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HINDUÍSMO

Cerca de 13% da população mundial segue o Hinduísmo, tornando uma das


religiões com mais seguidores no mundo
Por Ronaldo Steffen

OHM: é símbolo universal do Hinduísmo e seu


som impede sentimentos ruins e transmuta os
pensamentos negativos em positivos.

História
É
difícil identificar uma data para registrar Achados arqueológicos no vale do rio Indo
o início do hinduísmo. Costuma-se indicam que houve uma civilização avançada na
atribuir a alguma data entre 1500 a.C. e Índia, anterior à chegada dos indo-europeus, e é certo
200 a.C. Nesse período, um grupo de nobres que essa civilização também contribuiu para o
(denominados de arianos) dominou o vale do rio hinduísmo moderno.
Indo. Os nobres trouxeram suas crenças,
Num período posterior, provavelmente entre 1000
fortemente influenciadas por concepções
a.C. e 500 a.C., surgiram os Upanishads, escritos em
religiosas indo-européias (grega, romana e
forma de diálogos entre o mestre e o discípulo. É
germânica). Esse período é denominado de
nesse período que é introduzida a noção de Brahman,
período védico do hinduísmo em razão dos
a força espiritual essencial sobre a qual se baseia todo
hinos recitados pelos sacerdotes. Esses hinos
o universo. É por essa razão que se diz que todos
eram chamados de vedas e significam “conheci-
nascem do Brahman, vivem no Brahman e retornam
mento”.
ao Brahman por ocasião da morte.
O sacrifício era importante para o culto
ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de Os “Upanishads” introduzem a idéia de “Brahman”.
Todos nascem dele, vivem nele e na morte retornam a
se conquistarem seus favores e se manterem sob ele.
controle as forças do caos.
Hoje
O hinduísmo, embora originário da Índia, Nesse mesmo ano, a tensão entre hinduístas e
possui adeptos espalhados por todos os países a muçulmanos em razão da independência da Índia
sua volta, em especial Nepal, Bangladesh e Sri resultou na criação do Paquistão como um Estado
Lanka. muçulmano separado, dividido em duas partes
distintas, o Paquistão do Leste e o Paquistão do Oeste.
Apenas em 1947 é que a Índia deixa de ser um
Depois da guerra de 1971 entre a Índia e o Paquistão, o
Estado religioso e passa a garantir direito de
Paquistão do Leste se tornou um Estado independente
expressão religiosa a todas as denominações
com o nome de Bangladesh.
religiosas.

Ensinamentos
Deuses divindade feminina, a Rainha
do Universo ou Deusa-Mãe.
A multiplicidade do Sua manifestação mais conhe-
hinduísmo também se manifes- cida é Kali, a deusa negra,
ta em seu conceito de transcen- adorada, sobretudo, no Leste da
dente. Há duas formas de Índia e a quem se sacrificam
compreender o tema: uma animais. O alto status de Kali no
filosófica (Brahman é o mundo dos deuses é evidente
princípio e a realidade última; pelas imagens que a mostram
o universo em sua totalidade é pisoteando o corpo de Shiva.
um só com a divindade;
A importância das deusas na
Brahman toma a forma de três
Vishnu reencarnado também como Krishna religião indiana é visível pela
divindades: Brahma, Vishnu e
escolha da Mãe Índia (Bhárata
Shiva, respectivamente o
Mata ou Bharthamata) como a
Criador, o Mantenedor da
divindade nacional do moderno
criação e o Destruidor) e outra
Estado da Índia. Na cidade de
popular, ou menos acadêmica
Varanasi há um templo especial
(ac red it a-se n um gra nde
que lhe é dedicado. Ali, em vez
número de divindades a tal
de uma representação da deusa,
ponto que as aldeias elegem sua
está exposto um mapa da Índia.
divindade local).

Deusas Divindades
O hinduísmo tem uma série menores
de deusas. Alguns adotam a A maioria das aldeias tem seu
teoria de que essa abundância de templo dedicado a Vishnu ou a
deusas não passa da expressão Shiva, senhor da criação e destruição
Shiva. Esses deuses se concen-
de uma grande e poderosa tram nas questões maiores,
universais e, em geral, são homenageados nos pensamentos, às
grandes festivais. Num nível mais doméstico, as pal avras e aos
pessoas costumam visitar pequenos templos sentimentos.
dedicados a divindades menos importantes. Desse modo,
entende-se que o
Embora não sejam tão poderosas como
carma é determi-
Vishnu ou Shiva, é mais fácil se aproximar delas
nante para o que irá
para assuntos de menor importância, tais como
ocor rer numa
os problemas pessoais.
próxima existên-
Há deuses para as cia. Muito embora
se possa concluir
questões universais
que o carma é uma Bharata Mata, divindade nacional da
e deuses para as punição ou uma Índia
questões pessoais. recompensa das
ações humanas, não é esse o modo de compreender
Os deuses menores por vezes exercem
sua extensão. É como se ele fosse apenas uma lei
influência em áreas específicas, como, por
natural da existência. Colhe-se aquilo que se planta, e
exemplo, em certos tipos de doença. Muitos
é justamente isso que explica as diferenças entre as
deles têm origem humana: podem ser heróis que
pessoas. O ser humano é responsável por si mesmo e
morreram em batalha ou esposas que se oferece-
de posse do livre-arbítrio está apto a produzir as
ram para serem queimadas na pira funerária do
mudanças necessárias com vistas a uma melhor
marido. Alguns deuses são espíritos malignos
existência posterior, quando renascer.
que foram deixados para trás por homens maus.
Ao cultivar esses espíritos como deuses, é O sistema de castas
possível controlar e neutralizar sua maldade.
O surgimento do conceito de casta é confuso. O
Ser humano fato a ressaltar é a chegada dos arianos à Índia, com
língua, cultura e traços fisionômicos (altos, pele
A concepção que o hinduísmo desenvolve a
clara, olhos azuis e cabelos lisos) diferentes. A
respeito do ser humano está intimamente
diferença propiciou um sistema de identificação pela
vinculada a uma compreensão ampla que
cor (varna, em sânscrito). As classificações tiveram
privilegia os entendimentos sobre carma,
ampliação à medida que a organização se fazia
reencarnação e o sistema de castas.
necessária, de modo que se chegou a uma estratifica-
ção com quatro classes sociais: videntes, administra-
Carma e reencarnação
dores, produtores e seguidores.
O ser humano tem uma alma imortal que não
Na prática popular, hoje, a casta é entendida como
lhe pertence. Depois da morte, a alma volta a
as possibilidades que alguém tem de se relacionar
aparecer pelo renascimento, não necessaria-
com coisas mais puras ou impuras. Essas possibilida-
mente em forma humana, podendo, também, vir
des são determinadas pelas regras que conduzem
a renascer num animal.
cada casta: castas elevadas buscam cada vez mais
O conceito que explica esse eterno vai-e-vem distanciamento das coisas materiais; castas mais
da alma é o carma (“ato” ou “ação”) do ser baixas se permitem a aproximação com as coisas da
humano, referindo-se tanto às ações como aos matéria. Duma ou doutra forma, se alguém quebrar
As possibilidades de ciclo da vida. Tudo é determinado pelas ações do presente

alguma das regras de sua casta, restam-lhe os is ou sem-casta (também chamados de párias):
rituais de purificação, sendo o mais conhecido o criminosos, lixeiros e curtidores de couro de animais,
banho num dos muitos rios sagrados. por exemplo.

Os efeitos do sistema As complexas regras que


de castas e suas regras Religiosamente, as controlam o contrato social
específicas influenciam castas indicam o entre as castas eram muito
diretamente a base da grau de pureza ou rígidas. A Constituição da
divisão de trabalho na Índia, de 1947, introduziu,
impureza de uma
comunidade. Cert as no entanto, medidas com a
pessoa.
atividades e certos fi nalidade de banir a
trabalhos são tão impuros que somente determi- discriminação por casta. Como não basta mudar a
nadas castas podem realizá-los. Essas castas têm legislação para acabar com antigas divisões sociais e
o dever de ajudar os outros a manterem sua religiosas, o sistema de castas continua tendo um
pureza. Por outro lado, apenas as castas que papel importante, em especial nas aldeias.
preencham os requisitos de pureza podem se
aproximar dos deuses mais elevados. Para que Vida e Morte
isso ocorra com mais facilidade, outras pessoas
Durante o período védico, as doutrinas do carma e
devem ser impuras. Entretanto, todos se benefi-
dos renascimentos eram vistas como algo positivo.
ciam da limpeza dos puros, pois todos os
Por meio dos sacrifícios e das boas ações, o ser
hinduístas tiram proveito dos ritos que são
humano podia garantir que viveria várias vidas. Mais
praticados.
tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo
O sistema de castas deu um novo contexto à como algo negativo, como um círculo vicioso a ser
vida do indiano moderno. Assim, ser expulso de quebrado. É possível, assim, distinguir três caminhos
sua casta é o pior castigo imaginável e, por isso, para a libertação: as vias do sacrifício, do conheci-
só utilizado para crimes muito sérios. O nível mento e da devoção.
mais baixo no sistema de castas é o dos intocáve-
A via do sacrifício Cumprir os rituais.
Como vimos, a palavra indiana para ”ato” é Buscar o conhecimento.
carma. Hoje ela é usada para denotar todos os Contemplar .A religião
atos humanos e até mesmo a coletividade desses na Índia oferece a
atos. No período védico, o termo se referia possibilidade de vários
basicamente a atos religiosos ou rituais, em caminhos para a
especial aos atos sacrificiais. Estes eram
libertação, e essa
necessários para incrementar a fertilidade e
multiplicidade
manter a ordem universal, além de propiciar a
possibilidade de libertação do constante nascer-
é mais uma característica
renascer, integrando-se de modo definitivo com do hinduísmo.
Brahman.
mo é a que predomina na Índia moderna, e o livro
A via da compreensão ou do conhecimento Bhagavad Gita é o texto sagrado que ocupa o lugar
supremo na consciência do indiano médio.
A compreensão ou o conhecimento é apenas
uma das formas de libertar-se do ciclo de
renascimentos, pois se enfatiza que é a ignorân-
Mundo
cia que aprisiona o ser humano a esse ciclo. É plural
Compreender a verdadeira natureza da O mundo não é uno, mas plural. Há diversos
existência, o oposto da ignorância, é, portanto, mundos interconectados pela mesma razão. É como
um caminho para a libertação. É apenas quando se fossem infinitas galáxias, e cada uma com o seu
o ser humano adquire o reto conhecimento que ponto de referência, como a Terra. Para dar uma
ele é redimido da implacável roda da transmi- dimensão superlativa ao conceito de infinitas
gração. O reto conhecimento mencionado nada galáxias, o hinduísmo entende que entre esse ponto
mais é do que a compreensão de que a alma de referência e o restante da galáxia há diversos
humana (atmã: é o reflexo da alma universal e outros mundos mais sutis, acima, e mais grosseiros,
encontra-se nos seres humanos, nas plantas e abaixo. Os mundos sutis e grosseiros são os espaços
nos animais) e o mundo espiritual (Brahman) ocupados pelas almas e que por eles transitam
são uma e a mesma coisa. conforme os méritos adquiridos ou não.

A via da devoção Cada mundo e galáxia têm ciclos diferentes de


tempo. Há tempo que se expande e tempo que se
Uma terceira rota para a salvação é a via da
recolhe, eterna e incontavelmente no mesmo movi-
devoção. Essa proposta começou a difundir-se
mento, estabelecendo os ciclos cósmicos.
no Sul da Índia, por volta de 600 a.C. e logo se
espalhou por toda a região da Índia. Já no século É meio
III a.C. esse caminho para a libertação encontra-
ra sua expressão no Bhagavad Gita, um poema O mundo e suas galáxias têm uma razão. É o
catequético. Essa terceira tendência do hinduís- espaço onde as almas individuais cumprem a
inexorável lei do carma até sua libertação. Inerente ao
conceito de carma está que toda decisão do ser mágica, o que vemos nem sempre é o que pensamos
humano terá determinadas conseqüências. Não ver. Assim é o universo. Enquanto em processo de
há fatalismos no universo. constantes renascimentos, o ser humano pode cair no
ardil de que a materialidade e a multiplicidade são
Nos mundos mais grosseiros há uma
realidades independentes, quando, em realidade, são
percepção maior dos elementos sensoriais. Em
Brahman, o todo inclusivo de tudo o que é e de tudo o
razão dos prazeres proporcionados, geralmente
que não é.
assentados no eu individual, o ser humano deve
buscar a libertação para mundos cada vez mais O mundo e suas galáxias podem ser a prisão do
sensíveis, em direção ao EU absoluto, o ciclo de constantes e infindáveis renascimentos do
Transcendente, até sua integração completa. ser humano. O universo aí está para poder perceber-
se sua unidade, que é Brahman. Mesmo que o ser
É moderado humano não o perceba ou o perceba apenas parcial-
mente, ele continua sendo Brahman.
O mundo e suas galáxias são o espaço onde
bem e mal, prazer e dor, conhecimento e
É lila
ignorância se entrelaçam em proporções quase
iguais. Não faz parte dos propósitos do universo O mundo e suas galáxias são o espaço lila (“dan-
ser um paraíso, mas o espaço onde o espírito do ça”) do Transcendente. É onde ele dança, numa
ser humano pode viabilizar seu aprendizado de espécie de jogo, de forma incansável, infinda,
integração ao Transcendente. É como se o irresistível, mas absolutamente benéfica. É o jogo
universo perceptível servisse apenas para poder que o Transcendente criou a fim de que o finito seja
perceber-se que há outra realidade além dele. superado e destruído pelo infinito.

É maya
O mundo e suas galáxias são maya. A palavra
maya possui a mesma raiz que mágica. Na

Principais tendências
Escolas do
pensamento hindu
Entre os séculos II a.C. e IV d.C., surgiram
seis escolas ortodoxas da filosofia clássica
hindu, descritas a seguir. Não eram grupos
organizados, mas sistemas de pensamento que
apresentavam perspectivas diversas, porém
complementares, de métodos devocionais,
Templo hindu
interpretação das escrituras e cosmologia. em Mysore -
Índia
Vaiseshika – Defende que a libertação do ser humano se dá pela compreensão das leis da
natureza.

Nyaya – A libertação do ser humano se dá pelo conhecimento por meio do raciocínio


lógico.

Samkhya – A libertação do ser humano ocorre quando se alcança a união da alma individu-
al com o Transcendente (moksha) por meio da consciência que se desvencilha das preocu-
pações mundanas e materiais.

Mimamsa – A libertação do ser humano dar-se-á à medida que os escritos sagrados forem
adequadamente interpretados e, em decorrência, produzirem o justo agir (darma).

Vedanta – A libertação do ser humano é decorrência da correta compreensão do


Transcendente e dos conhecimentos espirituais, possibilitada pela igualdade entre a alma
individual e o Transcendente.

Bhakti – A libertação do ser humano é possível em razão das atitudes devocionais que
permitem a união entre a alma individual e o Transcendente, embora sejam diferentes.

Escolas do pensamento hindu


Em meados do século XX, surgiu na Europa 1960 e 1970, concentrou-se no budismo e no hinduís-
e nos Estados Unidos um grande interesse pela mo, com destaque para a ioga. Surgiram inúmeros
espiritualidade oriental. Dentre as muitas razões movimentos que apresentaram o modo hinduísta de
para isso, podemos afirmar que o Ocidente responder às questões da vida. Eram, em regra,
materialista, espiritualmente estéril, percebeu movimentos centrados na personalidade de algum
que a vida e o viver iam muito além dos reducio- mestre (guru) carismático, venerado como se fosse
nistas aspectos biológicos. Esse interesse, que um avatar. Dos movimentos que permaneceram na
atingiu seu ponto culminante nas décadas de ativa após a morte de seus fundadores, destacamos:

Meher Baba (1894-1969) – Foi o primeiro guru moderno de importância a conquistar


adeptos no Ocidente. Nascido na Índia, elaborou uma doutrina que sintetizava várias
tradições religiosas, inclusive os conceitos de carma e samsara (“renascimento cíclico”).
Ensinava que o estado de iluminação que liberta só se alcança por meio do amor puro,
desinteressado.

Sociedade Internacional da Consciência de Krishna – Foi fundada em meados da década de


1960 no Ocidente por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada (1896-1977). Seus discípu-
los de túnica amarela procuram a iluminação por meio do estudo das escrituras védicas, em
especial o Bhagavad Gita, e do canto de um mantra em louvor a Krishna e Rama (graças ao
qual o movimento é popularmente conhecido como Hare Krishna). Praticam um ascetis-
mo rigoroso, que inclui o celibato, a não ser com finalidade de procriação e dentro do
casamento.

Meditação transcendental – Ensina um método simples de meditação que se baseia em um


mantra pessoal (palavra ou frase) que, constantemente repetido, produz o efeito de reduzir
o estresse e de promover a integração pessoal e, por conseqüência, a iluminação que
liberta. Foi trazido para o Ocidente por Maharishi Mahesh Yogi, nascido em 1911, em fins
da década de 1950 e alcançou popularidade quando os Beatles se tornaram seus adeptos.

Missão da Luz Divina – Fundado na Índia em 1960 e no Ocidente em 1971, proclamou um


menino guru, Maharah Ji, nascido em 1958, o mais recente avatar do Transcendente.
Ensina quatro técnicas de meditação que capacitam os devotos a se voltarem para dentro de
si mesmos a fim de experimentarem o estado de iluminação: a Luz Divina, a Harmonia
Divina, o Néctar Divino e a Palavra Divina.

Bhagwan Shri Rajneesh (1931-1990) – Também conhecido como Osho. Ministra a doutrina
do amor livre, da sexualidade desinibida e dos atos impulsivos, juntamente com uma
forma de meditação dinâmica que visa liberar a energia da Terra. Uma das técnicas de
liberação das energias reprimidas é o riso. Possui centros de meditação em todo o mundo.
Só no Brasil são oito centros, além de um jornal de circulação nacional.

PERFIL DO HINDUÍSMO
Fundador: não há fundador.

Ano de fundação: as raízes do hinduísmo remontam a um período


entre 1500 a.C. e 200 a.C.

Textos sagrados: Livro dos Vedas, que consiste numa coletânea de


quatro obras, das quais certas partes datam de 1500 a.C.

Estatística: hoje, cerca de 80% da população da Índia é hinduísta. O


restante divide-se entre muçulmanos (10%), cristãos (4%) e outros
grupos (6%). Em todo o mundo, os hinduístas perfazem cerca de 13% da
população mundial.

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