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Políticas Econômicas
para o Brasil
Edmar L. Bacha | Ilan Goldfajn [Org.]
Edmar L. Bacha
Ilan Goldfajn
ORGANIZADORES
1 ª versão
Fernando Barbosa
CAPA, PROJETO GRÁFICO E PREPARAÇÃO
SUMÁRIO
Introdução 4
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn
A dimensão da crise 12
Francisco L. Lopes
Políticas Macroeconômicas
Liquidez: empoçamento? 53
Sylvio Heck
Política Cambial
Sistema Financeiro
Sobre os Autores 87
Sobre a Instituição 92
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
INTRODUÇÃO
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn
O propósito desta publicação é abrir para um público mais amplo os debates que
vimos realizando no Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das
Garças (IEPE/CdG) sobre a crise financeira internacional e suas repercussões no
Brasil. Estamos particularmente interessados em discutir como o país deveria
reagir à crise, nas diversas dimensões da política econômica – monetária,
creditícia, cambial, regulatória e fiscal.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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É evidente desde setembro de 2008 que esta é a crise mais grave experimentada
pela economia mundial nos últimos 80 anos. Uma crise que não será superada
em alguns trimestres e da qual nenhum país deixará de sofrer as conseqüências,
embora de formas distintas. O Brasil não é e não será uma exceção. Mas o que
importa é a qualidade de nosso entendimento sobre o(s) processo(s) que nos
conduziram à situação atual. Deste entendimento depende algo que é muito
mais relevante: nossa capacidade de avaliar e de responder de forma apropriada
a desafios, riscos e oportunidades que a crise, e sua superação no futuro, sempre
encerram.
O Bloco Macroeconômico
Este bloco diz respeito aos regimes monetário, cambial e fiscal e as interações
entre as políticas nestas três áreas-chave. O Brasil tem hoje praticamente dez
anos de um regime de taxas de cambio flutuante; nove anos e meio de um regime
monetário de metas de inflação; e oito anos e meio de vigência da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que pode e deve ser vista como uma tentativa de definir
um regime fiscal responsável para o País.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Aonde queremos chegar nesta área, portanto, no momento e nos próximos anos,
deveria ser a consolidação do regime de metas de inflação como mecanismo
crível de formação de expectativas quanto ao curso futuro dos preços: corolário
deste objetivo é a autonomia operacional do Banco Central para decidir a melhor
forma de convergir, na prática, para as metas de inflação definidas por governos
democraticamente eleitos.
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Aonde queremos chegar nesta área? Aonde ainda não chegamos, isto é, ainda
não deixou raízes de forma mais profunda entre nós o reconhecimento da
importância crucial não só do nível como da composição e da qualidade/eficácia
tanto do gasto público quanto da carga tributária.
A grave crise atual – e os trilhões de dólares e euros e libras que estão sendo
gastos para salvar instituições financeiras no mundo desenvolvido – levou
muitos a acreditar que o nome do jogo é a adoção generalizada de políticas
“Keynesianas” para combater a desaceleração do crescimento. Contratações de
funcionários públicos, aumentos de salários públicos, gastos em custeio,
aumento permanente de compras do Governo passaram a ser vistos em alguns
círculos, como expressando o melhor dos ensinamentos de Keynes sobre a
importância de gastos contracíclicos na situação atual, em qualquer país,
inclusive no Brasil que não está em recessão, nem em deflação, mas em processo
de desaceleração do crescimento que vai significar sim redução das receitas
anteriormente programadas para 2009 e portanto vai exigir cortes na expansão
de gastos antes contemplados e não o contrário, como vem acontecendo com as
contratações e aumentos “anti-cíclicos”. O que poderia ser anti-cíclico é o
investimento público – que é negativamente afetado pelo crescimento do
consumo público. Não é por aí que chegaremos onde queremos. Não é por aí que
estaremos nos posicionando para enfrentar a crise – e sair dela em melhores
condições um pouco mais à frente. No curto prazo este é o problema
macroeconômico central do Brasil. A derrota de Antonio Palocci e Paulo
Bernardo para o resto do governo ao final de 2005 foi péssima para o País. Se os
vitoriosos de então conseguirem agora, como resposta à crise, vender ao País a
idéia do gasto corrente “Keynesiano” como a solução para a crise estaremos em
rota de colisão com nosso desejo de sermos vistos por nós mesmos e pelo resto
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Bloco Não-Macro
Bloco Social
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A segurança pública é hoje uma das maiores preocupações dos brasileiros que
vivem nas grandes metrópoles. Candidatos que tenham uma história coerente
para contar sobre sua própria experiência, e a capacidade de sinalizar um
caminho que possa fazer sentido à parcela crescente das populações urbanas
angustiadas com o tema, teria uma vantagem não desprezível sobre quem não o
fizesse a contento. Infelizmente, ainda é preciso superar anacrônicas visões de
que enquanto os problemas da desigualdade da pobreza não forem inteiramente
resolvidos, não é possível fazer muito nesta área. É preciso aprofundar o debate.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
A DIMENSÃO DA CRISE
Francisco L. Lopes
Tolstoy escreveu, no Anna Karenina, que todas as famílias felizes são parecidas,
mas uma família infeliz é infeliz de seu próprio modo. As recessões são um
pouco como as famílias infelizes do grande escritor russo: cada uma tem a sua
própria história e a sua forma peculiar de produzir infelicidade econômica. Isto
significa que é sempre difícil prever a intensidade de um desses episódios
quando ainda não terminou.
Duração em meses 37 14
É possível ter certeza que não teremos agora uma nova recessão “anormal”
desse tipo? Sem dúvida é preocupante notar que a recessão de 1929 teve a
mesma origem que a atual: uma grave crise no sistema financeiro. E a recessão
de 1937 parece mostrar que o final da crise bancária não é suficiente para
permitir uma reativação sustentada.
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1937-38). Isto é, exatamente, o que o governo americano, tanto com Bush como
Obama, está tentando fazer.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
O mesmo ocorre com a propagação via destruição de riqueza. Não tivemos bolha
especulativa nos preços dos imóveis e esse mercado apenas continuará na
mesma estagnação de sempre. A queda nas bolsas brasileiras provavelmente
terá mais impacto sobre a riqueza de investidores estrangeiros, já que a
participação da renda variável na riqueza financeira de investidores brasileiros
(incluindo fundos de aposentadoria) é pequena.
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ajuste cambial provocado pela crise, resta apenas o problema de reduzir a taxa
de juros a um patamar “civilizado”.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Enquanto não for realista contar com uma recuperação dos preços das
exportações brasileiras, que tanto nos beneficiou nos últimos anos, nem
tampouco com a retomada da demanda externa por nossos produtos,
depreciações mais permanentes terão como consequência a necessidade de
controlar a absorção doméstica de modo a evitar as pressões inflacionárias
desestabilizadoras. Além disso, a menor abundância de liquidez internacional
traduzir-se-á em fluxos financeiros e volumes de investimento estrangeiro bem
mais modestos. Estas restrições não só limitam significativamente a capacidade
do governo de implementar políticas fiscais anti-cíclicas, como pedem uma
redução de gastos consistente com um nível de competitividade relativamente
saudável para o balanço de pagamentos. Nesse contexto, a política fiscal
expansionista deve ficar mais restrita pela preocupação com a inflação.
Além disso, em um mundo menos exuberante, com liquidez mais restrita e grau
de aversão ao risco maior, a sinalização de que o compromisso com a inflação
pode ser momentaneamente reduzido para melhor atravessar a crise é
perniciosa. O trade-off entre correção cambial e inflação nas economias
emergentes é assim estruturalmente diferente do que o que ocorre em países
desenvolvidos, cujas moedas são geralmente conversíveis: uma maior
complacência inflacionária aumenta a percepção de risco-país, sobretudo em um
ambiente já caracterizado por uma aversão ao risco mais elevada, afetando o
câmbio e disparando, possivelmente, uma espiral câmbio-preços. Esta é outra
forma de representar as implicações do “pecado original” inerente às moedas
emergentes, como o real.
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Conclusões
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Referências:
Clarida, R., Gali, J. and Gertler, Mark, (2000) “Monetary Policy Rules and
Macroeconomic Stability: Evidence and Some Theory,” Quarterly Journal of
Economics, 115:1 147-80, Feb. 2000.
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Qualquer que seja a natureza da crise externa, convém não esquecer que, até
prova em contrário, a crise não é nossa, e que os choques externos todos se
parecem. Lembrar, porém, que os choques externos são “temáticos” e a área
sensível, desta vez, é o sistema bancário. A este respeito deve se observar, desde
logo, que: (i) o Brasil vem de uma tradição de “sobre-regulação” (repressão) de
mercados financeiros; (ii) as empresas brasileiras são historicamente sub-
alavancadas, e (iii) como entramos na crise com claros sinais de super-
aquecimento, é difícil pensar em políticas anti-cíclicas sem invocar uma reflexão
sobre relógios parados, que assinalam a hora certa duas vezes ao dia pelas
razões erradas.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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As razões para uma evolução tão adversa em tão pouco tempo começam com a
decisão do BC de retirar reservas internacionais de bancos internacionais que
são fornecedores tradicionais de linhas comerciais (em dezembro de 2005, 20%
das reservas estavam em CDs de bancos internacionais que, costumavam aceitar
reciprocidades na forma de linhas para bancos brasileiros; este percentual foi
reduzido a menos de 1% na posição mais recente), o que deixou o país
vulnerável a eventuais cortes. A ação do BC no sentido de suprir os exportadores
foi lenta, burocrática e insuficiente, a julgar pela queda acentuada observada na
contratação de câmbio de exportação a partir de setembro.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
das autoridades diante desta surpresa, que parece ter levado algum tempo
precioso para ser digerida.
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POLÍTICAS MACROECONÔMICAS
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Trata-se, pois, de uma parada súbita das fontes externas que sustentavam o
excessivo crescimento da demanda interna. É, assim, inevitável que o país terá
que passar por um significativo ajuste às novas condições da economia
internacional.
A curto prazo, a reversão súbita dos fluxos de capital externo é um choque mais
importante do que a queda dos preços das commodities – embora ambas
reduzam a oferta de dólares e, assim, contribuam para a depreciação cambial.
Quanto a essa perda, parece haver pouco a se fazer diretamente. Longe se foi o
tempo em que o país podia praticar uma política de “valorização” toda vez que
os preços do café caiam no mercado internacional. A conseqüência interna de
menores preços das commodities é uma queda da renda dos produtores, que
tem impactos negativos na cadeia produtiva e no nível de emprego. Entretanto, a
essa queda dos preços das commodities corresponde uma desvalorização
cambial importante, que aumenta a competitividade de outros produtos
exportáveis e também de substitutos de importação. O que a política econômica
pode fazer – possivelmente através de mecanismos de crédito - é facilitar a
transferência de recursos, que deixam a produção de commodities, para esses
outros setores cuja competitividade aumenta com a desvalorização cambial.
A contração da oferta de crédito externo pode ter uma resposta por parte das
autoridades monetárias. Nesse caso, nossos vícios se tornam virtudes: reservas
internacionais elevadas (um vício não por sua existência, mas apenas por sua
origem, porque foram adquiridas não com superávit fiscal, mas com expansão da
dívida interna), bancos públicos importantes, depósitos compulsórios altos e
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
juros elevados formam um capital que pode ser utilizado, de forma criteriosa e
temporária, para contrapor-se aos efeitos negativos da súbita parada dos fluxos
de capital externo sobre a atividade econômica.
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O atual regime macroeconômico tem sido mantido já há quase uma década, com
bons resultados tanto em momentos de turbulência quanto na fase de boom
global, que para o Brasil se extendeu até meados de 2008, graças a uma
arrancada final (e um tanto espumosa) dos preços das commodities. Durante
este (para nossos padrões) longo período de relativa estabilidade o superávit
primário foi preservado, assim como a autonomia do Banco Central para
perseguir a meta de inflação determinada pelo governo e deixar flutuar a taxa de
câmbio.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Com a queda nos preços das exportações, o saldo em conta corrente caminha
para um déficit que pode chegar a 3% do PIB em 2009. Num cenário de saída
gradual da crise global ao longo do ano que vem, este déficit deve ser financiável.
Mas num cenário alternativo e ainda relevante de uma crise mais profunda e
duradoura, o financiamento externo pode continuar escasso, e pressões
adicionais no balanço de pagamentos podem surgir por conta de saídas de
capital e busca de proteção contra o risco cambial. Neste caso, o grau de
incerteza aumentaria, e a economia ao invés de viver uma fase temporária de
desaceleração poderia passar por uma crise de confiança, com recessão e
inflação.
Penso que cabe um certo sangue frio no desenho da resposta a esta situação. O
contraste com a situação americana é interessante: lá, na medida em que a taxa
de juros se aproxima de zero, a política monetária ameaça atingir seus limites
convencionais, e a relação dívida/PIB é baixa, cerca de 40%. Neste caso, uma
expansão fiscal temporária faz muito sentido como, aliás, fazia quando Keynes
inventou a idéia.
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Em nosso caso, é preciso levar em conta que há anos os gastos públicos vêm
aumentando de forma pró-cíclica e focada em gastos correntes e permanentes. A
dívida pública bruta é de cerca de 60% do PIB (este é o conceito relevante dado
que as reservas, no momento, rendem quase zero) e a taxa de juros é muito alta.
A alternativa de se expandir o gasto público poderia ter algum impacto sobre a
demanda, mas afetaria negativamente o crédito do Brasil. O ideal, especialmente
quando se espera como agora uma queda na arrecadação, seria conter a
expansão de gastos correntes e focar os recursos que porventura sobrem em
gastos de investimento, por definição, temporários. A meta de superávit
primário deve ser preservada, limitando os gastos excedentes ao meio por cento
do PIB reservado para PPIs.
Concluindo, penso que para o Brasil neste momento seria recomendável uma
postura mais conservadora na expansão fiscal e creditícia, de forma a (i)
minimizar riscos em um cenário de aprofundamento da crise internacional, e (ii)
possibilitar uma queda na taxa de juros doméstica. Este progresso seria ainda
mais impressionante e mais provável se o executivo e o legislativo tiverem a
visão e a coragem de abordar de forma definitiva os desequilíbrios de longo
prazo do nosso regime fiscal, em especial os da previdência e do inchaço da
máquina pública.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Mas para isso é necessário que não se considerem apenas os efeitos imediatos
das medidas de política econômica a serem adotadas no combate à crise. Em
particular, a capacidade futura de crescimento não pode ser comprometida por
ações cujo benefício é limitado ao curto prazo, mas que têm efeitos negativos
para o crescimento de longo prazo.
Sob a ótica da reação à crise no âmbito da política fiscal, tema desta nota, é
sedutor reagir à desaceleração doméstica do nível de atividade com uma política
expansionista. Mas há que se considerar também preservar a capacidade de
crescimento futuro do Brasil. Um país que tem elevado de forma sistemática os
gastos correntes do governo -- financiados hoje com aumento da arrecadação
que já atinge quase 40% do PIB (após esgotar o financiamento inflacionário e o
da dívida crescente), e comprimindo o espaço dos gastos privados, oferecendo
em troca à sociedade serviços ineficientes e investimentos públicos reduzidos --
tende a limitar sua própria capacidade de crescimento. Exacerbar essa tendência
pode mais do que compensar os ganhos de curto prazo.
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O avanço na área fiscal foi bem mais limitado. Esperava-se mais esforço do
governo, acumulando estoques a serem utilizados nos momentos de crise. Houve
aumento considerável da arrecadação tributária, conseqüência do crescimento
do PIB e da formalização da economia. Esse aumento de arrecadação associado à
regra fiscal baseada em uma meta pré-determinada de superávit primário
permitiu o contínuo aumento de gastos nos últimos anos, a uma média de 10%
ao ano acima da inflação. É importante notar que, apesar da grande expansão do
gasto, o investimento público como proporção do gasto total permaneceu baixo.
Na América Latina, como um todo, essa relação encontra-se no menor nível dos
últimos 30 anos!
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Cabe perguntar se este seria o momento de iniciar uma política fiscal anticíclica
em reação à crise internacional de 2007/8. Normalmente, recomenda-se iniciar
uma política anticíclica nos momentos de expansão econômica, para ajudar a
criar credibilidade. Há sempre a desconfiança baseada no histórico brasileiro e
latino-americano de o excesso de gastos no período de necessidade não ser
acompanhado por sua redução nos períodos de bonança. O comportamento
recente das economias justifica esse temor. Assim sendo, há o risco de o
aumento de gastos anticíclicos gerar temores quanto à sustentabilidade fiscal.
Dessa forma, o limite imposto pela situação fiscal ao crescimento de longo prazo,
assim como o risco de renascerem dúvidas quanto à sustentabilidade fiscal, não
recomendariam uma política fiscal expansionista como reação à crise financeira
internacional.
Nesse sentido, caso haja um aumento de gastos públicos, poderia não haver
espaço para a utilização da política monetária como instrumento anticíclico, o
que significaria exacerbar a pressão sobre os gastos privados (investimento,
consumo) num período em que estes naturalmente já se retraem.
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Nesse caso, é consenso que se deve tentar amortecer os efeitos do choque sobre
o investimento - seja público ou privado -, que provavelmente deve se reduzir
dadas as piores expectativas de rentabilidade futura. O ajuste deveria recair no
consumo privado e/ou no gasto público. O consumo privado se ajustará
naturalmente, seguindo expectativas de evolução de emprego e renda e da taxa
de juros.
Nesse cenário mais pessimista, a execução da política fiscal deveria ser baseada
na redução da meta de superávit primário para: (i) expansão do investimento
público em infra-estrutura de forma a aumentar a oferta agregada e a
produtividade total dos fatores; e/ou (ii) redução nos impostos do setor
corporativo, melhorando as expectativas de rentabilidade, incentivando a
manutenção do emprego, o crescimento do investimento privado e reduzindo a
demanda por crédito.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Introdução
A estratégia de metas para a inflação foi um sucesso onde quer que ela tenha
sido adotada. Entretanto, como está longe de ser unanimidade no Brasil,
certamente estará sob fogo nessa crise, que deve durar o resto do governo Lula.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Estes julgamentos foram enfraquecidos, ainda que não derrotados, pelos fatos
recentes: a) crise aumenta a incerteza sobre variáveis reais independentemente
da estratégia de metas ou mesmo das metas escolhidas; b) metas não ancoram
tão bem inflação esperada quando há choque externo que deprecia o câmbio. Na
realidade, a convergência para a meta foi ajudada pela apreciação e
relativamente pouco prejudicada pela forte depreciação (um desvio pequeno, de
1pp relativo à meta, para uma depreciação de 50%, Mas o teste desse efeito é na
realidade a inflação esperada em horizontes mais longos, que alterou-se pouco
este ano.)
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A curto prazo, é vantajoso poder contar com a existência bancos públicos que
foram saneados nos anos noventa. Mas olhando para o futuro, é importante
controlar a deterioração dos ativos desses bancos, como consequência da
substituição do crédito de origem privada pelo de origem pública, à la coreana:
na realidade, trata-se de uma política fiscal expansionista e pouco transparente,
travestida de política monetária compensatória. Mas, realisticamente, e
considerando-se a experiência histórica é difícil escapar a essa consequência,
antecipando-se um novo ciclo de deterioração tanto do balanço do Estado
quanto dos critérios de alocação de crédito. A política monetária pouco pode
fazer contra essa tendência, mas o papel regulador do Banco Central é um
instrumento para amenizar esses efeitos de longo prazo das ações emergenciais.
Por um lado, o regime pode ser complementado por Quantitative Easing (QE) à
moda do Japão e do Fed, principalmente via redução de compulsórios e
redescontos especiais; no Brasil é provável que a alternativa preferida seja o uso
dos bancos oficiais. O Quantitative Easing tem, em tese, o efeito de influenciar as
curvas de juros como um todo, sendo, portanto, mais eficaz do que o uso da taxa
curta. E o regime de metas não é incompatível com a gestão da dívida pública, de
modo a mexer diretamente nos diversos vértices via vendas e compras em
vencimentos específicos, agora que se tem um espectro maior de vencimentos.
Há argumentos poderosos contra essa prática, mas em condições de crise, o
instrumento pode ser acionado com prudência para evitar distorções muito
óbvias das curvas de juros provocadas por fuga ao risco privado. No caso
japonês, o gráfico abaixo mostra de que forma o QE alterou as curvas de juros.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
2,5
2000
1 2003
0,5
0
0,25
1,25
2,25
3,25
4,25
5,25
6,25
7,25
8,25
9,25
10,3
11,3
12,3
13,3
14,3
15,3
16,3
17,3
18,3
19,3
20,3
21,3
22,3
23,3
24,3
25,3
26,3
27,3
28,3
29,3
-0,5
Maturidade
Japan(Govt)5/1/2001ParCpn-Semi Japan(Govt)5/1/2002ParCpn-Semi
Japan(Govt)5/1/2003ParCpn-Semi Japan(Govt)5/1/2000ParCpn-Semi
O que fazer?
Caso estas medidas sejam insuficientes para lidar com as repercussões mais
graves da crise, e especialmente se os reflexos sobre o mercado interbancário e
sobre os mecanismos de crédito domésticos forem mais severos do que o já
ocorrido, seria possível lançar mão de alguns instrumentos adicionais (alguns
dos quais já estão sendo usados), tais como:
1
O Banco da Inglaterra adota explicitamente o prazo de convergência em dois anos, o Banco Central
do Brasil, depois do choque de 2002, comunicou, de forma excepcional, que estava adotando uma
meta “ajustada” de 8,5%, em lugar de 4,5%, de modo a acomodar o efeito inercial da inflação de 9
pontos acima da meta em 2002, e os efeitos denominados de “primários” dos choques de 2003.
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(i) Fazer uso dos bancos públicos como instrumento de Quantitative Easing,
aproveitando-se de que eles atraem depositantes em tempos de incerteza,
apesar da experiência histórica de longa tradição de irresponsabilidade. Mas
temos de fazer isso de olho na desconfiança crônica que paira sobre o real (um
peso problem que exigiu taxas de juros elevadas), plenamente justificada pelo
passado de acomodação inflacionária.
(ii) Manter em mente que o uso dos bancos públicos é na realidade política fiscal
expansionista, apesar de não aparecer a curto prazo, nos indicadores fiscais, até
que haja abuso da absorção de ativos podres à moda BNH.
(iv) Uma crise longa piorará mais o quadro fiscal, o que torna mais importante
manter a estratégia de metas. Especialmente porque o próximo Presidente pode
ter de fazer escolhas duras entre deixar a inflação caminhar para dois dígitos ou
tentar reverter os déficits gerados na era Lula. Pelo menos, poderá viver outra
recuperação mundial, ainda que não tão eufórica quanto a última, sem tanta
oferta abundante de crédito, mas com nova onda de relações de trocas
favoráveis ao Brasil e pressões valorizadoras sobre o real. Mas isso é para mais
longe do que conseguimos enxergar nesse horizonte nublado de hoje.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Nesse cenário, o Banco Central do Brasil se viu chamado a atuar em duas frentes:
(1) na ancoragem da inflação esperada, cuja expectativa para 2009 têm se
afastado significativamente da meta de 4,5%, principalmente em função da forte
desvalorização cambial recente, e (2) no combate ao empoçamento da liquidez,
de forma a garantir a recomposição dos canais de crédito doméstico. Nosso
2
Um bom survey sobre esse link foi publicado por Levine (1997).
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Fonte: BCB
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
O forte incentivo aos bancos de emprestar uns aos outros seguiu fazendo seu
efeito, determinando que o descolamento entre o CDI e a meta para a taxa Selic
aumentasse ainda mais para impressionantes 88bps no dia 20 de novembro. Ou
seja, à medida que a política de liquidez foi se tornando mais eficaz, verificou-se
uma queda efetiva do custo de captação do mercado.
4
Ver artigo do Armando Castelar neste e-book para uma discussão mais detalhada sobre o papel dos
bancos públicos na crise atual.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Referências
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Não foi por aí, porém, que a crise chegou, ainda que também tenha havido saída
de capitais e forte desvalorização cambial. Assim, a principal diferença entre esta
crise e as anteriores tem sido seu canal de transmissão: em lugar de dificuldades
para financiar déficits externos, os países tiveram de lidar com uma abrupta
redução na disponibilidade de financiamento para suas instituições financeiras,
empresas e famílias. Não surpreende, portanto, que até aqui sofreram mais os
países que apresentavam uma expansão mais alavancada, seja pelo
financiamento ao investimento imobiliário (EUA, Espanha e Reino Unido, por
exemplo), seja ao consumo (Hungria, França, países bálticos etc.). A dificuldade
de captar recursos no mercado de atacado, as significativas perdas com a
desvalorização dos ativos e a desconfiança mútua entre instituições com relação
à sua solvência têm levado a uma acelerada redução da alavancagem financeira.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
• A taxa média de juros nos empréstimos com recursos livres subiu oito
pontos percentuais nos doze meses terminados em outubro de 2008,
sendo um terço disso só nesse mês.6 Informações preliminares indicam
outra alta significativa em novembro. Tanto os spreads como o custo de
captação aumentaram significativamente, sendo este puxado pela forte
alta na participação dos depósitos a prazo no total de captações dos
bancos.7
5
The Economist, 22 de Novembro de 2008, p. 84.
6
Essa média tem uma importante exclusão que é a das operações de leasing.
7
Nos doze meses terminados em outubro o total de captações via depósitos a prazo e letras de câmbio,
imobiliárias e hipotecárias cresceu 78%, contra altas de 4% nos depósitos à vista e 18% nos de
poupança.
8
Destaca-se o empréstimo de R$ 2 bilhões tomado em outubro junto à CEF.
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9
As primeiras medidas do BC datam de 24 de setembro, quando esse adiou cronograma de
recolhimento de compulsório sobre depósitos interfinanceiros das sociedades de leasing e ampliou a
dedução do cálculo dos compulsórios adicionais. Em 2 de outubro, ele permitiu aos bancos liberar até
40% dos depósitos compulsórios sobre depósito a prazo para comprar carteiras de crédito de bancos
com PL até R$ 2,5 bi. Em 8 de outubro, ampliou a dedução para cálculo do compulsório e reduziu as
alíquotas da exigibilidade adicional dos depósitos à vista e a prazo. Em 13 de outubro, o BC elevou
outra vez as deduções para cálculo do compulsório, aumentou o limite da dedução do compulsório
sobre depósitos a prazo na compra de carteiras de 40% para 70%; e subiu o patrimônio máximo da
instituição vendedora da carteira de R$ 2,5 bi para R$ 7 bi. Em 16 de outubor, o BC permitiu ás
instituições financeiras abater do compulsório sobre depósitos a prazo a aquisição junto a essas
instituições e nas condições fixadas em 2 de outubro, “títulos e valores mobiliários de renda fixa,
adiantamentos e outros créditos de PFs e PJs não-financeiras” e depósitos interfinanceiros garantidos
por estes títulos. Em 30 de outubro, o BC determinou que os compulsórios sobre depósitos a prazo
liberados mas não utilizados na compra de carteiras de crédito deveriam passar a ser recolhidos em
espécie, sem remuneração.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Em 25 de novembro, o Banco Central permitiu que os compulsórios sobre depósitos a prazo fossem
utilizados para comprar CDIs do BNDES. O Banco do Brasil muito provavelmente também
necessitará de aportes pelo Tesouro para continuar expandindo seus ativos, uma vez que seu índice de
Basiléia se aproxima rapidamente do mínimo requerido pelo Banco Central.
11
Pensou-se inclusive em utilizar recursos do FMI e do Fed para financiar operações do BNDES,
ainda que não ficasse claro como isso seria viabilizado (Valor, 20 de novembro de 2008, p. C1).
12
Ricardo Caballero, Takeo Hoshi e Anil Kasyap, 2005, “Zombie lending and depressed restructuring
in Japan”. Disponível em http://gsb
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
países de maior renda. Isso ajuda a explicar não apenas a alta no custo de
captação dos bancos, mas principalmente o fato de o comprometimento da
renda das famílias com juros e amortizações já estar no mesmo patamar que os
EUA, mesmo com o crédito imobiliário no Brasil sendo de apenas 2% do PIB. A
velocidade com que essa desaceleração ocorreu, junto com a migração de
depósitos para as maiores instituições, especialmente as públicas, gerou
problemas importantes de liquidez, que já estão sendo superados com as
medidas adotadas pelo Banco Central. Tentar manter o ritmo anterior de
expansão do crédito, via bancos públicos, pode gerar problemas fiscais
relevantes, pelo peso dos subsídios aí envolvidos, e causar uma deterioração da
qualidade dos ativos dessas instituições, exigindo que futuramente o Tesouro
tenha de arcar com essas perdas.
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LIQUIDEZ: EMPOÇAMENTO?
Sylvio Heck
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Segundo o Relatório de Inflação (Set/08), o serviço da dívida compromete hoje 31,3% da massa de
renda ampliada (inclui inativos) do indivíduo, enquanto em 2003 comprometia aproximadamente 23%.
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Por fim, uma solução do tipo garantia para as operações privadas, a exemplo do
que foi feito nos EUA, enfrentaria as mesmas dificuldades que vimos lá. Não seria
razoável oferecer seguro a troco de nada, tal que se assim fosse talvez seja
preferível conduzir diretamente novas concessões através de instituições
públicas do que incorrer em erros do tipo II (aceita conceder garantia em
determinadas condições quando dever-se-ia rejeitar a mesma). Botar preço
nesse seguro está longe de ser trivial e a chance de errar em favor das
instituições privadas é muito grande. Errar na dose de benefício agora pode
atrapalhar a seleção que está ocorrendo entre bom e mau gestor de risco.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
O diagnóstico por trás das medidas adotadas era o de que estaria ocorrendo um
empoçamento da liquidez. Depois de várias alterações e de intenso ruído
político, o Banco Central optou por elevar o custo dos depósitos compulsórios de
forma expressiva, reduzindo a remuneração dos compulsórios sobre depósitos a
prazo, antes dada pela taxa Selic. Simultaneamente, permitiu aos bancos mitigar
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Esta decisão suscita várias perguntas. Gostaria de focar em três delas e oferecer
subsídios para uma alternativa de atuação. (i) Qual o impacto desta medida
sobre concessão de crédito na economia como um todo? (ii) Que distorções e
incentivos esta medida enseja no curto prazo? (iii) Havia alternativa superior?
Por que não reduzir os compulsórios agressivamente, sem “strings attached”, e
oferecer redesconto de forma clássica ou de maneira a mitigar seus custos
tradicionais?
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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sua contabilidade a sua real situação patrimonial, para alterar seu grau de
alavancagem e até mesmo para mudar administradores e acionistas
controladores.
14
C.A.E. Goodhart: Liquidity and Money Market Operations: A Proposal. London School of
Economics, 2008.
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O mecanismo funciona através da introdução de uma banda para cada banco que
começa a um custo igual a zero (liquidez gratuita, i.e. igual à taxa básica, no
nosso caso a Selic) e que se alarga em uma série de degraus (provavelmente de
tamanho igual) de mais ou menos 100 bps.
Gráfico 1
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A crise atual impõe novos desafios para a condução da política monetária e exige
uma boa dose de pragmatismo e de discernimento. O correto alinhamento de
incentivos é crucial para que as medidas adotadas atinjam os objetivos de seus
formuladores. São muitos os casos em que a teia de estímulos, por vezes
conflitantes, geradas por medidas que buscam direcionar os agentes
econômicos, sem respeitar os sinais enviados pelos preços relativos, envolve
seus criadores e os imobiliza. A simplicidade não é necessariamente
incompatível com a criatividade e com a ousadia.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
POLÍTICA CAMBIAL
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Neste texto procuro discutir, numa visão de mercado, a crise que nos atinge de
forma muito intensa nos últimos dois meses, em termos de seus danos aos
modelos cambial e de crédito dominantes até então. Concluo com sugestões de
possíveis reações por parte das autoridades, para minimizar os danos sobre os
mercados de crédito e de câmbio.
O padrão dominante desde 2003 era de uma continua apreciação das moedas
dos países emergentes principalmente contra o dólar, levando o setor privado e
bancário a um crescente endividamento nesta moeda. No caso brasileiro isto não
foi diferente e o passivo externo liquido do setor privado dobrou nos últimos
cinco anos.
Havia uma tendência de apreciação do Real bem definida (ver Gráfico), ajudada
também pelo choque positivo nos termos de troca do país, derivado do ganho
em valor de nossas commodities que atingem seu pico em julho/2008.
Ora, como ocorre nos momentos de ruptura, e o dia 15.09.2008 pode ser
definido como tal (infelizmente somente a posteriori), os agentes econômicos
buscaram proteção a qualquer custo, levando os mercados a reagirem pelo efeito
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Acontece que este modelo é frágil, por estar baseado no descasamento de prazos
entre ativos e passivos do sistema bancário, cuja razão provém de os depósitos a
prazo serem em sua grande maioria de prazo curto, quando não com liquidez
diária, levando os bancos a assumirem riscos de liquidez incompatíveis com as
necessidades de alongamento de crédito que a economia requer.
Adicionalmente, somente os grandes bancos com redes de varejo possuem uma
base mais estável de depósitos representados por recursos à vista e de
poupança, afora os depósitos judiciais que são um privilégio dos bancos
públicos.
Reações Propostas
Entre as ações adicionais às que já estão sendo tomadas, vou sugerir cinco que
podem reduzir os impactos danosos da crise sobre os mercados de câmbio e de
crédito:
1) Suspensão temporária da requisição de capital estabelecida pela Circular
3351 do Banco Central, que impõe custos aos bancos quando usam suas
agências no exterior para captação de recursos externos e subseqüente
repasse a sua matriz localmente.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Francisco Lopes aponta em suas notas que outras duas fontes de contágio da
crise para o resto do mundo, em vista das revisões cada vez mais pessimistas de
crescimento das economias desenvolvidas para os próximos dois anos, a
redução das decisões de consumo e investimento hoje, e a redução do comércio
mundial e consequentemente dos preços das commoditties.
De que forma esta crise se transmite para o Brasil? Apesar de ser relativamente
mais fechado ao comércio global do que outros países do mundo em igual
estágio de desenvolvimento, de ter as contas públicas equilibradas e ter
alcançado relativa estabilidade monetária nos últimos anos, o Brasil será
invariavelmente afetado pelo novo cenário mundial que vislumbra-se para os
próximos anos. O principal canal de transmissão se dará via Balanço de
Pagamentos.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
maior quanto maior for a queda das exportações vis-à-vis a queda nas
importações, proveniente da desaceleração interna.
Assim, nosso Balanço de Pagamentos será duplamente afetado: tanto pelo lado
da conta corrente quanto pelo da conta capital.
Com isto em mente, por sermos um país emergente com moeda sem curso
internacional, com histórico não tão longínquo de descontrole inflacionário,
devemos tomar cuidado com dois aspectos deste ajustamento. O primeiro é o
excesso de endividamento em moeda estrangeira do setor privado feito com
custos bastante atraentes, em época de apreciação cambial, com volatilidade
baixa, que propiciava a sensação de previsibilidade total do custo do crédito.
Neste novo mundo, a busca por redução do risco pode levar a um problema
sistêmico em que as empresas não teriam como arcar com os custos de tal
ajustamento tornando-se mais um problema para a economia. Até agosto de
2008, estima-se que o total de dívida externa do setor privado somava US$150
bi, sem incluir os instrumentos de derivativos que certamente cresceram nos
últimos anos.
Diante deste cenário que se coloca a nossa frente para os próximos anos, de
menor crescimento mundial, dificuldade de financiar déficits em conta corrente
e ajustamento do câmbio de equilíbrio para um patamar mais depreciado, cabe a
pergunta de qual deveria ser a estratégia ótima de atuação do Banco Central com
relação a política cambial. Como estratégia ótima, entende-se quando e por meio
de quais instrumentos este deveria intervir no mercado.
É importante ter em mente que o uso de derivativos não é uma panacéia. Isso
porque, na fase inicial da crise, em que os agentes buscam principalmente
proteger o valor dos ativos denominados em moeda nacional, ou que desejam
casar os passivos em moeda estrangeira, os derivativos são encarados por estes
agentes como uma boa proxy da moeda estrangeira em si. Dessa forma, ficam
ambos os lados satisfeitos: o Governo por não perder reservas e os agentes por
serem remunerados em seus ativos a taxas bem mais atrativas do que a
aplicação no exterior, sem a necessidade de desembolsar um centavo para
proteger seus investimentos (muitas vezes ilíquidos).
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Assim, fica claro que não podemos imaginar que se consegue “multiplicar” as
reservas utilizando-se desses instrumentos. Talvez, seu uso devesse ser limitado,
por exemplo, à alguma proporção das reservas. A literatura sobre esse tema
ainda é bastante vaga, principalmente porque nos países emergentes a
disponibilidade de dados sobre intervenção no mercado é quase nula.
Até o momento, a política adotada pelo Banco Central brasileiro nos parece ser a
correta, com o Governo percebendo que a crise é mais longa e talvez mais severa
do que inicialmente imaginado, e que portanto não cabe a tentativa de
estabelecer um teto ou uma banda de flutuação da moeda. Parece perceber que a
depreciação do Real ajudará a reduzir o déficit na conta corrente,
principalmente se a contração de crédito e os ajustes dos estoques da economia
reduzirem os efeitos sobre a inflação.
Por último, vale fazer uma análise sobre qual poderia ser a atuação ótima do
Banco Central caso o cenário que vislumbrássemos pela frente fosse
completamente diferente. Ou seja, se a suposição fosse de que a crise será curta
e em pouco tempo o crédito internacional se recuperará, bem como nossos
termos de troca, e portanto o déficit no BP se reverteria naturalmente e de forma
pouco danosa para a economia, poderíamos imaginar que uma política de
intervenção mais ativa por parte do Banco Central alcançasse o objetivo de
reduzir a volatilidade e dar maior previsibilidade ao investidor e aos detentores
de passivos em moeda estrangeira.
Entretanto, no ponto em que estamos, fica difícil fazer qualquer previsão quanto
a magnitude e a duração desta crise. As incertezas no mundo são enormes e até
as moedas do G7 tem sofrido variações substanciais. O que procuramos enfatizar
nessas notas é que os efeitos adversos de utilizar estratégia para crise de curta
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duração no caso, mesmo que menos provável, desta ser de longa, parecem ser
bem piores do que utilizar a estratégia de crise longa e de fato ser uma crise de
curta duração.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
SISTEMA FINANCEIRO
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I. Observações Gerais
A regulamentação que teria evitado os excessos que levaram à crise de hoje não
é necessariamente a mais indicada, nem para o sistema financeiro em frangalhos
de hoje, nem para o sistema financeiro do futuro. A definição do bom sistema
financeiro não se exaure na garantia de não vir a provocar crises. O papel do
sistema financeiro é o de intermediar recursos entre poupadores e investidores.
É também fazê-lo da forma mais eficiente e flexível, para atender às
necessidades dos poupadores e dos investidores quanto a prazos e risco, criando
um sistema de preços mais próximo possível do “idealtipo” competitivo, para
transmitir as informações e os estímulos adequados ao melhor funcionamento
da economia.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
O Brasil, desta vez, é apenas vítima, talvez coadjuvante secundário, de uma crise
internacional que tem seu epicentro nos EUA. Embora defasados em relação a
países mais próximos do epicentro, os sinais da crise já se fizeram sentir de
forma inequívoca. O sistema financeiro nacional, muito menos alavancado do
que o dos grandes centros mundiais, estava à primeira vista ao abrigo do
vendaval que se formava. A partir da quebra do Lehman Brothers, o
agravamento da crise não deixou mais dúvidas quanto ao seu impacto sobre a
economia e o sistema financeiro brasileiro. É fundamental dedicar atenção ao
desenho do sistema financeiro que se quer para sair da crise e viabilizar a
retomada da economia
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Todo boom de crédito, toda bolha especulativa de ativos são em última instancia
resultado do excesso de alavancagem, pois sem alavancagem não há, por
definição, bolhas especulativas.
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Na Crise:
A prática deixou claro que os custos de deixar quebrar qualquer instituição
sistemicamente relevante são excessivos. Os riscos de “moral hazard” são
dominados pelo risco de colapso sistêmico. Sistemicamente relevante é toda
instituição cuja interconexão financeira seja alta, ainda que não seja
formalmente um banco ou até mesmo instituição financeira regulada.
Durante a crise, o Banco Central deve garantir toda a liquidez necessária através
de todas as formas exigidas. Em casos extremos, como o atual nos EUA, o Banco
Central deve suprir liquidez diretamente onde ela se fizer necessária, sem a
intermediação momentaneamente bloqueada do sistema financeiro. Quanto
mais avançada estiver a transição de um sistema financeiro de relacionamento
bancário para o sistema de transações de mercado, mais importante é que o
Banco Central, além de exercer o seu papel clássico de emprestador de última
instancia, atue também “market-maker” de última instancia.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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preliminares. Esta transição, apesar dos riscos dos excessos, ilustrados de forma
dramática pela crise atual nos países centrais, é positiva. Reduzir o grau de
restrição do crédito é vital para que o Brasil consiga sustentar maiores taxas de
crescimento e de emprego. É preciso levar estes fatos em consideração para não
impedir o necessário desenvolvimento do mercado de crédito no Brasil tendo
como argumento os excessos cometidos nos países desenvolvidos.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Talvez o processo que mais tenha chamado a atenção tenha sido o do Reino
Unido, pois se trata de um dos principais centros financeiros do mundo e
procedeu com a fusão de 9 organismos que atuavam de forma separada para
formar a FSA (Financial Services Autority). O processo da Austrália também
chama a atenção por ter criado um sistema com dois grandes órgãos, conhecido
por “Twin Peaks”: um regulador prudencial e outro de conduta. Este modelo
guarda semelhanças com a recente proposta de reforma apresentada pelo
Secretário do Tesouro Norte Americano.
Todos esses processos de certa forma tinham como objetivo lidar com algumas
características cada vez mais marcantes do sistema financeiro internacional, e
que obviamente se manifestam intensamente também no mercado brasileiro:
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Ainda que a atual crise possa ter se agravado pela ineficácia de organismos
reguladores do sistema financeiro em vários países e que, em virtude disso, estes
passem por novas mudanças, parece claro que nós no Brasil precisamos de uma
maior integração entre estes órgãos. As iniciativas até agora parecem no
caminho correto, mas também muito tímidas. As circunstâncias apontadas acima
não tendem a serem revertidas por conta da atual crise por que passamos. Pelo
contrário, elas podem se agravar.
Se uma estrutura como essa parece um passo grande demais, ainda assim muito
pode ser feito para que possamos ter um sistema que seja simultaneamente
flexível e resistente.
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
Provavelmente, uma das razões para explicar a rapidez e a intensidade com que
a atual crise financeira se espalhou pelos mercados, países, instituições e
produtos financeiros tenha a ver com a ocorrência simultânea de uma série de
riscos que afetam as instituições e mercados financeiros, com um aumento na
correlação entre os principais tipos de risco. O resultado deste movimento
sincrônico nos riscos não foi simplesmente a soma de todos os riscos
individuais, mas sua multiplicação, com a emergência do risco sistêmico, capaz
de comprometer a estabilidade e a continuidade do sistema financeiro, tal como
ele atualmente é estruturado.
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
Conclusão
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
possa ser apontada como a causa isolada mais significativa para a atual crise
financeira. Essa negligência permitiu que se desenvolvesse um enorme mercado
de derivativos financeiros complexos, negociados entre instituições bancárias
reguladas e outras não-reguladas altamente alavancadas e com um grau de
transparência praticamente nulo nas suas demonstrações financeiras.
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
SOBRE OS AUTORES
Alkimar R. Moura
do Brasil (2001/2002). Ph.D. em Economia Aplicada pela Stanford University , Professor titular de
Sócio diretor da Lanx Capital Investimentos. Sócio do Instituto de Estudos de Política Econômica,
Casa das Garças. Foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, presidente
Fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças (desde
câmbio (desde janeiro de 2007). Foi trader de câmbio de 1990 a 1992, diretor responsável pela
área de câmbio de 1993 a 2001 e sócio de 1992 a 2001 do Banco Icatu. Foi diretor da Icatu
Finance and Investments Inc. (Cayman Islands) de 1997 a 2007. Formado em Economia pela
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Política Econômica, Casa das Garças. Presidente do Banco Central do Brasil, de março de 1999
a dezembro de 2002. Foi também diretor-gerente da Soros Fund Management em Nova Iorque,
Beny Parnes
Diretor executivo do Banco BBM desde abril de 2004. Ingressou no Banco BBM em 1991 e foi
sócio-diretor responsável por Produtos e Research de 1998 a 2001. Diretor da área externa do
Banco Central do Brasil de janeiro de 2002 a novembro de 2003. Formado em Economia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, fez seu doutoramento em Economia, sem
Daniel L. Gleizer
diretor executivo do Global Markets Brazil, Deutsche Bank (2003-2004), diretor para Assuntos
Casa das Garças. Membro do Conselho Consultivo do Grupo Icatu, membro do Conselho de
African Economic Research Council; do Committee for Development Planning, das Nações
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAPUC). Foi professor de economia da UnB
Edmar L. Bacha
Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica, Casa das Garças e consultor sênior do
Banco Itaú-BBA. Bacharel em Economia pela UFMG e Ph.D. em Economia pela Universidade de
Yale. Foi membro da equipe econômica responsável pelo Plano Real, presidente do IBGE, do
BNDES e da ANBID, bem como professor da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro,
Flavio Fucs
Francisco L. Lopes
do Rio de Janeiro, de 1977 a 1986. Ph.D. em Economia pela Harvard University, 1972.
Gustavo H. B. Franco
Sócio e Diretor Executivo da Rio Bravo Investimentos, e membro dos conselhos de administração
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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil
Fazenda, entre 1993 a 1999. Foi membro da equipe econômica responsável pelo Plano Real. É
desde 1986. É Bacharel (1979) e mestre (1982) em Economia pela Pontifícia Universidade
Ilan Goldfajn
do Rio de Janeiro. Membro do conselho da Cyrela Commercial Properties. Foi sócio fundador da
Diretor Executivo do Banco Safra, responsável pela Tesouraria e Mercado de Capitais, onde
Engenheiro Mecânico e de Produção pela PUC-Rio; MBA em Finanças pelo IBMEC; e Advanced
Management Program pelo INSEAD.
Política Econômica Casa das Garças, tendo ainda lecionado macroeconomia na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro em 2006 e 2007. É PhD em Economia pela London
School of Economics (set/2001), tendo escrito sua tese de doutorado sobre crises financeiras.
Pedro Malan
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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças
para Assuntos da Dívida Externa – Ministério da Fazenda de 1991 a 1993. Diretor executivo do
Banco Mundial de 1986 a 1990 e de 1992 a 1993. Formado em Engenharia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1965, com Ph.D. em Economia pela Universidade de
Berkeley, Califórnia.
Sylvio Heck
Sócio da Galanto Consultoria e analista financeiro das Empresas Brasif. Professor horista do
Tamara Wajnberg
Econômica Casa das Garças em 2007. Bacharel e Mestre em Economia pela Pontifícia
Theodoro Messa
Diretor responsável pelos controles de risco e compliance da Paineiras Investimentos. Foi gestor
de renda fixa e administrador de carteiras no Banco Icatu e na Icatu Investimentos de 1993 até
2001. Foi gestor de renda fixa da Icatu DTVM a partir de 2001 e Diretor de operações de 2004
até 2005. De 2005 a 2007, foi Diretor de Investimentos da Icatu Hartford Seguros. É detentor da
designação CFA. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Thomas Wu
Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Ph.D. em Economia pela
Universidade de Princeton.
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SOBRE A INSTITUIÇÃO
www.iepecdg.com
Instituto que tem por objetivo contribuir para a discussão de temas relacionados à situação sócio-
econômica do país. Promove discussões informais sobre tópicos de relevância para a política
econômica brasileira, realiza seminários acadêmicos de iniciativa própria ou por solicitação de
terceiros e promove atividades com a finalidade de apoiar financeiramente as produções
acadêmicas. Grupos de Estudo são coordenados por alguns dos associados com temas
relacionados a suas atividades-fim.
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