sempre flores longe do meu jardim.

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