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Ryokan Taigu

Poemas
E
Poemas em Estilo Chinês

Tradução: Marcos Beltrão


www.marcosbeltrao.net
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PRIMAVERA

1) Dizem que a primavera chegou


e o céu está cheio de nevoeiro,
E contudo nas montanhas, não há flores, apenas neve.

2) Despertado pelo frio— cai uma nevinha;


o som dos gansos selvagens.
Eles também retornam para casa com dureza e sofrimento.

3) De pé numa colina, entre pinheiros e carvalhos;


a primavera chegou
Vestida de nevoeiro. —

4) Começo da primavera, colhendo vegetais;


um faisão canta,
Voltam velhas memórias.

5) A primavera flui calmamente—


as ameixeiras desabrocharam.
Agora as pétalas caem, misturando-se ao som de um sabiá.

6) Apenas duas pessoas se encontram no jardim:


Flores de ameixa em pleno desabrochar
E um velho cheio de anos.

7) Contando dias é como


estalar os dedos—
Até mesmo Maio vai embora como um sonho.

8) Na Montanha de Yahiko
Podemos ver Flores e crianças desabrocharem.

9) Pegando violetas do lado da rua,


Eu me esqueci de minha tigela de mendigação.
Que triste deves estar, minha pobre tigelinha de mendigação!

10) Esqueci de minha tigelinha novamente!


Por favor, que ninguém a pegue,
Minha solitária tigelinha.

11) Começou a primavera!


Jóias e ouro precioso por toda parte!
Por favor venham me visitar!
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12) Os pássaros da primavera todos voltaram


e seus trinados vêm de todas as árvores—
Bebamos um outro copo de cachaça.

13) Hoje de noite as ameixeiras refletem a lua de prata;


ambos estando plenamente desabrochadas.
Deslumbrado, não voltei para casa até tarde da noite.

14) Por toda parte que olhes


Eis que as montanhas se acham cobertas
De nevoeiro e cerejeiras floridas.

15) Como jamais poderíamos perder o interesse na vida?


A primavera novamente voltou
E as cerejeiras desabrocham por toda parte nas montanhas.

16) Saindo para mendigar neste dia de primavera


Parei para colher violetas no caminho—
Ah! O dia acabou terminando!

17) Alegremente passa o dia cálido de primavera;


Brincando com as crianças
Na floresta embaixo do templo.

18) Eu me confiei à cachaça e às flores:


hoje cachaça-cachaça,
Amanhã, cachaça-cachaça.

(Em Japonês, cachaça (sake) quer dizer tanto vinho branco quanto flores a desabrochar)

19) Jogando bola com as crianças da aldeia


Neste dia cálido e enublado de primavera;
Ninguém quer que isto termine.

20) Vim até esta aldeia para contemplar as ameixeiras em flor


Mas ao invés gastei o dia
Observando as flores que cresciam pela margem do rio afora.

21) Em minha tigela


Violetas e dentes-de-leão se misturam
Junto com os Budas dos três mundos.

22) Com sede, me enchi de cachaça;


deitado de baixo das ameixeiras em flor—
Que sonhos maravilhosos!
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23) A primavera chegou, as árvores desabrocham plenamente,


as folhas do último outono desapareceram—
Devo me apressar para me encontrar com as crianças.

24) Debaixo dos salgueiros chorões, cantando e rindo


com meus amigos; este belo dia de primavera
Está realmente cheio de alegria.

25) Esperava ver apenas flores rosas,


mas uma nevezinha leve caiu
e as ameixeiras estão a utilizar uma capa branca.

26) De mãos dadas, as crianças e eu


colhemos vegetais de primavera—
O que possivelmente poderia ser mais maravilhoso?

27) Brincando no jardim, entre as ameixeiras;


minhas mangas estão cobertas de pétalas
Enquanto as flores continuam a cair.

28) As crianças correm para me cumprimentar


pela primeira vez nesta primavera—
Como estão todos tão crescidos!

VERÃO

1) À distância
Sapos croacham nos campos de arroz das montanhas,
O que vem a ser a única canção desta tarde.

2) Tarde de verão— a voz de um sabiá


Sobe das montanhas
Enquanto que eu sonho com os velhos poetas.

3) Agora estão os fazendeiros a plantar o arroz;


Na minha cabaninha,
Peço ao Buda que os abençoe.

4) A estação chuvosa acabou—agora tudo está claro.


Eu saio;
Campos verdes e brisas suaves por toda parte.

5) Incapaz de dormir,
Ouço a voz de um veadinho
Que sobe de um grotão da montanha.
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6) Os galhos que serão usados como lenha


Neste outono ainda estão a desabrochar.
Por favor juntem um capim de verão, molhado de orvalho,
E venham me visitar.

7) Não muito para oferecer a vocês—


Tão somente uma flor de lótus que flutua
Numa pequena garrafa de água.

8) Viajando a um país distante


acompanhado de um sabiá
E considerações sobre a tragédia desta vida.

9) As nuvens se foram,
Um sabiá canta no arbusto.
Porque não vieste?

10) Eu me estico para uma cochilada em minha cabaninha.


Nos campos, sapos cantam suas canções
E os passarinhos no bambuzal os acompanham.

11) No laginho perto de minha cabana


As flores de lótus, cobertas de orvalho,
Desabrocham em uma fileira.

12) Trabalhando com suas mãos, as mocinhas cantam


Uma canção queixosa enquanto
Plantam arroz nos campos da montanha.

13) O bambuzal em frente a minha cabaninha!


Todo dia eu o vejo mil vezes
E contudo dele nunca fico cansado.

14) Para frente e para trás, para trás e para frente,


Todo dia o velho curvado
Carrega água para as mudinhas secas de arroz.

15) Parece que ouço tua voz


Na canção do sabiá,
Nas montanhas, mais um dia se passa.

16) Os chorões estão plenamente desabrochados!


Quero varrer suas pétalas
Como neve de montanha.

17) Minha cabaninha fica numa floresta;


Por toda parte ao meu redor
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Tudo está verde e cheio de vida.

OUTONO

1) Solitário, deixo minha cabaninha;


o arroz, pesado com grãos maduros,
flutua no vento de outono.

2) Por favor espere pela luz da lua—


O caminho da montanha
Está coberto com castanhas.

3) O vento trouxe bastante folhas caídas


Para que com isto
Pudesse fazer um fogo.

4) Uma fria noite de outono—_


Eu me agarro em meu manto branco;
A lua brilhante e límpida cobre o céu.

5) O vento é fresco, a lua brilhante.


Que dancemos pela noite afora
Como despedida à velhice.

6) Enquanto que junto lenha e gravetos selvagens nesta montanha,


Todos os Budas dos três mundos
Também estão celebrando.

7) Durante um intervalo das chuvas outonais,


Eu passeio com as crianças pelas trilha da montanha,
A barra de meu manto ficou ensopada de orvalho.

8) Pelo caminho ladeado de cedros de um velho templo


Eu ajunto folhas
Enquanto o sol se põe.

9) De noite venha à minha cabaninha


Para ouvir os insetos cantarem;
Eu te apresentarei aos campos de outono.

10) Crepúsculo—atravessando a Montanha de Kugami


Tremendo de frio;
Folhas caídas por toda parte.

11) Desde hoje já as noites começam a ficar mais frias—


Eu costuro meu manto remendado,
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Enquanto que os insetos de outono cantam.

12) Lua brilhante - Eu caminho pelos campos de arroz


próximos à minha cabaninha;
Na distância, montanhas vestidas de nevoeiro.

13) É de manhã - cortando lenha, enchendo meu balde


Com água pura, juntando matinhos selvagens
Enquanto que uma enregelada chuva de outono gentilmente cai.

14) Se tua cabaninha estiver situada fundo nas montanhas


Com certeza lua, flores e ipês
Se tornarão teus amigos.

15) Agora que o outono formou


Sua primeira geada em meu manto esburacado,
Com certeza que mais ninguém me visitará.

16) Deixei o mundo muito para trás,


meu manto coberto de musgo;
Uma braçada de lenha queima, alumiando a noite.

17) Meio-outono—as montanhas estão avermelhadas


e a cachaça e a tinta estão prontas,
Mas ainda nada de visitas chegarem.

18) A aldeia desapareceu no nevoeiro da noite,


E o caminho com certeza é difícil de ser achado.
Eu volto à minha cabaninha solitária, andando em meio aos pinheiros.

INVERNO

1) Bebendo cachaça doce com os fazendeiros


Até que nossas sobrancelhas
Fiquem brancas de neve.

2) Voltando à minha cabaninha depois de uma viagem


Às distantes aldeias da montanha;
Pela cerca afora, os últimos crisântemos ainda resistem.

3) Tarde da noite, ouvindo à chuva do inverno,


Me lembrando de minha juventude—
Foi somente um sonho? Será que eu fui realmente moço algum dia?

4) Está ficando tarde, mas o som do


Granizo batendo no bambu
Não me deixa dormir.
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5) Uma outra tempestade—e as montanhas ficam


cobertas de neve profunda.
Daqui para frente, qualquer novidade da aldeia tem que esperar até a primavera.

6) Eu vivo numa cabaninha nas montanhas de Echigo,


Cumes brancos de montanhas por toda parte.
Gelo, neve e nuvens combinadas.

7) Mesmo numa nevasca pequena, podemos ver


os três mil mundos.
Novamente cai uma pequena nevasca.

8) Vento e neve, então neve e chuva:


Hoje de noite, despertado pelo canto de um ganso selvagem,
No céu escuro e sem fim do inverno.

9) Deitado na minha cabaninha gelada, incapaz de adormecer;


apenas o tranquilo rugido
De uma cachoeira caindo das alturas.

10) Fui visitar o famoso pinheiro de Iewamura.


Todo dia me quedei nos campos de arroz
Me ensopando na chuva gelada.

11) Deito numa clareira


E estico meus pés para o fogo,
Mas ainda assim o frio me perfura a barriga.

12) Hoje não haverá mendigação na cidade


novamente.
A neve cai e cai.

13) Tarde da noite, a neve


se acumula cada vez mais profunda,
Amortecendo o som da cachoeira.

14) Acabou a chuva gelada da manhã.


O que deveria eu fazer?
Pegar água? Cortar lenha? Juntar gravetos?

15) Na sombra das montanhas


A lenha queima, alumiando
Minha cabaninha de palha gelada.
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16) Em breve terminará o inverno;


Por favor, por favor, venham visitar
Minha choupana de palha.

17) Meu coração dispara cada vez mais rápido


E não posso adormecer.
Eis que amanhã será o primeiro dia de primavera!

18) As nuvens se foram, o céu está límpido,


Mendigar comida com um coração puro
É verdadeiramente uma benção dos Céus.

19) Cantando versos, recitando poemas, jogando bola


junto nos campos—
Duas pessoas, um só coração.

20) Deitado em meu travesseiro de capim


sonhando com deste mundo de sonhos novamente—
Sono solitário e cheio de convulsões.

21) Enquanto observo as crianças brincando alegremente,


sem que sequer o perceba,
Meus olhos se enchem de lágrimas.

22) Considerando as pessoas neste mundo fugaz e impermanente


longe na noite—
minhas mangas ficam molhadas de lágrimas.

23) O ladrão se esqueceu—


A lua
na janela.

24) Quem se apiedará deste velho corpo?


O sol se põe enquanto volto para apanhar a bengala
Que havia deixado para trás.

25) O monge Ryokan deve desaparecer


Como estas flores que florescem apenas uma só manhã,
Mas seu coração quedará para trás.

26) Aguardando um visitante, bebi quatro ou cinco


Copos de cachaça excelente.
Já completamente bêbado, me esqueci quem estava aguardando.
Da próxima vez devo ser mais cuidadoso.
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27) Ah, se meu manto de monge fosse suficientemente amplo


Para abrigar todas as pessoas que sofrem
Neste mundo fugaz e impermanente.

28) Esqueceste do caminho para minha cabaninha?


Toda tarde aguardo o som de suas pegadas,
Mas não apareces.

29) No vasto céu o sol se põe;


O caminho para casa está longe
E a sacola já está pesada.

30) A forma, a cor, o nome, o desenho—


Mesmo estes são coisas componentes deste mundo fugaz
E devem ser descartadas.

31) Quando considero a tristeza das pessoas


neste mundo,
Suas tristezas se tornam minha.

32) Crepúsculo— a única conversa


Nesta colina
É o vento que sopra pelos pinheiros.

33) A ilha de Sado—


De manhã e pela tarde com frequência a vejo em meus sonhos,
Junto com o rosto gentil de minha mãe.

34) Nossas vidas são como plantas


Flutuantes na margem da água
Iluminadas pela lua.

35) Como é o coração deste velho monge?


Um vento calmo
Debaixo da vasta abóboda celeste.

36) Nossos corpos apodrecerão e desaparecerão


mas o fruto da Lei Budista
Não pode ser jogado fora.

37) Vemos apenas um chapéu de palha e capa de chuva,


mas ainda assim o espantalho
Faz seu trabalho.

38) Encontrar a Lei Budista,


Vá para o leste e o oeste, vá e venha,
Confiando-te às ondas.
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39) As algas de Nozomi perto de Kotoshi!


Dia e noite
Sonho com seus gostos maravilhosos.

40) Os meses passam, os dias se acumulam,


Como um sonho intoxicado—
Um velho suspira.
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Ryokan
Poemas chineses.

1) Um caminho estreito cercado de densa floresta;


Em todos os lados, as montanhas se quedam na escuridão.
As folhas de outono já caíram.
Não choveu, mas ainda assim as rochas estão escuras com musgos.
Voltando a minha cabaninha por um caminho que poucos conhecem,
Carregando uma cesta de cogumelos frescos
E um jarro de água pura de um poço de templo.

2) A chuva acabou, as nuvens todas se foram,


e o tempo novamente está límpido.
Se teu coração é puro, então todas as coisas em teu mundo são puras.
Abandone este mundo evanescente, abandone a si mesmo,
Então eis que a lua e as flores te guiarão caminho afora.

3) Eu me sento calmamente, ouvindo as folhas que caem—


Uma cabaninha solitária, uma vida de renúncia.
O passado já se foi, as coisas não mais são lembradas.
Minha manga está molhada de lágrimas.

4) Degraus de pedra, um bolo de musgo lustroso;


O vento leva em si o perfume do cedro e do pinheiro.
A chuva se deteve e está começando a clarear.
Eu chamo as crianças enquanto ando para apanhar uma cachaça na aldeia.
Depois que bebi demais, escrevi felizmente estas linhas.
POEMAS DO COMEÇO DO OUTONO

5) Depois de uma noite de chuva, a água cobre o caminho da aldeia.


Nesta manhã a relva espessa perto de minha cabana está fria.
Na janela, montanhas distantes da cor de jade azul-esverdeado.
Do lado de fora, um rio corre como a sede rebrilhosa.
Debaixo de um penhasco próximo à minha cabaninha, eu lavo minha orelha
doída com água pura de poço,
Nas árvores, as cigarras recitam seus versos de outono.
Eu tinha preparado meu manto e cajado para uma caminhada,
Mas a beleza repousada me mantém aqui.

6) Neve fresca da manhã em frente ao templo.


As árvores! Elas estão brancas com flores de pêssego,
Ou brancas de neve?
As crianças e eu alegremente brincamos de jogar bolas de neve.

7) Primavera— vagarosamente o som pacífico


Do cajado de um monge se arrasta da aldeia.
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No jardim, salgueiros verdes;


Plantas aquáticas flutuam serenamente no laguinho.
Minha tigela está fragrante com o arroz de mil casas;
Meu coração renunciou à soberba de status e riquezas.
Calmamente reverenciando a memória dos velhos Budas,
Eu vou à aldeia para um outro dia de mendigação.

8) Caminhando rente a um riacho límpido, chego até uma casa de fazenda.


O frio da noite deu lugar à calidez do sol da manhã.
Pardais se juntam em uma touceira de bambu, as vozes ficam flutuando daqui para ali.
Eu me deparo com o velho fazendeiro de volta para sua casa;
Ele me cumprimenta como um amigo de há muito perdido.
Em sua casa, a senhora do fazendeiro aquece cachaça
Enquanto comemos vegetais que acabaram de ser colhidos e conversamos.
Juntos, gloriosamente bêbados, não mais conhecemos
O significado da infelicidade.

9) Ontem fui a cidade mendigando comida de lá para cá.


Meus ombros estão ficando mais magros e não mais posso me lembrar quando
Pela última vez tive uma sacola pesada de arroz.
A geada grossa me lembra continuamente meu manto fininho.
Meus velhos amigos, para onde se foram afinal?
Até mesmo novos rostos são parcos.
Enquanto caminho em direção ao pavilhão deserto do verão,
Nada há senão o vento do fim de outono soprando pelos pinheiros e carvalhos.

10) Noite de outono—incapaz de dormir, eu deixo minha cabaninha.


Insetos de outono zumbem debaixo das pedras, e
Os velhos galhos estão esparsamente cobertos.
Longe, muito longe, fundo no vale, o som de água.
Eu ali me quedo calmamente durante muito tempo e
Meu manto fica húmido com o orvalho.

11) Voltando à minha cabaninha depois de ter enchido minha tigela de arroz,
Agora somente o calmo fulgor do crepúsculo.
Cercado de cimos de montanhas e de folhas esparsamente colocadas;
Na floresta um corvo de inverno sobrevoa.

12) Minha vida pode parecer um tanto melancólica,


Mas viajando por este mundo afora
Eu me confiei aos Céus.
Em minha sacola, um quilo de arroz;
Pela lareira, um maço de lenha.
Se alguém que for perguntar o que é a ilusão e a iluminação,
Isto eu não posso dizer — status e riqueza nada mais são que pó,
Enquanto cai a chuva da tarde eu sento em minha cabaninha
E estico ambos pés como resposta.
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13) Cabelos desgrenhados que passam pela orelha afora,


Um manto desgastado que mais se parece a brancas nuvens e fumaça escura.
Meio bêbado, meios sóbrio, volto para casa,
Crianças por toda parte, que me guiam caminho afora.

GOGO-AN

1) O vento sopra através de minha minúscula cabaninha,


Nem uma só coisa existe no quarto.
Do lado externo, mil cedros;
Na parede, vários poemas estão escritos.
Agora a chaleira está coberta com poeira,
E não há fumaça alguma que surja da panela de arroz.
Quem está a bater no meu portão iluminado pela lua?
Apenas um velho da Aldeia do Leste.

2) Um corpo velho e inútil,


Muitas gerações de flores eu tenho visto nesta cabaninha solitária e emprestada.
Quando vem a primavera, e se ainda estiver vivo,
Com certeza eu te virei visitar novamente —
Espere pelo som do meu cajado.

3) Um solitário dia de inverno, límpido e em seguida nublado.


Eu quero dar uma saída, mas não o faço, gastando algum tempo em minha indecisão.
De repente, um velho amigo vem e me pede que beba com ele.
Alegre agora, eu tiro pincel e tinta e muito papel.

4) Se existe a beleza, deve também haver a feiúra;


Se existe o certo, deve também haver o errado.
A sabedoria e a ignorância são complementares,
E a ilusão e a iluminação não podem ser separadas.
Esta é uma velha verdade, não fiques achando que foi recentemente descoberta.
“Eu quero isto, eu quero aquilo”
Isto nada mais é que tolice,
Eu te direi um grande segredo—
“Tudo é impermanente!”

A LONGA NOITE DO INVERO: TRÊS POEMAS

1) A comprida noite do inverno! A comprida noite do inverno parece ser sem fim;
Quando raiará o dia?
Não há chama na lâmpada nem carvão na lareira;
Deitado na cama, ouvido o som da chuva gelada.
Para um velho, os sonhos vêm facilmente;
Eu deixo que meus pensamentos fluam.
O quarto está vazio e tanto a cachaça quanto o óleo acabaram—
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Na longa noite de inverno.


Quando eu era criança estudando numa sala vazia,
Mais de uma vez enchi a lâmpada com óleo.
Até mesmo hoje em dia, esta tarefa é deveras desagradável — Na longa noite de inverno.

2) Montanhas verdes na frente e atrás,


Brancas nuvens ao leste e oeste.
Mesmo que me encontrasse com um viajante companheiro,
Não lhe poderia fornecer quaisquer informações.

3) Fundo nas montanhas à noite, sozinho em minha cabaninha,


Ouço o melancólico som da chuva e da neve.
Um macaco grita em cima de uma montanha;
O som do rio do vale sumiu.
Uma luzinha rebrilha em frente à janela;
Na escrivaninha, a água da pedra de tinta secou.
Incapaz de dormir durante toda a noite,
Preparo tinta e papel, e escrevo este poema.

4) Inverno — no décimo primeiro mês


A neve cai grossa e rápida.
Mil montanhas, uma só cor.
Pessoas do mundo que por aqui passam são poucos.
O capim espesso esconde a porta.
Toda noite em silêncio, umas poucas lascas de madeira queimam vagarosamente
Enquanto que leio poemas dos velhos mestres.

Solidão: a primavera já se passou.


Silêncio: Tranco o portão.
Dos céus, a escuridão; a trepadeira já não floresce mais.
As escadas estão cheias de ervas daninhas
E o saco de arroz está dependurado na cerca.
Tranquilidade profunda, durante muito tempo isolado do mundo.
Durante toda noite canta o cuco.

Mais um ano termina;


Os céus mandam uma geada dura de aguentar.
Folhas caídas cobrem as montanhas
E não mais existem viajantes que projetem sombras no caminho.
Noite sem fim: folhas secas queimam lentamente na lareira.
Por vezes, o som da chuva gelada.
Tonto, tento me lembrar do passado —
aqui nada posso encontrar senão sonhos.

Sonho leve, aquilo que acontece com todos os idosos:


Cochilando, sonhos da tarde, acordando novamente.
O fogo da lareira brilha; durante toda noite uma chuva constante
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Bate na bananeira.
Agora é quando quero compartilhar meus sentimentos—
Mas ninguém há por perto para tal.

Jogamos uma bolinha de lá para cá e para lá.


Não quero ficar me gabando de minha habilidade, mas...
Se alguém vier me perguntar do segredo de minha arte, eu lhe digo,
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete!

Sozinho, passando pelas montanhas,


Eu esbarrei num eremitério abandonado.
As paredes despencaram, e ali se tornou apenas uma trilha para coelhos e raposas.
O poço, perto de uma touceira de velhos bambus, se encontra seco.
Teias de aranha cobrem uma esquecido livro de poemas que se queda debaixo de uma
janela.
A poeira está empilhada no chão,
As escadas completamente ocultas pelos matos selvagens.
Grilos, perturbados por minha visita inesperada, gritam assustados.
Olhando para cima, vejo o sol que se põe — solidão insuportável.

As vicissitudes deste mundo são como os movimentos das nuvens.


Cinquenta anos de vida nada mais são que um sonho comprido.
Chuva esparsa: em minha cabaninha desolada de noite,
Resignadamente me aperto contra meu manto e me encosto contra a janela vazia.

Dia depois de dia,


As crianças brincam pacificamente com este velho monge.
Sempre com duas bolas de reserva em minhas mangas
Acho que bebi demais — tranquilidade de primavera!

Mestre Zen Ryokan!


Como um tolo, como um idiota,
Corpo e mente completamente abandonados!

CUCO

Passou a primavera; montanhas e vales estão


Completamente ocultos na chuva ou nevoeiro.
De noite a voz do cuco desapareceu,
Mas agora, tarde da noite, novamente seu canto vem
da touceira de bambu.

A noite está fresca e tranquila —


Bastão na mão, passo pelo portão.
Os cipós e trepadeiras crescem juntos pela trilha serpenteando a montanha;
Os passarinhos cantam calmamente em seus ninhos e um macaco grita por perto.
Chegando em um pico elevado, a aldeia aparece lá embaixo.
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Os velhos pinheiros estão cheios de poemas;


Eu me curvo para um gole de água pura da primavera.
Sopra uma brisa suave e a lua cheia está dependurada no céu.
Ficando em uma casa deserta,
Finjo que sou uma garça flutuando suavemente pelas nuvens.

MENDIGAÇÃO

A mendigação de hoje terminou; nas encruzilhadas


Eu vagueei pelos lados do Templo de Hachiman
Falando com crianças.
Ano passado eu era um monge tolo;
E neste ano, nada mudou!

ESCRITO EM MINHA CABANINHA EM UMA NOITE DE NEVE

Durante mais de setenta anos, eu tenho ficado tonto


Observando as ações dos seres humanos.
Já abandonei tentar penetrar nas ações boas e más dos homens.
Ir e vir é um sinal de fraqueza.
Neve pesada fundo na noite—
Sob a janela castigada pela intempérie, uma varetinha de incenso.

Chuva leve — a floresta da montanha está envolta em neblina.


Lentamente a neblina muda para nuvens e geada.
Pela margem sem fim do rio, muitos corvos.
Eu me encaminho para uma colina que dá para um vale para sentar em zazen.

Depois de ter gasto o dia mendigando na cidade,


Agora me sento calmamente debaixo de um penhasco no fresco da tarde.
Sozinho, com um manto e uma tigela—
A vida de um monge Zen é realmente a melhor de todas!

GUERRA DE CAPIM

Uma vez mais eu e as crianças estamos brincando de guerra


De capim, usando capim da primavera.
Agora avançando, em seguida recuando, cada vez mais refinadamente.
Crepúsculo — Todos já voltaram para casa;
A lua cheia e redonda me ajuda a aguentar a solidão.

Ouvindo a chuva vespertina em minha cabaninha.


O Grande Caminho? Eu tranço as flores de primavera em uma bola.
O futuro? Se um visitante vier com estas perguntas
Tenho tão somente a tranquilidade de minha cabaninha para oferecer.

Mil picos cobertos de neve gelada,


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Dez mil veredas de montanha, e contudo nenhum sinal de seres humanos.


Todo dia, somente zazen;
Por vezes o som da neve soprando contra janela.

NOITE DE VERÃO

Tarde da noite, o leve ruído de alguém socando arroz.


O orvalho pinga do bambu para a pilha de lenha,
E as plantas pelo jardim afora também estão húmidas.
Sapos coaxam na distância mas parecem estar bem próximos.
Vagalumes alumiam baixo, depois alto.
Completamente desperto; o sono está distanciado.
Amaciando o travesseiro, deixo que meus pensamentos perambulem.

DESCANSANDO EM MATSUNO-O

O nono mês começou; enquanto caminhos por Matsuno-o


Um ganso solitário voa por cima
E os crisântemos estão plenamente desabrochados.
As crianças e eu viemos a esta floresta de pinheiros.
Andamos apenas uma curta distância
Mas o mundo se encontra a centenas de quilômetros

De pé sozinho debaixo de um pinheiro solitário;


Rapidamente passa o tempo.
Por cima o céu sem fim —
Quem possivelmente poderia a mim se juntar neste caminho?

Crepúsculo — fumaça sobe da aldeia,


Um ganso de inverno grasna voando por cima,
O vento sopra pelos pinheiros da montanha.
Sozinho, levando uma tigela de arroz vazia,
Eu volto pelo caminho afora.

No portal vazio muitas pétalas estão espalhadas;


Enquanto caem se mesclam com o canto dos passarinhos.
Vagarosamente, o brilhante sol de primavera aparece na janela
E uma fina linha de fumaça sobe do incensório.

Pássaros voando desaparecem por sobre as montanhas distantes,


As folhas caem continuamente no jardim calmo.
Brisas solitárias de outono.
Um velho monge com seu manto preto, eu estou sozinho.

Deitado doente na minha cabaninha; durante o dia todo nem um só visitante.


Minha tigela de arroz durante muito tempo dependurada vazia na parede,
E a glicínia desapareceu completamente.
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Sonhos vão e flutuam por sobre os campos e montanhas.


Meu espírito volta à aldeia,
Onde as crianças aguardam todos os dias para que eu venha brincar com elas.

A lareira está fria, coberta com cinzas grossas.


Apagou-se a última vela.
Solidão, e a noite ainda só está pela metade.
Silêncio — tudo que se pode ouvir é a voz de um distante regato de montanha.

O céu está acima, as montanhas abaixo;


Chá fraco e sopa rala são tudo que eu sirvo.
Durante todo ano nem um só sábio,
Apenas um lenhador ocasional.

Voltando para casa depois de um dia de mendigação;


Ervas daninhas cobriram minha porta.
Agora uma tanto de capim seco queima junto com a lenha.
Silenciosamente leio os poemas de Kanzan,
Acompanhado pelo vento de outono que sopra uma chuvinha que acaricia os caniços de
bambu.
O que há para ser considerado? O que existe que pode ser duvidado?

ALVORADA

Retornei à minha aldeia nativa depois de vinte anos;


Nem sinal de velhos amigos ou de parentes — todos morreram ou partiram.
Meus sonhos são despedaçados pelo som de um Sino de templo batido na alvorada.
Um chão vazio, sem sombras; a luz há muito tempo foi extinta.

Quem diz que meus poemas são poemas?


Meus poemas não são poemas.
Depois que souberes que meus poemas não são poemas,
Então com isto podemos começar a discutir poesia!

Chuva intermitente — na minha cabaninha


Uma luz solitária tremelica enquanto que os sonhos voltam.
Do lado de fora, o som de gotas de chuva que caem.
Meu bastão preto e retorcido encostado contra a parede.
A lareira está fria, nenhum carvão aguarda meus visitantes imaginários.
Eu busco um volume de poesia.
Hoje à noite, na solidão, uma profunda emoção
Como poderia explicar isto no dia seguinte?
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Bem em frente à minha janela tem uma bananeira gigante,


Tão alta que parece que fica varrendo as nuvens.
Sua sombra mantém minha cabana fresca.
Enquanto que leio sonetos e escrevo poemas, e
Me sentando calmamente o dia se escoa serenamente.

Ilusão ou iluminação? Dois lados de uma moeda.


Universais e particulares? Sem diferença.
Durante todo dia leio o sutra sem palavras;
Durante toda noite nem um só pensamento de prática Zen.
Um sabiá canta no chorão ao longo das margens do rio,
Cães na aldeia uivam para a lua.
Não existem obstáculos em meu coração,
Mas o fato é que ainda assim sinto falta de um verdadeiro amigo.

Meu portão tem ficado destrancado durante muitos dias,


E mesmo assim nenhum sinal de alguém que queira entrar no meu pacífico jardim.
A estação chuvosa terminou, o musgo verde está por todas as pares;
Lentamente as folhas do orvalho flutuam para a terra.

Bastão em mãos, caminho pelas margens do rio em direção à aldeia.


Ainda existem traços de neve nas cercas, mas o vento do leste nos traz as primeiras
novidades da primavera.
A voz de um sabiá dança de árvore em árvore;
O capim começou a mostrar um traço de verde escuro.
Inesperadamente, me deparo com um velho amigo.
Conversamos juntos sentados em uma colina que dava para o rio do vale.
Mais tarde, em sua choupana abrimos muitos livros e bebemos chá.
Hoje de noite traduzo a cena da tarde em versos—
Flores de ameixeira e poesia, como são maravilhosos juntos!

Doente novamente, pela terceira primavera em seguida.


Como gostaria de somente um só poema deixado por um visitante.
Ano passado brinquei com as crianças todo dia no Templo de Hachiman.
Será que neste ano eles estarão esperando por mim?

Uma cabaninha solitária de quatro tatamis—


Durante todo dia ninguém à vista.
Sozinho, sentado embaixo da janela,
Somente o som contínuo das folhas que caem.
Primeiros dias de primavera — céu azul, sol brilhante.
Tudo aos poucos se torna fresco e verde.
Levando minha tigela, calmamente caminho para a aldeia.
As crianças, surpresas de me verem,
Alegremente se juntam a mim, trazendo
Minha jornada de mendigação a um fim no portão do templo.
Coloco minha tigela em cima de uma pedra branca e
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Dependuro minha sacola do galho de uma árvore.


Aqui brincamos com os capins selvagens e jogamos uma bola.
Durante certo tempo, eu brinco de pegar enquanto que as crianças se escondem;
Então é a minha vez.
Jogando assim, daqui para ali, me esqueci do tempo.
Passantes apontam para mim e riem, indagando,
“Qual a razão para tanta tolice?”
Para tal não dou resposta, somente uma profunda reverência;
Mesmo que tivesse replicado, eles não teriam compreendido.
Vejam bem! Nada mais existe além disto.

A caminho para visitar uma famosa vila a quilômetros de distância,


Inesperadamente me encontrei com um lenhador.
Juntos caminhamos pelo estreito caminho ladeado pelos pinheiros verdes.
A fragrância de ameixeiras em flor vem do campo do lado oposto do vale.
Procurando um lugar calmo, cheguei até aqui.
As carpas grandes brincam no lago antigo,
A luz do sol enche a floresta calma.
O que é este quarto?
Nada além de vários volumes de poesia espalhado pelo chão.
Me sentindo em casa, afrouxo meu manto
E junto uns poucos versos dos livros.
Mais tarde, no crepúsculo, caminho pelo corredor do leste enquanto que passarinhos da
primavera voam por cima.

Quando criança estudei os clássicos Chineses, mas logo me cansei


de seus conteúdos.
Quando jovem aprendi o Zen mas não consegui transmiti-lo.
Agora vivendo perto de um templo,
Um monge meio Shinto, meio Budista.

Minha cabaninha fica no meio de uma floresta densa;


Todo ano a hera verde fica mais comprida.
Não há novidades de assuntos mundanos,
Somente uma ocasional cantiga dos lenhadores.
O sol brilha e eu remendo meu manto;
Quando sai a lua leio poemas Budistas.
Nada tenho para contar, meus amigos.
Se quiser descobrir o significado, pare de correr atrás de tantas coisas.

Uma noite fria — sentando sozinho em meu quarto vazio


Cheio apenas de fumaça de incenso.
Do lado de fora, uma touceira de bambus de cem mudas;
Na cama, vários volumes de poesia.
A lua brilha pelo topo da janela,
E toda vizinhança está em quietação exceto pelo chilrar dos insetos.
Vendo esta cena, emoção sem limites,
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Mas nenhuma palavra.

Voltei para Itoigawa, a aldeia onde vivia anteriormente,


Caindo doente, descanso em um hotel
E ouço o som da chuva.
Um manto e uma tigela, são tudo que tenho.
Me sentindo um pouco mais forte, levanto meu corpo enfraquecido,
Queimo um pouco de incenso e sento em zazen.
Durante toda noite a chuva cai tristemente, e
Eu sonho com minha peregrinação durante estes dez anos que se foram.

O HOTEL NA ESTAÇÃO DE TAMAGAWA

Meio do outono — o vento e a chuva estão agora no máximo de suas melancolias.


Um vagueador, meu espírito é inseparável desta estrada difícil.
Durante a noite comprida, sonhos flutuam do travesseiro—
De repente acordado, tomei erradamente o som do rio pela voz da chuva.

Carregando lenha em meu ombro


Percorro as montanhas verdes por um caminho acidentado.
Me detenho para descansar debaixo de um pinheiro alto;
Sentando calmamente, ouço a canção de primavera dos passarinhos.

Começo do verão—flutuando em um rio límpido em um barquinho de madeira,


Uma moça linda brinca com uma flor de lótus vermelha segura em suas
brancas mãos.
O dia fica mais e mais brilhante.
Moços brincam pela margem
E um cavalo corre pelos salgueiros.
Observando calmamente, não falando com ninguém,
A moça linda não mostra que seu coração está partido.

Desde que cheguei a esta cabaninha


Quantos anos se passaram?
Se fico cansado estico meus pés;
Se me sinto bem vou para um passeio nas montanhas.
O ridículo do elogio de pessoas mundanas nada quer dizer para mim.
Seguindo meu destino, com este corpo que recebi dos meus pais
Só tenho agradecimentos.

Próximo ao templo do Bodhisatva da compaixão, eu tenho um pouso temporário;


Sozinho, e contudo um amigo íntimo de mil poemas verdes escritos na folhagem ao
redor.
Às vezes de manhã coloco meu manto de monge
E desço a aldeia para mendigar comida para este velho corpo.
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De noite, profundo nas montanhas sento em zazen.


Os assuntos mundanos aqui não chegam nunca.
Na solidão sento numa almofada do outro lado da janela vazia.
O incenso foi devorado pela noite sem fim;
Meu manto ficou uma roupa feita de orvalho branco.
Sem ser capaz de dormir, ando no jardim;
De repente, em cima do pico mais elevado, a lua redonda aparece.

Dia e noite o vento frio sopra pelo meu manto.


Na floresta, apenas folhas caídas;
Crisântemos selvagens não podem mais serem vistos.
Próximo à minha cabaninha existe uma touceira de bambu velha;
Coisa que nunca muda, aguarda o meu retorno.

Uma vez mais, muitas pessoas cobiçosas surgem


Não diferentes de bichos da seda enroladas em seus tuntuns.
A riqueza e o status são tudo que prezam,
Não dando jamais às suas mentes ou corpos um só momento de descanso.
Tudo nas suas naturezas se deterioram,
Enquanto que suas vaidades só fazem aumentar.
Uma manhã a morte vem antes que possam utilizar seja apenas metade
De seus dinheiros.
Outros felizmente herdam seus estados,
E o nome daquele que faleceu em breve é esquecido na escuridão.
Para tais pessoas nada mais pode existir além de uma grande piedade.

Minha cabaninha, localizada em uma aldeia distante, nada mais que quatro paredes nuas.
De certa feita era um monge mendicante, caminhando daqui para ali,
nunca ficando muito tempo em um só lugar.
Me lembrando do primeiro dia de minha peregrinação, anos atrás—
Como eu estava animado então!

As noites de outono ficaram mais compridas


E o frio já começou a se infiltrar no meu colchão.
Meu sexagésimo ano se aproxima,
E contudo ninguém existe que se apiede deste velho corpo enfraquecido.
A chuva finalmente se deteve; agora apenas uma fina goteira vem do teto.
Toda noite o cantar incessante dos insetos:
Completamente desperto, incapaz de dormir,
Encostado em meu travesseiro, observo os raios puros e brilhantes do sol.

FICANDO FORA DA CHUVA

Hoje, enquanto mendigava comida, uma chuvarada repentina.


Esperei a chuva deverão passar em um pequeno templo.
Rindo—uma garrafa para água e uma tigela para arroz.
Minha vida é como um eremitério velho e abandonado —
24

pobre, simples, quieta.

Nos dez quadrantes da terra de Buda


Existe tão somente um veículo.
Quando vemos limpidamente, não existem diferenças entre todos os ensinamentos.
O que existe que possa ser perdido? O que há para ser ganho?
Se obtivermos algo, teria estado ali desde o começo.
Se algo tivermos perdido, estará oculto por perto.
Vejamos o que há no bolso grande do meu manto.
Com certeza deve haver grande coisa ali dentro.

A verdade é que eu amo esta vida de reclusão.


Levando meu bastão, caminho até a casa de um amigo.
As árvores em seu jardim, ensopadas pela chuva da tarde,
Refletem o céu frio e claro do outono.
O cachorro do proprietário vem me cumprimentar;
Crisântemos florescem pela cerca afora.
Esta gente tem o mesmo espírito que os antigos;
Um muro de barro marca suas separações do mundo.
Dentro da casa volumes de poesia empilhados no chão.
Abandonando a mundanidade, com frequência venho até este tranquilo local —
O espírito aqui é o espírito do Zen.

Hospedado num velho templo:


A noite terminou, o quarto está vazio.
O frio amargo me impediu de sonhar;
Sentado calmamente espero até que o sino do templo toque.

Sempre, quando era criança,


Brincava daqui para ali.
Costumava colocar minha roupa favorita
E cavalgar um cavalo marrom de focinho branco.
Hoje gasto a manhã na cidade
E a tarde bebendo entre as flores de ameixa perto do rio.
Voltando para casa, perdi meu caminho. Onde estou?
Rindo, vejo que entrei na zona.

Nas encruzilhadas principais, brincando de Hotei,


Indo e vindo com minha tigela. Quantos anos já se passaram?
Fingindo novamente que não sei para onde estou indo;
Um vento fresco sopra e a lua brilhante cobre o céu de outono.

Hotei (Pu-tai) era um famoso sábio Chinês que tinha uma barriga enorme e viajava pelo
país afora carregando um saco gigantesco cheio de bombons e presentes.

Sentado calmamente numa pedra dura,


Observo as nuvens que se juntam em todas as direções.
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Um pagode dourado brilha no sol.


Abaixo, a Fonte de Ryuo, onde se lava tanto o corpo quanto o espírito.
Acima, pinheiros de mais de mil anos de idade.
Uma brisa fresca traz o fim do dia.
Sinto vontade de passear com alguém mais que tenha deixado o mundo muito para trás—
mas ninguém vem.

Depois de caminhar durante certo tempo, chego ao pavilhão;


O sol se põe atrás das montanhas do leste.
Folhas do chorão cobrem o pequeno jardim;
O lago está frio e os lótus já murcharam.
Castanheiras e caquizeiros carregados de frutos, fazem uma sombra no caminho.
Pela cerca de bambu afora, os grilos cantam incessantemente;
A luz se filtra facilmente pelos pinheiros e carvalhos —
O verão lentamente muda de face.

Mesmo que um homem viva mais de cem anos de idade,


Sua vida nada mais é que plantas aquáticas flutuantes, que vão daqui para ali com as
ondas.
Para lá e para cá continuamente, sem tempo para descanso.
Shakyamuni renunciou à nobreza e dedicou sua vida a
Impedir que outros se arruinassem.
Na terra durante oitenta anos,
Proclamando o Dharma durante cinquenta,
Revelando os sutras como um legado da eternidade;
Hoje em dia, ainda uma ponte por onde atravessar para a outra margem.

Se falares ilusões, tudo se tornará ilusões;


Se disseres a verdade, tudo se tornará a verdade.
Fora da verdade não existe ilusão,
Mas fora da ilusão, não existe nenhuma verdade especial.
Seguidores do Caminho de Buda!
Porque buscais a verdade tão sinceramente em lugares distantes?
Procurem a ilusão e a verdade no fundo de vossos corações.

Um sonho da noite — tudo deve ter sido uma ilusão;


Não posso explicar nitidamente tudo que vi.
E contudo no meu sonho parecia que a verdade se me deparava ante os olhos.
Nesta manhã, desperto, não se tratará do mesmo sonho?

Caminhando por uma trilha estreita ao pé de uma montanha,


Cheguei a um velho cemitério cheio de incontáveis túmulos
E carvalhos e pinheiros centenários.
O dia está se terminando com um vento solitário e lamentoso.
Os nomes dos túmulos se apagaram completamente,
E até mesmo os parentes já se esqueceram quem eles eram.
Afogado em lágrimas sem ser capaz de falar,
26

Pego meu bastão e volto para casa.

Flores de pessegueiro cobrem ambos os lados das margens do rio como um nevoeiro.
Na primavera, o rio azul profundo parece ser uma corrente do Céu.
Passando daqui para ali, contemplando as flores do pêssego enquanto vou seguindo o
curso do rio—
O que é isto? A casa de um velho conhecido!

POEMA PARA UM AMIGO DISTANTE

Primavera — tarde da noite vou dar uma caminhada.


Traços de neve permanecem nos pinheiros e carvalhos.
A lua brilhante dependurada em cima das montanhas.
Penso em ti, que estás há muitos rios e montanhas de distância;
Pensamentos incontáveis, mas a caneta não se move.

Os compridos dias de verão no templo de Entsu-ji!


Tudo está fresco e puro, e
Emoções mundanas aqui nunca chegam.
Me sento na sombra fresca, lendo poesias.
A beleza me cerca por toda parte: Eu aguento o calor, ouvindo o
Som da roda de água.

A neve cor de prata envolve as montanhas.


Longe da aldeia, meu portão está oculto por matos compridos.
Meia-noite: um pedaço de madeira queima lentamente em minha lareira.
Um velho com uma barba comprida, emaranhada e branca —
Meus pensamentos teimam em voltar para os dias de minha juventude.

TIJELA VAZIA: DOIS POEMAS

No céu azul, um ganso de inverno grasna.


As montanhas se encontram nuas; nada a não ser folhas caídas
Crepúsculo: voltando pela solitária trilha da aldeia
Sozinho, levando uma tigela vazia.

Tolo e teimoso — em que dia posso descansar?


Pobre e solitária, esta vida.
Crepúsculo: volto da aldeia
Novamente levando a tigela vazia.

A UM AMIGO

A lua brilhante emerge por sobre as montanhas do leste.


Passando por sua antiga residência—
Já te foste, e contudo ainda penso em ti.
Agora ninguém mais me traz a cachaça e o violão.
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NOITE DE INVERNO

Escondida em uma densa floresta, minha cabaninha está muito além do rio da aldeia.
Mil picos, dez mil córregos de montanha, e contudo não há sinal de alma viva.
Uma noite comprida de inverno — lentamente uma lenha vai queimando na lareira.
Nada pode ser ouvido exceto o som de neve batendo na janela.

Quem é aquele que consegue simpatizar com minha vida?


Minha cabaninha fica perto do topo de uma montanha,
E o caminho que a ela conduz está coberto de matos.
Na cerca, uma só cabaça.
Da outra margem do rio, o som de uma árvore sendo cortada.
Doente, deito no travesseiro e observo o nascer do sol.
Um passarinho canta na distância—
Meu único consolo.

O número dos dias desde que deixei o mundo e


Me confiei aos Céus está até esquecido.
Ontem, sentando calmamente nas montanhas verdes;
Neste manhã, jogando com as crianças da aldeia.
Meu manto está todo remendado e
Não posso mais lembrar quanto tempo tive a mesma tijela de mendigação.
Em noites límpidas caminho com meu bastão e canto poemas;
Durante o dia desenrolo minha esteira e dou uma cochilada.
Quem ousa dizer que muitos não podem levar uma tal vida?
Apenas sigam meu exemplo.

Terminando um dia de mendigação,


Volto para casa pelas montanhas verdes.
O sol se põe detrás das montanhas do oeste.
E a lua brilha debilmente no rio abaixo.
Me detenho em uma pedra e lavo meus pés.
Acendendo incenso, calmamente sento em zazen.
Novamente uma comunidade de monges de uma só pessoa;
Ah. . . que rápido a corrente do tempo passa.

O LADRÃO

O ladrão roubou minha almofada de meditação (zafu) e esteira (futon).


Porque ele arrombou minha cabaninha? A porta não está jamais trancada.
A noite está terminando, e me sento sozinho na janela—
Uma chuva suave cai gentilmente contra a touceira de bambus.

Buda é nossa mente


E o Caminho não vai a parte alguma.
Não procures por nada mais além disto.
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Se apontares teu carro para o norte


Quando quiseres ir para o sul,
Como poderás chegar?

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