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As 4 nobres verdades

Ao iluminar-se, o Buda Shakyamuni viu que o universo dos fenômenos funciona de acordo
com a verdade da Gênese Condicionada. Quando decidiu ensinar o que tinha visto, o Buda per-
cebeu que a Gênese Condicionada seria de difícil compreensão e poderia até gerar medo se
fosse explicada de pronto.
Por isso, em vez de começar pela Gênese Condicionada, o Buda ensinou primeiro as Quatro
Nobres Verdades. O primeiro período dos ensinamentos do Buda é chamado “Primeiro Giro da
Roda do Darma”.

As Quatro Nobres Verdades não diferem da verdade da Gênese Condicionada e, por certo,
não a contradizem.

Elas simplesmente dirigem o foco da Gênese Condicionada para a vida humana, fazendo com
que esta pareça mais relevante para as pessoas e fique mais fácil de entender.

As Quatro Nobres Verdades são:


 verdade do sofrimento;
 verdade da origem do sofrimento;
 verdade da cessação do sofrimento;
 verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento.

A palavra “sofrimento” nesse contexto é a tradução consagrada do sânscrito dukkha, cujo


significado mais aproximado seria o de “insatisfação”.

Significado Profundo das Quatro Nobres Verdades


O uso da palavra “verdade” nas “Quatro Nobres Verdades” é explicada da seguinte maneira
no Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática da Ioga): “Da verdade do
sofrimento à verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento, não há nada que seja
falso ou enganoso e, portanto, tudo isso é considerado ‘verdadeiro’”.
O mesmo livro explica a palavra “nobre”, nas “Quatro Nobres Verdades” deste modo:
“Somente os nobres conseguem compreender essas verdades e contemplá-las. Os ignorantes
não conseguem compreendê-las ou contemplá-las. Portanto, essas verdades são chamadas
‘Nobres’ Verdades”.
O Comentário sobre o Tratado da Visão do Meio diz: “As Quatro Nobres Verdades são o ponto
de passagem entre a ilusão e a iluminação. Quando elas não são compreendidas, persiste o
apego aos Seis Reinos. Se compreendidas, alcança-se a santidade”.
De acordo com o Sutra dos Ensinamentos Legados pelo Buda: “A Lua pode se aquecer e o Sol -
esfriar, mas as Quatro Nobres Verdades nunca mudarão”.
As Quatro Nobres Verdades estão no cerne da vida. Explicam todos os estados de consciên-
cia existentes no universo e ensinam como se libertar de todas as formas de ilusão.

É necessário sabedoria para compreender as Quatro Nobres Verdades. A primeira verdade


diz que a vida é cheia de sofrimento. A segunda, que o sofrimento é causado por nosso apego
à ilusão. A terceira verdade diz que a iluminação, ou a total libertação do sofrimento, é possí-
vel. A última diz como alcançar a iluminação.
As duas primeiras Nobres Verdades têm relação de causa e efeito entre si. A primeira é o efei-
to; a segunda é a causa. Igual relação existe entre a terceira e a quarta, sendo a terceira o efei-
to causado pela quarta.
À primeira vista, cabe perguntar por que o Buda colocou as Quatro Nobres Verdades nessa
ordem. Não pareceria mais lógico que a segunda e a quarta verdades, ambas causas, viessem
antes da primeira e da terceira, que são os efeitos?

Ainda que em ordem diferente, as Quatro Nobres Verdades continuariam sendo com-
preensíveis. Contudo, a sequência escolhida pelo Buda permite que as verdades sejam ensi-
nadas da forma mais eficaz possível.

Para a maioria das pessoas, é mais fácil entender primeiro o efeito, –depois sua causa. Por
isso, o Buda apresentou primeiro a verdade do sofrimento e depois explicou a causa do sofri-
mento. Assim que se compreendem as duas primeiras Nobres Verdades, é natural querer se
libertar delas.

Para ajudar-nos a entender como alcançar essa libertação, o Buda ensinou a Terceira
Nobre Verdade, que é a cessação do sofrimento, e por fim a Quarta Nobre Verdade, que é o
caminho para a cessação do sofrimento.

O Buda começou por descrever o problema, depois explicou sua causa. Em seguida, contou a
solução do problema e ensinou como chegar à solução. Um elemento fundamental dos ensina-
mentos do Buda é a imensa compaixão que transparece na elaboração de explicações, feitas
de modo a serem compreendidas por qualquer pessoa que realmente se empenhe. A Gênese
Condicionada e as Quatro Nobres Verdades são verdades muito profundas. Aquele que as
estudar longamente vai perceber quão inteligente e quão compassivo foi o Buda, ao conseguir
explicá-las de forma tão clara.
A Primeira Nobre Verdade
A Primeira Nobre Verdade é a verdade do sofrimento. O Buda viu com perfeita clareza algo
que as pessoas vislumbram ocasionalmente: não é possível ao ser humano conquistar total
satisfação neste mundo. O sofrimento é descrito de muitas formas diferentes nos sutras budis-
tas. As três fundamentais serão abordadas nos parágrafos a seguir, devendo-se observar que
as classificações de sofrimento apresentadas não são qualitativamente diferentes, mas apenas
formas diferentes de abordar um mesmo problema.

Os dois sofrimentos

Os “dois sofrimentos” são o interno e o externo, sendo esta a classificação mais elementar
encontrada nos sutras budistas. Essa é a maneira mais básica de compreender o sofrimento.
Sofrimentos internos são aqueles que geralmente consideramos parte de nós, como dor física,
ansiedade, medo, ciúme, suspeita, raiva e assim por diante. Sofrimentos externos são aqueles
que parecem vir de fora, incluindo vento, chuva, frio, calor, seca, animais selvagens, catástro-
fes naturais, guerras, crimes e assim por diante. Não é possível evitar – nenhum dos dois tipos.

Os três sofrimentos

Esta é uma classificação baseada mais na qualidade do sofrimento do que em sua origem ou
tipo. O primeiro dos três sofrimentos é o inerente, aquele a que estamos sujeitos pelo simples
fato de estarmos vivos. O segundo é o sofrimento latente, aquele que está presente mesmo
nos momentos mais felizes: coisas se quebram, pessoas morrem, tudo envelhece e se deterio-
ra, até os melhores momentos chegam ao fim. O terceiro sofrimento é o ativo, causado por
estarmos presos em um mundo de ilusão constantemente mutável. No mundo da ilusão,
temos pouco ou nenhum controle sobre nossa vida. Sentimos ansiedade, medo e impotência à
medida que vemos tudo se transformando de um dia para o outro.
Os oito sofrimentos

Os oito sofrimentos descrevem de modo mais detalhado o sofrimento a que estão sujeitos
todos os seres sencientes e são classificados com base naquilo que os define. São eles:

Nascimento. Após vários meses de perigo dentro do ventre da mãe, finalmente, sentimos a
dor e o medo do nascimento. Depois disso, tudo pode acontecer. Somos como prisioneiros do
corpo e do mundo onde nascemos.
Envelhecimento. Se formos, suficientemente, afortunados para não sermos mortos na juven-
tude, teremos de enfrentar o processo de envelhecimento, sofrer a deterioração do corpo e da
mente enquanto assistimos o desaparecimento de nossos amigos, um por um.
Doença. A saúde é um prazer por ser tão contrastante com a doença. Todos, em algum
momento, sofrem a dor e a humilhação da doença.
Morte. Mesmo que a vida seja considerada perfeita, a morte é inevitável.A morte, quando não
é repentina e aterradora, é geralmente lenta e dolorosa. Somos como folhas ao vento.
Ninguém sabe o dia de amanhã.
Perda de um amor. Às vezes, perdemos alguém que amamos; outras vezes, nosso amor não é
retribuído. Não existe quem não sofra por não poder estar sempre com aqueles que ama.
Ser odiado. Ninguém quer inimigos; entretanto, é difícil evitá-los neste mundo.
Desejo não realizado. Nossos anseios e desejos determinam em grande medida quem somos.
Limitam nossa capacidade de entender o Darma, além de nos causar infindáveis problemas. E,
o que é pior, a maioria deles – jamais chega a ser satisfeita, causando-nos duas vezes mais pro-
blemas.

Os Cinco Skandhas. Estes são: forma, sensação, percepção, atividade e consciência. Eles cons-
tituem os “tijolos” da existência consciente e o meio para a manifestação do sofrimento. Os
Cinco Skandhas são como uma fonte ilimitada de combustível a gerar dor e sofrimento, vida
após vida.
Causas fundamentais do sofrimento
Nos parágrafos anteriores, mostramos como os budistas veem a vida humana atolada no
sofrimento. Nos seguintes, o tópico sofrimento será analisado com mais profundidade, pelo
delineamento de algumas de suas causas fundamentais:

O Eu não está em perfeita harmonia com o mundo material. É necessário esforço constante
para encontrarmos conforto neste mundo. O clima é sempre quente demais ou frio demais,
nossas posses exigem cuidado constante, nossa casa é muito velha ou muito pequena, as ruas
são muito barulhentas, os sapatos se gastam e assim por diante. O mundo material raramente
se apresenta da forma como gostaríamos que fosse.

O Eu não está em perfeita harmonia com as outras pessoas. Na maioria das vezes, não pode-
mos estar na companhia daqueles com quem gostaríamos de estar, mas somos obrigados a
suportar a presença de pessoas com as quais temos dificuldade de relacionamento. Não raro
somos até mesmo forçados a conviver com pessoas que abertamente não gostam de nós.
O Eu não está em perfeita harmonia com o corpo. O corpo nasce, envelhece, adoece e morre.
O “eu” tem pouco ou nenhum controle sobre esse processo.

O Eu não está em perfeita harmonia com a mente. Nossa mente está frequentemente além
do nosso controle, disparando de uma ideia para outra como um cavalo selvagem ao vento. A
atividade mental iludida é a fonte de todo o nosso sofrimento.

O Eu não está em perfeita harmonia com os seus desejos. O “eu” pode compreender que os
desejos geram carma e sofrimento, mas isso não significa que seja capaz de controlá-los com
facilidade. O autocontrole é difícil justamente porque o que queremos com mais intensidade
nem sempre é o que sabemos ser o melhor para nós. Se nem mesmo tentarmos controlar
nossos desejos e deixarmos que eles tomem conta de nós, o “eu” sofrerá ainda mais.

O Eu não está em perfeita harmonia com as suas opiniões. Basicamente, isso significa que
nossas opiniões são erradas. Quando nossas crenças não estão alinhadas com a verdade, cau-
samos a nós próprios infindáveis problemas, pois teremos a tendência de repetir os mesmos
erros muitas vezes.

O Eu não está em perfeita harmonia com a natureza. Chuva, enchentes, secas, tempestades,
maremotos e todas as outras forças da natureza não estão sob nosso controle e podem,
frequentemente, nos fazer sofrer.

O Buda ensinou a verdade do sofrimento não para nos fazer desesperar, mas para nos ajudar
a reconhecer com clareza as realidades da vida. Compreendendo o alcance do sofrimento e a
impossibilidade de evitá-lo, devemos nos sentir inspirados a superá-lo. Reconhecer a Primeira
Nobre Verdade é o primeiro passo de um processo que deve nos levar a querer compreender a
Segunda Nobre Verdade.
A Segunda Nobre Verdade
A Segunda Nobre Verdade é a verdade da origem do sofrimento, que está na cobiça, na raiva
e na ignorância. Os seres sencientes acorrentam-se ao penoso e ilusivo mundo dos fenômenos,
por causa de seu forte apego a essas fontes de ilusão, também conhecidas como os Três
Venenos.

A Terceira Nobre Verdade


A Terceira Nobre Verdade é a verdade da cessação do sofrimento. “Cessação do sofrimento”
é o mesmo que nirvana, um estado que não pode ser descrito por meio de palavras. É algo que
está além de cobiça, raiva, ignorância e sofrimento; além da dualidade e das distinções entre
certo e errado, você e os outros, bem e mal, vida e morte.

A Quarta Nobre Verdade


A Quarta Nobre Verdade é a verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento, aquele
que nos mostra como superar as causas do sofrimento. É o caminho rumo ao nirvana. A forma
mais simples de superar as causas do sofrimento é seguir o Nobre Caminho Óctuplo, que anali-
saremos em detalhe em outro Capítulo.

A Importância das Quatro Nobres Verdade


As Quatro Nobres Verdades foram os primeiros e também os últimos ensinamentos do Buda.
Ao aproximar-se do momento de sua morte, o Buda disse aos discípulos que, se tivessem algu-
ma dúvida quanto à validade das Quatro Nobres Verdades, deveriam se pronunciar, pois assim
poderiam obter as respostas antes que fosse tarde demais. A atenção que o Buda devotou às
Quatro Nobres Verdades nos 45 anos em que se dedicou a ensinar assinala a importância que
atribuía a elas.
Para facilitar a plena compreensão da mensagem do Buda, seus anos de ensino são geralmen-
te classificados em três períodos, também denominados “Três Giros da Roda” ou “Três Giros
da Roda do Darma”. Essa divisão nos ajuda a compreender os ensinamentos do Buda, porque
nos dá três diferentes ângulos, ou perspectivas, sob os quais ver as mesmas verdades.

O Giro Explicativo da Roda do Darma


O primeiro período do ensinamento do Buda é chamado de “Primeiro giro da Roda do
Darma” ou “Giro explicativo da Roda”. Foi nessa época que o Buda expôs as verdades básicas
em que se fundamenta sua iluminação.
A respeito das Quatro Nobres Verdades, disse ele no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os
Giros da Roda do Darma): “Isto é o sofrimento; tem a natureza ‘opressiva’. Esta é a causa do
sofrimento; tem a natureza de ‘apego’, ‘aferro’ ou ‘acúmulo’. Isto é a cessação do sofrimento;
tem a natureza de ‘compreensão’ ou ‘despertar’. Este é o caminho para a cessação do sofri-
mento; tem a natureza de ‘cultivo’”.

O Giro Persuasivo da Roda do Darma


O segundo giro da Roda do Darma é também conhecido como “Giro persuasivo da Roda”
porque se refere ao período em que o Budaconvenceu seus discípulos a extinguir o sofrimento
através da compreensão total das Quatro Nobres Verdades. Nessa época, ele abordou essas
verdades da seguinte maneira, no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do
Darma): “Isto é sofrimento, vocês devem compreendê-lo. Esta é a causa do sofrimento, vocês
devem eliminá-la. Esta é a cessação do sofrimento, vocês devem despertar para ela. Este é o
caminho para a cessação do sofrimento, vocês devem praticá-lo”.
O Giro Comprovado da Roda do Darma
O terceiro giro da Roda do Darma também é chamado de “Giro Comprovado da Roda”, por-
que nesse período o Buda se colocou como exemplo de alguém que havia alcançado a
completa iluminação, dizendo que, se ele conseguira, todos poderiam conseguir também.
Nessa época, ele falou da seguinte forma sobre as Quatro Nobres Verdades, no Sutra Dharma-
chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é sofrimento, eu o conheço. Esta é a
causa do sofrimento, eu já a eliminei. Esta é a cessação do sofrimento, já despertei para ela.
Este é o caminho que leva à cessação do sofrimento, já o pratiquei”.
O Buda é algumas vezes chamado de “O grande médico”, uma vez que os seus ensinamentos
podem nos curar do nosso apego doentio à ilusão. A melhor forma de acabar com o sofrimen-
to é compreender bem as Quatro Nobres Verdades, porque, depois disso, será muito mais fácil
entender os outros ensinamentos do Buda.
A compreensão e a prática dos ensinamentos do Buda levam infalivelmente à libertação da dor
e do sofrimento. O Buda é o médico e tem o remédio; só precisamos tomá-lo. As Quatro
Nobres Verdades do Buda constituem a cura para o sofrimento humano.

O grande bodisatva Manjushri (…) disse à assembleia de bodisatvas:


“Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Sofrimento tem vários significa-
dos, como retribuição, opressão, mudança constante, apego às condições, agrupamento de
condições, dor dilacerante, dependência dos sentidos, loucura, doença e estupidez.
Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento tem mui-
tos significados, como apego, destruição, amor obstinado, pensamento iludido, sedução do
desejo, determinação errônea, teia de condições, discurso vazio, passividade e aferro a fon-
tes degradadas.
Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Cessação do Sofrimento tem -
vários significados, como não argumentação, deixar a poeira para trás, paz perfeita, não ter
percepção ilusória, estar além da deterioração, não ter natureza de seu próprio ser, não ter
obstáculos, extinção, saber a verdade e habitar na natureza de seu próprio ser.
Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Caminho da Cessação do
Sofrimento tem muitos significados, como o Veículo Único, desejo de tranquilidade, o guia,
plenitude sem distinções, equanimidade, renúncia, não ter anseios, seguir os passos dos san-
tos, o caminho dos sábios e os dez tesouros.
Discípulos do Buda deste mundo Saha, as Quatro Nobres Verdades têm quatro quatrilhões de
nomes e significados, que são compreendidos pelos seres sencientes conforme as suas ten-
dências. Essa pluralidade de significados mostra aos seres sencientes como conquistar o con-
trole sobre a mente”.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

Capítulo 2 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,


Escrituras Editora, 2ª edição revisada e ampliada, São Paulo, dezembro de 2011.

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