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ALGUMAS POUCAS CONSIDERAÇÕES QUE, ACASO ECOEM A MONTANTE OU A

JUSANTE, PODEM AJUDAR A RE-ENQUADRAR A FILOSOFIA DA ADMINISTRAÇÃO DAS


TERAPÊUTICAS DE SUBSTITUIÇÃO DOS OPIÁCEOS.

TERAPÊUTICAS DE SUBSTITUIÇÃO DE OPIÁCEOS EM PORTUGAL


16-9-2009

EXCERTOS MODIFICADOS DE PUBLICAÇÃO EM BLOGUE


Começa a verificar-se, um pouco disseminadamente pelo país, um crescendo no
receio da comunidade médica de primeira linha (os médicos de família), dentre
aqueles a quem qualquer cidadão tem o acesso mais facilitado e menos
oneroso, sob qualquer ponto de vista, de prescrição de uma terapêutica de
substituição dos opiáceos (mas, em simultâneo, antagonista dos mesmos), de
alto sucesso e acesso democratizado, via farmácia.

Deixai-me desfazer um equívoco, muito presente na generalidade da


população, inclusive dentre quem é sujeito a esta prescrição, que é pensar que
se trata de uma terapêutica opiácea, já que é de substituição dos opiáceos. Não
é assim.

Trata-se de um agonista-antagonista misto dos receptores opiáceos, e por essa


razão mesma não poderia constituir-se como substituto. Mais, quando
administrado provoca uma síndrome de abstinência, embora
automaticamente mascarado pelos seus fortes efeitos analgésicos. Na verdade,
retira, automática e imediatamente, dos receptores, toda a droga opiácea que
ali se encontrar, até por virtude da sua maior afinidade para com aqueles
(relativamente aos produtos de rua ou mesmo do próprio ópio). Razão porque
não deve, jamais, ser usada se o sujeito estiver ainda com consumos. É
perigoso e, no mínimo, masoquista por parte do consumidor, que vê apenas o
seu dinheiro a voar da carteira.

Daí que, como terapêutica, ela de facto substitua a droga, mas não por ser de
natureza similar. Só o é de substituição, por analogia grosseira com outras
terapêuticas ou, talvez, porque implica um período de administração longo,
para ver efeitos concretos de sucesso.

Além do que é também eficaz (e já largamente usada, mais uma vez há


décadas, nos países ocidentais civilizados) na terapêutica do alcoolismo, já que
o consumo das duas substâncias revela-se, subjectivamente, adverso e
altamente desagradável, provocando vómitos e rejeição do álcool. Aqui, talvez
por uma alteração na própria tolerância do organismo ao álcool…

Por esta razão, esta substância deveria (em qualquer das suas formas e
dosagens comercializadas), com toda a propriedade ser muito, mas muitíssimo
mais facilmente considerada pela comunidade dos Licenciados em Medicina,
que exercem a Medicina Familiar, ao invés de excessos de zelo, infundados,
que desajudam quem precisa e, pior, ajudam o mercado negro, os traficantes e
toda a corja que daí faz modo de vida. Afinal, e vendo bem, ajudam muita
gente, mas só não ajudam os escravos de vícios desesperadamente à procura de
refazer a vida, com toda a legitimidade e valor…

Algumas Regras (básicas), por norma, associadas à prescrição e terapêutica


com a Buprenorfina (e, por norma, explicitadas ao utente em consulta):
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 Administração da quantidade (dosagem) que o ‘organismo necessita’ (uma embalagem


de 7 comprimidos, qualquer que seja a dosagem, é para 7 dias, não mais não menos,
sendo que um mês tem trinta dias, é só natural que sejam necessárias mais de quatro
embalagens);

 Total liberdade no controlo e reajuste da dosagem, tendo em vista o fim último da


protecção do sujeito, face ao risco de recaída;

 Toma ininterrupta, durante largo (e indeterminado ab initio) período de tempo.

Apesar disto, e tendo em conta a realidade ‘trafico-fílica’ do país, compreende-se que se


tenham vindo a impor certos cuidados, a saber:

 Aquando do ‘desvio’ e introdução do produto e/ou receituário no mercado negro;

 Eventual incumprimento dos preceitos do contrato terapêutico acordado clinicamente,


entre as partes, quaisquer que eles sejam;

 Insucesso manifesto da terapêutica, com recaídas múltiplas e/ou falta de vontade em


tolerar a abstinência das drogas;

 Prescrição/ Democratização do acesso, fácil e o menos oneroso possível, a todos os


cidadãos necessitados.

È precisamente este um dos objectivos que norteou a livre entrada das diferentes variantes
comercializadas, tendo sido alterada a dosagem original (administração de 0,8 a 2mg/ dia) de
forma a cobrir o tratamento da toxicodependência, aliás, anos, talvez mesmo décadas, após
experiências de sucesso noutros países, esses sim, civilizados. Tendência que se verá reforçada
no futuro.

Com este mais do que breve enquadramento (mas que procurou rigor nas fontes da
informação), impõe-se questionar como é que se sustenta a decisão do médico parar a
prescrição, ou simplesmente aumentar o zelo, quando, em cima de tudo, o caso em
terapêutica responde com absoluto sucesso (começando a perder-se no tempo a patologia que,
afinal se pretendia tratar).

Aqui chegados, deixa mesmo de fazer qualquer sentido voltar a um Centro de Atendimento
especializado (fora de mão, implicando, necessariamente, uma reabertura de processo, com
todos os custos que tal acarreta) para, desta feita procurar apoio, não para o consumo
de droga, mas para a manutenção da abstinência. Ao fim e ao cabo, é para isso também,
e com toda a propriedade (deve sublinhar-se), que cá estão os ‘médicos de família’. Ainda a este
propósito, de relembrar que se gastaram alguns recursos significativos a preparar os Centros
de Saúde, e os médicos que assim o desejaram, na administração de terapêuticas de
substituição dos opiáceos in loco.

Se algumas dessas terapêuticas ainda não são comercializadas na farmácia, caso da metadona
(mas tudo indica que muito em breve o serão, implicando aí automaticamente o ‘médico de
família’ no processo terapêutico, até porque deixa de fazer sentido manter os custos
associados às permanentes deslocações, mas mais ainda, manter a sobrecarga dos
técnicos especializados e dos Centros, já de si, em ruptura eminente), outras como a
buprenorfina, já lá estão disponíveis, para facilitar o tal acesso fácil, democrático e pouco
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oneroso para os utentes (normalmente vítimas do desequilíbrio da Vida que eles próprios
provocaram) e, por arrastamento, para todo o sistema, para o estado e para a sociedade.

Embora os casos de sucesso, em termos de resultados do tratamento das toxicodependências,


sejam estatisticamente insignificantes (provavelmente menor do que 0,05), eles existem. E eu,
sinceramente, preciso, que me seja explicado, tal como a uma criança em idade escolar, como é
que alguém (ao arrepio de toda uma filosofia) se outorga o direito de armadilhar o percurso
terapêutico, e de vida, a quem quer que seja, só porque é preciso ter cuidado, ou
simplesmente porque sim.

Ademais, è de vital importância, que seja dada a devida atenção às contingências de vida
(àquelas que estão para além do controlo do próprio), às condições emocionais actuais do utente
e, por fim, às consequências para o próprio e para os demais, que com ele fazem sistema, antes
de qualquer decisão que afectará indelével (mesmo até aos fundilhos) a vida da pessoa.

Afinal, ao criar dificuldades num processo deste tipo (mesmo que menores e
involuntariamente), está-se implicitamente a convidar, senão mesmo a obrigar, o sujeito (neste
caso particular, imerso na maior crise da sua vida, a não ser que não seja já por demais
evidente a natureza terminal do quadro clínico da mãe) a cair na tentação da facilidade (e
nesta encruzilhada, ao menos uma…), ainda que ilusória, que o consumo da droga encerra,
terminada que seja a última embalagem de medicação. Medicação essa que, súbita e
repentinamente, parece estar a tornar-se de mais difícil acesso do que a droga de rua, contra a
qual foi afinal institucionalizada e, contra a qual deveria competir.

FIM E... INÍCIO.

Carlos Andrade Duarte


Excertos modificados de publicação em blogue TERAPÊUTICAS DE
SUBSTITUIÇÃO DE OPIÁCEOS EM PORTUGAL

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