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48

Respostas

sobre o

Buddhismo





Venerável Ajahn Buddhadāsa



48 RESPOSTAS
SOBRE O
BUDDHISMO
Respostas a perguntas que não-buddhistas provavelmente farão sobre os fundamentos do
buddhismo

Edições Nalanda
Belo Horizonte

2008


Copyright © 1988 por Dhamma Study & Practice Group e Evolution / Liberation. Wat Suan Mokkh,
Ampoe Chaiya, Surat Thani 84110, Thailand.

Copyright da edição em língua portuguesa © 2008 Ricardo Sasaki

Direitos de publicação em língua portuguesa cedidos a Edições Nalanda

Uma publicação do:


Centro de Estudos Buddhistas Nalanda
http://nalanda.org.br/
email: nalanda@nalanda.org.br

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou traduzida sob qualquer
forma ou meio sem a permissão escrita do detentor do copyright.

Editor Geral: Ricardo Sasaki


Tradução: Ricardo Sasaki
Revisão: Jonaedson Carino
Capa: Patrícia Couto
Ficha Catalográfica

B927q Buddhadasa, Ajahn

48 Respostas sobre o Buddhism; tradução para o português Ricardo Sasaki.— Belo Horizonte : Edições
Nalanda, 2008. 98p.

ISBN: 978-85-87483-09-6

1. Filosofia Budista. I. Título.

CDD- 294.3

Índice para catálogo sistemático:

1. Filosofia Budista: 294.3


CONTEÚDO

Prefácio de Santikaro para a versão brasileira
Prefácio do editor da versão brasileira
Prefácio do editor da versão inglesa
1) Supondo que nos façam a pergunta, “O que o Buddha ensinou?”
2) A seguir, podemos ser perguntados, “O que ele ensinou em particular?”
3) Agora suponham que vocês encontrem uma pessoa de outro país, a qual
pergunta a vocês, “Colocando da forma mais breve possível, qual é a
mensagem básica do Buddhismo?”
4) Agora suponham que vocês sejam perguntados, “Como colocar estes não-
agarrar e não se prender em prática?”
5) Suponha que alguém de outro país ou religião pergunte a você, “Onde
alguém pode aprender, onde pode estudar?”
6) Agora, podemos também ser perguntados a seguir, para um entendimento
melhor do Dhamma, “A que o Dhamma pode ser comparado?”
7) Este Dhamma, que é dito assemelhar-se a uma balsa, é tão passível de ser
aplicado por laicos quanto por monges. Suponham, então, que nos façam a
pergunta, “O que um laico deveria estudar?”
8) Suponham que nos façam a pergunta sobre a palavra suprema no
Buddhismo, “O que é amatadhamma?”
9) As coisas conectadas ao Dhamma (Verdade) mais profundo e superior, são
conhecidas por vários nomes. Se alguém fizer a pergunta, “Qual o Dhamma
mais profundo e superior, que transcende o mundo e a morte em todas as
suas formas?”
10) Suponham, agora, que uma pessoa de outro país pergunte, “Em qual
aspecto do ensinamento, tal como existente nos Textos Pāli, o Buddha
colocou mais ênfase?”
11) Agora, a próxima coisa a examinarmos é isto, “Em quem o Buddha
ensinou que podemos acreditar?”
12) A próxima pergunta, “Como a mente de uma pessoa comum e a de um
verdadeiro buddhista são diferentes?”
13) Agora falarei sobre o Caminho. Supondo que perguntem a vocês, “Que
prática consiste em andar o caminho ordinário, e qual caminho é o mais curto
e rápido?”
14) Eu falarei, agora, alguma coisa sobre o kamma no Buddhismo, por meio
da pergunta, “Qual o papel do kamma no Buddhismo?”
15) Desejo, agora, dirigir sua atenção a um assunto pelo qual, penso, vocês
deveriam particularmente se interessar. Eis a questão, “Seria necessário que
uma pessoa ouvisse o Buddha-Dhamma do próprio Buddha a fim de ser
capaz de pôr um fim ao sofrimento?”
16) Eis uma questão a ser proposta, “Se a dúvida surge com relação a um
ensinamento ser ou não do Buddha, como podemos resolver a questão?”
17) Agora iremos falar sobre pessoas. Vamos olhar um pouco mais para nós
mesmos. “Segundo o Buddha, como seriam as pessoas nas eras futuras?”
18) Agora iremos falar algo sobre o Buddha. A pergunta foi feita, “A quem o
Buddha prestava homenagem?”
19) “Onde podemos encontrar o Buddha?”
20) “O Buddha existe ou não neste momento?”
21) “O Buddha fez cessar o seu kamma?”
22) “Que tipo de vida interior levou o Buddha?”
23) “Por que é dito que todas as coisas são vazias, que este mundo - que
todos os mundos - é um mundo vazio?”
24) “Agora, por que a mente nesse estado de consciência é descrita como
vazia ou como uma mente livre (cit waang)?”
25) “O que ocorre quando há total vacuidade?”
26) “O que é nibbāna?”
27) “Falamos que uma pessoa encontra satisfação no nibbāna. O que
chamamos de satisfação?”
28) Eis uma questão que certamente deveria ser trazida à tona: “O nibbāna é
atingido após a morte ou aqui nesta vida?”
29) E agora, a fim de dar a vocês uma compreensão mais clara e profunda
deste tema, consideraremos a questão: “Os animais inferiores podem atingir
o nibbāna?”
30) Agora, “Qual é o bem supremo para a humanidade?”
31) Próxima questão, “Há algum arahant no mundo atualmente?”
32) E isto nos deixa com a pergunta, “O que significa viver corretamente?”
33) A próxima pergunta é, “É fácil ou difícil ser um arahant?”
34) Eis uma outra pergunta, “Nós seríamos capazes de reconhecer um
arahant se encontrássemos um?”
35) Agora a próxima pergunta, “Onde poderíamos encontrar um arahant?”
36) “Aqueles que não são monges não podem se tornar arahants, podem?”
37) Agora uma outra questão, “É possível que um ‘assassino’ se torne um
arahant?”
38) Agora, vamos examinar uma questão menor, a fim de ajudar a melhor
entender as questões antecedentes. Eu farei a seguinte pergunta, “Do que o
mundo é cheio?”
39) As pessoas perguntam, “Que tipo de mérito tem pouco efeito e que tipo
tem grande efeito?”
40) Agora, “Onde o maior mérito pode ser encontrado?”
41) Considere agora o “estado feliz”, “Onde o estado feliz pode ser
encontrado? Onde devemos ir para encontrarmos a felicidade?”
42) A seguir, considerando aqui o que é chamado de iddhis (poderes
psíquicos), a pergunta é, “Quão interessados deveríamos estar nestas coisas
chamadas iddhis?”
43) Podemos discutir agora, “De onde a felicidade e o sofrimento se
originam?” ou ao menos, “De onde se origina o sofrimento?”
44) Este tema nos traz à pergunta, “Onde podemos por fim ao sofrimento
(dukkha)?”
45) Desejo agora discutir uma questão referente ao que podemos chamar de
“realmente conhecer”. “Para realmente conhecer algo, quanto precisamos
conhecer?”
46) Farei, agora, a seguinte pergunta: “O que é atingir a Corrente do
Nibbāna?”
47) Agora, vejamos, “Qual é o significado dos Quatro Estados Miseráveis?”
48) Agora, no pouco tempo que nos resta, farei a última pergunta, “Qual foi a
última instrução que o Buddha nos deixou?”
Conclusão
Referências Escriturais
Sobre o tradutor da edição inglesa
Agradecimento
Outros Títulos de Edições Nalanda
Bônus: Capítulo “A Vida Harmoniosa” do livro ‘Joias Raras do Ensinamento
Buddhista’
Outros Títulos de Edições Nalanda

Joias Raras do ensinamento buddhista por vários autores


Passo a Passo: Meditações sobre a sabedoria e a compaixão por Ven. Maha

Ghosananda
Pensando o Buddhismo: Uma reflexão sobre as nobres verdades Ven.

Bhikkhu Bodhi
O Nobre Caminho Óctuplo: O caminho para o fim do sofrimento por Ven.

Bhikkhu Bodhi
Preliminares da Prática Buddhista por vários autores

A Causa do Sofrimento na perspectiva buddhista por Ajahn Buddhadāsa

48 Respostas sobre o Buddhismo por Ajahn Buddhadāsa


Ensinamentos de Cristo, Ensinamentos de Buddha por Ajahn Buddhadāsa

O Cerne da Árvore da Iluminação por Ajahn Buddhadāsa


Amando e Morrendo: Uma visão buddhista sobre a morte por Visu

Céu Azul Verde Mar: Noções sobre o Buddhismo Coreano por Ricardo
Sasaki
A Vida É O Que É por Rev. Gyomay Kubose
Revista de Estudos Buddhistas 01

Integrando Estudo e Prática: (Revista Sati #1)


As Contribuições das Mulheres para o Buddhismo: (Revista Sati #2)

O Esqueleto de uma Filosofia da Religião: A Filosofia Japonesa encontra o


Ocidente por Kiyozawa Manshi
Shinran: Sua Vida e Pensamento por Norihiko Kikumura


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Prefácio de Santikaro para a versão brasileira

Em 1966, quando as palestras que formam este livro foram apresentadas, a
Tailândia ainda era um país buddhista. Mesmo assim, vastas mudanças sociais,
econômicas e culturais estavam sendo implementadas, enquanto a Guerra do
Vietnã ocorria nas proximidades e o desenvolvimento moderno se espalhava
pelo reino. Na época, um monge buddhista que fosse capaz de falar aos jovens
(embora ele mesmo tivesse mais de sessenta anos), e também fazer comentários,
com inteligência, a respeito das mudanças em andamento - para não mencionar
certo conhecimento do vocabulário em inglês - era uma raridade. Ajahn
Buddhadāsa reunia um grande público quando dava palestras nas universidades.

Naquela época - como o faz ainda hoje - ele falava para aqueles
tailandeses que esperavam permanecer conectados à sua herança cultural, na
qual o Buddhismo ocupava um lugar central, tanto quanto lidar com as
poderosas forças que agitavam o cenário nacional e internacional. Eles
buscavam um diálogo efetivo entre a educação moderna e o estilo ocidental e a
sabedoria herdada das tradições religiosas e culturais. Seu dilema permanece
presente conosco ainda hoje, vivamos no norte ou no sul, no oriente ou no
ocidente.

Quase quatro décadas se passaram, desde que tais palestras foram


proferidas, e o próprio Tan Ajahn faleceu há oito anos. De muitas formas, a
Tailândia já não é um país buddhista; é capitalista e “ democrático”, moderno e
consumista, como tantos outros nos dias atuais. Os desafios que enfrenta são
aqueles da maioria dos países do mundo. Juntamente com essas vastas
mudanças, o Buddha-Dhamma começou a fincar raízes no Ocidente. Isso
acontece porque o Buddha-Dhamma permanece vivo e relevante em relação aos
desafios da vida moderna. Enquanto se adapta vagarosamente na Ásia, ele se
move muito mais rapidamente nas Américas, inclusive nas antigas colônias na
América do Sul. Ajahn Buddhadāsa foi um pioneiro que influenciou ambos os
movimentos.

A maioria de nós, que lemos traduções dos livros de Ajahn Buddhadāsa, é


de classe média e formados em universidades, como a audiência original dessas
palestras. Ainda assim, no intervalo de quatro décadas, o desenvolvimento e a
modernidade perderam muito de seu brilho e glamour. Ao mesmo tempo em que
permanecemos profundamente influenciados pela visão de mundo científica, e
preferimos o Buddha-Dhamma apresentado sem as velhas crenças e complicada
cosmologia, também estamos mais cautelosos com relação ao racionalismo
desenfreado. Queremos algo ao mesmo tempo racional e espiritual, científico e
místico. Podemos estar pedindo demais, caindo novamente no idealismo
característico da tradição intelectual ocidental. Ainda assim, também desejamos
algo que preserve a busca humana ancestral por significado.

Somos todos estudantes ou aprendizes. Devemos ser, se desejamos viver.


“Estudantes”, aqui, são estudantes da vida e do Dhamma. Embora este livro
tenha sido originariamente dirigido a estudantes universitários, ele responde a
questões fundamentais à investigação do Buddha-Dhamma, não importando qual
a idade ou status do inquiridor. Isso requer certas atitudes e práticas da parte do
leitor ou estudante:

Ø Compaixão por si mesmo e por todos os outros seres.


Ø Atenção calma e focada diante dos assuntos a enfrentar.
Ø Abandono temporário, de forma relaxada, das crenças e teorias passadas,
mesmo quando nominalmente “buddhistas”.
Ø Disposição em pensar por si mesmo.
Ø Discussão amigável com outros buscadores.
Ø Experimentação prática na vida diária, a fim de testar as conclusões a que
suas leituras e ponderações o levem (afinal de contas, a vida é o estudo
genuíno)
Ø Humildade e fervorosa honestidade

Ajahn Buddhadāsa viveu tais atitudes e práticas muito efetivamente. A fim
de entender suas palavras, melhor seria as vivermos também.

Em nome da Dhammadana Foundation (Chaiya, Tailândia), e como o


principal editor em língua inglesa de Ajahn Buddhadāsa, desejo agradecer a
Ricardo Sasaki e seus colegas no Brasil, por seus esforços para produzir esta
tradução. Possa este trabalho trazer a eles felicidade, aprofundamento da
confiança no Dhamma e muitos amigos.
Que todos os seres sejam livres, felizes e vivam em paz.
Prefácio do editor da versão brasileira
Quando em 1932 o Venerável Buddhadāsa estabeleceu Suan
Mokkhabalārāma como um centro de vivência e treinamento no Dhamma (os
ensinamentos preciosos do Buddha), ele o fez com a convicção de que a
proximidade com a natureza seria uma inspiração para o melhor entendimento
das verdades pregadas pelo Buddha. Desde então, Suan Mokkh se tornaria um
lugar de investigação onde a essência do Dhamma pudesse ser colocada em
prática em todas as coisas da vida diária. A personalidade carismática de Tan
Ajahn atraiu seguidores e admiradores em todo o mundo, que, aliada a um
profundo conhecimento doutrinal e prático das escrituras, deu a ele um papel de
destaque no cenário buddhista mundial.

Compreender os princípios fundamentais, a real essência do que o Buddha


ensinou, sempre foi a prioridade do Escravo do Buddha (o significado de seu
nome monástico “Buddhadāsa”). Para esse fim, ele dedicou toda sua vida,
presenteando a todos os seus leitores e ouvintes com um Dhamma claro e direto,
o “coração do buddhismo”, enfatizando sempre que aquilo ensinado pelo
Buddha deveria ser vivido na vida diária, experimentado, mastigado, saboreado
e digerido com toda nossa energia. Para aqueles que tiveram o benefício de
conhecê-lo pessoalmente, o Venerável Buddhadāsa foi um exemplo e fonte
constante de inspiração.

É uma grande satisfação publicar a segunda obra do Venerável


Buddhadāsa na língua portuguesa. Em 1998, publiquei “A Causa do Sofrimento
na perspectiva buddhista”, um livro com ensinamentos valiosos sobre a origem
do sofrimento em nossas vidas e a forma de lidar com ele. Agora, com “48
Respostas sobre o Buddhismo”, acredito que os leitores do primeiro livro
poderão sentir ainda mais o estilo direto e sem concessões do venerável mestre.
E para os novos leitores será uma maravilhosa oportunidade de ‘sentar-se’ com o
mestre e ‘viajar’ com ele por 48 perguntas e respostas sobre alguns dos temas
mais interessantes que vagam na mente dos que se iniciam no Buddhismo.

Tan Ajahn morreu em 8 de julho de 1993, mas sua obra permanece como
uma luz a indicar o caminho para todos os sérios buscadores da verdade.


Ricardo Sasaki
Centro de Estudos Buddhistas Nalanda
Belo Horizonte 2002
Prefácio do editor da versão inglesa
“48 Respostas sobre o Buddhismo” é o resultado de duas palestras
proferidas por Ajahn Buddhadāsa em janeiro de 1966 a alunos da Thammasat
University, Bangkok. Desde aquela época, muitos jovens tailandeses têm
retornado ao Buddhismo à procura de respostas e possibilidades não oferecidas
pela moderna educação ocidental. Diante das rápidas mudanças sociais, por
vezes beirando ao caos, eles buscam uma abordagem não-violenta aos problemas
e injustiças dos nossos tempos. Seu interesse é louvável, mas ainda assim
necessitam de orientação. Aplicar uma versão confusa ou incorreta do
Buddhismo à confusão e conflito sociais não trará qualquer benefício. Ajahn
Buddhadāsa, dessa forma, sempre buscou mostrar, tanto aos jovens quanto aos
mais velhos, o que o Buddhismo realmente ensina. Para isso realizar, ele volta
aos princípios originais indicados pelo Senhor Buddha, explicando-os de
maneira simples e direta, mostrando que sua relevância é intemporal. A verdade
é relevante e aplicável na Índia antiga, na Tailândia contemporânea e mesmo no
excessivamente desenvolvido Ocidente.
Essas palestras originariamente foram intituladas “Lak Dhamma Samrab
Nak Seuksa (Princípios do Dhamma para Estudantes)”. Uma olhada nas palavras
deste título irá esclarecer o propósito do livro. Primeiramente, devemos entender
o que significa “seuksa” (emprestado do sânscrito) e “sikkhā” (sua contraparte
pāli). Os tailandeses têm usado seuksa para traduzir as palavras inglesas
“estudo” e “educação”, mas o uso moderno está empobrecido quando
comparado ao significado original. Seuksa é mais que mera acumulação de
conhecimento e habilidades profissionais, como ocorre atualmente. Significa
aprender coisas que são verdadeiramente relevantes para a vida e, então, treinar-
se completamente naquilo e de acordo com tal conhecimento. É um “estudo” que
leva cada vez mais profundamente para o coração, como quando analisamos
sikkhā em seus elementos sa (através, por, e em si mesmo) e ikkha (ver) - “ver a
si mesmo por si mesmo”.

Nak significa “alguém que faz, alguém que é habilidoso ou expert em


algo”. Um nak-seuksa é um “estudante”, mas não por ter se matriculado em uma
escola, colocado um uniforme ou carregar livros. Um verdadeiro estudante deve
ser um seuksa em todos os sentidos, aspectos e níveis da palavra, até o ponto de
se tornar um expert em seuksa. Não há instituições, horários ou currículo que
possam conter um estudante genuíno. Ser um estudante é um dever fundamental
de todos os seres humanos enquanto respirarem.

Lak significa “princípio, padrão, poste, reduto, marco”. Um lak é algo que
podemos segurar - de maneira sábia - para conseguirmos estabilidade e
segurança. Estudantes sábios começam suas investigações com os fundamentos e
se certificam de estarem firmemente estabelecidos nesses princípios antes de
seguirem adiante. De fato, os princípios básicos verdadeiros frequentemente são
suficientes. Identificar os princípios que podem nos fundamentar na essência de
nosso tema é um começo. A reflexão cuidadosa sobre eles leva ao entendimento.
Mas é somente incorporando-os em nossas vidas através da prática que eles se
tornam um reduto seguro.

Dhamma (Buddha-Dhamma significa “o Dhamma do Buddha” “ou “o


Dhamma ensinado pelo Buddha, o Desperto”) é um desafio para os tradutores. É
o cerne de todo o trajeto espiritual e de toda a vida, mesmo o que há de mais
mundano. Pode significa “coisa”, “ensinamentos” e “a Verdade suprema e
absoluta”. Aqui, à guisa de praticidade, podemos enfatizar quatro significados
vitais para a palavra “Dhamma”:
“Natureza” - todas as coisas, incluindo a humanidade e tudo o que fazemos, bem
como a natureza de tais coisas.

“Lei” - a lei natural subjacente que governa todas aquelas coisas.

“Dever” - o modo de vida requerido para cada ser humano e todos os outros
seres, a cada respiração e a cada oportunidade, pela lei da natureza.
“Fruto” - o resultado do dever realizado corretamente de acordo com a lei
natural.
Este é o fundamento no qual os estudantes da v erdade da vida devem
primeiramente se basear.

Samrab significa “por”. Os Princípios do Dhamma não ficam flutuando


numa zona metafísica ou filosófica obscura. Eles têm um propósito claro e valor
prático. São para a inspiração e enriquecimento dos estudantes. São para aquelas
pessoas curiosas a respeito da vida, que querem entender o que fazemos aqui e
para onde deveríamos seguir, que estão fartos do egoísmo e do sofrimento. Não
devem, entretanto, serem tomados como artigos de fé a serem acreditados,
memorizados e recitados para a satisfação emocional numa ilusão de segurança.
São para o estudo, investigação e experimento, são um meio para a própria
realização da verdade, que é o significado da vida humana.

Este livro cobre uma variedade de tópicos geralmente obscuros e


ignorados, embora constituam a essência daquilo que o buddhismo tem a
oferecer. Enquanto temas como o sofrimento e o vazio são levados a uma
ambiguidade turva e inatingível pelas discussões acadêmicas tão comuns no
buddhismo moderno, Ajahn Buddhadāsa se esforça para nos ajudar a contemplá-
los usando nossa própria respiração e vida. Onde os acadêmicos, orientais tanto
quanto ocidentais, veem teorias e filosofias, ele vê instrumentos para viver na
verdade e em paz. Sua visão e ensinamento são claros e sucintos: esperamos que
nossa tentativa de traduzi-los para o inglês façam justiça a ele e a seus
professores - o Senhor Buddha, o Dhamma, a vida e o sofrimento.

Aqui estão presentes questões que todos os cultivadores do Dhamma se


perguntam em uma ou outra ocasião. Outros, por sua vez, virão a nós com essas
perguntas. Assim, é conveniente ter respostas lúcidas e concisas à mão quando
as precisarmos. Ainda melhor quando forem sustentadas por citações do próprio
Buddha. Melhor ainda quando a abordagem é realista, deixando de lado o
misticismo e a mitologia com os quais tão frequentemente nos distraímos.
Manter a investigação - tanto do livro quanto de nossas vidas - prática, factual e
direta ajuda a eliminar a incompreensão, a má interpretação e a desinformação
que geralmente infestam a religião. Confrontar de maneira simples essas
verdades em nossa vida diária irá revelar sua profundidade e nos libertará do
sofrimento e da ignorância que o causa.
Este pequeno livro foi impresso várias vezes desde quando Ariyananda
Bhikkhu (Rod Bucknell) o traduziu pela primeira vez. Esta edição, no entanto,
foi revisada, primeiro por mim, e, posteriormente, por Rod. Corrigimos erros
menores e irregularidades de impressão, e tentamos melhorar a inteligibilidade,
mas nenhuma modificação maior foi realizada. Muitos de nossos visitantes em
Suan Mokkh ajudaram com sugestões e revisões durante a preparação desta
edição. Infelizmente seus nomes são por demais numerosos para serem
mencionados. Por fim, Phra Dusadee Metaṁkuro, Chao Assava e seus amigos
do Dhamma Study & Practice Group participaram dos trabalhos de
administração e publicação. Sua gentileza e dedicação na publicação de muitos
livros valorosos de Dhamma, com mais alguns a caminho, merece
reconhecimento, apreciação e suporte.

Possam os esforços dos muitos companheiros de Dhamma na realização


deste livro beneficiar não somente sua sabedoria e tranqüilidade, mas também os
muitos amigos por todo o mundo. Possa este livro ser lido com atenção, e
repetidamente, a fim de que as profundas verdades nele apresentadas finquem
raiz em nossos corações. Possamos todos nós estudar e viver em harmonia com
tais verdades, extinguindo assim todos os traços do mal-entendimento, egoísmo
e dukkha.
Santikaro Bhikkhu
Suan Mokkhabalārāma
Estação das Chuvas, 1988
INTRODUÇÃO

Caros Companheiros no Dhamma, a palestra de hoje tem o nome de


“Princípios do Dhamma para Estudantes”.

Gostaria de tornar claro que a palestra de hoje tratará apenas dos princípios
básicos e fundamentais, e, assim, especialmente dirigida a estudantes, ou seja, a
pessoas inteligentes. Discutirei esses princípios gerais do Dhamma (Verdade
Natural) usando o formato de perguntas e respostas, colocando primeiro a
pergunta para vocês e, então, suprindo a resposta. Tendo ouvido primeiramente a
pergunta, descobrirão que a resposta se tornará mais fácil de ser entendida e
lembrada. Isso, eu penso, é a forma mais apropriada de apresentação para vocês
estudantes ou pessoas inteligentes. É dito que na época do Buddha, as pessoas
inteligentes nunca perguntavam sobre nada a não ser os pontos básicos e
princípios fundamentais. Nunca desejavam explicações tortuosas. Isso tem a
virtude de poupar tempo, entre outras coisas.

Essa, então, é a forma como apresentarei a palestra de hoje: colocarei uma


questão como tópico e então responderei em termos dos princípios básicos.
Dessa forma vocês terão a essência de um grande número de tópicos, fatos que
ajudarão a formar uma boa fundação geral. Uma vez com essa fundação o
conhecimento frutificará no futuro; será de ajuda em seu estudo e entendimento
de outros palestrantes.

Mais um ponto. O formato de minha palestra está designado a preparar


vocês, estudantes, para aquelas ocasiões quando forem questionados por pessoas
de outros países e outras religiões. Capacitará vocês a responderem suas
perguntas e respondê-las corretamente, sem dar margem a qualquer
incompreensão concernente ao Ensinamento.
Mantenham em mente tais pontos que constituem a essência ou cerne real
do tema. Se conseguirem se lembrar só disso já será uma boa coisa e, creio, de
grande benefício para todos. Discutiremos agora um tópico por vez.

1) SUPONDO QUE NOS FAÇAM A PERGUNTA, “O QUE O
BUDDHA ENSINOU?”
O melhor modo de responder a isto é citar o próprio Buddha: “Saibam, ó
monges, que tanto agora como antes, eu ensino somente dukkha (sofrimento,
insatisfatoriedade) e a eliminação de dukkha”.

Prestem muita atenção nisso, caso esta resposta concorde ou não com o
que vocês pensavam. Há muitas outras formas de responder, mas esta única
sentença do Buddha sintetiza seu ensinamento. O Buddha ensinou apenas
dukkha e sua eliminação. Isto torna irrelevante quaisquer questões que não
tenham uma relevância direta na eliminação de dukkha. Não pensem em
perguntas tais como: “Há renascimento após a morte?” ou “Como o
renascimento acontece?” Estas questões podem ser consideradas mais tarde.

Assim, se um ocidental nos fizer esta pergunta, poderemos responder


dizendo: “O Buddha não ensinou nada além de dukkha e sua eliminação”.

2) A SEGUIR, PODEMOS SER PERGUNTADOS, “O QUE ELE


ENSINOU EM PARTICULAR?”
A) Como é possível notar, este é um tema extenso, que pode ser
respondido de muitos pontos de vista. Se perguntados, podemos dizer, antes de
mais nada, que ele nos ensinou o Caminho do Meio; a não ser nem muito
rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um extremo, nem a outro. De um
lado, devemos evitar a dura automortificação praticada em certas escolas de
yoga, que apenas cria dificuldades e problemas. De outro lado devemos nos
manter afastados da via de prática que nos permite prazeres sensuais, o que em
resumo significa dizer: “Comam, bebam e sejam felizes, pois amanhã
morreremos!” Isto é uma expressão extremamente cínica apropriada a pessoas
interessadas somente nos prazeres sensuais.
Por outro lado, o Caminho do Meio consiste, de uma parte, em não criar
dificuldades para si mesmo e, de outra, em não se entregar aos prazeres sensuais
conforme os desejos do coração. Trilhar o Caminho do Meio faz surgir
condições que conduzem ao estudo e prática, bem como ao sucesso em colocar
um fim em dukkha (sofrimento). A expressão “Caminho do Meio” pode ser
aplicada genericamente em muitas situações variadas. Não é possível você se
enganar. O Caminho do Meio consiste em seguir o meio dourado. Conhecer as
causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo, conhecer quanto é suficiente,
conhecer o tempo apropriado, conhecer os indivíduos, conhecer os grupos de
pessoas: estas Sete Nobres Virtudes constituem o Caminho do Meio. Esta é uma
forma de responder a questão.

B) Poderíamos responder igualmente bem dizendo que ele ensinou a


autoajuda. Todos vocês entendem o que autoajuda significa; nem mesmo
precisamos explicar. Dizendo brevemente, não devemos depender da sorte e do
destino. Não devemos depender de seres celestiais, nem mesmo, finalmente,
daquilo que é chamado “Deus”. Devemos ajudar a nós mesmos. Para citar o
Buddha: “O eu é o refúgio do eu”. Mesmo nas religiões teístas é dito que Deus
somente ajuda aqueles que ajudam a si mesmos. Em outras religiões este tema da
autoajuda pode ser abordado com mais ou menos definição, mas no buddhismo é
de fundamental importância. Quando se está aflito e confuso, sofrendo a dor e a
angústia, deve-se, então, virar para o caminho da autoajuda. O Buddha disse:
“Os Buddhas meramente apontam o caminho. Fazer o esforço é algo que cada
indivíduo deve fazer por si mesmo”. Em outras palavras, o Buddhismo ensina a
autoajuda. Fixemos isto na mente.

C) Outro modo de responder é dizer que o Buddha ensinou tudo o que é


causado e condicionado. Tudo acontece em consequência de causas e condições
e de acordo com a lei. Esta afirmação é semelhante à resposta recebida por
Sāriputta quando, antes de entrar na Ordem, perguntou a um bhikkhu (monge) e
recebeu como resposta: “O Buddha ensinou assim: Cada coisa surge de uma
causa. Devemos conhecer a causa daquilo e a cessação de sua causa”. Este
princípio do Dhamma é científico em sua natureza, e podemos dizer que os
princípios do buddhismo concordam com os princípios da ciência. O Buddha
não utilizava coisas individuais ou subjetivas como critério; isto significa dizer
que o buddhismo é uma religião do raciocínio.
D) Respondendo ainda de outra forma, como regra de prática, o Buddha
ensinou: “Evite o mal, faça o bem, purifique a mente”. Estes três princípios,
juntos, são chamados de “Ovāda-pāṭimokkha”, que significa “sumário de todas
as exortações”. Evite o mal, faça o bem, purifique a mente. Evitar o mal e fazer o
bem são princípios que não precisam de explicações, mas tornar a mente pura
não é tão óbvio. Se alguém sai por aí agarrando e segurando, mesmo à bondade,
a mente desenvolve impurezas: o medo de não receber o bem, medo em ser
privado do bem existente, ansiedade, preocupação, e apego a isto e aquilo como
“meu”. Tudo isso produz sofrimento. Mesmo que tenhamos evitado o mal e feito
o bem com sucesso, ainda devemos saber como tornar a mente livre. Não
agarrem ou se prendam a nada como sendo você mesmo ou pertencendo a um
ego. Do contrário, virá a aflição, uma pesada carga e o sofrimento (dukkha). Em
outras palavras, agarrar e segurar, como quando se carrega algo todo o tempo, é
uma carga pesada e um fardo de sofrimento. Mesmo uma carga de gemas
preciosas, quando carregada sobre os ombros ou sobre a cabeça, é tão pesada
quanto uma carga de pedras. Desta forma, não carreguem pedras ou gemas
(dukkha). Coloquem-nas de lado. Não deixe que haja qualquer peso sobre suas
cabeças (que aqui significam a mente). Isto é o que significa “purificar a mente”.
Assim, então, purificar a mente é a terceira coisa. A primeira é evitar o mal, a
segunda é fazer o bem e a terceira é tornar a mente pura. Isto é o que ele ensinou.

E) Eis outro ensinamento importante que vale a pena ser lembrado. Ele
ensinou: “Todas as coisas compostas (todas as coisas e seres neste mundo) estão
perpetuamente em estado de fluxo, se desfazendo (eles são impermanentes). Que
todos estejam bem equipados com a vigilância!” Por favor, escutem muito
cuidadosamente estas palavras: tudo neste mundo está em perpétuo estado de
fluxo, sempre se desfazendo, isto é, tudo é impermanente. Assim, devemos nos
equipar com a vigilância. Não saiam por aí brincando com estas coisas! Elas vão
morder vocês! Baterão em suas faces. Elas os prenderão e segurarão firme.
Vocês serão obrigados a sentar e chorar, ou talvez mesmo cometer suicídio.

Vamos agora juntar todos estes vários modos de responder a uma única
pergunta. Se perguntados sobre o que o Buddha ensinou, deem uma das
seguintes respostas possíveis:
Ele nos ensinou a trilhar o Caminho do Meio;
Ele ensinou a auto-ajuda;
Ele nos ensinou a estarmos familiarizados com a lei da causalidade e a ajustar as
causas de forma tal que os resultados desejados apareçam;
Ele ensinou como princípio de prática: “Evitar o mal, fazer o bem, purificar a
mente”;
E ele nos lembrou de que todas as coisas compostas são impermanentes e em
perpétuo fluxo, e que devemos estar bem equipados com a vigilância.
Há várias formas diferentes de responder esta questão. Se perguntados
sobre o que o Buddha ensinou, responda, então, com qualquer destas formas.

3) AGORA SUPONHAM QUE VOCÊS ENCONTREM UMA


PESSOA DE OUTRO PAÍS, A QUAL PERGUNTA A VOCÊS,
“COLOCANDO DA FORMA MAIS BREVE POSSÍVEL, QUAL É A
MENSAGEM BÁSICA DO BUDDHISMO?”
Isto pode ser respondido com uma curta sentença, algo dito pelo próprio
Buddha: “Nada deve ser agarrado ou preso de qualquer forma”.
Que nada deveria ser agarrado ou preso é uma sentença que vem dos
lábios do Buddha e que vem a calhar. Não precisamos perder tempo procurando
no Tipiṭaka (o ensinamento registrado), pois esta curta sentença coloca tudo
claramente. Em todos os discursos, em todo o ensinamento, há tanto quanto
oitenta e quatro mil tópicos de Dhamma, e todos podem ser sintetizados nesta
única sentença: “Nada deve ser agarrado ou preso de qualquer forma”. Ela nos
diz que agarrar as coisas ou se prender a elas é sofrimento (dukkha). Quando
viermos a compreender isto, é possível dizer que conhecemos todas as
afirmações do Buddha, todos os oitenta e quatro mil tópicos do Dhamma. E ter
colocado isto em prática é ter praticado o Dhamma completamente, em cada fase
e aspecto.
A razão pela qual uma pessoa falha em manter as regras de conduta é que
ela agarra e se prende às coisas. Se ela refrear-se de agarrar e prender-se a
qualquer coisa que seja, e colocar de lado a ganância e a aversão, ela não deixará
de cumprir as regras de conduta. A razão da mente de alguém estar distraída e
incapaz de se concentrar é agarrar e segurar algo. A razão de uma pessoa carecer
de compreensão é a mesma. Quando ela finalmente for capaz de praticar o não-
agarrar, então, simultaneamente, ela atingirá Nobres Caminhos, seus Frutos, e,
enfim, o nibbāna (skr. nirvāṇa).
O Buddha era um homem que não se agarrava a nada. O Dhamma ensina a
prática e o fruto da prática do não se agarrar. A Sangha (Comunidade de
Discípulos Nobres) consiste de pessoas que praticam o não se agarrar, alguns
que estão no processo da prática, e alguns que completaram a prática. Isto é o
que é a Sangha. Quando as pessoas perguntavam ao Buddha se o seu
ensinamento poderia ser sintetizado numa única sentença, ele respondia que era
possível, e dizia: “Nada deve ser agarrado ou preso de qualquer forma”.

4) AGORA SUPONHAM QUE VOCÊS SEJAM PERGUNTADOS,


“COMO COLOCAR ESTES NÃO-AGARRAR E NÃO SE PRENDER
EM PRÁTICA?”
Se você encontrar uma pessoa de outro país que pergunta a você como
colocar em prática a essência do buddhismo, mais uma vez, você pode responder
citando o Buddha. Não precisamos responder utilizando nossas próprias ideias.
O Buddha explicou de forma sucinta e compl eta como praticar. Quando vendo
um objeto visual, apenas o veja. Quando ouvindo um som com os ouvidos,
apenas o ouça. Quando cheirando um odor com o nariz, apenas o cheire. Quando
provando algo com a língua, apenas o prove. Quando experienciando uma
sensação táctil por meio do sentido corporal e da pele em geral, apenas
experiencie a sensação. E quando um objeto mental, tal como algum pensamento
impuro, surge na mente, apenas conscientize-se dele; perceba aquele objeto
mental impuro.

Vamos falar de novo para aqueles que nunca ouviram falar disto. Quando
vendo, apenas veja! O que for possível quanto à visão, apenas veja. Quando
ouvindo, apenas ouça; quando cheirando um odor, apenas cheire o odor;
provando, apenas o prove; detectando uma sensação táctil por meio da pele e do
corpo, apenas experiencie a sensação; e no surgimento de um objeto mental,
apenas esteja consciente dele. Isto significa que a estas coisas não devemos
acrescentar o surgimento da ideia de ego. O Buddha ensinou que se alguém
puder praticar assim, o “ego” cessará de existir; e a não existência do “ego” é a
cessação do sofrimento (dukkha).
“Quando vendo um objeto por meio do olho, apenas o veja”. Isto requer
uma explicação. Quando objetos fizerem contato com os olhos, observem e os
identifiquem; saibam qual ação deve ser realizada a partir de qualquer coisa que
é vista. Mas não permitam o gosto ou desgosto surgir. Se vocês permitirem o
surgimento do gosto, vocês o desejarão; se permitirem o surgimento do desgosto,
quererão destruí-lo. Assim surgem amantes e raivosos. Isto é o que é chamado
“ego”. Seguir o caminho do “ego” é sofrimento e engano. Se um objeto é visto,
que haja inteligência e plena consciência. Não permitam que as impurezas
mentais obriguem vocês a agarrarem e se prenderem. Cultivem inteligência
suficiente a fim de conhecerem qual curso de ação é correto e apropriado. E se
nenhuma ação é necessária, ignorem o objeto. Se algum tipo de resultado é
preciso vindo deste objeto, então prossigam, com total atenção e inteligência,
não dando nascimento à ideia de eu. Desta forma vocês adquirem os resultados
desejados e nenhum sofrimento se origina. Este é um princípio muito conciso de
prática e deveria ser lembrado como um dos mais excelentes.

O Buddha ensinou: quando vendo, apenas veja. Quando ouvindo, apenas


ouça. Quando cheirando um odor, apenas o cheire. Provando, apenas prove.
Experienciando uma sensação táctil, apenas a experiencie. Quando percebendo
um objeto mental na mente, apenas perceba. Que as coisas parem exatamente aí,
e a visão clara funcionará automaticamente. Siga aquele curso que é certo e
apropriado. Não faça nascer o “gostante” ou “odiante”, e, assim, o desejo de agir
de acordo com o gosto e o desgosto, que é o surgimento da instância do eu. Tal
mente é turbulenta, não é livre, e funciona sem qualquer visão clara. Isto é o que
o Buddha ensinou.

Por que, então, nós não mencionamos a moralidade, a concentração, a


visão clara, a produção de méritos, ou a caridade, em conexão com a prática
mais frutificante? Estas são condições que ajudam, mas não são o coração do
Dhamma, não são o tema essencial. Produzimos méritos, damos esmolas,
observamos a moralidade, desenvolvemos a concentração e adquirimos a visão
clara, de modo a nos tornarmos pessoas equilibradas. Quando vendo, apenas
veja; quando ouvindo, apenas ouça. Isto conquistado, nos torna pessoas
equilibradas. Temos estabilidade, imperturbabilida-de e equilíbrio. Embora
objetos de todo tipo entrem em contato conosco, de todos os modos e por todas
as vias sensoriais, o ego não surge. Produção de méritos e doação de esmolas são
meios de se livrar do ego. Observar a moralidade é um processo pelo qual
ganhamos a maestria sobre o eu, assim como com a prática da concentração.
Adquirir a visão clara serve para destruir o ego. Não estamos falando aqui de
assuntos diferentes. Estamos falando de um único assunto urgente de todos os
dias. Nossos olhos veem isso e aquilo, nossos ouvidos ouvem isso e aquilo,
nosso nariz cheira aromas, e assim por diante com todos os seis canais
sensoriais. Temos que nos pôr em guarda, mantendo uma constante observação
das entradas dos seis canais. Esta prática única engloba todas as práticas. É a
própria essência da prática do Dhamma. Se você encontra uma pessoa de outro
país que pergunta como praticar, responda desta forma.

5) SUPONHA QUE ALGUÉM DE OUTRO PAÍS OU RELIGIÃO


PERGUNTE A VOCÊ, “ONDE ALGUÉM PODE APRENDER,
ONDE PODE ESTUDAR?”
Respondemos citando novamente o Buddha: “Nesta própria estrutura
corporal, com suas percepções e atividades mentais”. Aprendam no corpo
humano com suas percepções e atividade mental. Esta estrutura corporal,
estando viva, está acompanhada por percepções e atividades mentais, tudo junto
criando a “pessoa”. A presença da consciência implica a presença de percepções,
e a presença de atividades mentais implica no conhecimento e pensamento.

Nesta estrutura corporal, com suas percepções e atividades mentais o


Tathāgata (o Buddha) tornou conhecido o mundo, a origem do mundo, a
completa extinção do mundo, e o modo de praticar a fim de alcançar a completa
extinção do mundo. Quando falou sobre a origem do mundo, a completa
extinção do mundo, e o modo de praticar a fim de alcançar a completa extinção
do mundo, ele queria dizer que todo o Dhamma deve ser encontrado no corpo e
na mente. Aprendam aqui. Não aprendam na escola, numa caverna, numa
floresta, numa montanha ou num mosteiro. Estes são lugares fora de nós.
Construam uma escola no interior, construam uma universidade dentro do corpo.
Então examinem, estudem, investiguem, pesquisem, procurem, encontrem a
verdade sobre como o mundo surge, como ele chega a ser uma fonte de
sofrimento, como pode haver uma completa extinção do mundo (isto é, extinção
do sofrimento), e como fazer para atingir a completa extinção. Isto significa:
redescubram as Quatro Nobres Verdades vocês mesmos. O Iluminado algumas
vezes utilizava a palavra “mundo” e algumas vezes a palavra “sofrimento”
(dukkha). A natureza do mundo, do sofrimento; a natureza de seu surgimento,
sua origem e fonte; a natureza de sua completa extinção, a cessação do
sofrimento e do mundo turbulento, e a natureza da prática que leva ao fim de
dukkha: tudo isso pode ser buscado e encontrado neste corpo e em nenhum outro
lugar. Se parece poder ser encontrado em outro lugar, somente o é como um
relato em algum livro ou dito, apenas palavras, e não a Verdade em si. Mas
quando é buscado e encontrado nesta estrutura corporal, juntamente com sua
mente, então, será a verdade.
Assim, se perguntados onde aprender, digam, “Aprendemos nesta estrutura
corporal, com suas percepções e atividades mentais”.

6) AGORA, PODEMOS TAMBÉM SER PERGUNTADOS A


SEGUIR, PARA UM ENTENDIMENTO MELHOR DO DHAMMA,
“A QUE O DHAMMA PODE SER COMPARADO?”
O Buddha disse: “O Dhamma pode ser comparado a uma balsa”. Ele
utilizou a palavra “balsa”, pois naqueles dias balsas eram usadas usualmente
para cruzar os rios, e tal explicação do Dhamma como uma balsa podia ser
facilmente compreendida. Ela tem um significado muito importante. Não
deveríamos nos tornar tão apegados ao Dhamma a ponto de esquecer de nós
mesmos, tornarmo-nos orgulhosos de sermos professores, eruditos ou homens de
grande aprendizado. Se alguém se esquece de que o Dhamma é apenas uma
balsa, este perigo surgirá. O Dhamma é uma balsa, um veículo que nos levará
para a outra margem do rio. Tendo atingido a outra margem e nos estabelecido
em chão firme, não deveríamos ser tão tolos a ponto de carregar a balsa conosco.

Isso quer nos ensinar a reconhecer e usar o Dhamma meramente como um


meio para um fim, não agarrá-lo e nos prendermos a ele a ponto de nos esquecer.
Se não reconhecemos a verdadeira função dessa balsa, podemos nos encontrar
numa situação de mantê-la apenas para exibi-la ou como algo com que se entrar
em disputas. Algumas vezes pode ser considerado como uma corrida a ser
ganha, o que é um inútil desperdício. Deveria ser usado da maneira correta, para
cruzar, cruzar a corrente. O conhecimento do Dhamma deveria ser usado para
ultrapassar o sofrimento. Não deveria ser retido para propósitos danosos, como
um modo de briga com a arma afiada da língua, para argumentações, ou como
um objeto de obediência cerimonial. Finalmente, não se agarrem ou se prendam
nele de modo que, mesmo após tendo cruzado a corrente, tendo aportado em
terra firme, vocês não desejarão deixar a balsa para trás, mas quererão carregá-la
com vocês.

7) ESTE DHAMMA, QUE É DITO ASSEMELHAR-SE A UMA


BALSA, É TÃO PASSÍVEL DE SER APLICADO POR LAICOS
QUANTO POR MONGES. SUPONHAM, ENTÃO, QUE NOS
FAÇAM A PERGUNTA, “O QUE UM LAICO DEVERIA
ESTUDAR?”
Não deveríamos perder tempo tentando criar nossa própria resposta. Se
alguém quer ter suas próprias ideias, bem e bom, nada o deterá. Mas se formos
responder de acordo com o que o Buddha ensinou, então devemos dizer: “Os
laicos devem estudar todos os suttantas, isto é, os discursos do Tathāgata sobre
suññatā (vaziez)”.

Estes suttantas são uma exposição bem organizada do ensinamento. Eles


constituem um bom sistema, que forma a substância central ou o coração do
ensinamento. Esta é a razão de serem chamados suttantas. Um “sutta” é um
“discurso” e “anta” significa “fim”. Daí que suttanta é um discurso que é bem
exposto, bem ordenado, o miolo central do tema. É como a palavra vedanta.
Veda é “conhecimento”; vedanta é conhecimento, que é a pura substância do
assunto, bem exposto e sistematicamente arranjado.

Lembrem-se desta palavra, suttanta. Todos os suttantas são


pronunciamentos do Tathāgata. São o que o Buddha ensinou e todos se referem à
suññatā (vaziez). A esse respeito os laicos perguntam como devem praticar o
Dhamma de modo a alcançar os benefícios e a felicidade mais duradouros. O
Buddha disse: “Os suttantas são pronunciamentos do Tathāgata, são de grande
profundidade, têm um significado profundo, são os meios de transcender o
mundo, e referem-se à suññatā”.

Este palavra suññatā pode parecer estranha a vocês, mas não se


desanimem, já que esta é a mais importante palavra no Buddhismo. Ouçam
cuidadosamente. A palavra suññatā pode ser traduzida como “vazio”. Mas a
palavra “vaziez” tem vários usos e significados. O suññatā do Buddha não
significa uma vacuidade física, não é um vácuo físico desprovido de substância
material. Não! Aqui, significa um vazio no sentido de natureza essencial, pois
todo o tipo de coisas está ainda presente. Pode haver tantos objetos quanto
necessários para encher todo o mundo, mas o Buddha ensinou que são vazios, ou
têm a propriedade de serem vazios, pois nada existe neles que seja um eu ou seja
pertencente a um eu. O objetivo disto, novamente, é não se apegar a nada de
modo algum. Os laicos deveriam estudar particularmente aqueles discursos do
Buddha que tratam de suññatā. Em geral este tema tem sido mal compreendido e
colocado como sendo muito avançado para laicos. A razão para isto é a de que
poucas pessoas desejam praticar de acordo com estes ensinamentos do Buddha.
Mantenham, assim, claro na mente que mesmo um laico deve estudar, praticar e
descobrir suññatā. Não é somente para monges.
Espero, então, que vocês, laicos, não mais temam a palavra “suññatā” ou o
tema de suññatā. Tenham a iniciativa de aumentar seu conhecimento e
entendimento dele. Suññatā é um tema que requer uma explicação intrincada e
delicada; leva muito tempo. Por este motivo, discutimos apenas o centro da
questão, somente a real essência do tema, e isto já é o suficiente, ou seja, o vazio
da ideia de ser um eu ou pertencimento a um eu. Se a mente compreender que
não há nada que seja um eu e nada que pertença a um eu, a mente é “vazia” e
livre. “Este mundo é vazio” significa simplesmente isso.

8) SUPONHAM QUE NOS FAÇAM A PERGUNTA SOBRE A


PALAVRA SUPREMA NO BUDDHISMO, “O QUE É
AMATADHAMMA?”
Amata significa “não-morte”; o amatadhamma é o dhamma (coisa ou
estado) que não morre. E o que é isto? O Buddha disse certa vez, “A cessação da
ganância, do ódio e da ilusão é amatadhamma”. O amatadhamma é o estado
imortal, ou o estado que imortaliza. Onde quer que haja ganância, ódio e ilusão,
isso é chamado estado mortal. Experiencia-se o sofrimento. Tem-se a ideia de eu,
a qual faz com que se esteja sujeito ao nascimento, envelhecimento, doença e
morte. Quando a ganância, o ódio e a ilusão cessam (a cessação da ilusão sendo
a cessação da ignorância e da má-compreensão), então, o falso conceito do eu
não mais surge e, assim, não há mais o eu que morre. Desse modo, se alguém
procura pelo estado imortal, o amatadhamma, ele deve buscar o estado ou
condição que é livre da ganância, ódio e ilusão. Isto é o que o Buddha ensinou.
O amatadhamma, como ouvimos frequentemente, é o ensinamento derradeiro e
superior do Buddhismo. O “imortal” ensinado por outros mestres é um amata
diferente. Mas, no Buddhismo, como acabamos de explicar, é a cessação da
ganância, ódio e ilusão.

9) AS COISAS CONECTADAS AO DHAMMA (VERDADE) MAIS


PROFUNDO E SUPERIOR, SÃO CONHECIDAS POR VÁRIOS
NOMES. SE ALGUÉM FIZER A PERGUNTA, “QUAL O DHAMMA
MAIS PROFUNDO E SUPERIOR, QUE TRANSCENDE O
MUNDO E A MORTE EM TODAS AS SUAS FORMAS?”
O Buddha o chamou de suññatāppaṭisaṁyuttā, que significa “o Dhamma
que trata de suññatā”, ou simplesmente “suññatā”. O Dhamma que trata de
suññatā é o dhamma mais profundo e superior. Ele transcende o mundo,
transcende a morte, e não é outro senão o amatadhamma (o dhamma imortal).

Mas a versões mais novas e posteriores do Dhamma - como são? O


Buddha disse: “Um discurso de qualquer tipo, de qualquer categoria - apesar de
produzido por um poeta ou homem letrado; apesar de versificado, poético,
esplêndido e melodioso no som e na sílaba - não está de acordo com o
ensinamento se não estiver conectado a suññatā”. Por favor, lembrem-se destas
importantes palavras “não conectado com suññatā”. Desta forma, se um discurso
não estiver conectado a suññatā, deve, então, ser uma referência a um
pronunciamento de um discípulo posterior, uma inovação, um novo Dhamma,
não um pronunciamento do Cumpridor e, como tal, inferior. Se é falado por um
discípulo e não trata de suññatā, isto está fora do Ensinamento. Se desejamos
encontrar o Dhamma que é fiel aos ensinamentos superiores originais do
Buddha, não há outro meio senão através destas referências a suññatā (vaziez).

10) SUPONHAM, AGORA, QUE UMA PESSOA DE OUTRO PAÍS


PERGUNTE, “EM QUAL ASPECTO DO ENSINAMENTO, TAL
COMO EXISTENTE NOS TEXTOS PĀLI, O BUDDHA COLOCOU
MAIS ÊNFASE?”
Novamente respondam citando o Buddha: “Os cinco khandhas são
impermanentes e não-eu (anattā)”. Estes cinco khandhas são os cinco agregados
nos quais o “indivíduo” é divisível. O agregado corporal é chamado de rūpa; o
agregado da sensação, tanto agradável quanto desagradável, é chamado de
vedanā; memória e percepção são chamados de saññā; o pensamento ativo é
chamado de sankhāra; e a consciência que conhece isto ou aquilo por meio dos
seis sentidos é viññāṇa. Rūpa, vedanā, saññā, sankhāra, viññāṇa: estes cinco são
chamados de cinco agregados ou khandhas. Os cinco agregados são
impermanentes e desprovidos de eu. Este é o aspecto da doutrina que o Buddha
mais enfatizou. Estes cinco agregados são impermanentes, continuamente em
fluxo, continuamente mudando. São desprovidos de eu, pois estão
perpetuamente fluindo, ninguém pode considerá-los como “eu” ou “meu”. Em
síntese, mantenham este ensinamento na mente: o Buddha enfatizou mais que
qualquer coisa que tudo é impermanente e nada pode ser considerado “eu” ou
“meu”.

11) AGORA, A PRÓXIMA COISA A EXAMINARMOS É ISTO, “EM


QUEM O BUDDHA ENSINOU QUE PODEMOS ACREDITAR?”
Se perguntarem isso, respondam com o conselho do Buddha dado no
Kālāma Sutta. Podemos acreditar naquilo que vemos claramente por nós
mesmos como sendo verdade. Agora, é necessário compreender o que significa a
expressão “ver claramente”. Significa ver claramente sem a necessidade de usar
o raciocínio, sem precisar especular, sem precisar fazer suposições. Deveríamos
ver tão claramente quanto vemos um objeto físico presente, que, fazendo isto ou
aquilo, tal efeito é produzido. Este é o significado de “ver claramente”. Não há
necessidade de confiar no raciocínio ou na suposição. No buddhismo somos
ensinados a não acreditar em ninguém, não acreditar em nada, sem ter visto
claramente por nós mesmos que a verdade em questão é mesmo assim.

O que isso significa pode ser inferido das seguintes questões. Por que
somos prevenidos a não acreditar no Tipiṭaka (o Cânon Buddhista), não acreditar
num professor, não acreditar no que é relatado ou que vem como um rumor, não
acreditar no que foi raciocinado, não acreditar naquilo que foi conquistado por
mera lógica? Estes princípios são uma ajuda para a compreensão correta, pois a
credulidade cega é tolice. Suponhamos que fôssemos abrir o Tipiṭaka, ler alguma
passagem e, então, acreditar sem pensar, sem testar, sem exame crítico. Isto seria
uma crença tola no Tipiṭaka, a qual o Buddha condenava. Acreditar no que um
professor diz sem ter usado os olhos e ouvidos, sem criticar e sem ver por nós
mesmos que aquilo que ele diz é realmente assim, isto é o significado de
“acreditar num professor”. Acontece o mesmo com o acreditar em qualquer
relato ou rumor que possa surgir.
“Acreditar naquilo que se chegou por mera lógica” significa que, tendo
aprendido como raciocinar corretamente e tendo experiência no raciocinar,
chegamos à conclusão de que certa proposição deve ser logicamente verdadeira.
Mas isto não é bom o suficiente; não podemos colocar nossa confiança neste tipo
de raciocínio.

Mas aqui devemos estar atentos e perceber que este discurso não nos
proíbe de ler o Tipiṭaka. Nem mesmo nos proíbe de consultar um professor,
ouvir os relatos e rumores, ou usar o raciocínio lógico. Ao contrário, o que
significa é que, embora tenhamos lido, ouvido, escutado, não deveríamos
simplesmente aceitar o que é oferecido por estes meios, a menos que tivéssemos
primeiramente pensado sobre o assunto, considerado cuidadosamente, sondado,
examinado completamente, e visto claramente por nós mesmos que aquilo é
realmente assim.

Por exemplo, o Buddha ensinou que a ganância, o ódio e a ilusão são as


causas que dão surgimento ao sofrimento. Se nós mesmos não estamos
familiarizados com a ganância, ódio e ilusão, então não há modo de acreditarmos
nisto, não há necessidade de acreditarmos, e crer, em tal caso, seria tolo. Mas,
quando compreendemos por nós mesmos o que é a ganância, o que é o ódio, o
que é a ilusão; e que sempre que surgem na mente eles produzem o sofrimento
como se fossem chamas nos queimando; aí então podemos acreditar com base
em nossa própria experiência.

Desta forma, o que o Buddha ensinou a este respeito aparece no Tipiṭaka


da seguinte forma: tendo lido ou ouvido algo, devemos investigar até termos
visto claramente o fato que está sendo ensinado: se ainda não o vemos
claramente, e precisamos confiar na razão, então, deixemo-lo de lado por algum
tempo. Assim, para começarmos, não devemos acreditar e praticar além daquilo
que tenhamos visto claramente como sendo verdadeiro. Então, gradualmente,
iremos acreditar e ver mais e mais claramente. Este é um ensinamento muito
popular do Buddha. Se alguém de outro país perguntar sobre isto, por favor,
expliquem propriamente. Se explicarem de forma errônea, vocês estarão
distorcendo o ensinamento do Buddha. Não acreditar no Tipiṭaka, não acreditar
no professor, não acreditar nos relatos e rumores, não acreditar no raciocínio por
meio da lógica - tudo isto tem um significado escondido. Devemos procurá-lo.
Acreditar imediatamente é tolice. O Buddha condenou isto firme e
definitivamente. Ele nos disse para não acreditar até que tenhamos colocado
aquilo sob teste e tenhamos visto claramente. Então podemos acreditar.
Acreditar imediatamente é tolice; acreditar depois de ter visto claramente é
bom senso. Esta é a concepção buddhista sobre a crença: não acreditar
estupidamente, não confiar apenas nas pessoas, livros, conjecturas, raciocínio ou
o que quer que a maioria acredite, mas, isto sim, crer naquilo que vemos
claramente por nós mesmos como verdadeiro. É assim que as coisas são no
buddhismo. Nós, buddhistas, fazemos disto nosso modo de proceder.

12) A PRÓXIMA PERGUNTA, “COMO A MENTE DE UMA
PESSOA COMUM E A DE UM VERDADEIRO BUDDHISTA SÃO
DIFERENTES?”
Consideraremos agora um ponto que nos dará uma ideia da diferença de
nível entre a mente de uma pessoa leiga comum e a mente de um verdadeiro
buddhista. “Pessoa leiga comum” significa alguém que nunca foi propriamente
um buddhista e nada sabe sobre o buddhismo real e genuíno. Uma pessoa leiga
comum é um buddhista no máximo só de nome, somente de acordo com os
registros, apesar de ter nascido de pais buddhistas. Isto significa que ela ainda é
uma pessoa leiga comum. Agora, para ser um “verdadeiro buddhista”, ser um
“ária” (alguém bem avançado na prática, um nobre) uma pessoa deve ter o
requisito de possuir o entendimento correto sobre as várias coisas ao seu redor
num grau muito mais alto que o da pessoa comum.

O Buddha disse com humor: “Entre a visão dos árias e a visão das pessoas
comuns há uma enorme diferença”. Assim, na visão dos árias, na disciplina ária,
o canto de canções é o mesmo que o choro; a dança é a festa dos homens loucos;
e o riso descontrolado é o comportamento de crianças imaturas. A pessoa
comum canta, ri, e desfruta das coisas sem perceber o momento em que se cansa.
Na disciplina dos árias, cantar é o mesmo que chorar. Se observarmos um
homem que canta e grita no ápice de sua voz, não somente ele parecerá estar
chorando, mas aquilo vem das mesmas condições emocionais do próprio choro.
Quanto à dança, esta é o comportamento dos loucos! Se apenas observarmos um
pouco, perceberemos que na medida em que nos levantamos para dançar
devemos ser certamente pelo menos 10% loucos ou não o faríamos. Mas como a
dança é considerada universalmente prazerosa não a vemos como o
comportamento de lunáticos. Algumas pessoas gostam de gargalhar. A
gargalhada é algo prazeroso. As pessoas riem muito, mesmo quando não é
justificável ou apropriado. Mas a gargalhada é considerada pelos árias e sua
disciplina como um comportamento de crianças imaturas. Se pudéssemos
gargalhar menos seria algo bom e não gargalhar de modo algum ainda melhor.
Estas são ilustrações do modo como a disciplina ária difere das tradições
das pessoas comuns. De acordo com estas, o canto, a dança e a gargalhada são
eventos normais e sem consequência, enquanto que na disciplina ária são vistos
como algo patético e julgadas de acordo com isto. Tal é a visão de alguém cuja
mente é muito desenvolvida. O Buddha não está dizendo para não fazermos as
coisas quando queremos, mas somente quer que conheçamos que há modos
superiores e inferiores de comportamento, e que não precisamos fazer coisas
desnecessárias. Quando ainda não somos árias, podemos querer experimentar
tais formas mais baixas de comportamento. Se as experimentamos veremos que
são, por vezes, divertidas, mas no fim nos cansamos delas. Podemos, então, nos
elevar ao nível e disciplina dos árias.

Algumas pessoas não gostam de ouvir sobre “disciplina”. Elas acreditam


que restringindo a si mesmas isto as levará para dukkha. Procurar controlar a si
mesmo, entretanto, de modo a não seguir os próprios humores, é um importante
princípio no Buddhismo. Refrear o corpo e a mente de modo a não seguir os
próprios humores não é dukkha. Ao contrário, este é o modo de derrotar dukkha.
Devemos procurar meios de evitar cairmos prisioneiros dos sentimentos e
impurezas egoístas. Devemos decidir em nossas mentes que não vamos permitir
às impurezas nos incitarem e dominarem. Olhem para a dança e vejam o quanto
as impurezas nos enganam, nos dominam e nos controlam. Isto é liberdade?
Ocorre-nos, então, que precisamos melhorar nosso status. Não seja um
laico ordinário para sempre! Faça a inscrição para ser admitido na sociedade do
Buddha, isto é, tenha conhecimento, inteligência, consciência e entendimento, de
modo que o sofrimento possa ser diminuído. Evite tornar as coisas
desnecessariamente difíceis e sem fruto para você mesmo. Esta é a recompensa
que você colherá: Você subirá do nível de laico comum para tornar-se um
verdadeiro buddhista, um ária que vive na disciplina ariana. O Buddha esperava
que houvesse muitos árias, muitos que não permaneceriam como mundanos para
sempre.

13) AGORA FALAREI SOBRE O CAMINHO. SUPONDO QUE


PERGUNTEM A VOCÊS, “QUE PRÁTICA CONSISTE EM ANDAR
O CAMINHO ORDINÁRIO, E QUAL CAMINHO É O MAIS
CURTO E RÁPIDO?”
Podemos responder, o “O Nobre Óctuplo Caminho” - do qual vocês já
devem ter ouvido falar - a saber, compreensão correta, objetivo correto,
linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto,
vigilância correta e concentração correta. Isto é chamado Nobre Óctuplo
Caminho. Ele é disposto de forma bem ordenada, com seus elementos ordenados
nas categorias da moralidade, concentração e sabedoria. Ele forma um grande
sistema de prática, e seguir por ele nós chamamos de trilhar o caminho comum.
É para as pessoas que não podem seguir o caminho mais rápido. Não é um
caminho errado, é o caminho correto; entretanto, está no nível comum e leva um
longo tempo.

O Buddha também ensinou um atalho. Ele disse que quando não nos
apegamos aos seis órgãos sensoriais (āyatanas) e às coisas associadas a eles
como sendo entidades próprias, então o Nobre Óctuplo Caminho surgirá
simultaneamente por si mesmo em seus oito aspectos. Este é um princípio
fundamental e muito importante do Dhamma.

Antes de tudo, devemos nos lembrar de que os seis sentidos (āyatanas) são
os olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. Cada um desses seis órgãos tem
cinco aspectos. No caso dos olhos, o primeiro aspecto são os próprios olhos; o
segundo é o objeto visual que faz o contato com os olhos; o terceiro é a
consciência (viññāṇa) que percebe o objeto visual fazendo o contato com os
olhos; o quarto é a ação resultante do contato (phassa) entre a consciência, olhos
e objeto visual; e o quinto é a sensação mental prazerosa ou dolorosa que pode
surgir como resultado do contato. São estes os cinco aspectos. Os olhos têm
cinco aspectos. Os ouvidos também têm cinco, o nariz, e assim por diante. Cada
um deles tem um papel em nos tornar desatentos e agarrarmos alguma coisa
como sendo “eu”. Agarramos assim à consciência que conhece e vê por
intermédio dos olhos. Por podermos estar conscientes disso, pulamos para a
conclusão de que isso deve ser “eu”. Desta forma agarramos e nos prendemos à
consciência visual como sendo “eu”, ou agarramos o contato visual (quarto
aspecto) como “eu”, ou nos prendemos na sensação do contato visual (quinto
aspecto), seja agradável ou desagradável, como “eu”. Algumas vezes acontece
de um som melodioso chegar aos nossos ouvidos e nos agarrarmos à consciência
da melodia como sendo um “eu”. Algumas vezes um sabor delicioso chega à
língua e podemos nos agarrar à consciência do sabor como sendo um “eu”.
Cada um dos seis órgãos sensoriais tem cinco aspectos, o que perfaz o total
de 30 aspectos. Qualquer um deles pode ser agarrado como sendo um “eu”,
seguros com grande facilidade muitas e muitas vezes por dia. Tão logo nos
agarramos e nos prendemos, o resultado é o sofrimento. Erramos e nos
imergimos numa massa de sofrimento. Isto não é andar no Caminho. O Buddha,
no entanto, nos ensinou a não se agarrar aos seis órgãos sensoriais e às coisas
conectadas a eles. Mantendo uma observação constante, perceberemos melhor
que nenhum deles é um “eu” e, então, o Nobre Óctuplo Caminho surgirá no
mesmo instante em nós. Nesse momento existirá compreensão correta, objetivo
correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto,
vigilância correta, e concentração correta. Praticar o não-apego aos seis órgãos
dos sentidos é fazer com que todo o Nobre Óctuplo Caminho surja
imediatamente. O Buddha chamou isto de atalho.

14) EU FALAREI, AGORA, ALGUMA COISA SOBRE O KAMMA


NO BUDDHISMO, POR MEIO DA PERGUNTA, “QUAL O PAPEL
DO KAMMA NO BUDDHISMO?”
Muitos ocidentais que já escreveram livros sobre o buddhismo, e parecem
ser particularmente orgulhosos por seus capítulos que tratam do kamma (skr.
karma) e renascimento. Mas suas explicações estão erradas, muito incorretas
todo o tempo. Tais ocidentais procuram explicar o kamma, mas tudo o que dizem
é que o kamma bom é bom e que o kamma mau é mau. “Faça o bem, receba o
bem; faça o mal, receba o mal”, e nada além disso, é exatamente a doutrina
ensinada por todas as religiões. Isso não é o kamma tal como ensinado no
buddhismo.

Ocorre o mesmo com o renascimento. Eles fazem suas afirmações como se


tivessem visto com seus próprios olhos aqueles indivíduos renascendo. Isso
expressa incorretamente a mensagem principal do Buddha, o qual ensina a não
existência do “indivíduo”, do “eu”. Apesar de “eu” estar sentado aqui agora,
ainda assim nenhum indivíduo pode ser encontrado. Quando não há indivíduo, o
que existe que pode morrer? O que pode renascer? O Buddha ensinou a não
existência do “indivíduo”, da “pessoa”. Dessa forma, nascimento e morte são
temas da verdade relativa. Os escritores de livros cujo título é “buddhismo”,
geralmente, explicam o kamma e o renascimento de forma muito incorreta.
Preste realmente atenção ao assunto do kamma. Para ser uma abordagem
buddhista, é necessário que trate da cessação do kamma, não apenas do kamma
em si mesmo e dos seus efeitos - como encontrado em outras religiões. Para ser
o ensinamento do Buddha ele deve lidar com a cessação do kamma.

Um sabbakammakkhayaṁ-patto é alguém que atingiu a cessação de todo o


kamma. O Buddha ensinou que todo o kamma cessa com a cessação da paixão,
do ódio e da ilusão (rāga, dosa e moha). Isso é fácil de ser lembrado. O kamma
cessa quando a paixão, o ódio e a ilusão cessam, ou seja, quando cessam as
impurezas mentais. Quando a paixão, o ódio e a ilusão realmente cessam, o
velho kamma termina, nenhum kamma é produzido no presente, e nenhum
kamma é produzido no futuro - assim cessam os kammas do passado, presente e
futuro. Quando alguém põe fim na paixão, no ódio e na ilusão, o kamma cessa.
Essa é a forma como isso deve ser explicado. Somente tal explicação do kamma
pode ser chamada a explicação buddhista.

Descobrimos, então, um terceiro tipo de kamma. A maioria das pessoas


conhece apenas o primeiro e o segundo tipo de kamma, o kamma bom e o
kamma mau. Elas ainda não conhecem o terceiro tipo de kamma. O Buddha
chamava o primeiro tipo de kamma negro ou maléfico, e o segundo tipo de
kamma branco ou benéfico. O tipo de kamma que pode ser chamado de nem-
negro-nem-branco é aquele que pode pôr um fim tanto no kamma negro quanto
no branco. Esse terceiro tipo de kamma é um instrumento que confere uma
parada completa em ambos os kammas, negro e branco. O Buddha utilizava
esses termos “kamma negro”, “kamma branco” em “kamma nem-negro-nem-
branco”. Este terceiro tipo de kamma é kamma no sentido buddhista, kamma de
acordo com os princípios buddhistas. Como foi dito, colocar um fim na
ganância, no ódio e na ilusão é pôr um fim no kamma. O terceiro tipo de kamma,
assim, é o fim da ganância, do ódio e da ilusão; em outras palavras, é o Nobre
Óctuplo Caminho. Sempre que nos comportamos ou praticamos de acordo com o
Nobre Óctuplo Caminho, isto é o terceiro tipo de kamma. Não é nem negro nem
branco; mas coloca um fim em ambos. Ele transcende o mundo (lokuttara),
estando acima do bem e do mal.

Esse terceiro tipo de kamma nunca é discutido pelos ocidentais em seus


capítulos sobre “Kamma e Renascimento”. Fazem tudo errado; o que expõem
não é o Buddhismo de fato. Para que seja buddhista, eles deveriam lidar o
terceiro tipo de kamma, o kamma que é capaz de trazer um fim à ganância, ao
ódio e à ilusão. Então, todo o estoque de do kamma antigo - kamma negro e
kamma branco - também terá um fim.

Vamos, agora, falar algo mais sobre esse terceiro tipo de kamma. A esse
respeito, o Buddha disse, “Cheguei a uma compreensão clara a respeito disso por
meio de minha sabedoria suprema”. Esse ensinamento do terceiro tipo de
kamma, diferente e distintivo, não foi tomado pelo Desperto de nenhum credo ou
religião existente. É algo que ele veio a conhecer por meio de seu próprio
insight, ensinando, então, a todos. Assim, devemos manter em mente que o
ensinamento desse terceiro tipo de kamma é o real ensinamento buddhista sobre
o tema. Qualquer manual sobre kamma no Buddhismo, qualquer livro intitulado
“Kamma e Renascimento”, deve ser escrito segundo esses princípios. Estudem,
de fato, de perto este assunto e desenvolvam o interesse na explicação buddhista
do kamma. O relato sobre o kamma bom e o kamma mau é encontrado em todas
as religiões. O buddhismo também o tem. Ele nos diz que fazer o bem é bom e
fazer o mal é mau. Todos ensinam a mesma coisa. Mas o Buddha disse que
meramente produzir bom kamma não extingue o sofrimento mental de forma
completa e absoluta, pois se acaba enamorado do bom kamma e prendendo-se a
ele. Em outras palavras, o bom kamma ainda causa o vagar no ciclo do
nascimento e morte, mesmo que em estados favoráveis da existência. Não é o
completo saciar, refrescar, nibbāna.

Há, então, um kamma exclusivamente ensinado pelo Buddha, um terceiro


tipo que resolve todos os kammas e dá um fim à paixão, ao ódio e à ilusão. É
através desse terceiro tipo de kamma que se atinge o nibbāna.

15) DESEJO, AGORA, DIRIGIR SUA ATENÇÃO A UM ASSUNTO


PELO QUAL, PENSO, VOCÊS DEVERIAM PARTICULARMENTE
SE INTERESSAR. EIS A QUESTÃO, “SERIA NECESSÁRIO QUE
UMA PESSOA OUVISSE O BUDDHA-DHAMMA DO PRÓPRIO
BUDDHA A FIM DE SER CAPAZ DE PÔR UM FIM AO
SOFRIMENTO?”
Tem havido alguns que veementemente argumentam que deveríamos ouvir
o Dhamma do próprio Buddha; só assim realmente o compreenderíamos. Mas o
próprio Buddha disse que haveria alguns que, mesmo sem ter ouvido o Dhamma
diretamente dele, ainda assim seriam capazes de percorrer a senda correta.
Haveria alguns que, não tendo ouvido o Dhamma direto do Buddha, ainda assim,
por contínua reflexão, ponderação, estudo, observação e prática constante,
seriam capazes de trilhar o caminho.
Assim, devemos levantar nossas mãos em homenagem ao Buddha por não
ter tornado o Dhamma seu próprio monopólio, por não ter feito de si mesmo
alguém indispensável.

16) EIS UMA QUESTÃO A SER PROPOSTA, “SE A DÚVIDA


SURGE COM RELAÇÃO A UM ENSINAMENTO SER OU NÃO DO
BUDDHA, COMO PODEMOS RESOLVER A QUESTÃO?”
O Buddha estabeleceu um princípio para isso: examinem e comparem com
os Suttas (discursos), comparem com o Vinaya (disciplina). Esse princípio é
baseado em não acreditar em nada de segunda mão e não tomar ninguém como
autoridade. Se a dúvida surge com relação à afirmação de alguém que reivindica
tê-la ouvido do Buddha ou de um culto grupo de theras, afirmação essa que
levaria à cessação do sofrimento, o Buddha disse que ela deveria ser testada de
duas formas:

1. Examinem e comparem com os suttas. Os suttas são um grupo de vários


discursos que seguem uma linha distinta. Se uma afirmação não segue essa linha,
ela deve ser descartada.
2. Comparem com o Vinaya. O Vinaya é um modelo exemplar, um padrão, um
sistema fixo. Se uma afirmação não se ajustar a esse sistema, se não se
conformar com o Vinaya, então, descartem-na.

Não acreditem em nenhum bhikkhu, em nenhuma seção da Sangha, em


nenhum grupo de theras, em nenhum grupo de indivíduos cultos e experientes
que reivindicam ter ouvido tal ou qual coisa do Buddha. O Buddha sempre nos
pedia que, antes de tudo, perguntássemos e investigássemos. Em seguida,
comparem com os Suttas, aquilo se encaixa? Comparem com o Vinaya, aquilo se
ajusta?
Esse é um meio de assegurar que, mesmo que o Buddhismo dure dois mil,
três mil, cinco mil anos, ou ainda, muitos milhares e dezenas de milhares de
anos, se esse princípio permanecer em uso, a religião ou Dhamma-Vinaya não
poderá ser distorcida ou se tornar confusa. É um princípio, dessa forma,
extremamente útil. É chamado de Grande padrão. É um ensinamento do Buddha
que ensina a testar as coisas pela comparação com os Suttas e o Vinaya. Ele não
mencionou o Abhidhamma (a última “cesta” do Cânone Pāli).

17) AGORA IREMOS FALAR SOBRE PESSOAS. VAMOS OLHAR


UM POUCO MAIS PARA NÓS MESMOS. “SEGUNDO O
BUDDHA, COMO SERIAM AS PESSOAS NAS ERAS FUTURAS?”
Há um discurso onde o Buddha nos censura, “pessoas de hoje”, querendo
indicar cada geração, desde o tempo do Buddha até hoje, que se “deleitam em
prazeres escusos, muito dados à ambição e voltados às falsas doutrinas”. Tais
pessoas encontram grande deleite nas excitações do prazer de um tipo incorreto,
ou seja, que são demasiadamente autocentrados. Elas são completamente
desprovidas de consciência e, assim, sua ganância se torna intensa e excessiva.
Elas se voltam para falsas doutrinas, pois caíram completamente sob o poder das
impurezas mentais.

O Buddha fez esta afirmação há mais de dois mil anos; ainda assim,
utilizou a expressão “pessoas das eras posteriores”, que abrange desde o tempo
quando o Mestre fez esta observação até o dia de hoje. Temos aqui o dever de
olharmos para nós mesmos na era atual. Não estão as pessoas de hoje se
deleitando demais nos prazeres ilícitos, comportando-se egoisticamente, e se
dirigindo a falsas doutrinas? Obviamente, as pessoas atualmente são muito
diferentes das pessoas do tempo do Buddha. Mesmo assim, se quiserem viver
corretamente de acordo com o padrão disposto pelo Buddha, então, embora
sintam algum prazer com as cores, formas, sons, aromas e sabores, elas o farão
com a vigilância constante e o conhecimento correto, não deixando a ganância se
tornar excessiva. Isso significa que não irão desejar estímulos de cores, formas,
sons, aromas e sabores mais do que aquilo que é necessário, sem excesso. A
própria palavra “excesso”, isto é, mais do que necessário, significa a causa de
todas as perturbações, dificuldades e problemas do mundo atual.

Eu li que no Cristianismo uma pessoa que busca algo além do necessário é


“pecaminosa”, é um “pecador”. Quem meramente busca além do que é
necessário é considerado nos padrões do Cristianismo um pecador. Talvez ainda
não nos consideremos pecadores, porque não nos importamos, ou talvez porque
realmente não consideramos que fazemos coisas em excesso? Talvez achemos
que não há nada que façamos que seja excessivo? Este assunto somente pode ser
discutido com pessoas que são honestas consigo mesmas.

Num ótimo livro de parábolas tibetano, todos os pássaros se reúnem. Eles


expressam suas opiniões e pensamentos sobre o modo de praticar o Dhamma que
traz a felicidade. Cada variedade de pássaro fala segundo sua própria natureza.
No final, todos os pássaros reunidos chegam à conclusão de que: “Não
buscaremos alimento além do que é necessário. Isto é o derradeiro”. Finalmente,
eles pedem que todos os presentes à reunião não busquem mais alimento que o
necessário. Aqui a estória termina.

É preciso ver que buscar por mais do que se necessita é uma fonte de
sofrimento e tormento para si mesmo, e uma fonte de problemas para as outras
pessoas em todo o mundo. Pense de novo! Voltar-se para doutrinas falsas
significa reconhecer algo como incorreto, mas querer aquela coisa incorreta sem
o sentimento de medo ou vergonha, pois aqui as impurezas já predominaram e
venceram. Uma pessoa estabelecida nesse modo de pensar não se encaixa no
Dhamma. Ela é, por natureza, oposta a ele. Assim, se queremos nos ver livres do
sofrimento, devemos nos voltar para o Dhamma.

18) AGORA IREMOS FALAR ALGO SOBRE O BUDDHA. A


PERGUNTA FOI FEITA, “A QUEM O BUDDHA PRESTAVA
HOMENAGEM?”
A resposta do próprio Buddha foi a de que ele prestava homenagem ao
Dhamma e à comunidade da Sangha de qualidades exemplares. Pode-se dizer
possuidora das qualidades exemplares, aquela comunidade da Sangha cuja
conduta é boa e que pratica apropriadamente. Assim, o Buddha respeitou o
Dhamma e a comunidade da Sangha de qualidades exemplares. Devemos estar
atentos ao fato de que o próprio Buddha prestava homenagem ao Dhamma e, se
todos os membros de uma comunidade de bhikkhus se comportarem bem e
apropriadamente enquanto grupo, o Buddha também prestará homenagem a eles.

Isso pode ser aplicado ao comportamento nos dias de hoje, em nosso país,
a Tailândia, ou a qualquer lugar no mundo. Isso significa que devemos respeitar
o Dhamma. Se mesmo a pessoa mais exaltada prestou homenagem às regras de
treinamento e às comunidades que praticaram corretamente, certamente nós
também deveríamos fazer o mesmo.

19) “ONDE PODEMOS ENCONTRAR O BUDDHA?”


O Buddha disse: “Qualquer um que vê o Dhamma vê o Tathāgata.
Qualquer um que não vê o Dhamma não vê o Tathāgata. Quem não vê o
Dhamma, mesmo que agarre no manto do Tathāgata e o segure firme, não pode
dizer que viu o Tathāgata”. “Tathāgata” é a palavra geralmente usada pelo
Buddha para se referir a si mesmo.

Isso significa que o Buddha não pode ser encontrado no corpo físico
exterior. Ao contrário, ele deve ser encontrado naquela mais alta qualidade que
se encontra no coração do Buddha, que é chamada de Dhamma. Esta é a parte
que deve ser vista antes que possamos dizer que encontramos o Buddha.

Quando nos prostramos diante de uma imagem do Buddha, ficamos por


um tempo na imagem, vendo além do corpo físico do Buddha, que a imagem
representa. Olhamos, então, para além do corpo físico do Buddha, para sua
mente, e olhamos para além de sua mente até penetrarmos nas qualidades
superiores de sua mente. Vemos tais qualidades como o Dhamma puro, radiante
e pacífico, desprovido de avidez e apego, perfeitamente livre. Podemos, então,
dizer que encontramos o Buddha.

20) “O BUDDHA EXISTE OU NÃO NESTE MOMENTO?”


Se perguntados assim, podemos responder com uma frase do Buddha: “Ó
Ānanda, o Dhamma e a Disciplina, que o Tathāgata ensinou e mostrou, que eles
sejam seu mestre quando eu me for”.

Mesmo agora estudamos o Dhamma e a Disciplina, praticamos o Dhamma


e a Disciplina, recebemos benefícios do Dhamma e da Disciplina. Assim, o
Mestre ainda existe. Esta frase é bem conhecida pois foi pronunciada pelo
Buddha quando estava para morrer. Por favor, notem especialmente que ela diz
que o Mestre ainda existe.

21) “O BUDDHA FEZ CESSAR O SEU KAMMA?”
Se assim perguntados, devemos nos certificar em não degradar o Buddha
respondendo de forma descuidada e sem pensar. De fato, nunca podemos
diminuir o Buddha, mas nossas palavras podem menosprezar seu valor.

O Buddha deve ter levado seu kamma à cessação, pois se livrou das
impurezas mentais, que é o significado de “terminar o kamma”. Ele transcendeu
todos os tipos de kamma e foi exatamente este fato que o tornou famoso,
constituindo sua glória. O sábio Gotama se tornou sabbakammakkhayaṁ-patto,
isto é, aquele teve sucesso em fazer cessar seu kamma. As notícias desse evento
se espalharam pela Índia, alcançando mesmo os adeptos de outras seitas e
religiões. Por exemplo, certo brāhmaṇa chamado Bavari enviou dezesseis
discípulos ao Buddha para questioná-lo e obter dele o conhecimento. Outros
vieram testá-lo. Por causa das notícias de que o sábio Gotama havia se tornado
sabbakammakkhayaṁ-patto, tendo atingido a cessação de seu kamma, as pessoas
na Índia daquela época se encheram de admiração. Elas se alegraram nas
palavras “sabbakammakkhayaṁ-patto”. Somente por essa razão é que as pessoas
se interessaram pelo Buddha. Nós também devemos seguir o exemplo do
Buddha e iniciar a tarefa de dar um fim ao kamma.

22) “QUE TIPO DE VIDA INTERIOR LEVOU O BUDDHA?”


Certa vez, o Buddha disse de si mesmo: “O Tathāgata reside no Templo da
Vacuidade (suññatā-vihāra)”. Este “templo” é um templo espiritual, não físico.
“Templo” (vihāra) se refere a um lugar de descanso espiritual, isto é, um estado
da mente. O Templo do Vazio é um estado mental sempre presente, desprovido
de qualquer ideia de “eu” ou “pertencente ao eu”. Residir no Templo do Vazio é
viver em completa consciência de que todas as coisas são desprovidas de “eu”.
Isto é suññatā, vazio, e é isto que é chamado de Templo do Vazio. O Buddha
residia no Templo do Vazio, experienciando a bênção suprema continuamente.
Isto foi o que o Mestre disse de si mesmo.

23) “POR QUE É DITO QUE TODAS AS COISAS SÃO VAZIAS,


QUE ESTE MUNDO - QUE TODOS OS MUNDOS - É UM
MUNDO VAZIO?”
Seguidores de outras religiões irão perguntar isto: “Por que você diz que o
mundo é vazio, quando contém tantas coisas? Não há a matéria? Não há a
mente? Não é o mundo repleto de coisas?”. O ponto aqui é que ele é vazio de
qualquer “eu” ou coisa pertencente a um eu. Nada há que possa ser tomado
como eu ou pertencendo a um eu. O eu não pode ser encontrado em nada: na
mente, na matéria, nem em quaisquer dos produtos que surgem da mente e da
matéria. O Buddha disse que a afirmação de que todas as coisas são vazias
equivale simplesmente à consciência de que são vazias de “egoidade”.

24) “AGORA, POR QUE A MENTE NESSE ESTADO DE


CONSCIÊNCIA É DESCRITA COMO VAZIA OU COMO UMA
MENTE LIVRE (CIT WAANG)?”
Há um verso nas Escrituras que diz: “É verdadeiramente vazio aquilo que
é vazio de ganância, ódio e ilusão”. Uma mente é vazia (não sobrecarregada,
solta, ou livre) quando é livre da ganância, ódio e ilusão.

Quando, através de qualquer meio ou método, uma mente foi tornada livre
de todos os traços da ganância, ódio e ilusão, é possível dizermos que ela é uma
mente vazia ou livre (cit waang) Mas aqui nos referimos apenas àquilo que é
feito ativamente. Quando se está adormecido, a mente também está vazia! Tal
estado é semelhante ao do verdadeiro vazio, mas não o produzimos ativamente,
não o criamos intencionalmente. Isso não é praticar o Dhamma; não pertence a
essa categoria. Ma se tivermos feito, de algum modo, o esforço para que a mente
se torne vazia da ganância, ódio e ilusão, então é possível dizer que a mente é
livre, vazia. Essa liberdade e esse vazio podem ser aumentadas a um grau até se
tornarem completas - absolutos liberdade e vazio. Um arahant (indivíduo
completamente perfeito) é absolutamente livre. Árias em estágios mais baixos de
desenvolvimento são muito livres. Um indivíduo comum pode ser livre e vazio
ocasionalmente.

Se a qualquer momento há a liberdade em relação a ganância, ódio e


ilusão, então, nesse momento não há a ideia de eu. Isto é conhecido como mente
vazia ou livre (cit waang).

25) “O QUE OCORRE QUANDO HÁ TOTAL VACUIDADE?”


Total vazio ou liberdade é chamado “nibbāna” (sânscrito nirvāṇa). A
condição de vazio resultante da eliminação completa e total da ideia de eu é
nibbāna. Isto pode ser sintetizado dizendo: “Nibbāna é o vazio supremo”. É esta
visão única que transcende o conhecimento ordinário. Podemos transcender os
vários tipos de conhecimento comum pela visão de que o “nibbāna é o vazio
suprema”.
Nibbāna é o vazio ou o supremo vazio é nibbāna. Lembrem-se realmente
de que a perfeição do vazio é o que chamamos de “nibbāna”.
26) “O QUE É NIBBĀNA?”
Se vocês encontrarem alguém que insiste em fazer tal pergunta, respondam
que nibbāna é o elemento-imortal (amatadhātu). Digam que é o elemento que
não perece. Todos os outros elementos perecem, mas este não perece, pois é livre
da ganância, do ódio e da ilusão. Quando há liberdade em relação à ilusão, não
há idéia de eu, não há apegar-se ou agarrar-se ao eu e, daí, não há perecimento.
Porque nibbāna é aquilo que põe um fim no perecimento, foi chamado de
elemento-imortal. Este elemento imortal é a cessação do elemento mortal.

27) “FALAMOS QUE UMA PESSOA ENCONTRA SATISFAÇÃO


NO NIBBĀNA. O QUE CHAMAMOS DE SATISFAÇÃO?”
Nós, buddhistas, ensinamos que não devemos sair por aí gostando e
desgostando, encontrando satisfação nisto e insatisfação naquilo. Assim, se
alguém encontra satisfação no nibbāna, como podemos chamar isso? Foi dito
que a satisfação no nibbāna é Dhamma-rāga (paixão pelo Dhamma) ou
Dhamma-nandi (deleite no Dhamma). Pode haver algum alarme ao ouvir isto,
isto é, o uso de uma palavra pāli, tal como rāga (paixão) junto com a palavra
“Dhamma”. Mas devemos entender que rāga em Dhamma-rāga não é do tipo
que deseja objetos visuais, sons, odores, sabores e estímulos táteis; não é paixão
sensual. Ela significa satisfação tão intensa quanto aquela que o laico comum
encontra na sensualidade, mas, neste caso, a satisfação é encontrada no vazio, na
imortalidade, no nibbāna.

Atualmente, tememos e odiamos o nibbāna, e não queremos chegar perto


dele. Tão logo ouvimos a palavra balançamos nossas cabeças. Nunca tivemos
qualquer desejo pelo Dhamma ou pelo nibbāna. Nossos desejos são todos eles
na direção da sensualidade: cores e formas, sons, odores e sabores. Para sermos
bons para nós mesmos, devemos ser capazes de encontrar tanta satisfação no
nibbāna quanto encontramos nas cores e formas, sons, odores e sabores. Então,
nossa prática em direção à transcendência em relação ao sofrimento prosseguirá
suavemente. Estas palavras “Dhamma-rāga” e “Dhamma-nandi” foram usadas
pelo Buddha neste sentido.

28) EIS UMA QUESTÃO QUE CERTAMENTE DEVERIA SER


TRAZIDA À TONA: “O NIBBĀNA É ATINGIDO APÓS A MORTE
OU AQUI NESTA VIDA?”
Os professores que ministram aulas nas salas de aula da imaginação falam
apenas do nibbāna após a morte. No Tipiṭaka, entretanto, não encontramos tal
coisa. Há expressões como sandiṭṭhikanibbāna (nibbāna que o praticante vê
pessoalmente) e diṭṭhadhamma-nibbāna (nibbāna aqui e agora). Somos
ensinados que os estados abençoados de consciência experienciados nos quatro
rūpa-jhānas e nos quatro arūpa-jhānas (oito graus de profunda concentração)
são sandiṭṭhikanibbāna ou diṭṭhadhamma-nibbāna. Mas para a discussão
presente podemos entender tais estados como um antegozo do nibbāna. Eles têm
o sabor, mas não são idênticos ao nibbāna real. Por não serem perfeitos e
absolutos, foram chamados de sandiṭṭhikanibbāna ou diṭṭhadhamma-nibbāna.

Há, ainda, palavras melhores que estas. Numa certa ocasião o Buddha
descreveu a cessação da ganância, do ódio e da ilusão como “sandiṭṭhikaṁ,
akalikaṁ, ehipassikaṁ, opanayikaṁ, paccattaṁ veditabbaṁ viññūhi”, isto é,
“diretamente visível, dando resultados imediatos, convidando a ver, levando para
dentro e para ser individualmente experienciado pelo sábio”. Estes termos
implicam uma pessoa viva que entendeu, sentiu e provou o nibbāna, e que pode
chamar seus amigos para vir e ver aquilo que encontrou. Isto mostra claramente
que ele não morreu, e que conhece o sabor do nibbāna em seu coração.

Há, igualmente, outras expressões. Anupādā-parinibbāna é algo a ser


atingido enquanto ainda dura a vida. Parinibbāyati se refere à erradicação do
sofrimento e das impurezas sem qualquer necessidade de extinção ou
desintegração dos cinco agregados (o complexo corpo-mente), isto é, sem a
necessidade de se morrer fisicamente.
Agora, esta palavra “nibbāna”, na linguagem ordinária de todos os dias,
simplesmente significa “frescura, ausência de calor, ausência de sofrimento”.
Assim, gostaria que vocês considerassem a sabedoria de nossos ancestrais
tailandeses, que diziam que “o nibbāna é morrer antes da morte”.
Provavelmente, vocês nunca ouviram esse provérbio, mas ele é muito comum
entre as pessoas do campo. Elas dizem:
A Beleza deve ser encontrada num corpo morto.
A Bondade deve ser encontrada na renúncia.
O monge deve ser encontrado na seriedade.
Nibbāna deve ser encontrado no morrer antes da morte.

Nós, seus descendentes, somos mais espertos ou mais tolos que nossos
ancestrais? Ponderem, de fato, neste dito: “O nibbāna é morrer (quanto ao ego)
antes da morte (do corpo)”. O corpo não precisa morrer. Mas o apego à ideia do
eu deve. Isto é nibbāna. A pessoa que compreende assim obtém a bênção
suprema, e ainda continua a viver.

29) E AGORA, A FIM DE DAR A VOCÊS UMA COMPREENSÃO


MAIS CLARA E PROFUNDA DESTE TEMA, CONSIDERAREMOS
A QUESTÃO: “OS ANIMAIS INFERIORES PODEM ATINGIR O
NIBBĀNA?”
Em um de seus discursos, o Buddha usa as palavras parinibbāyati e
parinibbuto com relação aos animais que foram treinados até o ponto onde sua
auto-afirmação foi eliminada. Para um cão, um elefante, um cavalo, ou qualquer
coisa que seja treinada, até que esteja treinada e não mais selvagem, podemos
usar a palavra parinibbuto, a mesma palavra concernente a um arahant (aquele
que eliminou as impurezas completamente). Estas duas palavras são aplicáveis
igualmente a quem extinguiu completamente o fogo, a uma pessoa que esfriou.
Na língua pāli, como falada no tempo do Buddha, a palavra “parinibbāna” podia
também ser usada dessa forma. Quando aplicada a um ser humano, ela
significava a conquista da extinção das impurezas ou o estado de arahant
(perfeição espiritual). Quando aplicada a um animal inferior, significava o
atingimento da extinção da auto-afirmação. Aplicada ao fogo, ela se referia ao
apagar-se e ao esfriamento das brasas. Quando falando sobre o arroz cozido ou
preparado a vapor, o qual era servido numa tigela e havia esfriado, a palavra
usada era parinibbāna. Era uma palavra ordinária, usada de um modo genérico
para as coisas mundanas de todos os dias, a fim de indicar que algo havia
esfriado, algo havia se tornado inofensivo.
Assim, devemos aproveitar o nibbāna, e não permanecermos piores que os
animais, para os quais palavras como essas também podem ser aplicadas. Não
esperem até a morte chegar. Isso é o máximo de estupidez, um desperdício do
presente inestimável do Buddha. Estudemos com uma mente nova os termos
“nibbāna” e “parinibbāna”, com seu derivado “parinibbuto”. Surgirá, então, a
coragem e o ardor para a tarefa de penetração e atingimento daquilo que é
chamado de “nibbāna”. Não vamos nos a fundar como aquelas pessoas que ao
escutar a palavra “nibbāna” tornam-se sonolentas, apreensivas ou simplesmente
entediadas.

Eu peço a todos vocês que se interessem pela palavra “nibbāna”. Livrar-se


dos comportamentos danosos, mesmo aqueles da própria juventude, pode ser
tomado como um tipo de nibbāna. Da mesma forma como com os animais que
foram treinados até que sua perigosa autoafirmação foi eliminada podem ser
chamados de parinibbuto, isto é, frescura, completa frescura. Vamos ser pessoas
refrescadas; que nada nos possa colocar fogo ou nos queimar. Não vamos
descuidadamente produzir o calor, mas antes conquistar o prêmio que é o
nibbāna. Começando com o tipo conhecido como sandiṭṭhika-nibbāna ou
diṭṭhadhamma-nibbāna, e, então, por etapas, podemos chegar até o nível do
nibbāna verdadeiro.

30) AGORA, “QUAL É O BEM SUPREMO PARA A


HUMANIDADE?”
O Iluminado disse: “Todos os Buddhas dizem que o nibbāna é a coisa
suprema”. Coisa suprema significa “o bem maior e derradeiro para a
humanidade”. Na linguagem universal da ética, isso é conhecido pelo termo
latino summum bonum, o bem supremo, a coisa melhor e mais alta a ser atingida
por um ser humano nesta própria vida. Os alunos de Buddhismo concordam que
se há um summum bonum no Buddhismo, então, isso é o próprio nibbāna. Dessa
forma, se um estrangeiro perguntar qual é o summum bonum do Buddhismo,
você deve responder: “Todos os Buddhas dizem que o nibbāna é a coisa
suprema”.

31) PRÓXIMA QUESTÃO, “HÁ ALGUM ARAHANT NO MUNDO


ATUALMENTE?”
Este ponto pode ser respondido citando o Buddha: “Se todos os bhikkhus
viverem corretamente, o mundo não estará vazio de arahants (seres valorosos e
puros)”. Ele disse tal coisa no dia em que morreu. Se surgirem dúvidas ou
questões sobre o fato de existirem arahants atualmente, não respondam
simplesmente “sim” ou “não”. Isso seria um grande engano. Vocês devem
responder citando o Buddha: “Se todos os bhikkhus viverem corretamente, o
mundo não estará vazio de arahants”.

32) E ISTO NOS DEIXA COM A PERGUNTA, “O QUE SIGNIFICA
VIVER CORRETAMENTE?”
“Viver corretamente” realmente tem um significado próprio. Viver
corretamente é simplesmente manter condições tais de modo que as impurezas
mentais não possam obter nutrição, nem se desenvolverem. Assim, não é nada
mais que viver todo o tempo com uma mente que é livre e vazia (cit waang), isto
é, uma mente que vê todo o mundo como algo vazio e não agarra ou segura
qualquer coisa como sendo um eu ou pertencendo a um eu. Assim, apesar de
continuar a falar, pensar e agir; procurar, usar e consumir coisas; não passará
pela mente do indivíduo agarrar qualquer coisa com o sendo um eu.
Simplesmente aja com atenção constante, aja sabiamente, aja com insight com
relação às circunstâncias nas quais se está envolvido _ isto é que é “viver
corretamente”. Em outras palavras, viver corretamente é viver de tal modo que
as impurezas não tenham meios de surgir ou obter nutrição.

Poderíamos também dizer que é equivalente ao Nobre Óctuplo Caminho.


Isso é viver corretamente porque compreensão correta, o primeiro aspecto do
Nobre Caminho, é simplesmente o conhecimento, o entendimento, o insight
perfeito e sem obstrução, de que não há nada que deva ser agarrado ou preso.
Assim, no esforço, na linguagem, em qualquer atividade que seja, simplesmente
não há apego ou prisão.

Se vivermos corretamente como descrito acima, as impurezas se tornarão


desnutridas e magras. Elas desaparecerão gradualmente e se tornarão
completamente extintas. Não há modo de surgirem novamente, pois se
abandonou o hábito de fazê-las surgir. Isto é importante, pois as coisas chamadas
anusaya (tendências não-saudáveis), que se constroem dentro de nós, são tão
somente um assunto de familiaridade com as impurezas. No entanto, alguém que
não está ciente disso, considera as impurezas como entidades ou “eus”
permanentes, e, assim, cai na opinião errônea do eternalismo (sassata-diṭṭhi).
Manter que as impurezas são entidades permanentes que jazem profundamente
no caráter é ser eternalista, alguém que se apega à crença num eu ou alma eterna.
Aqueles que têm a visão clara e um entendimento baseado nos princípios
buddhistas não podem considerar tais coisas como entidades ou “eus”
independentes e permanentes. Há uma razão para sua existência; elas surgem em
conformidade com leis causais. Quando surgem muito frequentemente, o
indivíduo torna-se acostumado com elas e as toma como aspectos permanentes
de sua própria natureza. Acreditar que são permanentes nos leva ao engano de
pensar que jazem profundamente dentro de nós todo o tempo. Compreendam, de
fato, que os anusayas são apenas nossas tendências habituais, os resultados de
um processo de familiarização. É dessa forma que a palavra “anusaya” é
utilizada.

33) A PRÓXIMA PERGUNTA É, “É FÁCIL OU DIFÍCIL SER UM


ARAHANT?”
Quase todo mundo responderia que é extremamente difícil. Ninguém
ousaria pensar ou falar que é algo fácil. Aqui, também, vamos nos manter no
princípio de não dar respostas não qualificadas. Qualquer um que dê respostas
não qualificadas, dizendo, por exemplo, “há” ou “não há”, “é fácil” ou “é
difícil”, não é um seguidor do Buddha.

O princípio utilizado pelo Buddha é aquele da causalidade. Se agirmos


corretamente por meio do entendimento do princípio da causalidade, ser um
arahant será fácil. Se agirmos contrários ao princípio da causalidade, será
extremamente difícil. Somente porque estamos acostumados às impurezas é que
parece difícil se tornar um arahant. Aqui, devemos manter na mente as palavras
do Buddha: “Se vivermos corretamente, o mundo não estará vazio de arahants”.
Esse viver corretamente não é difícil, não está além de nossa capacidade.
Bloqueiem as impurezas evitando que adquiram nutrição. Se quisermos matar
um tigre, poderemos encurralá-lo e deixá-lo sem nada para comer, e ele morrerá
de fome. Não será necessário ir atrás dele, confrontar o tigre, deixá-lo nos
morder e arranhar. Isto é o que se quer dizer com não estar além de nossa
capacidade. Esta é a técnica, e ela está dentro de nossas capacidades. Portanto,
ser um arahant será fácil ou não, dependendo de usarmos os métodos certos ou
errados. Se seguirmos o que o Buddha diz, não será difícil: “Viva corretamente e
o mundo não estará vazio de arahants”.

34) EIS UMA OUTRA PERGUNTA, “NÓS SERÍAMOS CAPAZES


DE RECONHECER UM ARAHANT SE ENCONTRÁSSEMOS
UM?”
As pessoas gostam muito de perguntar isso. Por exemplo, há alguns que
duvidam se poderíamos reconhecer um arahant vivendo agora no mundo. Se
perguntados se poderíamos reconhecer um arahant se ele viesse andando até nós,
deveríamos considerar o seguinte: se não pudéssemos reconhecê-lo, e nunca
pudéssemos reconhecer qualquer outro, então, mesmo os arahants não seriam
capazes de reconhecer uns aos outros. É dito que o Thera Sāriputta não sabia que
Lakuṇṭakabhaddiya também era um arahant. Ele seguiu expondo o Dhamma a
ele, cujo propósito era tornar possível o atingimento do estado de arahant. Isto
mostra que Sāriputta não sabia que Lakuṇṭakabhaddiya era um arahant. Se
sempre fosse o caso de reconhecermos um arahant enquanto tal, então, mesmo
um deus no mundo de Brahmā, o qual não era um arahant, seria capaz de
reconhecer quais pessoas eram arahants. Ele poderia prever quem morreria tendo
atingido o nibbāna e quem morreria sem atingir o nibbāna.

Dessa forma, se perguntados se poderíamos reconhecer um arahant ou não,


devemos dizer que poderíamos ser capazes ou não, dependendo das
circunstâncias. Mesmo arahants poderiam não reconhecer um ao outro. Assim,
não deveríamos dar uma resposta sem fundamentos, dizendo que poderíamos
reconhecer ou não, como fazem os mestres nas salas de ensino do templo, os
quais apreciam serem dogmáticos a respeito de tais coisas.

35) AGORA A PRÓXIMA PERGUNTA, “ONDE PODERÍAMOS


ENCONTRAR UM ARAHANT?”
Devemos procurar por um arahant na extinção das impurezas mentais. Não
saiam procurando apressadamente numa floresta, num mosteiro, numa caverna,
numa montanha, num vilarejo, numa cidade ou num centro de meditação. Você
pode sair à procura de um arahant na extinção das impurezas. Procedam
quaisquer testes, investigações ou experimentos que provem a vocês a extinção
das impurezas. Se isto não for possível, então, não há necessidade de procurar,
não há necessidade de buscar. Você saberá por você mesmo, isto é tudo. Onde
houver a extinção das impurezas, lá estará o arahant.

36) “AQUELES QUE NÃO SÃO MONGES NÃO PODEM SE
TORNAR ARAHANTS, PODEM?”
Não deem respostas não qualificadas respondendo tal questão dizendo que
podem ou não podem. Ela deve ser respondida dizendo que um arahant
transcendeu o estado de laico como o de monge. Por favor, notem que a crença
de que alguém que se torna um arahant deve se apressar e ser ordenado dentro de
sete dias senão morrerá foi criada por mestres superconfiantes e assertivos de
eras posteriores, e aparece apenas nos comentários, subcomentários e outras
obras pós-canônicas. Um arahant deve sempre transcender o estado de laico e
monge. Ninguém pode tornar um arahant uma pessoa leiga (i.e. uma pessoa do
mundo), mas ele também vive acima e para além do estado de monge.
Dessa forma, não saiam por aí fazendo afirmativas sobre se um arahant
pode viver em casa ou não. Mesmo que segurem um arahant e o forcem a viver
em casa, eles nunca poderiam torná-lo alguém de casa. Ele transcendeu tanto o
estado de laico como o de monge.

37) AGORA UMA OUTRA QUESTÃO, “É POSSÍVEL QUE UM


‘ASSASSINO’ SE TORNE UM ARAHANT?”
Isto pode ser respondido muito facilmente. Aquilo que é chamado de “a
pessoa” (ou “o indivíduo”) deve ser morto antes de alguém se tornar um arahant.
Se aquilo que chamamos de “a pessoa” não foi morta, não é possível de jeito
nenhum se tornar um arahant. Deve-se primeiramente matar a ideia de “a
pessoa”, de “self”, de “eu” e “ele”, ou “ela”, de “animal” e “ser”. Isto é, deve
cessar qualquer apego a ideias de que isso é um animal, isso é uma pessoa, isso é
uma entidade existente, isso é um self. Fazer isto é matar a pessoa ou matar a
coisa que chamamos de “a pessoa”. Assim fazendo, ela se torna
simultaneamente um arahant.
Daí ser dito que alguém deve matar a pessoa antes de se tornar um arahant.
O Buddha por vezes usava palavras ainda mais fortes que estas. Ele disse em
várias ocasiões que os pais devem ser mortos antes de alguém se tornar um
arahant. Os pais são as impurezas mentais, tais como a ignorância, desejo, e
apego, ou quaisquer atividades mentais que funcionem como pais ou
propagadores que, juntos, dão nascimento ao “eu”, à ideia de “a pessoa”. É
preciso, então, matá-los; é preciso matar os pais daquela pessoa de modo a que
se torne um arahant.
Há, então, a estória de Angulimāla, o famoso assassino. Angulimāla
tornou-se um arahant quando matou de vez a pessoa. Quando ouviu a palavra
“pare” do Buddha, ele a entendeu no sentido correto. Algumas pessoas, não
compreendendo, quiseram explicar que o Buddha, dizendo que ele havia parado,
queria dizer que ele havia parado de matar pessoas como Angulimāla
permanecia fazendo quando se encontraram. Isto é, eles tentaram explicar que o
Buddha havia parado, enquanto Angulimāla não havia, mas continuava a matar
pess oas. Esta não é a explicação correta. Quando o Buddha disse “Eu parei”, ele
queria dizer: “Eu parei de ser ‘a pessoa’, tendo completamente cessado de ser ‘a
pessoa’”. Angulimāla entendeu apropriadamente como sendo a cessação
completa de ser uma pessoa, e como resultado ele pôde também ser capaz de
matar a pessoa, de matar a ideia de ser este indivíduo. Assim, Angulimāla se
tornou um arahant como o Buddha.

Mesmo a simples palavra “pare”, nessa estória, foi completamente mal


entendida pela maior parte das pessoas. Foi mal entendida, mal explicada, mal
discutida e mal ensinada, de modo que o relato se torna autocontraditório. Dizer
que alguém poderia se tornar um arahant meramente cessando de matar pessoas
é ridículo.

Assim, é preciso que se pare de ser a pessoa e se mate a crença firme em


indivíduos, egos, “eu”, “eles”, antes que se torne um arahant. Em outras
palavras, para tornar-se um arahant, “mate” a pessoa.

38) AGORA, VAMOS EXAMINAR UMA QUESTÃO MENOR, A


FIM DE AJUDAR A MELHOR ENTENDER AS QUESTÕES
ANTECEDENTES. EU FAREI A SEGUINTE PERGUNTA, “DO
QUE O MUNDO É CHEIO?”
Algumas pessoas responderão: “Este mundo é cheio de sofrimento
(dukkha)”. Por exemplo, elas dizem que não há nada que surja, persista e
desapareça que não seja uma fonte de sofrimento. Isto é correto, mas é difícil de
compreender. A questão deveria ser respondida assim como o Buddha a
respondeu. “Este mundo está cheio de coisas vazias. Este mundo é vazio. Não há
nada que seja um ‘eu’ ou que pertença a um ‘eu’”.
Não se satisfaça simplesmente dizendo: “No mundo há somente
sofrimento, nada há que não seja uma fonte de sofrimento”. Certamente esta é
uma afirmativa correta, mas ela é ambígua e passível de ser mal interpretada;
pois estas coisas, se não nos apegarmos e não as agarrarmos, não são uma fonte
de sofrimento, de modo algum. Que isto fique bem entendido. Nem o mundo,
nem qualquer das coisas das quais o mundo se compõe, são ou jamais foram, em
si mesmas, uma fonte de sofrimento. No momento em que se agarra ou segura,
surge o sofrimento; se não se agarra ou segura, não há sofrimento. Dizer que a
vida é sofrimento é algo superficial, muito simplificado e prematuro. A vida em
que se agarra e segura é sofrimento; a vida em que não se agarra ou segura não é
sofrimento.

A vida tem um propósito, não é sem sentido. Algumas pessoas gostam de


dizer que a vida não tem propósito, pois não sabem como dar a ela um propósito.
Se soubermos como usar esta vida como um instrumento para descobrirmos a
respeito do mundo, sobre as causas do surgimento do mundo, sobre a completa
cessação do mundo, e sobre o modo de praticar que leva à cessação do mundo,
então, esta vida tem propósito. A vida, então, é um meio para estudar, praticar e
obter os frutos da prática.

É um meio de descobrir a melhor coisa que os seres humanos podem e


devem fazer, a saber, nibbāna. Lembrem-se, dessa forma, de que a vida tem um
propósito, embora para o tolo que não sabe como usá-la, ela não tenha nenhum.
Do que o mundo está cheio? Olhe de um ponto de vista e você dirá: “Está
cheio de sofrimento”, ou simplesmente, “É sofrimento”. Mas olhe de um ponto
de vista superior e você poderá dizer que ele não é nada mais que um processo
sem fim de surgir, persistir, cessar, surgir, persistir, cessar. Se agarrarmos e nos
apegarmos a ele, o sofrimento será produzido; se não agarrarmos e não nos
apegarmos a ele, então ele simplesmente continuará surgindo, persistindo e
cessando. Dessa forma, devemos manter em mente que uma pessoa que se
tornou livre, que se tornou um arahant, não considera as coisas como uma fonte
de sofrimento, nem de felicidade tampouco. O puro pañcakkhandha (cinco
agregados ou complexo corpo-mente) do arahant não pode ser dito como estando
envolvido com o sofrimento. Há apenas o fluxo causal condicionado dos cinco
agregados que mudam e revolvem-se.
Do que o mundo está cheio? Está cheio de coisas que surgem, persistem e
cessam. Agarre e se apegue a elas e elas produzirão sofrimento (dukkha); não se
agarre e não se apegue a elas e elas não produzirão sofrimento.

39) AS PESSOAS PERGUNTAM, “QUE TIPO DE MÉRITO TEM
POUCO EFEITO E QUE TIPO TEM GRANDE EFEITO?”
O Buddha ensinou: “O valor de produzir mérito que está baseado na
ganância não tem a décima-sexta parte tomada em dezesseis vezes do valor do
cultivo da atitude de amizade (mettā)”. A produção de mérito baseada na
ganância inclui a produção de mérito para a publicidade, produção de mérito em
troca do paraíso ou do céu, produção de mérito de modo a renascer belo ou rico,
e produção de mérito para ganhar prazeres sensuais. Tal produção de mérito está
baseada na ganância. É somente avidez e apego. A produção de mérito que
consiste de avidez e apego é ainda produção de mérito, mas não pode conferir a
décima-sexta parte tomada dezesseis vezes do valor de praticar mettā. Expandir
a amizade não está baseado no interesse próprio; é praticada para outras pessoas.
Há o amor universal para todas as outras pessoas. O mérito nascido de mettā é
um grande mérito; o mérito baseado na ganância não equivale à décima-sexta
parte tomada dezesseis vezes daquela de mettā.
Na língua pāli, quando se desejava indicar uma grande diferença
quantitativa entre as coisas, tal expressão era usada: “A décima-sexta parte
tomada dezesseis vezes”. Suponha que tenhamos uma unidade de algo. Divida-a
dezesseis vezes e tome uma das partes. Novamente divida esta parte em
dezesseis e tome uma delas. Então, divida-a novamente em dezesseis partes.
Novamente tome uma e a divida. Faça dessa forma até o total de dezesseis vezes
a fim de chegar na décima-sexta parte tomada dezesseis vezes. O mérito que está
baseado na ganância é descrito como não valendo a décima-sexta parte tomada
dezesseis vezes do mérito baseado na expressão da amizade (mettā).

40) AGORA, “ONDE O MAIOR MÉRITO PODE SER


ENCONTRADO?”
O Buddha disse certa vez: “Desenvolver a consciência da impermanência
(aniccasaññā), mesmo que durante um estalar de dedos, tem mais efeito e mérito
que prover alimentação para toda a Sangha quando dirigida pelo Buddha”. Isto
significa que se pudéssemos convidar toda a Sangha buddhista juntamente com o
Buddha à sua frente, e oferecer a ela alimento, ainda assim não teríamos tão
grande mérito quanto o de sermos bem sucedidos em desenvolver a consciência
da impermanência durante um estalar de dedos. Este é um ponto sobremaneira
fundamental.

Assim, seja cauteloso com relação a grandes atos de caridade, tais como
algumas pessoas os expressam nos templos, pois elas estão preocupadas com os
prazeres sensuais. Grande mérito, para ser genuíno, deve ser tal como o Buddha
descreveu. Desenvolver a consciência da impermanência mesmo por um breve
momento é muito melhor que todo este tipo de generosidade aos bhikkhus.

41) CONSIDERE AGORA O “ESTADO FELIZ”, “ONDE O


ESTADO FELIZ PODE SER ENCONTRADO? ONDE DEVEMOS
IR PARA ENCONTRARMOS A FELICIDADE?”
Nos textos há uma passagem que fala de seres celestiais (devatas)
morrendo, partindo, chegando ao fim de seus méritos e ao fim de sua vida. Fala
também de seus desejos de atingir o estado feliz, buscando-o e desejando saber
como encontrá-lo. Por fim, eles chegam à conclusão de que o estado feliz deve
ser encontrado no reino dos seres humanos. Os seres celestiais se alegram
dizendo: “Que seus desejos se realizem! Sigam para o estado feliz no reino
humano!”.

A expressão “estado feliz no reino humano” significa que, no reino


humano, a impermanência, a insatisfatoriedade e o não-eu podem ser mais
facilmente percebidos que no reino celestial. No reino humano há seres
iluminados, há arahants, e há o Buddha, o Dhamma e a Sangha. No reino
celestial, essa floresta de sensualidade, nada há dessas coisas. Assim, os seres
celestiais vêm ao reino humano à procura do estado feliz. É ridículo que os seres
humanos aqui queiram ir ao reino celestial para serem felizes. Ainda assim
algumas pessoas buscam o paraíso, a felicidade na próxima existência, no reino
dos seres celestiais. Investem nisso produzindo mérito, doando para a caridade,
vendendo suas casas e bens, e construindo coisas nos mosteiros. Onde o genuíno
estado feliz deve ser encontrado? Pense novamente.

42) A SEGUIR, CONSIDERANDO AQUI O QUE É CHAMADO DE
IDDHIS (PODERES PSÍQUICOS), A PERGUNTA É, “QUÃO
INTERESSADOS DEVERÍAMOS ESTAR NESTAS COISAS
CHAMADAS IDDHIS?”
Primeiramente, devemos dizer alguma coisa sobre os iddhis. A palavra
iddhi significa “poder”. Originariamente era uma palavra de uso diário, um
termo laico aplicado às coisas que tinham a habilidade de promover sucesso de
um modo perfeitamente normal. Qualquer coisa com a habilidade de promover o
sucesso era chamado de iddhi. O significado foi, então, estendido de modo a
cobrir o sucesso a partir de meios maravilhosos e miraculosos, até chegarmos ao
tipo de iddhis que são exclusivamente fenômenos mentais. Por serem mentais,
possuem propriedades produtivas e benéficas que os tornam muito mais
maravilhosos e abrangentes que qualquer coisa física. São como nossos
instrumentos poupadores de tempo. Temos atualmente tratores que podem
construir estradas e assim por diante. Esses também teriam sido chamados de
iddhis. Mas eles são maravilhas físicas. Os iddhis dos quais falamos aqui têm a
ver com a mente; são mentais, não físicos.

Um praticante dos iddhis (poderes psíquicos) treinou sua mente num tal
grau a ponto de poder causar nas pessoas quaisquer sensações que desejar. Pode
fazer com que outros vejam coisas com seus próprios olhos da forma como
deseja que vejam; ouvir clara e distintamente sons que ele deseja que ouçam;
cheirar o que deseja que cheirem, experimentar sensações gustativas como se
realmente as estivessem experimentando a língua; e sentir como se estivessem
tocando algo macio, duro ou qualquer outro estímulo tátil. O processo pode,
então, ser estendido de modo que o demonstrador se torna capaz de fazer com
que os outros experimentem o medo, o amor ou qualquer outro estado mental
sem perceberem o porquê. Os iddhis são extremamente úteis e maravilhosos.

Mas esse tipo de fenômeno mental não produz coisas físicas. Os poderes
psíquicos são incapazes de criar coisas reais de qualquer valor prático. Não são
capazes de criar, por exemplo, habitações de monges, templos, arroz, peixe ou
alimento, a fim de que pudéssemos viver sem problemas. Este tipo de coisa não
pode ocorrer. Os objetos parecem existir, ou são experimentados como existindo
no olho, ouvido, nariz, língua, corpo ou mente, somente enquanto os iddhis estão
sendo exercidos. Depois disso, eles desaparecem. Assim, os iddhis não são
capazes de construir uma habitação ou um templo por eles mesmos. Certamente,
deverá haver um patrono laico para construí-los e oferecê-los. Por exemplo,
Jetavana e Veluvana tiveram que ser construídos e oferecidos ao Buddha. E por
muitas vezes o Buddha viveu sem comida devido à escassez da região, tendo que
comer o arroz apropriado para cavalos, e somente um punhado a cada dia.

Isto nos ajuda a lembrar de que o físico e o mental são dois reinos distintos
e diferentes. O Buddha não negou os iddhis mentais, mas desaprovou fortemente
sua demonstração, pois são meras ilusões. Dessa forma, ele proibiu sua
demonstração por parte dos bhikkhus, e, ele mesmo, evitou seu uso. Não
encontramos no Tipiṭaka o Buddha demonstrando iddhis. Há, de fato, relatos de
sua demonstração de iddhis, mas somente ocorrem nos comentários e em outras
obras. Consequentemente, a verdade desses relatos é dúbia - apesar de realmente
não haver necessidade para nós de julgá-los verdadeiros ou falsos.

O Buddha disse certa vez: “Os vários iddhis demonstrados - voar pelo ar,
tornar-se invisível, clariaudiência, clarividência e semelhantes - são sāsavā e
upadhikā”. Sāsavā significa “associado aos āsavas” (os “cancros” do apego ao
prazer sensorial, apego ao vir-a-ser, apego às visões falsas e apego à ignorância).
Em outras palavras, os iddhis realizados com avidez e apego, ou motivados pela
avidez e apego, são chamados de sāsavā. A realização dos upadhikā iddhis é
motivada por upadhi. Upadhi significa “pegar e segurar” São, dessa forma,
iddhis motivados pelo apego. São demonstrados por uma mente que segura e
agarra. Iddhis desse tipo são sāsavā e upadhikā.

Voltemos agora nossa atenção ao tipo oposto de iddhi - anāsavā e


anupadhikā - a saber, a habilidade de controlar a própria mente à vontade.
Tomaremos como um exemplo particular o tema do não-agradável. Aqui,
alguém se determina a ver algo desagradável como desagradável, a ver algo
agradável como desagradável, a ver tudo como desagradável ou tudo como
agradável, e, então, a ver tudo nem como sendo agradável nem desagradável.
Este é um exemplo demonstrando a habilidade de controlar a mente tão
completamente a ponto de que a constante vigilância e equanimidade podem ser
mantidas na presença de objetos sensoriais - formas e cores, sabores, odores,
sons e objetos táteis - que influenciam a mente. A posse da vigilância, atenção
constante e equanimidade, é como um iddhi. É um iddhi do tipo chamado
anāsavā (livre de āsavā) e anupadhikā (livre de upadhi, não manchado, que não
segura e nem serve de base para o apego). Tais são as coisas chamadas de iddhis
e é assim que devemos vê-las.

Os iddhis reais que são demonstrados a fim de causar o surgimento de


milagres psíquicos, os tipos sāsavā e upadhikā, são difíceis de serem realizados.
É preciso muita prática para adquirir a maestria sobre eles, prática esta
organizada num grande sistema. Pode ser feito, adquirido e demonstrado
genuinamente, por apenas algumas poucas pessoas. Mas há também uma
variedade espúria, baseada em mero truque, pura fraude, algumas vezes
envolvendo o uso de feitiçarias. Não são as coisas reais.

Há pessoas que podem demonstrar aquilo que aparentemente são iddhis


genuínos, mas adquirir tais capacidades é muito difícil, e requer um árduo
treinamento. Ao contrário, os iddhis sāsavā e upadhikā estão dentro dos limites
da maioria das pessoas. Estes tipos valem a pena serem ponderados. Atualmente,
estamos interessados nos tipos de iddhis que não podemos ter, mas não estamos
interessados naqueles que são mais benéficos (e que podemos ter). Essas coisas
chamadas de iddhis certamente têm uma grande atração para nós, mas nosso
pensamento a respeito do tema precisa ser completamente revisado.
43) PODEMOS DISCUTIR AGORA, “DE ONDE A FELICIDADE
E O SOFRIMENTO SE ORIGINAM?” OU AO MENOS, “DE
ONDE SE ORIGINA O SOFRIMENTO?”
É geralmente dito que a felicidade e o sofrimento vêm do kamma prévio.
Esta é a resposta menos correta. O sofrimento é algo que surge de causas e
condições, e tais causas e condições são de vários tipos, formas e variedades.
Ignorância é uma causa, desejo é uma causa, apego é uma causa e kamma é uma
causa também. Agora, ao dizer que o sofrimento vem do kamma, devemos ter
em mente o novo kamma, kamma na vida presente, isto é, a ignorância, o desejo
e o apego recentes em relação à vida. Pense neles como sendo os fatores
responsáveis pelo sofrimento, as raízes causadoras do surgimento do sofrimento.
Devemos entender que o velho kamma é incapaz de se erguer frente ao novo
kamma, pois temos o poder de produzir novo kamma. Novo kamma, o terceiro
tipo de kamma, é capaz de abolir o velho kamma completamente (ver item 14).
O velho kamma consiste simplesmente de bom kamma e mau kamma. Não há
outro tipo de velho kamma. O novo kamma, entretanto, pode ser um dos três
tipos, sendo que o terceiro tipo é simplesmente o Nobre caminho Óctuplo.
Quando o fazemos surgir, ele suprime o primeiro e o segundo tipo de kamma. Se
vivermos o Caminho completamente, isto é, colocarmos um fim completo nas
impurezas, o novo kamma (o Nobre Caminho) conquistará completamente o
velho kamma, tanto o bom quanto o mau. Isto significa dizer que o velho kamma
(constituído pelo primeiro e o segundo tipos somente) não pode se erguer frente
ao novo kamma (o terceiro tipo).

Devemos, desse modo, despertar nosso interesse por esta coisa chamada de
Nobre Caminho. Falei anteriormente sobre como é praticar da forma ordinária, e
como é praticar segundo o método mais curto (ver item 13). A prática no método
curto consiste em dirigir o autoexame com o objetivo de destruir o apego às
ideias de “eu” e “pertencente a um eu”. Tal novo kamma será do terceiro tipo, o
kamma mais poderoso. Uma vez surgido, ele será tão afiado como uma lâmina, e
será capaz de destruir uma grande quantidade de velho kamma acumulado. O
sofrimento surge do novo kamma, da ignorância, do desejo e do apego de hoje.
Surge pelo fato de termos visto formas e cores, ouvido sons, cheirado odores, e
provado sabores no dia imediatamente anterior. Eles podem ser eliminados pelo
novo kamma que nós também produzimos. Não se enganem pensando que tudo é
devido ao kamma anterior. O kamma anterior pode ser seguido por uma série de
causas, as quais podem ser eliminadas! Assim, não ignorem o novo kamma do
terceiro tipo. Ele é capaz de aniquilar o velho kamma de forma absoluta e
completa.

44) ESTE TEMA NOS TRAZ À PERGUNTA, “ONDE PODEMOS


POR FIM AO SOFRIMENTO (DUKKHA)?”
Não colocamos um fim ao sofrimento no mosteiro, na floresta, em casa ou
na montanha. Devemos por um fim ao sofrimento exatamente onde está a causa
do próprio sofrimento. O que devemos fazer é investigar e encontrar o modo
como o sofrimento surge em nós a cada dia, e de qual raiz ele se origina.
Devemos, então, cortar aquela raiz em particular. O sofrimento de ontem já
ocorreu e se foi. Ele não pode voltar, passou e acabou. É o sofrimento que surge
hoje, exatamente agora, que é o problema. O sofrimento que possa surgir
amanhã ainda não é um problema, mas o sofrimento que está surgindo e
existindo exatamente agora deve ser erradicado. Assim, onde deve ser
erradicado? Deve ser erradicado em sua raiz. Devemos estudar a vida até
compreendermos que, como disse o Buddha, o sofrimento surge simplesmente
do agarrar e segurar.

Geralmente é dito muito eloquentemente, mas ambiguamente, que


nascimento, envelhecimento e morte são sofrimentos. Mas o nascimento não é
sofrimento, o envelhecimento não é sofrimento, a morte não é sofrimento
quando não há apego a “meu nascimento”, “meu envelhecimento”, “minha
morte”. Por agora, agarramo-nos ao nascimento, envelhecimento, dor e morte
como sendo “nossos”. Se não nos agarramos, eles não são sofrimento, são
apenas mudanças do corpo. O corpo muda de tal forma, e chamamos de
“nascimento”; o corpo muda desta outra, e chamamos de “envelhecimento”; o
corpo muda ainda de outra forma, e chamamos de “morte”; mas fracassamos em
ver que são apenas mudanças corporais. Vemos como sendo, de fato, um
nascimento, e, além disso, chamamos de “meu nascimento”, “meu
envelhecimento” e “minha morte”. É uma ilusão múltipla, pois “eu” já é uma
ilusão; assim, ver uma mudança corporal como “meu nascimento”, ou “meu
envelhecimento”, já é uma extensão da ilusão. Fracassamos em ver que tudo isso
simplesmente são mudanças do corpo. Mas tão logo vejamos que são
simplesmente mudanças do corpo, nascimento, envelhecimento e morte
desaparecem, e o “eu” desaparece ao mesmo tempo. Não há mais “eu”, e tal
condição não é sofrimento.

O Buddha disse: “O nascimento é sofrimento, o envelhecimento é


sofrimento, a morte é sofrimento”, e a maioria das pessoas, quase todas, de fato,
o entenderam mal. Estes pontos indicam a condição do nascimento,
envelhecimento e morte como sendo sofrimento. Alguns não conseguem
explicá-los. Outros, hesitantes e incertos, os explicam vaga e ambiguamente, de
uma forma evasiva, circundante e vacilante. O motivo é que esquecem que o
Buddha disse: “Saṅkhittena pañcupādānakkhandhā dukkhā” (os cinco
agregados, quando agarrados, são sofrimento). Os agregados são o corpo e a
mente; juntos, constituem a pessoa. Se há apego a qualquer coisa como sendo
“eu” ou “meu”, então, os cinco agregados são sofrimento. Tais cinco agregados
são um pesado fardo, uma fonte de sofrimento. Há fogo e enxofre em tais
agregados. Assim, os cinco agregados, se associados ao agarrar e segurar, são
sofrimento.
Agora, suponham que esses cinco agregados sejam a condição conhecida
como “envelhecimento”. Se a mente não se agarra e se apega a eles como
“envelhecimento”, ou como “meu envelhecimento”, então eles não serão
sofrimento. Veremos, então, o corpo como vazio, os sentimentos como vazios, as
percepções como vazias, as atividades volitivas como vazias, e as consciências
como vazias. Veremos todo o condicionamento fluido e mutante de todas as
coisas como vazio. Sem apego não pode haver sofrimento. São puramente
pañcakkhandha (agregados dissociados de apego). São os cinco agregados de
um arahant, ou o que presumimos chamar de cinco agregados de um arahant.
Pois, realmente, um arahant não pode ser descrito como possuidor dos cinco
agregados, mas tomamos aqueles agregados como sendo o receptáculo das
virtudes do estado de arahant. Tal tipo de mente não pode se apegar aos
agregados, considerando-os “meus”, mas, ainda assim, permitimo-nos chamá-los
de puros pañcakkhandha de um arahant.

Onde podemos colocar um fim no sofrimento? Devemos eliminar o


sofrimento em sua raiz, a saber, agarrar e se prender às coisas. O sofrimento
proveniente do apego à riqueza deve ser erradicado lá mesmo naquele apego. O
sofrimento proveniente do agarrar e se segurar nas ilusões do poder, prestígio,
honra e fama, devem ser erradicados lá naquele agarrar e se segurar. Aí, então, a
riqueza, o poder e o prestígio não serão em si mesmos um sofrimento. Assim,
encontrem onde ele surge e o eliminem naquele lugar. Nas palavras de antigos
sábios do Dhamma: “Por qual caminho que isso sobe, pelo mesmo caminho
tragam-no para baixo”.

45) DESEJO AGORA DISCUTIR UMA QUESTÃO REFERENTE


AO QUE PODEMOS CHAMAR DE “REALMENTE CONHECER”.
“PARA REALMENTE CONHECER ALGO, QUANTO
PRECISAMOS CONHECER?”
Eu aconselho e imploro que vocês ouçam as palavras do Buddha
particularmente com relação a esta passagem. O Buddha disse que para conhecer
realmente qualquer objeto devemos conhecer cinco coisas a seu respeito: (1)
Quais sãos as características ou propriedades do objeto? (2) De quê o objeto
surge? (3) Qual é seu assāda, sua qualidade atraente, seu apelo, sua sedução? (4)
Qual é seu ādīnava, seu perigo oculto, o poder sinistro para ferir que nele jaz
escondido? (5) Qual é o nissaraṇa, o truque por meio do qual podemos
conseguir tirar o que há de melhor nele? Qual é o artifício, o meio habilidoso a
ser utilizado para escapar das garras desse objeto?

Assim, a fim de realmente conhecer algo devemos responder tais questões:


Primeira: Quais sãos suas propriedades?
Segunda: Qual sua origem, seu lugar de nascimento?
Terceira: Qual é seu assāda, sua atração?
Quarta: Qual é seu ādīnava, sua propriedade que causa danos, seu perigo?
Quinta: Qual é seu nissaraṇa, o meio de escape em relação ao poder do
objeto?

Há cinco questões ao todo. Se você estudar qualquer objeto desde esses


cinco pontos de vista, você irá adquirir o melhor de tal objeto. No momento,
vocês podem estar no colégio ou na faculdade. Mas se não estamos estudando
segundo esses cinco pontos de vista, então estamos sendo dominados pelos
objetos, isto é, pelo mundo. Se estudarmos os mundos em termos desses cinco
aspectos, não haverá forma de sermos dominados pelo mundo. Vamos então ser
cuidadosos em nosso estudo do mundo. Por que estamos estudando? Qual o
propósito último para estudarmos? Se estudarmos para trazer paz ao mundo,
então deveremos ser muito zelosos. Nossos estudos não trarão resultados
benéficos se não forem baseados nesse princípio buddhista.

Vocês provavelmente nunca ouviram falar dessas coisas chamadas assāda,


ādīnava e nissaraṇa, mas, mesmo assim, o Tipiṭaka está cheio delas. Estas três
palavras - assāda, ādīnava e nissaraṇa, raramente se apresentam aos nossos
olhos ou ouvidos, mas, por favor, lembrem-se de que elas aparecem
frequentemente no Tipiṭaka. Quando o Buddha queria prover um conhecimento
real sobre algo, ele ensinava dessa maneira. Algumas vezes fazia um resumo,
considerando apenas os últimos três pontos. Qual é a natureza de assāda (sua
atração) do objeto? Qual é a natureza de seu ādīnava (suas propriedades
prejudiciais)? Todos os objetos têm suas qualidades atrativas e prejudiciais. Qual
é a natureza de nissaraṇa (a estratégia por meio da qual podemos tirar o melhor
do que há no objeto)?

Há, por assim dizer, um anzol escondido naquela isca que lá está
dependurada. O assāda é a isca suculenta seduzindo o peixe para comê-la. O
anzol escondido é o ādīnava, isto é, o poder cruel capaz de ferir que se esconde
no interior da isca. E o nissaraṇa é a técnica para como comer a isca sem ser
fisgado pelo anzol. A coisa chamada isca, então, não mais funciona como isca,
mas, ao contrário, torna-se um bom pedaço de comida, a qual o peixe pode
alegremente engolir sem ser fisgado.

Dessa maneira, devemos sempre ver o mundo segundo esses cinco


aspectos. Um aspecto do mundo, o assāda, a isca, encanta-nos até estarmos tão
profundamente imersos nele que nos tornamos surdos e cegos para tudo o mais.
Mas há um anzol lá dentro. As pessoas que ficam fisgadas pelo mundo não
conseguem se libertar; elas devem se afundar no mundo, isto é, no sofrimento.
Agora, os ariyas (indivíduos bem avançados na prática) olham e veem a natureza
real do assāda, do ādīnava e do nissaraṇa. São, assim, capazes de viver no
mundo, engolindo a isca do mundo sem serem pegos pelo anzol. Eles conhecem
cada objeto bem o suficiente a ponto de conhecerem esses cinco aspectos. Suas
propriedades, seu samudaya (causa-raiz), seu do assāda (isca), seu ādīnava
(anzol) e seu nissaraṇa (estratégia). Para conhecer qualquer objeto devemos
aprender sobre ele e conhecer esses cinco fatores, ou no mínimo, os últimos três.

Não importa com quais coisas entremos em contato no curso de nossos


estudos e outras atividades: devemos aplicar este princípio a todas elas. Assim,
saberemos como discernir, e seremos capazes de colher a maior recompensa sem
sermos feridos. Isto é chamado de “conhecer realmente”. Agindo a partir desse
conhecimento, será uma tarefa fácil praticar o Dhamma e deixar para trás as
impurezas. Ver o mundo em termos desses cinco aspectos irá nos possibilitar vê-
lo como estando preenchido de assāda, ou iscas atrativas, por fora e ādīnava, ou
perigo, por dentro. Conheceremos o mundo como sendo um logro, uma
falsidade, um engano, uma ilusão, e não seremos fisgados por ele, apaixonando-
nos perdidamente por ele. Uma mente que sempre opera a partir do insight verá
as cores e formas, sabores, aromas, sons, objetos táteis e imagens mentais
corretamente em termos desses cinco aspectos. Não será dominada por eles e
não desenvolverá a avidez e o apego à ideia de um eu substancial. A liberdade
será sua condição normal do dia-a-dia. Em última análise, não está para além de
nossas forças praticar o Dhamma e fazer um progresso em direção ao nibbāna.

46) FAREI, AGORA, A SEGUINTE PERGUNTA: “O QUE É


ATINGIR A CORRENTE DO NIBBĀNA?”
Pense novamente na palavra “nibbāna” segundo o sentido já discutido, isto
é, como o maior bem possível de ser atingido pela humanidade (ver questão 30).
Se, em alguma vida, alguém não vier a conhecer o estado chamado nibbāna, ou
fracassar em provar o sabor do nibbāna, tal vida terá sido desperdiçada.

“Corrente do Nibbāna” refere-se a uma via grande o suficiente para


assegurar um fluxo; ela tende apenas para o nibbāna. Ela flui em direção à
extinção do sofrimento, sem retorno para o sofrimento e para os Estados de
Miséria. Chamamos essa via de “A Correnteza”.

Alguém que tenha atingido a Corrente é um sotāpanna (Entrante-na-


Correnteza). Um sotāpanna ainda não atingiu o completo nibbāna. O Entrante-
na-Correnteza atinge diṭṭhadhamma-nibbāna (ver questão 28), ou tadaṅga-
nibbāna (nibbāna apropriado), ou qualquer outro nibbāna, de acordo com o
caso. Mas, tendo atingido a verdadeira Corrente do Nibbāna, ele nunca mais se
apegará ao assāda e ādīnava (isca e anzol) do mundo. O mundo nunca mais será
capaz de enganá-lo. Isso não significa que ele abandona todas as ligações com o
mundo, ou mesmo o prazer da sensualidade. Significa simplesmente que a mente
começou a ver as coisas como não merecedoras de avidez e apego. É
praticamente certo que não irá se agarrar e se apegar, mas ainda poderá fazê-lo
em momentos ocasionais de falta de atenção.
A fim de ser um sotāpanna, é preciso abandonar três dos “grilhões”
(samyojana), a saber: crença numa entidade-ego permanente (sakkāya-diṭṭhi),
dúvida (vicikicchā) e superstição (sīlabbata-parāmāsa). Abandonar a crença no
ego é abandonar um tipo de ilusão; abandonar a dúvida é abandonar outro tipo
de ilusão; e abandonar a superstição é abandonar ainda um terceiro tipo de
ilusão. Ele não terá abandonado completamente o desejo sensorial (kāma-rāga),
o quarto grilhão. Um sakadāgāmī (“Uma-Vez-Retornante, um estágio acima do
sotāpanna) tampouco ainda o abandonou totalmente. Isso significa que embora
alguém não seja capaz de abandonar completamente o desejo sensorial, ainda
assim ele é capaz de não cair direto no poço da sensualidade. Embora entre em
contato ou mesmo se deleite na sensualidade, ele assim o fará com vigilância,
como um ariya. Mas não se esqueçam de que ele se viu livre da crença no ego,
da dúvida e da superstição. Este é o critério para se ter atingido a Corrente do
Nibbāna e estar-se assegurado de que se seguirá até o próprio nibbāna.
Assim, a questão é abandonar o mal-entendimento. É preciso abandonar o
mal-entendimento antes de abandonar o desejo sensual (kāma-rāga). O desejo
sensual não é ainda um problema ou um inimigo perigoso e terrível. O que é
terrível é a ilusão. Nos textos há uma passagem que diz que a coisa mais pútrida
de todas é a mente que se prende ao ego, ao eu. O Buddha não indicou a
sensualidade como a coisa mais mal cheirosa; apontou para a ilusão. Geralmente
temos a tendência de superestimar e supervalorizar a medida do abandono do
sotāpanna em seu envolvimento com a sensualidade. Quando sua medida é mal
compreendida, todo o quadro fica distorcido, e não há modo de as coisas
fazerem sentido. Assim, é essencial sabermos o que é atingir o primeiro estágio,
a Corrente do Nibbāna. Não é o desejo sensual, mas sim, a ignorância, que deve
ser abandonada primeiro.

A crença no ego (sakkāya-diṭṭhi) consiste em um centramento no eu.


Centramento no eu, como ocorre naturalmente todos os dias, provém do fracasso
em perceber suññatā (vazio), mesmo de um modo grosseiro. A mente está
confusa, e não está livre; consequentemente, há a crença no ego. Assim, a fim de
se tornar um sotāpanna, é preciso abandonar definitivamente a crença num ego.
No curso normal dos eventos, esta crença surge e cessa, surge e cessa. Todos os
dias, a crença no ego está presente muitas vezes, constantemente. Mas também
há momentos nos quais ela não está presente. Devemos estudar, a fim de
perceber o que é ter esta crença no ego e o que é estar livre da crença no ego.
Quando há o centramento no eu, isto é sakkāya-diṭṭhi.

Agora, vicikicchā é a dúvida ou hesitação acerca do que é certo, hesitação


acerca de acreditar ou não no Buddha, e hesitação acerca de praticar a fim de
atingir a absoluta e completa extinção do sofrimento no nível supramundano.
Porque há tal hesitação, a pessoa não é suficientemente interessada no Dhamma.
É difícil estar interessado no Dhamma mesmo por cinco minutos no dia. Ainda
assim a pessoa está interessada em coisas como diversão e risos, alimento e
bebida, estudo e aprendizado, negócios e trabalho, por horas sem fim durante o
dia. Se o tempo gasto em diversão ou risos fosse devotado, ao contrário, ao
desenvolvimento de um interesse no Dhamma, o indivíduo chegaria rapidamente
a uma compreensão. O tipo mais importante de hesitação é aquela acerca de ser
ou não uma boa coisa adotar os meios oferecidos pelo Buddha para a extinção do
sofrimento. A indecisão sobre se colocar no caminho da extinção do sofrimento
constitui um grande problema e um grande perigo. A maioria considera a ideia
carente de sabor, desagradável, desprazerosa e desprovida de atração, pois essa
maioria está cegamente apaixonada pelas seduções do mundo. Assim, a
hesitação deve ser erradicada. Estamos sujeitos ao sofrimento; devemos ser
resolutos sobre o pôr fim ao sofrimento.
O terceiro grilhão é sīlabbata-parāmāsa (superstição crônica). Olhem para
vocês mesmos e descubram qual comportamento supersticioso crônico pode ser
encontrado. Vocês foram ensinados a temer pequenas e inofensivas lagartixas e
animais semelhantes, até isso ter se tornado um hábito. Isso é superstição. Isso é
primitivo e infantil. Vocês foram educados para acreditar em árvores sagradas,
[1]
montanhas sagradas, templos sagrados, casas-de-espírito sagradas : tudo isso
também é superstição. Para resumir, sīlabbata-parāmāsa é superstição com
relação a coisas que nós mesmos fazemos. Tomar certas coisas que deveriam ser
usadas de uma forma particular e usá-las de uma maneira diferente - por
exemplo, permitir que ações caridosas reforcem o senso de ego quando, pelo
contrário, deveriam ser usadas para eliminá-lo - isso é superstição. Assim, há
ações caridosas que são superstições, e há o rigoroso cumprimento dos preceitos
morais, tanto por parte dos bhikkhus quanto por laicos seguidores, que também é
superstição. Superstições crônicas e entendimento errôneo com relação a
qualquer coisa são abrangidos pelo termo sīlabbata-parāmāsa.
Por favor, sigam-me enquanto lhes dou ainda outro exemplo do terceiro
grilhão: os quatro Estados da Miséria, ilustrados nas paredes dos templos -
inferno, o reino dos animais, o reino dos fantasmas famintos (petas) e o reino
dos demônios covardes (asuras). Estes são conhecidos como os Quatro Estados
Miseráveis. Somos ensinados a acreditar que após morrermos desceremos até
aos Estados Miseráveis. Nunca nos ensinam que caímos nos estados miseráveis
todos os dias. Tais estados miseráveis são mais reais e mais importantes que
aqueles presentes nas paredes dos templos. Não caírem de maneira alguma! Se
não caírem nesses estados miseráveis agora, podem estar certos de que não
cairão em qualquer estado de miséria após a morte. Isto nunca é ensinado, de
forma que as pessoas nunca compreendem a essência e o significado real das
palavras “Quatro Estados Miseráveis”. O Buddha não era um materialista. Não
tomava o corpo como seu padrão de referência como o faz a estória do inferno
onde se é fervido e frito num caldeirão de cobre. O Buddha tomava a mente
como seu padrão de referência.

47) AGORA, VEJAMOS, “QUAL É O SIGNIFICADO DOS


QUATRO ESTADOS MISERÁVEIS?”
O primeiro dos Quatro Estados Miseráveis é o inferno. Inferno é ansiedade
(em tailandês, literalmente “um coração quente”). Sempre que alguém
experimenta a ansiedade, a queimação e o abrasamento, simultaneamente ela
renasce como uma criatura do inferno. É um renascimento espontâneo, um
renascimento mental. Embora o corpo fisicamente resida no reino humano, tão
logo a ansiedade apareça a mente cai no inferno. A ansiedade a respeito de uma
possível perda de prestígio e fama, ansiedade de qualquer tipo... isso é o inferno.

Agora, o renascimento no reino dos animais é a estupidez. Sempre que


alguém é incompreensivelmente estúpido a respeito de algo: estúpido por não
conhecer que o Dhamma e o Nibbāna são desejáveis, estúpido por não se
importar em entrar em contato ou se aproximar do Buddhismo, estúpido por
acreditar que se alguém se torna interessado no Dhamma ou no Buddhismo isso
o tornaria fora de moda ou esquisito. Essa é a forma como as crianças veem a
questão, e seus pais também. Eles tentam se afastar e se mover para longe do
Dhamma e da religião. Isto é estupidez. Independentemente do tipo de estupidez,
ela equivale ao renascimento no reino dos animais. Tão logo a estupidez aparece
e toma conta de alguém, esse alguém se torna um animal. Alguém é um animal
pelo renascimento espontâneo, pelo renascimento mental. Este é o Segundo
Estado Miserável.

O terceiro Estado Miserável é a condição de peta, um fantasma que é


cronicamente faminto, pois seus desejos continuamente superam a
disponibilidade de bens. É uma fome mental crônica que a pessoa sofre, e não a
[2]
fome por alimento corporal. Por exemplo, alguém deseja mil bahts . Então,
tão logo tenha conquistado os mil bahts, repentinamente passa a querer dez mil
bahts. Tão logo tenha conseguido os dez mil bahts, repentinamente passa a
querer cem mil bahts. E, imediatamente após ter conseguido os cem mil bahts, é
um milhão de bahts que quer, ou cem milhões. É uma questão de buscar e nunca
de conquistar. Ela tem todos os sintomas de fome crônica. Também a pessoa se
assemelha ao fantasma faminto por ter um estômago tão grande quanto uma
montanha e uma boca tão pequena quanto o buraco de uma agulha. A ingestão
nunca é o suficiente para saciar a fome; assim, a pessoa é todo o tempo um peta.
O completo oposto de um peta é a pessoa que, tão logo tenha adquirido dez
satangs, fica contente com os dez satangs, ou, conseguindo vinte satangs, fica
contente com os vinte. Mas não pensem que, ficando facilmente satisfeito dessa
forma, com isso alguém declina e pára de procurar por coisas. A inteligência diz
para a pessoa o que deve ser feito, e ela segue agindo da maneira correta. Dessa
forma, a pessoa é preenchida pela satisfação toda vez que busca algo. Ela se
deleita em buscar e, então, fica satisfeita. Esta é a forma de viver sem ser um
peta, isto é, um ser cronicamente faminto. Seguir atrás de algo com avidez faz de
alguém um peta. Seguir atrás de algo de maneira inteligente não é avidez; então
neste caso, não se é um peta; simplesmente se está fazendo o que deve ser feito.

Assim, um desejo, como o desejo de extinguir o sofrimento, não é avidez.


Não saiam por aí dizendo às pessoas algo errado, espalhando que a mera vontade
é avidez ou ganância. Para ser avidez ou ganância, é necessário que a vontade
provenha da estupidez. A vontade de atingir o nibbāna é avidez se perseguida
com tolice, paixão ou orgulho. Assistir aulas sobre meditação do insight sem
saber do que se trata é ganância e avidez; é a ignorância que leva ao sofrimento,
pois está cheia da vontade de agarrar e segurar. Entretanto, se uma pessoa quer
atingir o nibbāna, após ter clara e inteligentemente percebido o sofrimento e os
meios pelos quais possa ser extinto e, com este contexto mental, de forma firme
e sincera, aprende sobre a meditação do insight da forma correta, então, tal
vontade de atingir o nibbāna não é ganância e não é sofrimento. Assim, desejar
nem sempre é ganância. Tudo depende de sua origem. Se provier da ignorância
ou das impurezas, os sintomas serão similares à fome crônica – aquela busca
sem nunca conseguir. Chamamos esta condição crônica de fome de renascimento
espontâneo como um fantasma faminto (peta).

O último dos Estados Miseráveis é o reino dos asuras (demônios


covardes). Vamos primeiramente explicar a palavra asura: sura significa
“bravo”; a significa “não”; assim, asura significa “não heróico” ou “covarde”.
Entendam que a qualquer momento que alguém é covarde sem razão,
espontaneamente renasceu como um asura. Ter medo de pequenas e inofensivas
lagartixas, centopeias ou vermes é um medo sem justificativa e uma forma de
sofrimento. Ter medo desnecessariamente ou ter medo de algo como resultado
de pensar demais sobre isto, é renascer como um asura. Todos tememos a morte,
mas nosso medo é tornado cem ou mil vezes maior por nosso próprio exagero do
perigo. O medo atormenta uma pessoa todo o tempo. Ela tem medo de ir para o
inferno e, assim pensando, torna-se um asura. Dessa forma, ela cai todos os dias
nos Quatro Estados Maléficos, dia após dia, mês após mês, ano após ano. Se
agirmos corretamente, sem cair nos Estados Maléficos agora, poderemos estar
certos de que após a morte não cairemos nos Estados Maléficos pintados nos
murais dos templos.
Esta interpretação dos Estados Maléficos concorda com o significado e o
propósito daquilo que ensinou o Buddha. Aqueles tipos de falsas crenças com
relação aos Quatro Estados Maléficos deveriam ser tomados como superstição.
A coisa mais deplorável a respeito dos buddhistas é o modo impreciso como
interpretamos o ensinamento do Buddha e o modo estúpido como o colocamos
em prática. Não há razão pra procurarmos a superstição em outros lugares. Nos
textos há referências às pessoas que imitavam o comportamento de vacas e cães;
eram práticas costumeiras na Índia nos tempos do Buddha. Não há mais isso nos
dias atuais, mas ainda existem comportamentos tão tolos e ainda mais
indesejáveis. Assim, abandone todas as superstições e entre na Corrente do
Nibbāna. Abandonar a crença numa entidade-ego permanente, abandonar a
dúvida e abandonar a superstição é entrar na Corrente do Nibbāna e conquistar o
Olho do Dhamma - o olho que vê o Dhamma e é livre da ilusão e da ignorância.

Mantenham em mente que para nós, mundanos, há sempre certa


quantidade de ignorância e ilusão na forma de crença no eu, dúvida e
superstição. Devemos subir um degrau e nos vermos livres desses três tipos de
estupidez, a fim de entrar na Corrente do Nibbāna. A partir desse ponto há um
fluir ladeira abaixo, uma descida conveniente em direção ao nibbāna, como uma
grande pedra descendo pela montanha. Se alguém quiser se inteirar do nibbāna e
da Corrente do Nibbāna, se quiser praticar para atingi-lo, então deve
compreender que esses três tipos de ilusão e estupidez devem ser abandonados
antes de se abandonar o desejo sensorial e a má-vontade, que são grilhões de um
tipo superior e mais sutil. Simplesmente abandonando essas três formas de
ignorância entra-se na Corrente do Nibbāna. Abandonar completamente o auto-
centrismo, a hesitação em definir um objetivo na vida, e os comportamentos
supersticiosos profundos é entrar na Corrente do Nibbāna. Podem notar que este
tipo de abandono tem um valor universal e é aplicável a todas as pessoas no
mundo. Essas três formas de ignorância não são desejáveis. Tão logo alguém
seja capaz de abandoná-las, torna-se um ária, um nobre. Anteriormente ele é um
tolo, uma pessoa iludida, um mundano inferior, de modo algum um ária. Quando
se desenvolveu e progrediu para o nível mais superior do estado mundano, é
preciso avançar ainda mais, até atingir o estágio onde não há mais para onde ir, a
não ser para a Corrente do Nibbāna, tornando-se um sotāpanna. Continua-se a
avançar e flui-se para o próprio Nibbāna.

A prática que nos afasta da ganância, do auto-centrismo e da ilusão é a


observação de todas as coisas como sendo sem valor para serem alcançadas ou
seguradas. Isto resulta na erradicação da hesitação, da ganância cega e do auto-
centrismo. Assim, devemos começar a formar um interesse no não apego neste
próprio minuto, cada um de nós no nível mais apropriado para nós. Se você
fracassa numa prova não é necessário chorar. Determine-se a começar
novamente e fazer o melhor. Se passar numa prova, não deve se deixar levar,
mas simplesmente compreender que este é o modo normal de as coisas
ocorrerem. Isso significará que surgiu certo entendimento do não agarrar e do
não segurar.

Quando alguém está realizando uma prova, é preciso esquecer-se de si


mesmo. Anote isto! Quando estiver começando uma prova, você deve esquecer-
se de si mesmo. Esqueça-se do “eu” fazendo o teste, o qual sucederá ou
fracassará. Você pode imaginar como será passar na prova e planejar de acordo,
mas tão logo começar a escrever, você deverá esquecer tudo isso. Deixe apenas a
concentração, a qual escrutinará as questões e buscará as respostas. Uma mente
livre do “eu” e do “meu”, os quais passarão ou fracassarão, imediatamente se
torna ágil e limpa. Ela se lembra imediatamente e pensa de maneira precisa.
Assim, irá sentar-se para um prova com concentração apropriada; irá produzir
bons resultados. Esta é a maneira de aplicar cit waang (uma mente livre da
ilusão do eu), ou o não agarrar e não segurar buddhistas, quando realizando uma
prova. Dessa forma se alcançará bons resultados.

Aqueles que não sabem fazer bom uso dessa técnica sempre se sentem
ansiosos a respeito do fracasso. Tornam-se tão nervosos que são incapazes de se
lembrar daquilo que aprenderam. Não conseguem escrever de maneira precisa e
prover respostas organizadas. Consequentemente, fracassam completamente.
Outros são levados pela ideia de “eu sou brilhante, eu certamente passarei”. Um
aluno levado por tal tipo de apego e agarramento também está fadado a ir mal,
pois carece de cit waang. De outro lado, para uma “pessoa” que tem cit waang
não há “eu” ou “meu” envolvidos e, assim, ela não entrará em pânico nem se
tornará superconfiante. Apenas restará a concentração, que é um poder natural.
Esquecendo inteiramente do eu, esse alguém tem sucesso na prova. Este é um
exemplo elementar e básico do efeito do não apego e de cit waang.
Agora, uma pessoa estúpida e iludida, tão logo escuta a palavra suññatā
mencionada nas palestras dos templos, traduz a palavra como “a mais completa
vacuidade ou nada”. Esta é a interpretação materialista e é a forma como certos
grupos a entendem. O suññatā do Buddha significa a ausência de qualquer coisa
que possamos agarrar ou segurar como sendo uma entidade ou eu permanente,
embora fisicamente todas as coisas lá estão em sua inteireza. Quando seguramos,
há dukkha; quando não seguramos, há a liberdade em relação a dukkha. A
palavra é descrita como vazia porque nada há que nós tenhamos o direito de
agarrar. Devemos lidar com este mundo vazio com uma mente que não segura.
Se quisermos algo, deveremos buscá-lo com uma mente livre do apego, de forma
a conquistarmos o objeto desejado sem que ele se torne uma fonte de sofrimento.

Não compreender a palavra “vazio” - somente esta simples palavra - é uma


grande superstição (sīlabbata-parāmāsa) e se constitui num grande obstáculo
para a conquista da Corrente do Nibbāna. Vamos, então, compreender, de forma
apropriada e completa, a palavra “vazio”, e todas as outras palavras utilizadas
pelo Buddha,. Ele descreveu o mundo como sendo vazio, pois nele nada há que
possa ser tomado como eu ou ego. Ele respondeu a pergunta do rei Mogha
dizendo: “Sempre veja o mundo como algo vazio. Sempre olhe para o mundo,
com tudo aquilo que contém, como algo vazio”. Vendo-o como vazio, a mente
automaticamente se torna livre do agarrar e do segurar. Não poderá surgir a
paixão, o ódio e a ilusão. Ser bem sucedido nesta tarefa é tornar-se um arahant.
Se não se consegue ser bem sucedido, é preciso continuar tentando; mesmo
sendo ainda um mundano comum, se terá menos sofrimento. Nenhum
sofrimento surge enquanto existir cit waang. Sempre que alguém é levado por
outras coisas e esquece, o sofrimento volta. Se mantivermos uma boa
observação, produzindo o vazio (da ideia de eu) mais e mais frequentemente, e
de maneira duradoura, seremos capazes de penetrar a essência do Buddhismo, e
conhecer a Corrente do Nibbāna.

48) AGORA, NO POUCO TEMPO QUE NOS RESTA, FAREI A


ÚLTIMA PERGUNTA, “QUAL FOI A ÚLTIMA INSTRUÇÃO QUE
O BUDDHA NOS DEIXOU?”
Como todos sabem, alguém que está para morrer, geralmente deixa um
testamento, um conjunto de instruções finais. Quando o Buddha estava para
morrer, ele proferiu as seguintes palavras: “Todas as coisas compostas estão
sujeitas à decadência. Estejam bem equipados com a diligência!”. Tudo não mais
é que um fluxo perpétuo, isto é, tudo é vazio (de um eu). Todas as coisas são
anicca, mudam incessantemente, fluem sem fim. Tal fluxo perpétuo é
desprovido de um eu ou qualquer coisa pertencente a um eu. Estejam vigilantes e
bem preparados. Em outras palavras, não sejam tolos, não se tornem
apaixonados pelas coisas, não considerem que qualquer coisa valha a pena ser
agarrada ou segurada. Não se apeguem a nada sem pensar. Isso é o que ele
queria dizer com diligência. Devemos estar sempre equipados com tal diligência.
Mas os jovens são um problema. Olhem quão desatentos eles são. Tomam
todas as coisas como completamente desejáveis, como merecedoras de apego e
possessão. Apegar-se a elas como desejáveis ou desagradáveis, em última
análise, é uma fonte de stress para si e para os outros. Tais pessoas não estão
seguindo as instruções dadas no testamento do Buddha. Desperdiçam o benefício
de terem nascido como seres humanos e de pais buddhistas. Não estão
cumprindo o último desejo do Buddha.

Todos nós, jovens e velhos, temos condições de cumprir as últimas


instruções do Buddha. Não sejamos negligentes ou desatentos. Não vamos seguir
pela vida sem consciência, tomando as coisas como merecedoras de apego ou
possessão. Possamos sempre ver o mundo como vazio de qualquer eu ou
qualquer coisa pertencente a um eu. Nossas mentes serão livres do apego;
paixão, ódio e ilusão não surgirão na mente. E assim conquistaremos a coisa
suprema que é possível para a humanidade. Em outras palavras, todos os
problemas cessarão, e isso é tudo.
O Buddha nos deu outra instrução final: “Partam e preguem bem a
doutrina, esplêndida no começo, no meio e no fim”. Eu gosto de interpretar esta
instrução como estimulando-nos a ensinar o não agarrar e o não segurar no nível
elementar das crianças, no nível intermediário dos adultos, e no nível mais
superior e avançado daqueles que se dirigem ao Estado Supremo e para os quais
nada mais importa. O Buddha ensinou apenas o não agarrar, nada mais. Isso
pode ser ensinado em diferentes níveis: no das crianças, no das pessoas de meia-
idade, no das pessoas velhas. Ou pode ser interpretado de outra forma. Ensinem
o Dhamma para o benefício das pessoas que vivem no mundo, isso num nível
grosseiro; para o benefício em outros mundos, num nível intermediário; e, então,
para o benefício supremo, o qual transcende todos os mundos.

Toda a essência do ensinamento pode ser sumarizada como sendo a


liberdade em relação ao sofrimento através do não-apego. Daí o mais importante
ensinamento ser este não agarrar e não segurar; esta ausência de qualquer ideia
de eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu. Por favor, então, cada um de
vocês mantenha em mente uma palavra, uma única palavra que revela todo o
Dhamma, a simples sílaba waang (vazio, livre), que em pāli é suññatā - o cerne
e essência do Buddhismo. As pessoas quebram os preceitos morais porque
carecem de cit waang (a mente livre da ideia de eu). As pessoas não têm
concentração porque não têm cit waang. As pessoas não têm insight porque não
têm cit waang. O Buddha tinha cit waang. Cit waang é o que o estado de
Buddha é. O Dhamma é simplesmente o ensinamento de cit waang, a prática que
leva a cit waang, e o fruto dessa prática, que é cit waang, e, derradeiramente,
nibbāna. A Sangha consiste em pessoas que seguem os sistemas de prática do
Buddha a fim de atingirem cit waang. Buddha, Dhamma e Sangha podem ser
sintetizados na palavra waang (livre, vazio, vacuidade). É-se bem sucedido em
manter os preceitos morais através da abstenção do agarrar e segurar e através do
ser livre das impurezas mentais, liberdade em relação ao agarrar e segurar.
Quando cit waang é atingido, as impurezas estão ausentes e a concentração
atinge seu pico. Quando alguém consegue ver as coisas (do mundo) como
vazias, ela não se agarra ou se segura a nenhuma delas, e atinge o completo
insight. A Via e o Fruto do Nibbāna consistem em compreender o vazio e,
sucessivamente, atingir os frutos do vazio até seu ápice. Caridade, moralidade,
tomar refúgio (no Buddha, Dhamma e Sangha), concentração, insight, Via e
Fruto e nibbāna - tudo pode ser sintetizado na simples palavra waang (vaziez).

Essa é a razão para o Buddha ter dito: “Vaziez é o que ensino. Um


ensinamento que não trata da vaziez é o ensinamento de um outro, um
ensinamento não ortodoxo composto por um discípulo posterior. Todos os
discursos que são pronunciamentos do realizado são profundos, de significado
profundo, meios para a transcendência do mundo e tratam primariamente da
vaziez (suññatā)”. Isto foi falado pelo Tathāgata. De outra parte: “Um discurso
de qualquer tipo, embora produzido por um poeta ou erudito, em versos, poético,
esplêndido, melodioso nos sons e sílabas, não é fiel ao ensinamento, se estiver
desconectando do suññatā”. Há dois tipos de discursos. Aqueles que lidam com
suññatā são pronunciamentos do Buddha; aqueles que não tratam de suññatā são
pronunciamentos de seguidores posteriores.

Dessa forma, o Buddha considerou ser suññatā, e os discursos lidando


com suññatā, a real essência do buddhismo. Esta é a razão por ter dito: “Quando
o ensinamento de suññatā desaparecer e mais ninguém estiver interessado nele,
então, a essência real do Dhamma terá sido perdida”. Isso é semelhante ao
tambor dos reis Dasāraha nos tempos antigos, o qual era passado de geração a
geração. À medida que foi sendo desgastado e dilapidado, ele era consertado e
emendado sucessivamente, num período longo de tempo, até que, finalmente,
não havia nada mais lá além dos novos materiais. Sua real substância havia
desaparecido completamente. Quando chega o momento em que os bhikkhus
não mais se interessam pelo estudo, e por prestar atenção a tópicos relacionados
a suññatā, que é o tema que deveriam estar estudando e praticando, nesse
momento, pode ser dito que a substância original do Buddhismo foi
completamente perdida e nada permanece além de um material novo,
pronunciamentos de discípulos posteriores, tal como na estória do tambor.
Pensem nisto! O Buddha nos incentivou a ensinar o Dhamma, esplêndido no
começo, no meio e no fim, em termos de não agarrar e não segurar. Mas qual a
condição do Buddhismo atualmente? É como o tambor original ou consiste
apenas de novo material, somente remendos? Podemos descobrir por nós
mesmos simplesmente examinando se as pessoas estão interessadas em suññatā
e praticam suññatā.

Estas foram as últimas instruções do Buddha aos seus discípulos: praticar a


diligência quanto ao ensinamento, proclamar seu ensinamento e restaurar o
material decadente para uma condição fresca e saudável através do estudo de
suññatā. Isto deve ser feito pela exploração, experimentação, estudo e discussão
até o momento em que a compreensão deste ensinamento foi revivida e
podermos dizer que o material genuíno foi restaurado à sua condição original.
Conclusão
Sintetizamos o Ensinamento no formato de seções curtas a fim de ser
facilmente entendido e lembrado, juntamente com citações dos textos. Espero
que se lembrem dos pontos aqui discutidos, pois ilustram verdades fundamentais
para serem mantidas em mente, sendo princípios gerais que podemos utilizar
para julgar e decidir várias questões que possamos encontrar no futuro. O
Buddha disse que se alguma dúvida surgir a respeito de qualquer ponto, devemos
comparar a proposição em dúvida com os princípios gerais. Se fracassar em se
encaixar nos princípios gerais, podemos rejeitá-la como não sendo um
ensinamento do Buddha. Quem quer que tenha feito o pronunciamento, o fez
incorretamente; tal mestre está ensinado a coisa errada. Mesmo se tiver afirmado
que ouviu do próprio Buddha, não acreditem em uma palavra dele. Se não se
encaixar nos princípios gerais, isto é, não se encaixar nos Suttas e no Vinaya,
rejeitem como não sendo uma afirmação do Buddha. O ensinamento do Buddha
é sobre não agarrar, não segurar, suññatā, anattā (não-eu), e qualquer coisa
lidando apenas com elementos, ao contrário de seres, indivíduos, egos, “eu”,
“ele” ou “ela”.

No interior, na região de onde vim, as pessoas costumavam aprender este


verso em pāli no primeiro dia em que iam morar num mosteiro:

Yathā paccayaṁ pavattamanaṁ dhātumattamevetaṁ


Tais coisas são meramente elementos naturais incessantemente condicionados
por condições
Dhātumattako
Tão somente elementos
Nissatto
Não seres reais
Nijjivo
Não vidas individuais
Suñño
Vazios de qualquer auto-entidade
Elas deviam aprendem isso como a primeira coisa no primeiro dia em que
iam morar num mosteiro. Ainda não haviam aprendido como prestar respeito à
imagem do Buddha, como recitar ou como realizar os serviços da manhã e da
tarde; não haviam ainda aprendido a realizar os procedimentos da pré-ordenação.
Em outras palavras, os recém-chegados eram equipados com o conhecimento
supremo, a própria essência do Buddhismo, desde o primeiro dia em que
entravam no mosteiro para pedir a ordenação. Se tal costume ainda existe em
algum lugar, eu não sei, e se os aspirantes à ordenação entenderiam o que este
verso significa, eu também não sei. Mas o objetivo desse hábito era excelente:
dar a alguém a essência do Buddhismo desde o primeiro dia em que chegassem.
“Yathā paccayaṁ (Tais coisas são condicionadas causalmente, isto é,
desprovidas de um eu permanente). Dhātumattamevetaṁ (Tais coisas são
meramente elementos, isto é, desprovidas de um eu permanente). Nissatto,
nijjivo, suñño (vazias, nenhum indivíduo ou pessoa, desprovidas de um eu
permanente)”. Isso eles aprendiam desde o primeiro dia, mas seus descendentes
deixaram que esse costume desaparecesse. Quem será culpado quando chegar o
dia em que suññatā será tão pouco compreendido que nada mais restará do
buddhismo original?
Espero que isso tenha servido um pouco para estimulá-los, pessoas boas, a
pensar um pouco e, assim, ajudar a nutrir e sustentar o Buddhismo.

Pelo bem da paz e da felicidade do mundo, esqueçam tudo sobre tal ‘eu’!
Referências Escriturais
Nas palestras originais, Ajahn Buddhadāsa fornecia, quando apropriado,
referências (volume e página) para suas fontes na edição da Royal Siamese Pāli
do Tipitāka. Traduzimos tais referências num formato que possa ser de ajuda
para os leitores em sua consulta de traduções ocidentais. Elas estão listadas de
acordo com a numeração das seções de perguntas no “Conteúdo”.
1. Majjhima Nikāya, Alagaddūpama Sutta (#22)

3. Majjhima Nikāya, Cūḷataṇhāsaṅkheyya Sutta (#37)

5. Aṅguttāra Nikāya, Catukkanipāta, Rohitassa-vagga (#45)

6. Majjhima Nikāya, Alagaddūpama Sutta (#22)

7. Saṁyutta Nikāya, Mahāvāra-vagga, LV, vi, 3

8. Saṁyutta Nikāya, Mahāvāra-vagga, XLV, i, 76

9. Aṅguttāra Nikāya, Pañcakanipāta, O Guerreiro (#79)

10. Majjhima Nikāya, Cūḷasaccaka Sutta (#35)

11. Aṅguttāra Nikāya, Tikanipāta, Mahāvagga, Kālāma Sutta (#65)

12. Aṅguttāra Nikāya, Tikanipāta, Iluminação (#103)

13. Majjhima Nikāya, Saḷāyatanavibhaṅga Sutta (#137)

14. Aṅguttāra Nikāya, Tikanipāta, Devadutavagga (#33)

Aṅguttāra Nikāya, Catukkanipāta, Kammavagga (#234)

15. Aṅguttāra Nikāya, Tikanipāta, Puggalavagga (#22)

16. Aṅguttāra Nikāya, Catukkanipāta, Sañcetanavagga (#180)

17. Aṅguttāra Nikāya, Tikanipāta, Brāhmanavagga (#56)

18. Aṅguttāra Nikāya, Catukkanipāta, Uruvelāvagga (#21)

19. Itivuttaka, III, v, iii

20. Dīgha Nikāya, Mahāvagga, Mahāparinibbāna Sutta (#16)

21. Sutta-nipāta, Parayanavagga, Vatthugāthā

22. Majjhima Nikāya, Cūḷasuññatā Sutta (#121)

23. Paṭisambhidāmagga, Yoganaddhavagga, Suññakathā

24. Saddhammappajjotikā Parte 1.

25. Paṭisambhidāmagga, Paññavagga, Vipassanākathā

26. Aṅguttāra Nikāya, Navakanipāta, Mahāvagga (#36)

27. Aṅguttāra Nikāya, Navakanipāta, Mahāvagga (#41)

28. Aṅguttāra Nikāya, Navakanipāta, Pancālavagga (#51)

Aṅguttāra Nikāya, Sattanipāta, Abyākatavagga (#52)

29. Majjhima Nikāya, Bhaddāli Sutta (#65)

31. Dīgha Nikāya, Mahāvagga, Mahāparinibbāna Sutta (#16)

34. Udāna, Cullavagga, VII, i e ii ; Aṅguttāra Nikāya, Sattanipāta,
Abyākatavagga (#53)

37. Majjhima Nikāya, Angulimāla Sutta (#86)

39. Itivuttaka, I, iii, 7

40. Aṅguttāra Nikāya, Navakanipāta, Sihanādavagga (#20)

41. Itivuttaka, III, iv, 4

48. Dīgha Nikāya, Mahāvagga, Mahāparinibbāna Sutta (#16)


Sobre o tradutor da edição inglesa
Rod Bucknell começou a se interessar seriamente pelo Buddhismo em
meados de 1960, quando, durante uma visita à Tailândia, foi introduzido nas
práticas da meditação da visão clara. Após um ano em vários centros de
meditação e mosteiros tailandeses, foi ordenado monge sob a orientação de
Ajahn Paññananda, do Wat Cholapratan Rangsarit. Tornou-se logo interessado
nos ensinamentos de Ajahn Buddhadāsa, e, reconhecendo seu valor potencial
para os ocidentais, começou a traduzir algumas das obras mais importantes do
Ajahn para o inglês. Durante os quatro anos em que permaneceu na Sangha, ele
traduziu seis obras de tamanhos variados, trabalhando usualmente em contato
estreito com o Ajahn, a fim de garantir a precisão da tradução dos conceitos
chaves. Apesar de seu retorno à vida doméstica, ele mantém o intenso interesse -
tanto acadêmico quanto prático - nos ensinamentos de Ajahn Buddhadāsa, e
publicou vários artigos em revistas de estudos religiosos. Atualmente ele é
palestrante no Departamento de Estudos de Religião da Universidade de
Queensland, Austrália.



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Shinran: Sua Vida e Pensamento por Norihiko Kikumura
BÔNUS: CAPÍTULO “A VIDA HARMONIOSA” DO LIVRO
‘JOIAS RARAS DO ENSINAMENTO BUDDHISTA’

Ayya Khemā se tornou monja buddhista em
1979, no Sri Lanka, e foi uma das mais
influentes líderes buddhistas. Ela
estabeleceu o Wat Buddha Dhamma, um
mosteiro na tradição das florestas perto de
Sydney, Austrália, em 1978. No Sri Lanka,
ela criou o International Buddhist Women’s
Center para treinamento de monjas e na
Alemanha estabeleceu o Buddha-Haus em
1989.
Quando cantamos juntos, temos que ter ritmo e harmonia. Devemos prestar
atenção ao tempo e às outras pessoas ou ficaremos fora de sintonia. O mesmo é
verdade quando vivemos juntos. Temos que prestar atenção aos outros, sentir
nossa sensação de estarmos juntos e criar harmonia. As pessoas precisam disso
como fundamento para viver com habilidade.
A vida habilidosa geralmente se estraga porque nenhum de nós tem nem
harmonia nem atenção ao nosso tempo apropriado. E o que criamos no mundo se
torna uma imagem espelhada do que encontramos em nós mesmos. O verdadeiro
primeiro passo em criar harmonia acontece dentro de nós mesmos. Isto não
requer nenhuma situação especial, mas pode ser feito quer estejamos sentados na
sala de meditação, remando um barco, cozinhando o almoço, lendo um livro, ou
trabalhando no jardim. Criar um sentimento harmonioso em nós depende de
estarmos contentes. De outra forma, haverá desarmonia.
Contentamento não deve ser dependente das condições externas, que nunca são
perfeitas. Depois de meses de seca, todo mundo reclama do fato de não haver
água para muitas plantas. Agora nós temos o contrário – está muito úmido e o
solo está lamacento e escorregadio. Onde podemos encontrar perfeição no
mundo? Se estivermos procurando por condições externas para nos trazer
contentamento, estaremos procurando em vão. Temos que encontrar condições
internas que conduzem ao contentamento. Uma delas é a independência – não
independência financeira, que pode trazer outros perigos, mas independência
emocional da aprovação dos outros. Isto exige o conhecimento de que estamos
tentando fazer o melhor que podemos, e se alguém desaprova, este é o modo
como as coisas são. Nem todo mundo aprovava o Buddha também, mas o
Buddha disse: “Eu não discuto com o mundo. O mundo discute comigo”. Ele
aceitou o fato de que as pessoas podiam fazer objeção a ele ou à sua doutrina.
Ele entendeu totalmente que nem todo mundo pode concordar. Ser independente
também inclui não buscar por apoio dos outros. Às vezes, o melhor que podemos
fazer pode ser muito bom; às vezes é apenas medíocre. Isto também deve ser
aceito. Nós não podemos esperar que todo mundo nos apoie. Se às vezes não
podemos fazer tão bem quanto pensávamos que poderíamos, isto também está
bem; e não há razão para descontentamento.
A independência emocional requer a existência de um coração amoroso. Se
estivermos buscando por amor, nós estaremos emocionalmente dependentes e
geralmente descontentes, porque não temos o que queremos, ou não temos o
suficiente. Mesmo se temos o suficiente, nós ainda assim não podemos depender
dele para preencher nossas necessidades. Buscar amor é um esforço totalmente
insatisfatório e irrealizável. O que realmente funciona, entretanto, é amar os
outros, o que traz independência emocional e contentamento. Amar os outros é
possível quer o outro corresponda ou não. Amor não tem nada a ver com o outro;
é uma qualidade dos nossos próprios corações.
O contentamento depende de se criar um campo de harmonia dentro dos nossos
corações – um lindo campo aberto, cheio de flores, contendo amor,
independência emocional, e autoaceitação. Nós não buscamos por amor ou
aprovação, mas os damos indistintamente. Isto é simples e funciona. Isto
constitui um coração generoso. Normalmente, quando alguém necessita alguma
coisa de nós, nosso ego se sente ameaçado, medroso e diminuído. Isto é muito
evidente no nível material, quando temos medo de perder nossas posses.
Podemos sentir a mesma ameaça quando alguém quer nosso amor. Se damos
amor e aprovação, entretanto, não estamos nem ameaçando nem sendo
ameaçados. Amar é o único modo de podermos viver em harmonia com nós
mesmos.
Às vezes, não nos sentimos bem fisicamente. Isto também não é razão para
descontentamento. “É natural adoecer”, o Buddha nos convida a lembrar. Não se
fala em se tornar infeliz ou descontente por causa disso. É da natureza do corpo
ter alguns problemas. Outras vezes, pode haver desejos na mente. Nós podemos
permitir isso, mas não temos que nos envolver com esses desejos. Se sofremos
com o dukkha que a mente e o corpo geram, nunca haverá qualquer
contentamento. Onde podemos encontrar contentamento? Certamente não em
edifícios, na natureza ou em outras pessoas. Há somente um único lugar: dentro
de nossos corações. Nesta base reside o entendimento de que o oferecimento de
amor e apoio cria um campo de harmonia em torno de nós, que é também nosso
campo de treinamento.
É um campo de treinamento para a vida habilidosa porque nos confrontamos
com os outros. Nós necessitamos da reflexão do nosso próprio ser nos outros
para podermos nos ver claramente. Quando existe desarmonia com outra pessoa,
esta é a imagem espelhada de nós mesmos. Não poderá haver desarmonia com
os outros se nos sentimos harmoniosos interiormente. A imagem do espelho não
mente. Um dos discursos do Buddha descreve três monges que viviam juntos
como leite e água. Suas ideias e desejos se misturavam completamente. Havia
total harmonia porque nenhum deles procurava seu próprio modo. Pelo menos
isto nos dá uma ideia do que é possível; de outro modo, iremos continuar a
acreditar que nossa negatividade é justificada.
“Harmonia” tem muitos significados diferentes. Principalmente, é o centro
essencial de viver feliz. Às vezes ficamos apegados ao nosso próprio sofrimento.
Isto é muito comum. Mas, quando vemos a tolice disso, nós podemos parar.
Felicidade é verdadeiramente o objetivo de todo ser vivo, não somente dos seres
humanos. Nós tentamos meditar para nos tornarmos mais felizes, mas não
podemos sentar em meditação por todo o dia. Às vezes, até sentimos que através
da meditação surgem ressentimentos enterrados e dolorosos, que particularmente
não queremos ver. Podemos sentir que através da meditação surge mais
sofrimento do que tínhamos antes, mas isso é somente porque finalmente o
admitimos e o vemos claramente. Isso estimula a compaixão por todas as
pessoas, por vermos que ser um humano significa sofrimento. Existem diferentes
estágios no desenvolvimento espiritual, e no princípio nós somos como crianças.
Quer estejamos no quinto, sexto ou sétimo graus, nós todos somos ainda crianças
no processo de crescimento.
Algumas pessoas são capazes de lidar com seu sofrimento melhor do que outras.
Um modo pouco habilidoso de lidar com ele é tentar fugir dele. Quando
corremos, o sofrimento tem o hábito de acompanhar. O sofrimento não vive em
um certo lugar ou em uma situação particular, ele vive em nossos próprios
corações. Ele monta no mesmo avião, barco, ou carro conosco, e vai aonde
formos. Tentar escapar dele fugindo é claramente impossível.
Outro modo inábil que todos temos tentado é culpar alguma outra pessoa,
situação ou coisa. Isto significa que nós não aceitamos a responsabilidade por
nossas próprias vidas. Um terceiro modo inábil de lidar com o sofrimento é se
tornar deprimido ou infeliz. Essa é a nossa reação mais comum. Então, segue-se
a resignação, até que alguma coisa agradável aconteça para nos libertar – um
bolo de aniversário, um sorvete, ou um elogio – e nosso humor se levanta.
Esses meios de se lidar com o sofrimento nos mantém no balanço entre desejo e
rejeição. O único meio realmente habilidoso de se lidar com o sofrimento é olhar
para ele como uma experiência de aprendizado e se lembrar que o Buddha
ensina o sofrimento como a primeira das quatro nobres verdades. Obviamente,
ele conhece as dificuldades humanas.
A segunda nobre verdade é a causa do sofrimento, que é o desejo sedento: querer
alguma coisa que não temos ou querer se livrar de alguma coisa que temos. Não
há outras causas do sofrimento. Se vemos o sofrimento dentro e não nos
tornamos envolvidos por ele, mas o aceitamos como uma realidade, como parte
da vida, podemos também encontrar a causa para ele em nós mesmos. Então,
podemos dizer: “Está certo, é assim que ele é”. Se pudermos aceitar a primeira e
a segunda Nobres Verdades, então poderemos assumir que a terceira e a quarta
devem ser verdadeiras também. A terceira Nobre Verdade é a realização da
cessação de todo o sofrimento – nibbāna, libertação total – e a Quarta é o Nobre
Caminho Óctuplo, que leva à completa libertação. As primeiras duas verdades
são fáceis de provar – podemos experimentá-las muitas vezes cada dia. Tudo que
temos que fazer é prestar atenção.
O sofrimento surge continuamente, e não cessará até que todo desejo sedento
tenha sido eliminado, quando nos tornamos um arahant, totalmente iluminado.
Por que deveríamos nos surpreender quando o sofrimento surge? Seria mais
lógico se surpreender quando o sofrimento não surge. Se somos surpreendidos
quando o sofrimento surge, isso significa que estamos ainda esperando encontrar
total satisfação ou preenchimento no mundo.
Para ter harmonia interior, devemos aceitar o sofrimento como parte integral do
ser humano. Se nós não gostamos e rejeitamos, nossa resistência a tornará pior, e
fugir dela se tornará prioridade. Normalmente isto incluirá tentar mudar as
pessoas, situações, nosso trabalho, ou qualquer outra coisa que venha à nossa
mente. Nós nunca poderemos eliminar o sofrimento dessa forma, mas somente
através do abandono do desejo sedento – esse é o ensinamento do Buddha. Neste
estágio de nossas vidas, podemos tomar essas palavras como orientações para a
prática. Já começa a aparecer um vislumbre de esperança quando podemos
verificar algumas das coisas que ele disse, e podemos aceitar o restante na
confiança de tentar entendê-las.
Quando surge o sofrimento, podemos perceber que alguma coisa que queremos
não está acontecendo. Nós podemos encontrar o desejo e largá-lo, pois não há
outro meio de evitar o sofrimento. Quanto mais abandonamos o desejo sedento,
mais harmonia temos. O desejo atrapalha a harmonia. Imagine que estamos
cantando juntos e uma pessoa quer ser escutada acima de todas as outras, ou
outra quer cantar mais rápido. Toda a harmonia é interrompida.
O contentamento em nossos corações é enraizado na independência emocional,
em dar amor e aprovação, ao invés de tentar receber. Nós precisamos entender
que todo o sofrimento baseia-se no desejo, e que devemos portanto largar os
desejos. Esse é o caminho e o ensinamento. Nós frequentemente esquecemos
essas verdades básicas. Por que nos esquecemos tão facilmente? Nossa
afirmação e identificação com o ego é básica, e reduz tudo mais a algo sem
importância. Nossas mentes estão preocupadas com “eu” e “meu,” e desde que
todo mundo pensa dessa forma, o mundo é um lugar desarmônico. Podemos
encontrar harmonia somente em nossos corações; ela não nos poderá ser dada
por nenhuma outra pessoa. O Buddha nos mostrou o caminho através da
meditação do amor irradiante (mettā), da conduta amorosa, das absorções
meditativas (jhāna) e da meditação da visão penetrante (vipassanā). Esses são
todos meios para a libertação e não fins em si mesmos. Nosso objetivo é a
compreensão da impermanência (anicca), insatisfatoriedade (dukkha), e não
existência de um centro substancial (anattā) – dentro da natureza de constantes
mudanças, dentro das dificuldades inerentes à vida, e dentro dos jogos que o ego
representa, perturbando a paz e a harmonia. Existem problemas somente quando
eu os tenho. Se não há “eu,” como pode haver um problema?
Harmonia é a sensação de estar junto dos outros, mas também junto de si
mesmo. Tornar-se uma pessoa total traz harmonia. A palavra “sagrado” (holy em
inglês) tem raízes na palavra “total, completo” (whole em inglês). Nós não
precisamos ser sagrados (holy), mas totais (whole) e completos em nós mesmos.
Esse é o mais difícil e o trabalho de maior valor que podemos executar. Quando
soubermos que não há nada nos faltando, não há nada que precisemos encontrar
em algum lugar no exterior, o contentamento e a paz começarão a preencher
nossos corações.

CONFIRA O LIVRO ‘JOIAS RARAS DO ENSINAMENTO BUDDHISTA’


NA AMAZON

[1]
Pequenas casas comumente encontradas na Tailândia e que são consideradas moradas de `espíritos’
protetores da casa (nota do tradutor).

[2]
Baht é a unidade econômica da Tailândia. É dividido em cem satang. (nota do tradutor).

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