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Como Reagir à Crise?

Políticas Econômicas
para o Brasil
Edmar L. Bacha | Ilan Goldfajn [Org.]

AUTORES Alkimar R. Moura, André Lara Resende, Antônio de


Pádua Bittencourt Neto, Armando Castelar Pinheiro, Arminio Fraga
Neto, Beny Parnes, Daniel L. Gleizer, Dionísio Dias Carneiro, Edmar
L. Bacha, Flávio Fucs, Francisco L. Lopes, Gustavo H. B. Franco, Ilan
Goldfajn, João Cesar Tourinho, Mônica Baumgarten De Bolle, Pedro
Malan, Sylvio Heck, Tamara Wajnberg, Theodoro Messa, Thomas
Wu.
Como Reagir à Crise?
Políticas Econômicas
para o Brasil

Edmar L. Bacha
Ilan Goldfajn
ORGANIZADORES

1 ª versão

Fernando Barbosa
CAPA, PROJETO GRÁFICO E PREPARAÇÃO
SUMÁRIO

Introdução 4
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn

Cenários e Avaliações Gerais

Aonde queremos chegar 7


Pedro Malan

A dimensão da crise 12
Francisco L. Lopes

Como responder ao trade-off risco vs. eficiência? 16


Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle

O desembarque da crise no Brasil: 10 idéias 21


Gustavo H. B. Franco

Políticas Macroeconômicas

O choque externo e a resposta possível 26


Edmar L. Bacha

Opções para a política macroeconômica 29


Arminio Fraga Neto

Como reagir à crise: política fiscal 32


Beny Parnes
Ilan Goldfajn

Política Monetária, Liquidez e Crédito

Metas inflacionarias e crise externa: o que fazer? Um resumo 37


Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle

Liquidez e juros são políticas independentes? 42


Flavio Fucs
Thomas Wu
Bancos públicos: bombeiros na crise ou emprestadores de primeira
instância? 47
Armando Castelar Pinheiro

Liquidez: empoçamento? 53
Sylvio Heck

Considerações acerca da política de provisão de liquidez 56


Daniel L. Gleizer

Política Cambial

Mercados cambial e de crédito brasileiros: danos e reações propostas 63


João Cesar Tourinho

Políticas cambiais em períodos de crise 67


Antônio de Pádua Bittencourt Neto
Tamara Wajnberg

Sistema Financeiro

A crise e o desenho do sistema financeiro 73


André Lara Resende

Crise e regulação do sistema financeiro brasileiro 80


Theodoro Messa

A microestrutura dos mercados faz alguma diferença? 83


Alkimar R. Moura

Sobre os Autores 87

Sobre a Instituição 92
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

INTRODUÇÃO
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn

O propósito desta publicação é abrir para um público mais amplo os debates que
vimos realizando no Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das
Garças (IEPE/CdG) sobre a crise financeira internacional e suas repercussões no
Brasil. Estamos particularmente interessados em discutir como o país deveria
reagir à crise, nas diversas dimensões da política econômica – monetária,
creditícia, cambial, regulatória e fiscal.

São dezessete os textos desta coletânea, organizados em cinco seções. A


primeira seção inclui quatro textos de cenários e avaliações gerais: Pedro Malan
indaga aonde queremos chegar em diversos aspectos da política econômica e
social; Francisco Lopes traça cenários para a crise econômica; Dionísio Dias
Carneiro e Monica de Bolle argúem que a reação de política depende do cenário
que se considera para a forma como a crise chega ao Brasil; e Gustavo Franco
discute de que formas se dá o desembarque da crise no país. A segunda seção se
ocupa do contexto das políticas macroeconômicas, com três textos, em que
Edmar Bacha, Armínio Fraga, e Beny Parnes e Ilan Goldfajn avaliam de forma
independente as políticas de resposta à crise, em suas dimensões de balanço de
pagamentos, política monetária, creditícia e fiscal. Na terceira seção, cinco
artigos discutem a política monetária, liquidez e crédito: Dionisio Dias Carneiro
e Monica de Bolle avaliam a política monetária, e o regime de metas em
particular, num contexto de crise; Flavio Fucs e Thomas Wu estudam o impacto
da crise de liquidez sobre as escolhas de política monetária; Armando Castelar
discute o papel dos bancos públicos; enquanto que Sylvio Heck e Daniel Gleizer
debatem, em artigos independentes, as implicações sistêmicas da falta de
liquidez e de seu empoçamento. A quarta seção apresenta dois artigos sobre a
política cambial. No primeiro, João Cesar Tourinho avalia os danos da crise aos
modelos cambial e de crédito; enquanto que, no segundo, Antonio de Pádua
Bittencourt e Tamara Wajnberg discutem estratégias alternativas de política
cambial no contexto da crise. Questões específicas sobre o sistema financeiro
ocupam a quinta e última seção: André Lara Resende avalia a extensão da crise e
suas implicações para o redesenho do sistema financeiro, tanto em nível global
como brasileiro; Theodoro Messa avalia a oportunidade de repensar o formato
institucional da regulação do sistema financeiro brasileiro; e Alkimar Moura
indaga em que medida importa se a organização dos mercados financeiros é em
balcão ou em bolsa.

Os diversos textos desta coletânea são de responsabilidade exclusiva de seus


autores, não refletindo as opiniões das instituições a que pertecem e também

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

não as do IEPE/CdG, que se constitui como um fórum de debates em que sócios e


convidados expõem e discutem opiniões variadas, não necessariamente
convergentes, especialmente quando se trata de temas tão complexos como os
que se ocupa este livro. Como organizadores, não fizemos qualquer esforço de
uniformização das contribuições – elas são oferecidas ao público leitor da forma
em que foram concebidas por seus autores. É nossa intenção continuar
avançando no entendimento dos temas aqui tratados em próximos seminários
no IEPE/CdG, dos quais esperamos que possam advir contribuições adicionais
para a formulação da política econômica no contexto da crise. Nesse caso,
edições futuras deste livro incorporarão as novas avaliações.

Agradecemos a excelente assistência de Fernando Barbosa, estagiário do


IEPE/CdG, na elaboração do livro, bem como o trabalho de secretaria de Letícia
Duboc.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

CENÁRIOS E AVALIAÇÕES GERAIS

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AONDE QUEREMOS CHEGAR


Pedro Malan

Estamos vivendo as conseqüências do fim de um extraordinário ciclo de


expansão da economia mundial. O mais longo, o mais intenso e o mais
amplamente disseminado da história moderna, como bem notou Ken Rogoff. Um
ciclo que teve início com os surpreendentes eventos econômicos e políticos do
início dos anos 90, e cujo auge teve lugar exatamente no qüinqüênio que se
estende de meados de 2003 ao terceiro trimestre de 2007.

É evidente desde setembro de 2008 que esta é a crise mais grave experimentada
pela economia mundial nos últimos 80 anos. Uma crise que não será superada
em alguns trimestres e da qual nenhum país deixará de sofrer as conseqüências,
embora de formas distintas. O Brasil não é e não será uma exceção. Mas o que
importa é a qualidade de nosso entendimento sobre o(s) processo(s) que nos
conduziram à situação atual. Deste entendimento depende algo que é muito
mais relevante: nossa capacidade de avaliar e de responder de forma apropriada
a desafios, riscos e oportunidades que a crise, e sua superação no futuro, sempre
encerram.

Esta nota está baseada em parte, na estrutura de um texto, não publicado do


autor, intitulado “Um Tema Central, uma Foto 3x4, um Filme em Câmera Lenta”,
escrito no início de 2006 para circulação restrita. O tema central era o debate
sobre o crescimento econômico sustentado do Brasil. A foto 3x4 eram 4 blocos
(macro; não macro; social e de reformas) cada um com 3 temas relevantes. O
filme em câmera lenta era o nosso ritmo, mais lento, de mudanças estruturais,
avanços institucionais e consolidação de ganhos conceituais, relativamente a
alguns outros países relevantes que conosco competiam, e competem, no mundo
– por maior comércio, maior atração de capitais e maior peso, voz, prestígio e
influência. A grave crise atual apenas reforça o sentido de urgência na definição
clara sobre aonde queremos chegar a cada um dos blocos acima em torno dos
quais está organizado o restante desta nota, com ênfase nos dois primeiros.

O Bloco Macroeconômico

Este bloco diz respeito aos regimes monetário, cambial e fiscal e as interações
entre as políticas nestas três áreas-chave. O Brasil tem hoje praticamente dez
anos de um regime de taxas de cambio flutuante; nove anos e meio de um regime
monetário de metas de inflação; e oito anos e meio de vigência da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que pode e deve ser vista como uma tentativa de definir
um regime fiscal responsável para o País.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Regime Monetário: o regime de metas de inflação, dentre as alternativas


conceituais disponíveis é o mais apropriado para o Brasil de hoje. “Constrained
Discretion” é melhor do que a tradicional dicotomia “Rules x Discretion”. E o
modelo do Fed norte-americano, com todo seu apelo ao “balancing of risks
between the long term objectives of price stability and sustainable growth...” ainda
não é aplicável a um País que está procurando estabelecer de forma sólida e
consistente suas credenciais antiinflacionárias. Tanto é assim que a linguagem
do Fed é vista por muitos entre nós como expressando a possibilidade de atingir,
no curto prazo, pelo menos dois objetivos com um instrumento. É verdade que
temos quatorze anos e meio de inflação mais ou menos civilizada. Mas fomos o
recordista mundial de inflação por mais de 30 anos do início dos 60 até o
lançamento do Real em meados de 1994.

Aonde queremos chegar nesta área, portanto, no momento e nos próximos anos,
deveria ser a consolidação do regime de metas de inflação como mecanismo
crível de formação de expectativas quanto ao curso futuro dos preços: corolário
deste objetivo é a autonomia operacional do Banco Central para decidir a melhor
forma de convergir, na prática, para as metas de inflação definidas por governos
democraticamente eleitos.

Do ponto de vista operacional, existe uma ampla margem para o


aperfeiçoamento do regime à luz da experiência e do debate como veio
acontecendo nos últimos 9 anos e meio e deve continuar. Mas é preciso
distinguir entre o regime, a forma de condução operacional da política
monetária - dado o regime – e as eternas discussões mais tópicas sobre o nível
em que se encontram as taxas nominais e reais de juros em um momento dado.
O fato é que a eficácia do regime de metas de inflação como mecanismo de
coordenação de expectativas depende das percepções sobre a consistência
intertemporal dos regimes cambial e fiscal.

Regime cambial: o regime de taxas de câmbio flutuantes é o mais apropriado ao


Brasil de hoje, no sentido de que é superior às alternativas conceituais
existentes. Como no caso do regime monetário sua operacionalização sempre
pode e deve ser aperfeiçoada à luz da experiência e do debate. Sempre houve e
sempre haverá margem e escopo para certas intervenções destinadas a lidar
com excessos de volatilidade e over e undershootings com escassa base em
fundamentos. No Brasil de hoje e do futuro, isto não deve de forma alguma
significar a definição, por parte de um governo de um objetivo a alcançar um
nível específico (ou uma banda de variações específica) para a taxa de câmbio
(ainda que não publicamente anunciada).

Não obstante, há legítimas preocupações com possíveis excessos de


volalitilidade. A melhor maneira de lidar com estes (aonde queremos chegar)
não é, seguramente, a proposição de Lei de Responsabilidade Cambial ou de um
Regime de Metas para o câmbio, mas é antes a consolidação do regime
monetário de compromisso firme e crível com o controle da inflação, um regime
fiscal que assegure de forma crível a solvência intertemporal do setor público

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como um objetivo permanente e a consolidação de avanços nas áreas não-macro


e de reformas mencionadas a seguir.

Regime Fiscal: nunca será demais enfatizar a absoluta centralidade da questão


fiscal e do regime a que está ligada, para o grau de confiabilidade que um
governo pode inspirar, tanto a seus próprios cidadãos quanto ao resto do
mundo. Uma política fiscal sólida, percebida como tal, reduz o ônus que pode
representar para a política monetária a tentativa de preservar o poder de
compra da moeda nacional, fato que a esmagadora maioria da população hoje
percebe claramente ser de seu maior interesse. O generalizado desejo de taxas
de juros reais mais baixas seria muito mais facilmente alcançado com um regime
e uma política fiscal marcada pelo signo da austeridade e da busca de eficiência
na gestão de recursos públicos escassos.

Aonde queremos chegar nesta área? Aonde ainda não chegamos, isto é, ainda
não deixou raízes de forma mais profunda entre nós o reconhecimento da
importância crucial não só do nível como da composição e da qualidade/eficácia
tanto do gasto público quanto da carga tributária.

A questão central hoje é a contenção da expansão do gasto público corrente do


Governo e a redução da excessiva vinculação legal de receitas a determinados
tipos de gastos. Este é o único caminho, já que não é mais possível aumentar a
carga tributária, nem permitir a volta da inflação como mecanismo de
financiamento do Governo, nem aumentar muito a dívida pública, e nem reduzir
ainda mais o investimento público, hoje de menos de 2% do PIB.

A grave crise atual – e os trilhões de dólares e euros e libras que estão sendo
gastos para salvar instituições financeiras no mundo desenvolvido – levou
muitos a acreditar que o nome do jogo é a adoção generalizada de políticas
“Keynesianas” para combater a desaceleração do crescimento. Contratações de
funcionários públicos, aumentos de salários públicos, gastos em custeio,
aumento permanente de compras do Governo passaram a ser vistos em alguns
círculos, como expressando o melhor dos ensinamentos de Keynes sobre a
importância de gastos contracíclicos na situação atual, em qualquer país,
inclusive no Brasil que não está em recessão, nem em deflação, mas em processo
de desaceleração do crescimento que vai significar sim redução das receitas
anteriormente programadas para 2009 e portanto vai exigir cortes na expansão
de gastos antes contemplados e não o contrário, como vem acontecendo com as
contratações e aumentos “anti-cíclicos”. O que poderia ser anti-cíclico é o
investimento público – que é negativamente afetado pelo crescimento do
consumo público. Não é por aí que chegaremos onde queremos. Não é por aí que
estaremos nos posicionando para enfrentar a crise – e sair dela em melhores
condições um pouco mais à frente. No curto prazo este é o problema
macroeconômico central do Brasil. A derrota de Antonio Palocci e Paulo
Bernardo para o resto do governo ao final de 2005 foi péssima para o País. Se os
vitoriosos de então conseguirem agora, como resposta à crise, vender ao País a
idéia do gasto corrente “Keynesiano” como a solução para a crise estaremos em
rota de colisão com nosso desejo de sermos vistos por nós mesmos e pelo resto

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

do mundo como um país confiável, previsível e com capacidade de responder de


forma apropriada à crise atual.

Bloco Não-Macro

É sabido que ainda que os três regimes macroeconômicos estejam funcionando a


contento, uma relativa estabilidade macroeconômica, por si só, não assegura o
crescimento sustentado da atividade econômica do investimento e do emprego,
que é aonde queremos chegar. Há questões não-macro que devem,
necessariamente fazer parte da agenda. Em particular agora, nesta grave crise
quando a preocupação fundamental deveria ser a redução das barreiras ao
investimento público e privado, nacional e estrangeiro.

Há três áreas-chave aqui. A primeira é o contexto regulatório, particularmente


na área de infra-estrutura (energia, transportes, portos, saneamento). Nosso
contexto ainda deixa a desejar em termos de clareza e previsibilidade das regras
do jogo, bem como em termos de independência das agencias de indevidas
interferências políticas. O Brasil ainda tem que avançar mais nesta área inclusive
na superação de falsos dilemas entre os papéis do investimento público e do
investimento privado e da gestão pública ou privada em algumas das áreas
acima mencionadas.

A segunda área diz respeito à eficácia das políticas de competição, regulação e


supervisão do sistema financeiro, dos fundos de pensão, do mercado segurador e
da concorrência em geral. O nome do jogo aqui – e aonde queremos chegar - é
eficiência na regulação e não excesso de regulação.

Por último, há uma agenda de temas microeconômicos e institucionais que tem a


ver com a eficácia dos sinais de preços relativos, a redução das barreiras ao
investimento e o estímulo à capacidade empreendedora dos brasileiros. Aqui
está - aonde queremos chegar - a necessidade de redução de incertezas jurídicas,
surpresas, instabilidades institucionais que afetem o clima de negócios, o ânimo
empresarial e o cálculo econômico dos agentes. Em resumo, uma resposta
apropriada do Brasil à grave crise atual deveria ser o de acelerar o passo na
agenda regulatória, concorrencial e micro-institucional, com vistas a estimular o
investimento privado, doméstico e internacional.

Bloco Social

Há três grandes temas: educação, saúde e segurança pública. A educação é o


tema central. Aqui residiam, residem e residirão nossas grandes deficiências e
nossos grandes desafios. É na qualidade dos resultados do processo educacional
que reside, em última análise, a capacidade de um país adaptar-se
continuamente às necessidades da competição internacional e de crescer de
forma sustentada. Há muito ainda por fazer nesta área, que exige uma difícil luta
contra o corporativismo de grande parte do sistema.

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A saúde sempre será fonte inesgotável de demandas sobre recursos públicos


escassos. Com a super indexação dos recursos orçamentários ao PIB nominal,
por preceito constitucional, o Brasil, comparativamente, não gasta pouco nesta
área, mas esta é a sensação da população. O discurso deveria ser o da busca da
eficiência, qualidade do gasto, combate sem tréguas ao desperdício, à fraude, à
corrupção, e à demagogia no trato do tema.

A segurança pública é hoje uma das maiores preocupações dos brasileiros que
vivem nas grandes metrópoles. Candidatos que tenham uma história coerente
para contar sobre sua própria experiência, e a capacidade de sinalizar um
caminho que possa fazer sentido à parcela crescente das populações urbanas
angustiadas com o tema, teria uma vantagem não desprezível sobre quem não o
fizesse a contento. Infelizmente, ainda é preciso superar anacrônicas visões de
que enquanto os problemas da desigualdade da pobreza não forem inteiramente
resolvidos, não é possível fazer muito nesta área. É preciso aprofundar o debate.

Bloco das Reformas

As dificuldades do avanço em épocas de crise e pré-eleitorais são amplamente


conhecidas. Seria um equívoco contudo, relegar a um plano secundário o debate
público sobre a necessidade de aproveitar a oportunidade para aprofundar o
entendimento objetivo – ainda deficiente entre nós – das razões pelas quais as
reformas previdenciária, trabalhista e tributária terão que ser feitas, ainda que
de forma gradualista e não necessariamente através do tortuoso processo de
Reformas Constitucionais. Por exemplo, o “Fator Previdenciário” foi uma
mudança infra-constitucional – agora ameaçada. Da mesma forma, especialistas
como Everardo Maciel, entre outros, asseveram que é possível melhorar nosso
sistema tributário com legislação infra-constitucional. O mesmo valeria para a
reforma de aspectos não constitucionais de nossa ultrapassada legislação
trabalhista. Por vezes, em climas pré-eleitorais e momentos de crise, evitar
retrocessos é uma forma - ainda que precária – de tentar avançar.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

A DIMENSÃO DA CRISE
Francisco L. Lopes

Tolstoy escreveu, no Anna Karenina, que todas as famílias felizes são parecidas,
mas uma família infeliz é infeliz de seu próprio modo. As recessões são um
pouco como as famílias infelizes do grande escritor russo: cada uma tem a sua
própria história e a sua forma peculiar de produzir infelicidade econômica. Isto
significa que é sempre difícil prever a intensidade de um desses episódios
quando ainda não terminou.

Se considerarmos o indicador da produção industrial (índice total com ajuste


sazonal e base 2002=100), não há dúvida que a presente recessão começou nos
Estados Unidos em janeiro de 2008. Mas que intensidade terá e quando
terminará? De acordo com o National Bureau of Economic Research, desde 1854
a economia americana passou por 31 recessões, com período médio de
contração de 17 meses. Duas delas, porém, se destacaram pela intensidade:
1929-32 e 1937-38.
Data inicial Jul-1929 Mar-1937

Produção Industrial máximo local 8,9 9,4

Data final jul-1932 mai-1938

Produção industrial mínimo local 4,1 6,3

Duração em meses 37 14

Variação % Produção Industrial -53,6% -32,5%

É possível ter certeza que não teremos agora uma nova recessão “anormal”
desse tipo? Sem dúvida é preocupante notar que a recessão de 1929 teve a
mesma origem que a atual: uma grave crise no sistema financeiro. E a recessão
de 1937 parece mostrar que o final da crise bancária não é suficiente para
permitir uma reativação sustentada.

A principal razão por que se pode considerar muito improvável a repetição


agora de uma recessão desse tipo faz lembrar aquela resposta que alguém deu à
pergunta se somos mais sábios do que os gregos antigos. A resposta é que
obviamente sim já que conhecemos o pensamento deles. Do mesmo modo, a
razão por que podemos evitar desastres como os dos anos 1930 é que,
conhecendo aquela experiência, sabemos agora o que deveria ter sido feito:
estancar a propagação da crise bancária o mais rápido possível (para evitar
1929-32) e adicionar políticas monetárias e fiscais expansionistas (para evitar

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

1937-38). Isto é, exatamente, o que o governo americano, tanto com Bush como
Obama, está tentando fazer.

Devido a essa firme reação da política econômica, a recessão de 2008-10 será


uma recessão “normal”, comparável às seis que tivemos nos últimos 50 anos.

A projeção, na última coluna do quadro, sugere que será uma recessão de


intensidade e duração semelhante à de 1980-82. Como se sabe aquela recessão
resultou da combinação do segundo choque do petróleo com uma contração
monetária intensa e persistente produzida pelo FED para controlar a inflação.
Agora temos a combinação do rompimento de uma bolha especulativa nos
preços de imóveis com uma desorganização profunda dos mercados financeiros
e um colapso do crédito bancário (credit crunch), mas junto com uma política
monetária expansionista. Quando escrevemos, a produção industrial americana
já havia caído pouco mais de 4% em 2008 e nossa expectativa é que ainda cairá
5% até meados de 2010, quando se iniciará a fase de recuperação.

A recessão americana se propaga internacionalmente através de quatro


mecanismos principais:

1. Contração de crédito produzida pelo processo de redução da


alavancagem no sistema financeiro global e conseqüente fragilização dos
bancos;

2. Destruição de riqueza, como resultado da queda nos preços de ativos


financeiros, como imóveis e ações;

3. Deterioração das expectativas sobre a evolução futura da atividade


econômica, afetando decisões de dispêndio de empresas e famílias;

4. Redução no crescimento das exportações e do comércio mundial.

Nossa projeção é que diferentes combinações desses mecanismos produzirão


quedas de produção industrial de 7% na Eurozona e de 14% no Japão, também
com início de recuperação no segundo semestre de 2010. Para a economia
chinesa nossa projeção é de um crescimento médio de 7% ao ano entre 2009 e
2011, mas nesse caso já com início de recuperação no primeiro trimestre de
2010 e retorno a um crescimento de 8 a 9% no longo prazo.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Como conseqüência dessa recessão global, deveremos registrar nas economias


avançadas deflações nos índices de preços por atacado em 2009 e 2010 e taxas
de inflação nos preços ao consumidor inferiores a 1% ao ano pelo menos até
2011.

E como fica o Brasil? No nosso caso a propagação da crise via contração de


crédito será pouco intensa. A necessidade de desalavancar ficou restrita a
empresas exportadoras que especulavam com opções exóticas e a bancos de
pequeno porte. O sistema bancário tende a ser apenas temporariamente mais
seletivo no crédito ao consumidor e a pequenas empresas, mas a normalização
das operações deverá ser rápida.

O mesmo ocorre com a propagação via destruição de riqueza. Não tivemos bolha
especulativa nos preços dos imóveis e esse mercado apenas continuará na
mesma estagnação de sempre. A queda nas bolsas brasileiras provavelmente
terá mais impacto sobre a riqueza de investidores estrangeiros, já que a
participação da renda variável na riqueza financeira de investidores brasileiros
(incluindo fundos de aposentadoria) é pequena.

A contaminação via expectativas será mais importante e deverá explicar boa


parte da contração da atividade produtiva que deveremos registrar no último
trimestre de 2008 e primeiro de 2009. A redução de estoques na indústria terá
papel importante nesse fenômeno, mas naturalmente, por sua própria natureza
defensiva, tenderá a contribuir para a recuperação a partir do segundo semestre
de 2009. No médio prazo a dinâmica de crescimento atualmente “embutida” no
sistema e a atuação expansionista do governo através do PAC, BNDES e outros
mecanismos fiscais e creditícios, deverão garantir a recuperação das
expectativas, com crescente consolidação da confiança das empresas nas
perspectivas de crescimento de longo prazo. Na realidade o governo brasileiro já
tinha encomendado um pacote expansionista mesmo antes da crise se
manifestar, claramente se antecipando aos chineses e americanos!

O outro mecanismo potencialmente importante de propagação da crise é o


crescimento das exportações, que será afetado pela contração do valor em
dólares do comércio mundial, que projetamos em 13% em 2009 e 6% em 2010.
O impacto será particularmente notado em alguns setores industriais com forte
integração internacional, como o automobilístico. Esse mecanismo de
propagação será, porém, em parte neutralizado pela desvalorização cambial, que
no momento em que escrevemos é da ordem de 25% sobre a média de 2007-8 e
poderá evoluir para mais de 40% até 2011 ou 2012.

É importante notar que o Banco Central do Brasil está agindo corretamente ao


deixar a taxa de cambio se ajustar à nova realidade da economia mundial, e isto
nos livrará de uma das nossas duas grandes deformidades macroeconômicas. A
realidade é que o trabalho de estabilização da economia brasileira, iniciado com
o Plano Real, ainda não foi totalmente concluído, e as evidências disso, até
recentemente, eram a supervalorização cambial e o nível da taxa SELIC. Com o

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

ajuste cambial provocado pela crise, resta apenas o problema de reduzir a taxa
de juros a um patamar “civilizado”.

Nossa projeção é que, como resultado da crise, a taxa de crescimento anual do


PIB brasileiro cairá do patamar de 5% registrado em 2007 e 2008 para algo
como 2,5% em 2009 e 3,5% em 2010, retomando para uma média de 4 a 4,5% a
partir de 2011. A taxa anual de inflação ficará pouco abaixo de 7% em 2008, mas
voltará para um patamar de 5% ou menos em 2010. Por outro lado, o balanço de
pagamentos apresentará desequilíbrio crescente, com o déficit em transações
correntes evoluindo para mais de 60 bilhões de dólares em 2011, superior a 4%
do PIB, antes de voltar a declinar em função do ajuste cambial e da recuperação
do comércio mundial. Isto, naturalmente ainda será conseqüência retardada da
equivocada apreciação cambial de 2006 e 2007.

Não obstante, se for possível sustentar um financiamento externo, via


investimento direto e carteira, de pelo menos 2,5% do PIB, ainda será possível
obter uma calibragem das políticas monetária, fiscal e cambial que permita a
sustentação do crescimento ao nível de 4,5% ao ano com taxa de inflação entre 5
e 6% ao ano no longo prazo.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Como Responder ao Trade-off Risco vs. Eficiência?


Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle

As grandes dúvidas que cercam a definição dos cenários para a economia


mundial nos próximos anos são quão profunda e duradoura será a recessão que
já se instalou nas economias centrais e como será a trajetória de recuperação
pós-crise. Isto é, será o mundo capaz de retornar ao ritmo vigoroso de
crescimento que predominou nos últimos anos, ou estamos fadados a conviver
com um período de crescimento mais anêmico, passada a fase aguda da crise?
Em grande medida, a resposta a esta pergunta depende de uma interação difícil
de antecipar: as reações de política e as respostas dos consumidores e
investidores.

Os temores de que alguns países possam sofrer um destino semelhante ao do


Japão nos anos 90, quando o país mergulhou numa dolorosa década de
contração econômica, têm sido a principal motivação para as recomendações de
políticas expansionistas, principal item na pauta de “soluções” para a crise. Até
os mais ardorosos defensores do ajuste no debate clássico entre ajuste
macroeconômico e financiamento, como as instituições de Bretton Woods, têm
declarado o seu apoio quase incondicional à necessidade de financiamento e
acomodação para evitar “o pior”. Ao mesmo tempo, excetuando-se os EUA e a
Inglaterra, a maioria dos membros do novo foro de decisões internacionais, o G-
20, já se manifestou a favor da elaboração de um arcabouço regulatório mais
rigoroso para o sistema financeiro internacional.

Há pelo menos duas grandes questões cujas respostas impactam diretamente a


delineação dos cenários mais prováveis nos próximos anos:

1. Será possível, ou mesmo desejável, recompor os mecanismos de crédito e


liquidez, cujos benefícios no período recente, apesar da crise, foram
importantes para promover o crescimento da economia mundial e a
incorporação de consideráveis contingentes populacionais à economia
de mercado?
2. Há espaço para as políticas fiscais e monetárias expansionistas, ou
estariam os países plantando as sementes de um maior descontrole
inflacionário futuro?

As respostas a estas perguntas impactam diretamente as recomendações de


política econômica para o Brasil, tanto no sentido de atravessar a crise, quanto
no de retomar a trajetória de crescimento de médio/longo prazo, quando os
reflexos mais agudos da turbulência externa já tiverem se dissipado.

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Eficiência vs. Risco

De um modo geral, a relação entre a disponibilidade de crédito e a demanda


agregada é clara: quanto maior (menor) o acesso ao crédito, maior (menor) a
capacidade das firmas de financiar investimentos e dos consumidores de
aumentar seus gastos. Menos explorada, porém, é a relação entre crédito e oferta
agregada (ver Clarida, Galí, e Gertler (2000)). A combinação de forte crescimento
com inflação moderada dos últimos anos (ver Bolle e Carneiro (2007) e (2008))
sugere que a abundância de liquidez proporcionou ganhos de eficiência
econômica que facilitaram enormemente a tarefa dos gestores de política
econômica. É concebível, portanto, que a ruptura dos mecanismos de crédito
associada à crise bancária global possa agora resultar em perdas de eficiência
econômica de magnitude suficiente para constituir um choque de oferta
negativo. Isto é, uma forte redução do crédito contrai a demanda, podendo ser
compensada por políticas expansionistas, mas também age sobre a oferta global,
o que nem sempre pode ser compensado pelas políticas de demanda e passa a
constituir um elemento recessivo adicional.

Este argumento é sustentado pelo estudo empírico de Aghion et al (2005), onde


conclui-se que quando há maior disponibilidade de crédito, há mais
investimentos em projetos que aumentam o grau de produtividade da economia.
Em contrapartida, quando o crédito contrai, a resultante queda na produtividade
piora as perspectivas de crescimento.

Entretanto, a idéia de que uma maior disponibilidade de crédito possa traduzir-


se em maior crescimento potencial da economia não é uma desculpa para o
otimismo quanto às tarefas de curto prazo e pode ser até perigosa como
elemento de orientação da política anti-recessiva. O custo de um sistema mais
ágil, menos regulado, e mais capaz de gerar ganhos de eficiência é aumentar o
risco de uma grande ruptura destes mesmos mecanismos, com implicações
devastadoras sobre a economia real, como vimos acontecer na atual crise. Ou
seja, o mundo menos regulado está mais exposto aos extremos: períodos de
forte crescimento e criação de riqueza, contrabalançado por grandes choques
destrutivos. Em contrapartida, o mundo mais regulado, caracterizado por um
sistema de multiplicação de crédito menos flexível, está menos sujeito à choques
financeiros cataclísmicos, mas também gera menores ganhos de produtividade e
perspectivas de crescimento bem menos exuberantes.

Implicações para a Condução da Política Econômica no Brasil

Tanto a teoria quanto a experiência recomendam que choques transitórios


sejam enfrentados com políticas econômicas acomodativas (ou financiamento),
enquanto choques permanentes sejam administrados com medidas de ajuste. As
escolhas de política econômica do Brasil para os próximos anos está
intimamente relacionada ao clássico debate entre ajuste e financiamento.

Se acreditarmos que o mundo pós-crise será capaz de retomar uma trajetória de


crescimento próxima à que vigorou nos últimos anos, é possível justificar, dentro

17
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

de certos limites, os clamores por uma maior flexibilização tanto da política


monetária quanto da fiscal. Este parece ser o caminho escolhido pelo governo,
por ser bem menos custoso em termos políticos. No caso da política monetária,
torna-se concebível a idéia de que o Banco Central possa relegar
temporariamente para segundo plano a meta de inflação, enquanto reorganiza
os fluxos de liquidez do mercado interbancário, e recompõe os mecanismos de
criação e multiplicação de crédito que tanto beneficiaram o crescimento nos
últimos dois anos (ver nota de Fucs e Wu (2008)). No plano fiscal, é igualmente
concebível que o governo lance mão de pacotes de socorro limitados para os
setores mais afetados pela retração do crédito, uma vez que, passada a crise,
estes setores voltarão a ter perspectivas tão robustas quanto as que vigoravam
antes da turbulência financeira. Cenários de crise rápida com retorno às taxas
de crescimento mundial pré-crise favorecem esta estratégia.

Entretanto, se o cenário para a economia global nos próximos anos não


comportar a retomada do crescimento a um ritmo semelhante, isto é, se a nova
ordem financeira internacional e o redesenho dos mecanismos de regulação do
sistema tiver como consequência uma redução dos ganhos de produtividade e
eficiência que sustentem taxas de expansão elevadas, um maior esforço de ajuste
estrutural torna-se indispensável. Com perspectivas de crescimento global mais
sombrias, a necessidade de re-alinhar o balanço de pagamentos brasileiro deve
ser dominante nas preocupações de política.

Enquanto não for realista contar com uma recuperação dos preços das
exportações brasileiras, que tanto nos beneficiou nos últimos anos, nem
tampouco com a retomada da demanda externa por nossos produtos,
depreciações mais permanentes terão como consequência a necessidade de
controlar a absorção doméstica de modo a evitar as pressões inflacionárias
desestabilizadoras. Além disso, a menor abundância de liquidez internacional
traduzir-se-á em fluxos financeiros e volumes de investimento estrangeiro bem
mais modestos. Estas restrições não só limitam significativamente a capacidade
do governo de implementar políticas fiscais anti-cíclicas, como pedem uma
redução de gastos consistente com um nível de competitividade relativamente
saudável para o balanço de pagamentos. Nesse contexto, a política fiscal
expansionista deve ficar mais restrita pela preocupação com a inflação.

Além disso, em um mundo menos exuberante, com liquidez mais restrita e grau
de aversão ao risco maior, a sinalização de que o compromisso com a inflação
pode ser momentaneamente reduzido para melhor atravessar a crise é
perniciosa. O trade-off entre correção cambial e inflação nas economias
emergentes é assim estruturalmente diferente do que o que ocorre em países
desenvolvidos, cujas moedas são geralmente conversíveis: uma maior
complacência inflacionária aumenta a percepção de risco-país, sobretudo em um
ambiente já caracterizado por uma aversão ao risco mais elevada, afetando o
câmbio e disparando, possivelmente, uma espiral câmbio-preços. Esta é outra
forma de representar as implicações do “pecado original” inerente às moedas
emergentes, como o real.

18
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Conclusões

As diretrizes recomendadas para a política macroeconômica para o Brasil


dependem da delineação dos cenários para a economia global nos próximos
anos, que por sua vez não podem ser distanciados das interpretações sobre a
natureza da atual crise: será um choque de natureza mais transitória,
possibilitando a retomada da trajetória de crescimento, ou será um choque mais
permanente, necessitando um maior esforço de adequação à uma realidade
menos arriscada e menos exuberante? O primeiro caso pressupõe não só que as
economias mais afetadas sejam capazes de re-inflar os mecanismos de crédito,
como também que haja vontade política para fazê-lo, o que, salvo no caso dos
EUA e da Inglaterra, não parece ser muito provável. De todo modo, neste cenário
é possível contemplar medidas mais acomodativas por parte das autoridades
brasileiras, desde que sejam respeitados os limites de sustentabilidade fiscal. No
último trimestre de 2008, este cenário tornou-se menos provável.

Já em um cenário onde piores perspectivas para o nível de produtividade da


economia global impliquem trajetórias de crescimento bem mais modestas nos
próximos anos, mesmo depois que os reflexos mais graves da crise já tiverem
sido superados, não é possível, muito menos recomendável, escapar á
necessidade de ajuste. Neste caso, o maior comprometimento com a inflação
baixa e a implementação de cortes nos gastos públicos de custeio são essenciais
para manter a economia brasileira em uma trajetória de crescimento
sustentável, mesmo que mais modesta.

Qual o cenário mais provável? A evolução recente da crise na segunda metade de


2008 tem provocado sucessivas revisões cada vez mais pessimistas para a
duração da recessão global, uma vez que a destruição dos mecanismos de
geração de crédito montados nos últimos vinte anos é mais séria do que se
imaginava há alguns meses (tabela 1).
Tabela 1
Projeções do World Economic Outlook
(Variação Percentual Anual )
Abril de 2008 Outubro de 2008 Novembro de 2008
2008 2009 2008 2009 2008 2009
PIB Mundial 3,7 3,8 3,9 3 3,7 2,2
Estados Unidos 0,5 0,6 1,6 0,1 1,4 -0,7
Euro Área 1,4 1,2 1,3 0,2 1,2 -0,5
Japão 1,4 1,5 0,7 0,5 0,5 -0,2
Reino Unido 1,6 1,6 1 -0,1 0,8 -1,3
Rússia 6,8 6,3 7 5,5 6,8 3,5
Ásia (em desenvolvimento) 8,2 8,4 8,4 7,7 8,3 7,1
China 9,3 9,5 9,7 9,3 9,7 8,5
Índia 7,9 8 7,9 6,9 7,8 6,3
Brasil 4,8 3,7 5,2 3,5 5,2 3

O resultado é que ficam mais pessimistas as perspectivas do impacto da


economia externa sobre o Brasil, o que induz uma expectativa de câmbio mais

19
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

depreciado. O quadro aponta para pressões maiores sobre o financiamento dos


projetos de expansão da oferta e sugere a necessidade de maior moderação no
ímpeto das políticas compensatórias baseadas em gastos correntes, sob pena de
uma aceitação de desvios maiores e mais permanentes da inflação brasileira em
comparação com a inflação das moedas internacionais. Nestas circunstâncias,
consolidaria-se um patamar maior para o prêmio de risco Brasil e, portanto,
financiamentos mais caros para os déficits em conta-corrente no futuro.

Referências:

Aghion, P., G.M. Angeletos, A. Banerjee, e K. Manova (2005) “Volatility and


Growth: Credit Constraints and Productivity-Enhancing Investment”. NBER
Working Paper no. 11349, maio de 2005.

Bolle, Monica B. e Dionísio Dias Carneiro (2008) “Origens e Implicações de uma


Estagflação Americana”. Carta Econômica Galanto no. 98/08, janeiro de 2008.

Bolle, Monica B. e Dionísio Dias Carneiro (2007) “EUA: Política Monetária e


Riscos de Estagflação”. Carta Econômica Galanto no. 94/07, setembro de 2007.

Clarida, R., Gali, J. and Gertler, Mark, (2000) “Monetary Policy Rules and
Macroeconomic Stability: Evidence and Some Theory,” Quarterly Journal of
Economics, 115:1 147-80, Feb. 2000.

20
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

O DESEMBARQUE DA CRISE NO BRASIL: 10 IDÉIAS


Gustavo H. B. Franco

Qualquer que seja a natureza da crise externa, convém não esquecer que, até
prova em contrário, a crise não é nossa, e que os choques externos todos se
parecem. Lembrar, porém, que os choques externos são “temáticos” e a área
sensível, desta vez, é o sistema bancário. A este respeito deve se observar, desde
logo, que: (i) o Brasil vem de uma tradição de “sobre-regulação” (repressão) de
mercados financeiros; (ii) as empresas brasileiras são historicamente sub-
alavancadas, e (iii) como entramos na crise com claros sinais de super-
aquecimento, é difícil pensar em políticas anti-cíclicas sem invocar uma reflexão
sobre relógios parados, que assinalam a hora certa duas vezes ao dia pelas
razões erradas.

A discussão sobre o desembarque da crise no Brasil é, portanto, sobre “canais


de transmissão” no âmbito dos quais é de se perguntar se fraquezas e
excessos locais podem facilitar a entrada ou mesmo conferir feição própria aos
ventos gelados vindos do Norte. A experiência mostra que há crises “próximas”,
geográfica e conceitualmente (México 1994) mas de pouca ressonância; outras
mais “distantes” (Rússia & LTCM 1998) e de efeito avassalador. Esta nota trata
dos primeiros sinais de contaminação associados à chegada da crise e identifica
alguns enredos para a crise e sugestões para a prevenção.

Excessos no crédito? Embora o forte crescimento do crédito nos últimos anos


seja o primeiro suspeito quando se trata de excessos, não creio que seja o caso
em razão de: (i) o saneamento prévio do qual resultou um certo overkill
regulatório e de requisitos prudenciais; (ii) a regulação bancária não se mostrou
“pro cíclica”, ao menos em bancos comerciais, a se julgar pelo forte crescimento
dos depósitos compulsórios até setembro e pelas elevações de padrões de
concessão de crédito feitas pelos próprios bancos; (iii) a parte mais exuberante
da expansão do crédito foi na categoria “pessoa física”, e nesse grupo, de “crédito
consignado”, que é menos “cíclico”; e (iv) onze bancos de médio porte tornaram-
se companhias abertas cada qual acrescentando R$ 1,0 bilhão em média a seu
capital, permitindo considerável grau de conforto para a expansão de seus
ativos.

Isto não obstante, a crise internacional desembarcou no mundo bancário através


de um crescimento da aversão ao risco em muitos aspectos semelhante ao que
ocorreu por ocasião da falência do Banco Santos. Especialmente a partir de
setembro, cresce a seletividade e o custo de captação, este em boa medida em
decorrência dos aumentos de depósitos compulsórios (que vão de R$ 170
bilhões no começo de 2007 para R$ 270 bilhões em setembro de 2007),
pressionando os bancos de segunda linha. Observa-se uma redução drástica na

21
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

atividade no middle market e intensifica-se o movimento de cessão de carteiras


de financiamento de veículos e de crédito consignado. A Autoridade reverte
drasticamente sua postura anterior e promove sucessivos relaxamentos nas
regras para recolhimentos compulsórios com o intuito de facilitar o mercado de
cessão e o fluxo interbancário. O volume desses recolhimentos encolhe cerca de
R$ 50 bilhões em outubro, e outro tanto em novembro. Mas o patamar de
recursos de reservas bancárias excedentes (oversold), absorvidos diariamente
pelo BCB, passa de R$100 bilhões para R$ 300 bilhões, o que reflete e agrava o
“empoçamento” da liquidez. O problema continua.

Apresentam-se, portanto, oportunidades para (1) uma desmontagem, com


vistas a ser permanente, dos depósitos compulsórios, (2) uma redefinição
do mecanismo do overnight, com alguma “punição” para o excesso de
recursos de bancos repassados ao BCB, (3) medidas tributárias (não
apenas IOFs) com o intuito de reduzir o spread bancário (agora que
terminaram as ilusões sobre os efeitos que a lei de falências teria sobre a
inadimplência e o spread), e (4) estender alguma forma de garantia
temporária ao interbancário, possivelmente envolvendo o FGC.

Excessos fiscais? No terreno fiscal, há que se considerar que com freqüência se


confunde o desconforto quanto ao modelo de crescimento simultâneo de
receitas e despesas em ritmo acelerado, talvez insustentável, com a precariedade
das contas que experimentamos no passado. O fato é que o encolhimento do
déficit nominal e da razão dívida/PIB são significativos, embora não
sensacionais, como poderiam ter sido. Mas estes resultados bastam para que se
diga que: (5) não temos fraquezas fiscais que vão amplificar uma crise
vinda do exterior e transformá-la numa crise doméstica, mas (6) o impulso
fiscal tem sido expansionista, postura que se estabelece bem antes disto
começar a fazer algum sentido, pois, antes de setembro, a política anti-cíclica
era a contração ! Mais importante seria (7) pensar em medidas com o
propósito de impedir a interrupção dos gastos de capital das empresas,
preferencialmente de forma horizontal, e idealmente através de corte de
impostos sobre faturamento e redução de encargos trabalhistas (adicionalmente
barateando o emprego).
Excessos no mercado de capitais? No que tange ao mercado de capitais é
desconfortável admitir que tenham ocorrido excessos, pois o movimento de IPOs
em 2006 e 2007 trouxe alento aos que esperam há tempos por um crowding in.
Diversas das empresas que abriram capital o fizeram com ao menos um de três
vícios: (i) de forma prematura, (ii) alavancada (e com financiamento e ganhos
adicionais para intermediários) e (iii) para resolver problemas. Em alguns casos,
os 3 vícios estiveram presentes. É particularmente preocupante que esta janela
de captação, bem como a “bolha” nos preços das commodities, possa ter gerado
excessos em alguns setores, notadamente no segmento imobiliário e na
agricultura energética, onde pode haver dificuldade. De toda maneira, (8)
atuações setoriais através de bancos oficiais podem fazer sentido (com
condicionalidade de sorte a minimizar o moral hazard), bem como (9) a atenção
do regulador sobre a atuação desestabilizadora dos intermediários nesses

22
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

processos e também na disseminação de derivativos cambiais de balcão


entre empresas (ver abaixo).

Excessos no mercado de câmbio? Os efeitos da crise no mercado de câmbio se


observam apenas a partir de setembro, quando o fechamento dos mercados para
captação externa e o clean up de linhas interbancárias, típicos de um sudden stop,
dão a partida para um rápido, vigoroso e inesperado ajuste na taxa de câmbio,
que caberia com honras na designação de “maxi-desvalorização”: de 1 de
setembro a 8 de outubro o Real perde 45,5% de seu valor, talvez o maior
ajuste entre economias emergentes, excetuada a Coreia . Teria sido um ajuste
excessivo tendo em vista os fluxos no período e o zelo em evitar o desembarque
da crise? Ou estaria de bom tamanho considerando os novos fundamentos do
setor externo?

As razões para uma evolução tão adversa em tão pouco tempo começam com a
decisão do BC de retirar reservas internacionais de bancos internacionais que
são fornecedores tradicionais de linhas comerciais (em dezembro de 2005, 20%
das reservas estavam em CDs de bancos internacionais que, costumavam aceitar
reciprocidades na forma de linhas para bancos brasileiros; este percentual foi
reduzido a menos de 1% na posição mais recente), o que deixou o país
vulnerável a eventuais cortes. A ação do BC no sentido de suprir os exportadores
foi lenta, burocrática e insuficiente, a julgar pela queda acentuada observada na
contratação de câmbio de exportação a partir de setembro.

Em seguida, a propósito da intervenção da Autoridade nos mercados de câmbio,


vale indagar se as vendas no mercado spot (em setembro e outubro essas vendas
foram da ordem de modestos US$ 5 bilhões) são complementares ou substitutas
às vendas de swaps liquidados em reais (cujos volumes foram bem maiores que
os vendidos no spot). Na mesma linha, vale observar que a venda (e compra) de
volatilidade através de opções não é o mesmo que a venda (compra) de câmbio
spot. Essas diferenças foram importantes para se aferir os efeitos da atuação da
Autoridade a partir de setembro.

Um elemento novo e surpreendente, e possivelmente determinante desta “maxi”,


foi a disseminação de operações com derivativos (notadamente de balcão) pelas
quais centenas de empresas venderam opções de compra de câmbio “fora do
dinheiro” que, num prazo muito rápido, ultrapassaram os preços de exercício e
passaram a gerar perdas que rapidamente atingiram dimensões de catástrofe.
Muitas empresas buscaram zerar esta exposição, o que resultou em ampliar a
pressão compradora. Na verdade, estas operações (que também, e curiosamente,
se observaram no México e na Coréia) se tornaram um foco expressivo e
relevante de stress entre empresas brasileiras, cuja real dimensão é pouco
conhecida; os registros no CETIP e posições na BM&F fornecem indicações
incompletas da magnitude das operações ainda em aberto, e, adicionalmente,
muitas dessas operações são contabilizadas offshore. As empresas de capital
aberto viram-se obrigadas a divulgar a exata natureza de suas operações, e
forneceram tristes exemplos dos efeitos que tais operações podem ter e do
modo como uma “maxi” pode gerar uma crise. Também foram tristes as reações

23
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

das autoridades diante desta surpresa, que parece ter levado algum tempo
precioso para ser digerida.

É de se especular sobre as razões pelas quais tais operações se disseminaram, ou


seja, por que a “dupla indexação” se tornou tão popular. Há várias hipóteses: (i)
a “venda casada” desses derivativos com operações de crédito pode dar a falsa
impressão de que a “culpa” é dos juros altos brasileiros, ou de produtos
derivativos em geral; essas operações são produtos de tesouraria mais comuns
do que se imagina em mercados de moedas e commodities, como parece sugerir
a experiência de outros países como México e Coréia. Incomuns são as oscilações
de preço experimentadas a partir de setembro. (ii) A escassez crônica de
contraparte para a demanda por hedge cambial (decorrente de o setor privado,
observado no agregado, ter exposição devedora em dólares e de o Tesouro não
apenas ter extinguido seus títulos com indexação cambial, como construído
posição credora em swaps) foi mitigada pelo longo período de apreciação
cambial (onde o hedge custou caro às empresas), que a deslocou para o terreno
das opções de balcão, onde os prêmios eram pequenos (em opções “fora do
dinheiro”) para a proteção apenas em eventos de catástrofe. Como os bancos
enfrentam limites regulatórios para oferecer esse produto (pelo fato de que
consome capital), estes procuraram espalhar o risco entre empresas
exportadoras. É de se considerar também que (iii) a volatilidade implícita em
prêmios de opções era talvez anormalmente baixa, em razão do longo período
de apreciação, de tal sorte que os riscos pareciam pequenos (considerando a
distribuição de probabilidade “revelada” pela volatilidade observada) às
empresas. Em contrapartida, para que os prêmios fossem relevantes (vistos
como receita das empresas), os valores “nocionais” tinham que ser muito altos,
criando, assim, uma operação, em tese, racional, mas que seria desastrosa no
evento de um black swan. E por fim, vale observar a; (iv) agressividade de
intermediários em desenvolver produtos alavancados para venda para empresas
com apetite para “riscos (aparentemente) remotos” e fora do ambiente de bolsa.

Independente das explicações, é fato que a disseminação dessas operações não


foi percebida pelos reguladores, e resultou na criação de perdas tremendas em
muitas empresas, e que geraram preocupações também com respeito aos bancos
credores. Teria sido muito mais conveniente para empresas e bancos se as
Autoridades não tivessem deixado o câmbio avançar tão rapidamente. Aliás, a
experiência parece sugerir que (10) a volatilidade excessiva é algo a ser
evitado, sem prejuízo do princípio da flutuação, o que recomendaria uma
atuação específica do BC lançando opções (calls e também puts, fora do
dinheiro) de forma a retirar volatilidade do sistema. Afinal, em essência,
uma economia estável é uma onde não ocorrem variações cambiais de 45,5%
em pouco mais de um mês.

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

POLÍTICAS MACROECONÔMICAS

25
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

O CHOQUE EXTERNO E A RESPOSTA POSSÍVEL1


Edmar L. Bacha

O ponto de partida para o entendimento dos limites de uma política de defesa


contra a crise que chega de fora é a constatação de que, até recentemente, o
ritmo de crescimento da demanda interna e o descompasso das políticas
monetária e fiscal eram tais que prenunciavam uma séria crise de balanço de
pagamentos mais à frente.

O crescimento da demanda interna de bens e serviços a uma taxa muito superior


à de sua oferta tinha como resultado uma progressiva redução do saldo da
balança comercial, porque reduzia o excedente exportável e aumentava o apetite
pelas importações. Essa deterioração do balanço comercial era apenas mitigada
por um “boom” dos preços das commodities exportadas pelo país.
Recentemente, as exportações vinham crescendo apenas por causa desse efeito
preço, já que a quantidade de bens exportados estava tendendo a estagnar-se.

A resposta de política econômica para esse excessivo crescimento da demanda


interna vinha sendo uma política monetária cada vez mais apertada. A política
fiscal não exercia qualquer papel anti-cíclico. Ao contrário, reforçava a expansão
da demanda do setor privado. Uma conseqüência dessa combinação de políticas
(moeda apertada e gastos em expansão) era apoiar a tendência à apreciação do
Real que provinha da melhoria dos preços em dólares das exportações. Pois
juros reais elevados induziam tanto à entrada de capitais especulativos
estrangeiros como à expansão de operações locais com derivativos cambiais –
ambas destinadas a aproveitar (ou mitigar) a diferença entre juros domésticos e
externos – num processo que alimentava a tendência à apreciação cambial.

Essa trajetória da economia somente se sustentava por causa do “boom” das


commodities e da abundante liquidez internacional, que geravam oferta de
dólares mais do que suficiente para financiar o balanço de pagamentos – de fato
permitindo uma significativa acumulação de reservas internacionais pelo país.
Reservas essas que, diga-se de passagem, não representavam liquidamente
acúmulo de ativos, já que o governo não dispunha de superávit fiscal e emitia
divida interna para adquiri-las.

Essa situação externa mudou radicalmente. Os preços das commodities


entraram em queda livre e a liquidez internacional desapareceu, ocorrendo uma
súbita reversão do fluxo de capitais. As conseqüências imediatas foram sobre a
taxa de câmbio, o mercado de capitais, e a oferta de crédito. No primeiro caso,
provocando uma forte e rápida depreciação, com conseqüências danosas no
mercado de derivativos cambiais. No segundo, causando uma queda da bolsa e
suspensão de novos lançamentos de ações. No terceiro, travando as exportações,

26
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

desequilibrando o balanço de bancos médios e pequenos, e reduzindo a


disposição dos bancos a emprestar.

Trata-se, pois, de uma parada súbita das fontes externas que sustentavam o
excessivo crescimento da demanda interna. É, assim, inevitável que o país terá
que passar por um significativo ajuste às novas condições da economia
internacional.

A curto prazo, a reversão súbita dos fluxos de capital externo é um choque mais
importante do que a queda dos preços das commodities – embora ambas
reduzam a oferta de dólares e, assim, contribuam para a depreciação cambial.

As exportações representam não mais do 14% do PIB – o grosso da demanda


por produtos nacionais provêm do mercado interno. Mais importante, a
contribuição direta das exportações para o crescimento do PIB vinha sendo
praticamente nula em períodos recentes, porque o volume de produtos
exportados vinha apresentando tendência à estagnação. Deste ponto de vista, as
exportações, em si, não vinham sendo um componente importante para a
expansão da atividade interna. Sua contribuição era indireta, pois preços
externos de commodities mais elevados significavam maior capacidade de
importar e maior poder de compra local dos exportadores. A queda dos preços
das commodities reduzem a capacidade de importar e a renda real dos
exportadores e portanto sua capacidade de compra de bens locais.

Quanto a essa perda, parece haver pouco a se fazer diretamente. Longe se foi o
tempo em que o país podia praticar uma política de “valorização” toda vez que
os preços do café caiam no mercado internacional. A conseqüência interna de
menores preços das commodities é uma queda da renda dos produtores, que
tem impactos negativos na cadeia produtiva e no nível de emprego. Entretanto, a
essa queda dos preços das commodities corresponde uma desvalorização
cambial importante, que aumenta a competitividade de outros produtos
exportáveis e também de substitutos de importação. O que a política econômica
pode fazer – possivelmente através de mecanismos de crédito - é facilitar a
transferência de recursos, que deixam a produção de commodities, para esses
outros setores cuja competitividade aumenta com a desvalorização cambial.

Já a reversão súbita dos fluxos de capitais estrangeiros tem diversas


conseqüências danosas, além da depreciação cambial. Há uma trava das
exportações por falta de linhas de crédito comerciais; desequilibra-se o balanço
de bancos médios e pequenos dependentes de financiamento externo. Além
disso, a combinação de preços mais baixos das ações, câmbio desvalorizado e
restrições ao financiamento externo diminui a atratividade dos investimentos
em formação de capital fixo, especialmente em infraestrutura.

A contração da oferta de crédito externo pode ter uma resposta por parte das
autoridades monetárias. Nesse caso, nossos vícios se tornam virtudes: reservas
internacionais elevadas (um vício não por sua existência, mas apenas por sua
origem, porque foram adquiridas não com superávit fiscal, mas com expansão da
dívida interna), bancos públicos importantes, depósitos compulsórios altos e
27
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

juros elevados formam um capital que pode ser utilizado, de forma criteriosa e
temporária, para contrapor-se aos efeitos negativos da súbita parada dos fluxos
de capital externo sobre a atividade econômica.

Os riscos de uma política creditícia compensatória, envolvendo uso das reservas


internacionais, expansão de créditos dos bancos públicos, redução de depósitos
compulsórios e queda dos juros são conhecidos. Reservas baixas propiciam
ataques especulativos e depreciações súbitas da moeda nacional. Bancos
públicos em expansão não criteriosa significam apelo ao Tesouro mais à frente
(a exemplo do PROES). Queda de juros pode reacender a inflação. Somente a
redução dos depósitos compulsórios parece não ter efeitos colaterais negativos.

Medidas de política creditícia compensatória atacam o mal pela raiz. O


escasseamento do crédito externo pode ser considerado uma falha de mercado –
o crédito recua não porque o risco de emprestar aumenta mas porque os
intermediários estrangeiros precisam recapitalizar seus balanços no exterior. Os
preços perdem seu efeito sinalizador, e prevalecem comportamentos de
mercado racionado. Justifica-se, portanto, a intervenção do governo para evitar
uma ruptura dos padrões de produção e comércio.

Mas em economia não há almoço grátis: o custo das políticas creditícias


compensatórias deriva diretamente do benefício que elas geram para a
sustentação da atividade interna – as importações não caem na intensidade que
o fariam caso essas políticas não fossem postas em práticas. E como agora há
menor oferta de dólares, aumenta a pressão sobre o balanço de pagamentos. Ao
longo do tempo, a depreciação cambial ajuda a minorar essa pressão, mas, a
curto prazo, em doses elevadas, tem impactos deletérios sobre os custos de
produção, que dificultam a administração da crise.

A disponibilidade de recursos para financiar o déficit do balanço de pagamentos


impõe, pois, o limite para as ações creditícias compensatórias do governo.
Quanto maior controle se exercer sobre o gasto corrente do governo, maior
poderá ser a expansão creditícia compensatória sem afetar negativamente as
contas externas do país.
1
Agradeço comentários de Dionísio Dias Carneiro, Ilan Goldfajn e Pedro Malan a uma
versão preliminar.

28
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OPÇÕES PARA A POLÍTICA MACROECONÔMICA


Arminio Fraga Neto

O atual governo respondeu à crise de confiança ligada à sua própria chegada


com uma notável dose de pragmatismo: manteve o tripé da responsabilidade
fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante. Esta resposta trouxe resultados
rápidos, que foram reforçados por uma fase de extraordinário crescimento
global.

No período que se seguiu, o Brasil se beneficiou de um grande aumento nos


preços dos seus principais produtos exportados, de abundante liquidez
internacional e de um crescente fluxo de capitais. Por exemplo, o índice CRB de
preços de commodities subiu cerca de 100% do final de 2003 ao final de junho
de 2008! Este ambiente permitiu uma valorização considerável da taxa de
câmbio, que medida contra o dólar caiu pela metade neste mesmo período. A
queda do câmbio por sua vez facilitou enormemente a re-convergência da taxa
de inflação para a meta. A bonança global e as boas gestões do Banco Central e
do Tesouro permitiram também acumular cerca de USD 200 bilhões de reservas
e desdolarizar a dívida pública, notáveis elementos de resistência a choques
externos como os atuais.

Com a queda na incerteza, algumas reformas na área do crédito e a exuberância


dos mercados de capitais foi possível nestes últimos anos acelerar o crescimento
para um patamar de cerca de 5% ao ano. Mais recentemente, no entanto,
surgiram pressões inflacionárias (internas e externas), indicando que este
patamar pode não ser ainda sustentável. Os limites a um crescimento mais
rápido são muitos, destacando-se a ainda baixa taxa de investimento (inferior a
20% do PIB) e a má qualidade da educação no país.

O atual regime macroeconômico tem sido mantido já há quase uma década, com
bons resultados tanto em momentos de turbulência quanto na fase de boom
global, que para o Brasil se extendeu até meados de 2008, graças a uma
arrancada final (e um tanto espumosa) dos preços das commodities. Durante
este (para nossos padrões) longo período de relativa estabilidade o superávit
primário foi preservado, assim como a autonomia do Banco Central para
perseguir a meta de inflação determinada pelo governo e deixar flutuar a taxa de
câmbio.

Apesar desta disciplina, a taxa de juros básica se manteve em níveis


extraordinariamente altos. Este fenômeno se deve a uma combinação de fatores:
nossa história de instabilidade macroeconômica e inflação elevada, a fragilidade
do regime fiscal (os gastos das esferas do governo crescem como proporção do

29
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

PIB há vários anos, chegando a 37%), a expansão acelerada do crédito (em


especial ao consumo nos últimos anos) e uma certa inércia comportamental.

A partir do final deste junho último a situação da economia global mudou


radicalmente. Além da profunda crise de crédito, a economia mundial entrou em
fase mais aguda e sincronizada de desaceleração. Como consequência, os preços
das commodities caíram pela metade, devolvendo toda a alta desde o final de
2003, e os fluxos de capital se reduziram como parte de um processo radical de
preferência pela liquidez e aversão ao risco.

No Brasil, a taxa de câmbio se depreciou em cerca de 40%, as expectativas de


inflação para 2008/09 subiram em direção aos atuais 6,4/5,3%, a bolsa
despencou, o crédito externo secou, a oferta de crédito interno se retraiu e as
expectativas de crescimento caíram para cerca de 3%, com risco assimétrico de
queda. A imprensa tem reportado diariamente notícias de queda de confiança, e
de redução ou cancelamento de investimentos.

A resposta dos principais países tem sido bastante enérgica e, recentemente,


mais coordenada. Em quase toda parte se observa uma combinação de afrouxo
das políticas monetária e fiscal com medidas de capitalização e garantia dos
sistemas financeiros, que entraram em profunda crise. Será este o caminho para
o Brasil?

A recessão global representa de fato um importante desafio após vários anos de


crescimento. O governo vem sinalizando que pretende tomar as medidas
necessárias para preservar uma taxa de crescimento de 4%. Cabe ao governo,
sim, procurar suavizar o impacto de crises como a atual. Mas cabe também
perguntar se tal meta é factível, que riscos correremos ao perseguí-la, e como
fazê-lo.

Com a queda nos preços das exportações, o saldo em conta corrente caminha
para um déficit que pode chegar a 3% do PIB em 2009. Num cenário de saída
gradual da crise global ao longo do ano que vem, este déficit deve ser financiável.
Mas num cenário alternativo e ainda relevante de uma crise mais profunda e
duradoura, o financiamento externo pode continuar escasso, e pressões
adicionais no balanço de pagamentos podem surgir por conta de saídas de
capital e busca de proteção contra o risco cambial. Neste caso, o grau de
incerteza aumentaria, e a economia ao invés de viver uma fase temporária de
desaceleração poderia passar por uma crise de confiança, com recessão e
inflação.

Penso que cabe um certo sangue frio no desenho da resposta a esta situação. O
contraste com a situação americana é interessante: lá, na medida em que a taxa
de juros se aproxima de zero, a política monetária ameaça atingir seus limites
convencionais, e a relação dívida/PIB é baixa, cerca de 40%. Neste caso, uma
expansão fiscal temporária faz muito sentido como, aliás, fazia quando Keynes
inventou a idéia.

30
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Em nosso caso, é preciso levar em conta que há anos os gastos públicos vêm
aumentando de forma pró-cíclica e focada em gastos correntes e permanentes. A
dívida pública bruta é de cerca de 60% do PIB (este é o conceito relevante dado
que as reservas, no momento, rendem quase zero) e a taxa de juros é muito alta.
A alternativa de se expandir o gasto público poderia ter algum impacto sobre a
demanda, mas afetaria negativamente o crédito do Brasil. O ideal, especialmente
quando se espera como agora uma queda na arrecadação, seria conter a
expansão de gastos correntes e focar os recursos que porventura sobrem em
gastos de investimento, por definição, temporários. A meta de superávit
primário deve ser preservada, limitando os gastos excedentes ao meio por cento
do PIB reservado para PPIs.

Todo cuidado é pouco com projetos de lei que ao invés de corrigir os


desequilíbrios fiscais de longo prazo (como a previdência) agravam este
problema. Por exemplo, a aprovação do fim do fator previdenciário seria um
perigoso retrocesso, especialmente num momento de crise. O ideal na verdade
seria caminhar na direção oposta e atacar de frente os problemas estruturais das
contas públicas, o que aí sim abriria espaço para alguma flexibilização no curto
prazo.

No lado do crédito, o governo vem instruindo os bancos públicos a expandirem


seus balanços de forma a compensar a retração do setor privado. Cabe aqui
questionar até que ponto se deve se empregar este mecanismo. Ao contrário do
que se vê no exterior, o sistema bancário brasileiro está bem capitalizado e
provisionado. Se não toma a dianteira e mantém um crescimento acelerado do
fluxo de financiamento é porque teme perder dinheiro. No caso dos
empréstimos ao consumo, por exemplo, há sinais de exaustão dos tomadores,
que vinham se aproximando de seu limite de capacidade de pagamento. No caso
dos empréstimos para financiar o investimento, dado que o mercado de capitais
se retraiu, se entende a política expansionista do BNDES, mas cabe cuidado na
medida em que a demanda por recursos subsidiados é sempre alta, e em alguns
casos, pode estar substituindo recursos privados mais caros.

Caso o governo exagere na dose anti-cíclica fiscal e creditícia, corre-se o risco de


se desperdiçar uma possível, rara e não muito distante oportunidade de redução
da taxa de juros. Para que tal ocorra em sua plenitude, é necessário reforçar o
regime fiscal, de forma permanente e mais voltada para o investimento. É
necessário também ter um pouco de paciência para que a resposta natural do
sistema de crédito se manifeste.

Concluindo, penso que para o Brasil neste momento seria recomendável uma
postura mais conservadora na expansão fiscal e creditícia, de forma a (i)
minimizar riscos em um cenário de aprofundamento da crise internacional, e (ii)
possibilitar uma queda na taxa de juros doméstica. Este progresso seria ainda
mais impressionante e mais provável se o executivo e o legislativo tiverem a
visão e a coragem de abordar de forma definitiva os desequilíbrios de longo
prazo do nosso regime fiscal, em especial os da previdência e do inchaço da
máquina pública.

31
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

COMO REAGIR À CRISE: POLÍTICA FISCAL1


Beny Parnes
Ilan Goldfajn

A qualidade da reação brasileira à grave crise internacional irá determinar não


só a extensão do impacto na economia brasileira nos próximos meses, mas
também o seu futuro mais distante. Caso consiga atravessá-la mostrando
consistência, com reações que não destruam as bases para o crescimento
sustentado, inevitavelmente conquistará espaço no cenário internacional. Nesse
caso, o Brasil faria jus à sua participação no BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China),
conjunto de economias emergentes que determinarão, em boa parte, o futuro da
economia mundial.

Mas para isso é necessário que não se considerem apenas os efeitos imediatos
das medidas de política econômica a serem adotadas no combate à crise. Em
particular, a capacidade futura de crescimento não pode ser comprometida por
ações cujo benefício é limitado ao curto prazo, mas que têm efeitos negativos
para o crescimento de longo prazo.

Sob a ótica da reação à crise no âmbito da política fiscal, tema desta nota, é
sedutor reagir à desaceleração doméstica do nível de atividade com uma política
expansionista. Mas há que se considerar também preservar a capacidade de
crescimento futuro do Brasil. Um país que tem elevado de forma sistemática os
gastos correntes do governo -- financiados hoje com aumento da arrecadação
que já atinge quase 40% do PIB (após esgotar o financiamento inflacionário e o
da dívida crescente), e comprimindo o espaço dos gastos privados, oferecendo
em troca à sociedade serviços ineficientes e investimentos públicos reduzidos --
tende a limitar sua própria capacidade de crescimento. Exacerbar essa tendência
pode mais do que compensar os ganhos de curto prazo.

O período recente de bonança na economia mundial ofereceu oportunidades


únicas para os países em desenvolvimento. Numa época de forte crescimento
mundial, financiamento abundante e ganhos nos termos de troca, é natural
esperar melhora nos indicadores do País. De fato, a relação do Brasil com o
exterior melhorou substancialmente a partir de 2003, quando houve aumento
rápido do preço das exportações brasileiras, do comércio mundial e melhoria
nas condições financeiras externas. Esses fatores, combinados com a
manutenção de políticas econômicas responsáveis, resultaram em aumento das
exportações e dos influxos de capital, redução do endividamento externo,
recomposição de reservas e manutenção do superávit em conta corrente. O

32
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

combate à inflação também avançou consideravelmente nesse período. Sob o


regime de metas, o Banco Central teve êxito em reduzir consistentemente a
inflação, mantendo-a controlada mesmo sob impacto das crises, depreciações
cambiais e outras ameaças inflacionárias.

O avanço na área fiscal foi bem mais limitado. Esperava-se mais esforço do
governo, acumulando estoques a serem utilizados nos momentos de crise. Houve
aumento considerável da arrecadação tributária, conseqüência do crescimento
do PIB e da formalização da economia. Esse aumento de arrecadação associado à
regra fiscal baseada em uma meta pré-determinada de superávit primário
permitiu o contínuo aumento de gastos nos últimos anos, a uma média de 10%
ao ano acima da inflação. É importante notar que, apesar da grande expansão do
gasto, o investimento público como proporção do gasto total permaneceu baixo.
Na América Latina, como um todo, essa relação encontra-se no menor nível dos
últimos 30 anos!

A arrecadação elevou-se consideravelmente, mas o aumento do superávit


primário foi limitado. Com isso, a queda da dívida pública foi menor do que
deveria ter sido: a relação dívida/PIB alcançou 40%, nível equivalente ao de
1998. A dívida ainda se beneficiou da melhora na situação do balanço de
pagamentos, com a acumulação de reservas e exposição positiva ao dólar. A
depreciação que acompanhou a virada na situação internacional reduziu a
relação dívida/PIB para 36%.

Para frente é de esperar uma retração da economia brasileira em função da


reversão simultânea dos preços de exportação, da piora das condições de
financiamento externo e do aumento da percepção de risco soberano. O ajuste
no cenário externo vai exigir redução na demanda agregada.

Nesse cenário é provável ocorrer uma queda da arrecadação tributária. No


último ciclo de expansão, o crescimento da arrecadação foi muito dependente de
fatores específicos, como o crescimento do crédito, dos lucros financeiros, da
expansão do consumo (principalmente de bens duráveis) e do emprego. À
medida que, no quadro que se avizinha, esses fatores não mais estejam
presentes, o crescimento da arrecadação tributária deve se reduzir no biênio
2009-2010. Isso trará desafios inéditos para a administração da política fiscal e
imporá limites à expansão de gastos.

Nesse sentido, podemos concluir que a política fiscal tem tido um


comportamento pró-cíclico. Faz poucos anos, no primeiro mandato do
governo Lula, houve a louvável proposta de instituir metas de longo prazo,
limitando gastos correntes, gerando um superávit fiscal estrutural de forma a
reduzir o endividamento público e remover o obstáculo fiscal ao crescimento da
economia. Infelizmente, a proposta não avançou, batizada de “rudimentar” por
olhar o futuro de forma simples e clara.

33
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Cabe perguntar se este seria o momento de iniciar uma política fiscal anticíclica
em reação à crise internacional de 2007/8. Normalmente, recomenda-se iniciar
uma política anticíclica nos momentos de expansão econômica, para ajudar a
criar credibilidade. Há sempre a desconfiança baseada no histórico brasileiro e
latino-americano de o excesso de gastos no período de necessidade não ser
acompanhado por sua redução nos períodos de bonança. O comportamento
recente das economias justifica esse temor. Assim sendo, há o risco de o
aumento de gastos anticíclicos gerar temores quanto à sustentabilidade fiscal.

Dessa forma, o limite imposto pela situação fiscal ao crescimento de longo prazo,
assim como o risco de renascerem dúvidas quanto à sustentabilidade fiscal, não
recomendariam uma política fiscal expansionista como reação à crise financeira
internacional.

Apesar da recente melhoria da relação dívida/PIB, decorrente da posição


credora em moeda estrangeira, a grande incerteza e a volatilidade que
permanecem nos mercados de ativos trazem o risco de que mudanças na
percepção dos agentes sobre a condução da política fiscal possam provocar
deslocamentos bruscos nos preços dos ativos e nas condições de financiamento.

É relevante questionar em que condições os benefícios de curto prazo de uma


política fiscal expansionista no combate à desaceleração no Brasil mais do que
compensariam as contra-indicações acima? E, neste caso, qual é a forma
adequada de gerir a política fiscal?

O ajuste na política fiscal deve depender da natureza e da intensidade dos


choques que atingirão a economia brasileira. Num cenário de choque
internacional moderado (onde os preços dos ativos e das commodities não
sofram quedas ainda mais bruscas, mesmo que permaneçam em níveis bem
inferiores àqueles verificados no início do ano), a economia brasileira deverá se
ajustar à nova realidade, preservando seu balanço de pagamentos através da
redução da demanda agregada. Nesse cenário, não é benéfico adotar uma
política fiscal anticíclica (principalmente se for baseada na expansão do gasto
corrente), sob o risco de suscitar dúvidas sobre o crescimento futuro ou
sustentabilidade fiscal.

Nesse cenário moderado, caso a menor demanda agregada aumentasse o hiato


do produto de forma que a inflação ficasse abaixo do centro da meta, o ajuste
fino de demanda poderia ser levado a cabo pela política monetária.

Nesse sentido, caso haja um aumento de gastos públicos, poderia não haver
espaço para a utilização da política monetária como instrumento anticíclico, o
que significaria exacerbar a pressão sobre os gastos privados (investimento,
consumo) num período em que estes naturalmente já se retraem.

Apenas num cenário extremo de depressão mundial, onde o ajuste via


política monetária não fosse suficiente, recomendaríamos a redução do

34
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

superávit primário como instrumento contracíclico de política econômica.


Esse cenário seria caracterizado domesticamente por aumento da aversão a
risco e piora das expectativas de renda, implicando queda significativa dos
componentes da demanda agregada, como investimento e consumo privado e
exportações, e/ou contração da oferta de crédito doméstico e dificuldade
sistemática de financiamento para empresas e consumidores.

Nesse caso, é consenso que se deve tentar amortecer os efeitos do choque sobre
o investimento - seja público ou privado -, que provavelmente deve se reduzir
dadas as piores expectativas de rentabilidade futura. O ajuste deveria recair no
consumo privado e/ou no gasto público. O consumo privado se ajustará
naturalmente, seguindo expectativas de evolução de emprego e renda e da taxa
de juros.

Nesse cenário mais pessimista, a execução da política fiscal deveria ser baseada
na redução da meta de superávit primário para: (i) expansão do investimento
público em infra-estrutura de forma a aumentar a oferta agregada e a
produtividade total dos fatores; e/ou (ii) redução nos impostos do setor
corporativo, melhorando as expectativas de rentabilidade, incentivando a
manutenção do emprego, o crescimento do investimento privado e reduzindo a
demanda por crédito.

1 Agradecemos os comentários de Dionísio Dias Carneiro e Edmar Bacha à versão


preliminar.

35
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Política Monetária, Liquidez e Crédito

36
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

METAS INFLACIONÁRIAS E CRISE EXTERNA: O QUE FAZER? UM


RESUMO
Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle

Introdução

A estratégia de metas para a inflação foi um sucesso onde quer que ela tenha
sido adotada. Entretanto, como está longe de ser unanimidade no Brasil,
certamente estará sob fogo nessa crise, que deve durar o resto do governo Lula.

Um flanco frágil da estratégia é o desgaste com os movimentos preventivos das


taxas de juros que são necessários, diante de um choque, para trazer a inflação
para o centro da meta, quando todos projetam uma queda do nível de atividade.
Além disso, como a crise raciona o crédito e juros não equilibram mercados
racionados, todos os países promovem alguma forma direta de ação sobre os
agregados (quantitative easing). No caso do Brasil, isso tem ocorrido através das
medidas de liberação dos depósitos compulsórios para conter a retração da
liquidez e do crédito.

Como sempre ocorre, o choque é externo, mas a duração de suas consequências


costuma trazer de volta outros fatores de fragilidade endêmica, inclusive a
tendência à acomodação inflacionária e a deterioração fiscal. Neste artigo
abordamos duas questões pertinentes para as considerações acerca do
arcabouço de política monetária no Brasil: (i) haverá fatores de flexibilidade na
estratégia que contribuam para sua sobrevivência?; e (ii) o que se pode
recomendar para a política monetária brasileira diante da crise de 2008?
Hipóteses de Trabalho

Partimos de três hipóteses de trabalho que explicitam diagnósticos sobre


características da economia brasileira, e apontamos para dois resultados da
estratégia que são relevantes quando consideramos as possibilidades de
sobrevivência das metas:
a) Temos uma economia na qual a velocidade potencial de expansão do
crédito requer taxas de juros elevadas. Tanto por fatores de demanda,
consumidores restritos por liquidez, famílias pouco endividadas porque
não havia crédito imobiliário relevante, empresas restritas por crédito e
com balanços atraentes, e que contam sempre com operações de
salvamento e ajuda dos bancos oficiais, governo com alta propensão a
gastar mais do que arrecada, mesmo contando com um sistema arredador
que ainda tem espaço para aumentar a carga tributária. A saída da crise

37
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

de 2002 foi lenta e deu tempo para as empresas se capitalizarem e


exibirem balanços saudáveis.
b) O sistema de câmbio flexível com menos de dez anos, é sempre
questionado, e a relativa liberdade de movimentação de capitais é sempre
proposta, sujeita aos riscos de recaída, a uma longa tradição de controle
de transações externas;
c) Há uma tradição de tolerância inflacionária, que sempre deixa o banco
central na defensiva. A maioria dos membros do governo, dos
parlamentares e dos líderes empresariais está sempre disposta a pregar
contra o uso da política monetária como instrumento de estabilização.

Dois julgamentos sobre o resultado da estratégia: a) reduziu a volatilidade do


PIB dada a volatilidade da inflação; b) metas substituíram com vantagem a
administração do câmbio como forma de ancorar a inflação esperada.

Estes julgamentos foram enfraquecidos, ainda que não derrotados, pelos fatos
recentes: a) crise aumenta a incerteza sobre variáveis reais independentemente
da estratégia de metas ou mesmo das metas escolhidas; b) metas não ancoram
tão bem inflação esperada quando há choque externo que deprecia o câmbio. Na
realidade, a convergência para a meta foi ajudada pela apreciação e
relativamente pouco prejudicada pela forte depreciação (um desvio pequeno, de
1pp relativo à meta, para uma depreciação de 50%, Mas o teste desse efeito é na
realidade a inflação esperada em horizontes mais longos, que alterou-se pouco
este ano.)

O enfraquecimento dos argumentos que creditam as metas de inflação pela


diminuição da volatilidade do produto e pelo aumento do conforto para os
investimentos em bens comerciáveis nos tempos mais recentes, alimenta a
impaciência com o regime de metas e põe novamente sob dúvida as vantagens
da coerência da política monetária permitida pela estratégia, vis-à-vis às
maiores necessidades de ações emergenciais rápidas sobre as taxas de juros, que
seria contra o espírito da estratégia.

A crise mundial e o Brasil

A rapidez e a profundidade com que a crise financeira atingiu o Brasil a partir de


setembro foram surpreendentes: (a) o desaparecimento dos financiamentos
que sustentavam as linhas de comércio exterior, que costumam ser as últimas a
serem atingidas pelas crises de confiança; (b) parou o funding externo para os
bancos brasileiros, e potencializou os danos que a queda dos preços
internacionais e a queda da demanda já causavam aos exportadores; (c) alterou
rapidamente as perspectivas de rentabilidade de importantes projetos em
andamento ou em fase inicial, que dependiam do que hoje pode ser considerado
otimismo acerca da evolução da crise mundial.

O que se deseja obter com as reações de política monetária: a) evitar que se


propague a desaceleração do crédito; b) expandir os ativos dos bancos públicos,

38
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

que normalmente aumentam sua captação de depósitos, de modo a compensar a


redução dos ativos dos bancos privados, tanto pela perda de depósitos e de
funding externo, quanto pela menor disposição para o risco, além de compensar
os efeitos da desalavancagem das instituições financeiras não bancárias.

A curto prazo, é vantajoso poder contar com a existência bancos públicos que
foram saneados nos anos noventa. Mas olhando para o futuro, é importante
controlar a deterioração dos ativos desses bancos, como consequência da
substituição do crédito de origem privada pelo de origem pública, à la coreana:
na realidade, trata-se de uma política fiscal expansionista e pouco transparente,
travestida de política monetária compensatória. Mas, realisticamente, e
considerando-se a experiência histórica é difícil escapar a essa consequência,
antecipando-se um novo ciclo de deterioração tanto do balanço do Estado
quanto dos critérios de alocação de crédito. A política monetária pouco pode
fazer contra essa tendência, mas o papel regulador do Banco Central é um
instrumento para amenizar esses efeitos de longo prazo das ações emergenciais.

Sobrevivência das metas vs alternativas:

A questão fundamental é se as metas de inflação garantem a sustentação do


crédito. Diante do aumento da inflação esperada por força da depreciação, a
rígida interpretação do regime de metas vai contra a reposição da oferta de
crédito privado, daí o agravamento da fragilidade política. Contudo, metas de
inflação são necessárias para restaurar a inflação esperada diante da inevitável
deterioração fiscal, inclusive a que resulta da destruição potencial do capital dos
bancos públicos.

Por um lado, o regime pode ser complementado por Quantitative Easing (QE) à
moda do Japão e do Fed, principalmente via redução de compulsórios e
redescontos especiais; no Brasil é provável que a alternativa preferida seja o uso
dos bancos oficiais. O Quantitative Easing tem, em tese, o efeito de influenciar as
curvas de juros como um todo, sendo, portanto, mais eficaz do que o uso da taxa
curta. E o regime de metas não é incompatível com a gestão da dívida pública, de
modo a mexer diretamente nos diversos vértices via vendas e compras em
vencimentos específicos, agora que se tem um espectro maior de vencimentos.
Há argumentos poderosos contra essa prática, mas em condições de crise, o
instrumento pode ser acionado com prudência para evitar distorções muito
óbvias das curvas de juros provocadas por fuga ao risco privado. No caso
japonês, o gráfico abaixo mostra de que forma o QE alterou as curvas de juros.

39
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Japão: Curvas de Juros antes e durante o Quantitative Easing


2000-2003
3

2,5
2000

1,5 2002 2001


%

1 2003

0,5

0
0,25
1,25
2,25
3,25
4,25
5,25
6,25
7,25
8,25
9,25
10,3
11,3
12,3
13,3
14,3
15,3
16,3
17,3
18,3
19,3
20,3
21,3
22,3
23,3
24,3
25,3
26,3
27,3
28,3
29,3
-0,5
Maturidade

Japan(Govt)5/1/2001ParCpn-Semi Japan(Govt)5/1/2002ParCpn-Semi

Japan(Govt)5/1/2003ParCpn-Semi Japan(Govt)5/1/2000ParCpn-Semi

O que fazer?

Ao contrário do que ocorre nas economias centrais, com juros de 13,75%,


estamos longe de temer uma espiral deflacionária diante de um limite de queda
para a taxa de juros nominal, de modo que baixar os juros é uma medida
disponível. Isso não requer abandonar as metas, mas pode ser ajudado pelo
alongamento do prazo para convergência da inflação à meta, para algo como
dois anos, como faz explicitamente o Banco da Inglaterra, ou de maneira talvez
menos transparente, como fez o Banco Central do Brasil em 2002/3.1 Em termos
analíticos, significa acomodar maior variância da inflação causada pelo choque
cambial sem aumentar a variância do nível de atividade. O outro instrumento
disponível é a redução dos compulsórios e do redesconto não punitivo para
compensar uma desalavancagem excessivamente rápida do sistema bancário
privado que pode resultar do agravamento da crise externa.

Caso estas medidas sejam insuficientes para lidar com as repercussões mais
graves da crise, e especialmente se os reflexos sobre o mercado interbancário e
sobre os mecanismos de crédito domésticos forem mais severos do que o já
ocorrido, seria possível lançar mão de alguns instrumentos adicionais (alguns
dos quais já estão sendo usados), tais como:

1
O Banco da Inglaterra adota explicitamente o prazo de convergência em dois anos, o Banco Central
do Brasil, depois do choque de 2002, comunicou, de forma excepcional, que estava adotando uma
meta “ajustada” de 8,5%, em lugar de 4,5%, de modo a acomodar o efeito inercial da inflação de 9
pontos acima da meta em 2002, e os efeitos denominados de “primários” dos choques de 2003.

40
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

(i) Fazer uso dos bancos públicos como instrumento de Quantitative Easing,
aproveitando-se de que eles atraem depositantes em tempos de incerteza,
apesar da experiência histórica de longa tradição de irresponsabilidade. Mas
temos de fazer isso de olho na desconfiança crônica que paira sobre o real (um
peso problem que exigiu taxas de juros elevadas), plenamente justificada pelo
passado de acomodação inflacionária.

(ii) Manter em mente que o uso dos bancos públicos é na realidade política fiscal
expansionista, apesar de não aparecer a curto prazo, nos indicadores fiscais, até
que haja abuso da absorção de ativos podres à moda BNH.

(iii) A deterioração do balanço dos bancos públicos é uma fragilidade potencial.


São úteis para compensar a redução nos fluxos de crédito, mas ao custo do
agravamento dos desequilíbrios de estoques que são sempre problemáticos
porque agravarão a desconfiança crônica contra o real, quando ficar clara a
fragilidade fiscal.

(iv) Uma crise longa piorará mais o quadro fiscal, o que torna mais importante
manter a estratégia de metas. Especialmente porque o próximo Presidente pode
ter de fazer escolhas duras entre deixar a inflação caminhar para dois dígitos ou
tentar reverter os déficits gerados na era Lula. Pelo menos, poderá viver outra
recuperação mundial, ainda que não tão eufórica quanto a última, sem tanta
oferta abundante de crédito, mas com nova onda de relações de trocas
favoráveis ao Brasil e pressões valorizadoras sobre o real. Mas isso é para mais
longe do que conseguimos enxergar nesse horizonte nublado de hoje.

41
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

LIQUIDEZ E JUROS SÃO POLÍTICAS INDEPENDENTES?1


Flavio Fucs
Thomas Wu

Quais os novos problemas enfrentados pela política monetária?

O trade-off de política monetária imposto pela atual crise financeira não é a


tradicional escolha entre inflação e crescimento de curto prazo. Nesses casos, a
teoria econômica não nos deixa dúvidas: deve-se priorizar o combate à inflação,
mesmo que ao custo de um menor crescimento no curto prazo. O argumento é
baseado em robusta evidência empírica que mostra como uma maior tolerância
pela inflação acarreta prejuízos no crescimento econômico de longo prazo. A
adoção formal de um regime de Metas para a Inflação visa justamente garantir
respaldo à autoridade monetária por essa escolha, especialmente em países
onde as instituições políticas são mais fracas.

O que há de diferente dessa vez? O agravamento da crise financeira nos EUA


causou uma parada súbita nas linhas de financiamento externas, trazendo sérias
dificuldades às instituições financeiras domésticas e, com elas, o empoçamento
da liquidez. Ao longo desse processo de deterioração dos canais de crédito, uma
elevada assimetria de informação impediu que se inferisse com precisão a
extensão e a gravidade do problema, e em determinados momentos a
possibilidade de uma crise sistêmica chegou a ser considerada por alguns.
Apesar da sensação atual de que uma crise sistêmica seja uma possibilidade
apenas remota, a evidência empírica não deixa dúvidas sobre a importância do
bom funcionamento do sistema financeiro para o crescimento econômico de
longo prazo.2 Levine, Loayza e Beck (2000) fazem um exercício que nos permite
ter uma idéia da magnitude desse efeito: se os indicadores financeiros da
Argentina, entre 1960 e 1995, tivessem os mesmos valores que os da média dos
países desenvolvidos, seu PIB per capita teria crescido a uma taxa real 1%
superior àquela verificada ao longo dos 35 anos (a análise vale para o Brasil, pois
seus indicadores financeiros eram semelhantes aos da Argentina no período
amostral em questão).

Nesse cenário, o Banco Central do Brasil se viu chamado a atuar em duas frentes:
(1) na ancoragem da inflação esperada, cuja expectativa para 2009 têm se
afastado significativamente da meta de 4,5%, principalmente em função da forte
desvalorização cambial recente, e (2) no combate ao empoçamento da liquidez,
de forma a garantir a recomposição dos canais de crédito doméstico. Nosso

2
Um bom survey sobre esse link foi publicado por Levine (1997).

42
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

objetivo é mostrar que não é possível atuar simultaneamente em ambas as


frentes.

Quais os efeitos colaterais da política de liquidez sobre as taxas de juros?

Apesar de ser possível separar os objetivos da política macroeconômica (metas


para a inflação) com os da política de liquidez (normalização dos canais de
crédito), os instrumentos não são independentes. Medidas que visem aumentar
a liquidez no sistema financeiro são incompatíveis com aumentos da taxa de
juros básica que visem o combate à inflação. Não é possível o controle
simultâneo dos preços e das quantidades.

Fonte: BCB

Tomemos como exemplo as medidas adotadas pelo BC a partir do final de


setembro desse ano com o objetivo de aumentar o fôlego das instituições
financeiras pequenas e médias. Um primeiro conjunto de medidas visava liberar
automaticamente recursos anteriormente depositados compulsoriamente junto
ao BC, seja via redução de alíquotas ou via aumento dos limites de dedução e
isenção desses recolhimentos. Um segundo grupo de medidas aumentou o
potencial de liberação do compulsório permitindo que bancos grandes
utilizassem parte dos seus encaixes obrigatórios na compra de carteiras de
créditos de instituições menores.3 A eficácia inicial dessas medidas foi apenas
tímida. Dado o clima de incerteza econômica, bancos grandes optaram por
manter seus compulsórios depositados no BC na forma de títulos públicos. O BC
decidiu então flexibilizar ainda mais a utilização desses recursos, autorizando a
dedução do recolhimento compulsório para operações de depósitos
interfinanceiros (o ponto A na figura abaixo marca a data da divulgação da
circular). Os primeiros efeitos colaterais começaram a surgir, com um
descolamento do CDI (taxa interbancária) em relação à meta da taxa Selic
superior ao usual.
3
O artigo do Daniel Gleizer deste E-book apresenta um bom resumo das principais medidas
anunciadas.

43
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Ainda na linha de aumentar a liberalização efetiva de liquidez para o sistema


financeiro, o BC alterou novamente as regras, determinando que os
recolhimentos compulsórios sobre os recursos a prazo, anteriormente feitos
100% em títulos públicos, passassem a ser recolhidos 30% em títulos públicos e
70% em espécie, sem remuneração (ponto B). A partir dessa medida, os efeitos
colaterais sobre as taxas de juros de mercado se agravaram. Em primeiro lugar,
surgiu uma forte pressão vendedora no mercado de títulos públicos,
aumentando o custo de rolagem da dívida do Tesouro significativamente. Uma
NTN-F que era cotada na média do ano 10bps acima da curva de derivativos
chegou a ser negociada com ágio de 60bps. Uma circular posterior teve que ser
emitida visando corrigir essa distorção. Determinou-se que a exigibilidade
adicional de depósitos compulsórios fosse recolhida 100% em títulos públicos,
na tentativa de reequilibrar a demanda por esses ativos. Essa reação de política
denuncia a existência de outro conflito entre objetivos: o Banco Central, mesmo
não sendo mais o responsável pela gestão da dívida pública, que cabe ao
Tesouro, enfrenta uma restrição não escrita à política monetária, de tentar
minimizar, mesmo a curto prazo, o custo de financiamento do Tesouro.

Fonte: BCB e Cetip

O forte incentivo aos bancos de emprestar uns aos outros seguiu fazendo seu
efeito, determinando que o descolamento entre o CDI e a meta para a taxa Selic
aumentasse ainda mais para impressionantes 88bps no dia 20 de novembro. Ou
seja, à medida que a política de liquidez foi se tornando mais eficaz, verificou-se
uma queda efetiva do custo de captação do mercado.

Com o objetivo de reduzir essa distorção, o BC editou uma nova circular em 25


de novembro restringindo o prazo dos DIs aceitos nas operações qualificadas
para desconto de compulsórios para seis meses, no mínimo, e dezoito meses, no
máximo (ponto C). Na mesma circular, foi introduzida a opção de repassar os
44
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

recursos ao BNDES como meio de redução de compulsório. Essa medida


reconhece a dificuldade de se forçar o setor privado a emprestar em momentos
críticos e insere os bancos públicos como os agentes responsáveis pela expansão
de crédito.

O que escolher como prioridade?

O descolamento de 88bps do CDI em relação à meta para a taxa Selic em função


da expansão dos meios circulantes é um efeito colateral que evidencia duas
importantes limitações da política monetária. A primeira é a impossibilidade da
adoção simultânea de uma política macroeconômica contracionista com uma
política de liquidez expansionista. Com ela, o trade-off de política monetária
enfrentado passa a ser entre inflação de curto prazo e crescimento de longo
prazo. O que o regime de Metas para a Inflação nos diz a respeito dessa escolha?
Pouca coisa: uma das hipóteses implícitas no modelo é a de que o sistema
financeiro da economia em questão esteja saudável: aumentos de juros são os
responsáveis por contrair o crédito, e não o mau funcionamento das
engrenagens do mercado privado. Se existem dúvidas sobre a validade dessa
hipótese, certamente este não é o modelo mais adequado a ser seguido para a
condução da política monetária.

A segunda restrição diz respeito à impossibilidade de se obrigar o setor privado


a transformar um excesso de liquidez no mercado interbancário em
empréstimos para empresas e famílias, o que, por sua vez, deixa evidente a
opção do governo por aumentar a relevância do papel dos bancos públicos
durante a crise.4

Dessa forma, acreditamos que o BC deveria, na condução da política monetária:

1) ter como prioridade a normalização dos canais de crédito, acabando com


o empoçamento de liquidez, mesmo que isso possa vir a comprometer a
busca do centro da meta para a inflação de 4,5% em 2009, desde que as
expectativas inflacionárias não saiam da banda de tolerância.

2) ter em mente que bancos públicos tendem a ser menos criteriosos na


concessão de empréstimos. Sendo assim, é extremamente importante que
se resista a eventuais pressões políticas que levem ao abuso ou que
tornem definitiva uma solução que só se justifica em tempos
extraordinários. Perenizar a expansão do balanço dos bancos públicos
resulta no crowding out do setor privado na área de concessão de crédito
no longo prazo.

4
Ver artigo do Armando Castelar neste e-book para uma discussão mais detalhada sobre o papel dos
bancos públicos na crise atual.

45
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Referências

LEVINE, R. (1997), “Financial development and economic growth: views and


agendas”, Journal of Economic Literature 35, pp. 688-726.

LEVINE, R., N. LOAYZA e T. BECK (2000), “Financial intermediation and growth:


causality and causes”, Journal of Monetary Economics 46, pp. 31-77.

46
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

BANCOS PÚBLICOS: BOMBEIROS NA CRISE OU EMPRESTADORES DE


PRIMEIRA INSTÂNCIA?
Armando Castelar Pinheiro

O impacto sobre a economia brasileira da crise iniciada com a inadimplência nas


hipotecas subprime americanas foi subestimado por uma trinca de razões.
Primeiro, não se previu corretamente o tamanho da crise, em parte porque esta
se aprofundou depois da quebra da Lehman Brothers e só a partir do quarto
trimestre de 2008 chegou com força à economia real dos BRICs, jogando por
terra a idéia do desacoplamento. Segundo, se subestimou a importância do
quadro externo muito favorável sobre o bom desempenho da economia
brasileira em 2004-07, supervalorizando a transformação estrutural alcançada
com as reformas e a manutenção por década e meia de uma política
macroeconômica relativamente disciplinada. Terceiro, se errou ao acreditar que
esta crise atingiria o Brasil da mesma forma que as anteriores, via dificuldade de
financiar o déficit externo. No passado, isso exigiu a desvalorização do câmbio e
a queda do nível de atividade, impactando as contas públicas pela sensibilidade
da dívida do governo à taxa de câmbio. Pensava-se que a posição credora em
moeda forte do setor público eliminava o elo principal de transmissão da crise e,
portanto, não haveria porque temer uma fuga de capitais ou um ataque contra o
real.

Não foi por aí, porém, que a crise chegou, ainda que também tenha havido saída
de capitais e forte desvalorização cambial. Assim, a principal diferença entre esta
crise e as anteriores tem sido seu canal de transmissão: em lugar de dificuldades
para financiar déficits externos, os países tiveram de lidar com uma abrupta
redução na disponibilidade de financiamento para suas instituições financeiras,
empresas e famílias. Não surpreende, portanto, que até aqui sofreram mais os
países que apresentavam uma expansão mais alavancada, seja pelo
financiamento ao investimento imobiliário (EUA, Espanha e Reino Unido, por
exemplo), seja ao consumo (Hungria, França, países bálticos etc.). A dificuldade
de captar recursos no mercado de atacado, as significativas perdas com a
desvalorização dos ativos e a desconfiança mútua entre instituições com relação
à sua solvência têm levado a uma acelerada redução da alavancagem financeira.

No médio prazo, essa desalavancagem é inevitável e possivelmente benéfica,


mas a forma e a velocidade com que ela ocorre fazem toda diferença. Em
particular, é grande o risco de ela detonar um círculo vicioso entre o lado real e
financeiro da economia, em que a contração do financiamento leva à queda do
nível de atividade e esta agrava a situação dos bancos, no limite chegando-se a
uma depressão e à quebra de inúmeras instituições financeiras.

47
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

A preocupação em evitar esse cenário e permitir um processo ordenado e


gradual de redução da alavancagem tem motivado uma intensa intervenção
estatal no setor financeiro, envolvendo o aumento das garantias para
depositantes, algum relaxamento das regras de marcação a mercado, a provisão
direta de crédito a instituições financeiras e empresas, injeções de capital em
bancos e seguradoras e, em alguns casos, a estatização dessas instituições. Esse
processo não impressiona tanto pela sua natureza, já que algo semelhante
ocorreu em vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, no passado, mas
pela sua dimensão: apenas em injeção de capital nos países ricos os governos
gastaram até aqui cerca de meio trilhão de dólares, o equivalente a um quarto do
valor de mercado dessas instituições.5 Esse total ainda tende a crescer.

No Brasil, o choque do crédito começou pela abrupta queda no acesso a


financiamento externo. O saldo da conta capital e financeira do balanço de
pagamentos caiu de US$ 79 bilhões nos dez primeiros meses de 2007 para US$
41 bilhões no mesmo período de 2008, puxado pela queda nos investimentos em
carteira, de 41 para 10 bilhões de dólares, com a colocação de títulos brasileiros
no exterior caindo a menos da metade -- de US$ 21,9 bilhões para US$ 9,1
bilhões -- e ainda assim com custo mais alto.

No âmbito doméstico, o aperto no crédito não era evidente nas principais


estatísticas do Banco Central até outubro de 2008, mas já começava a aparecer
em alguns indicadores. O total de empréstimos do sistema financeiro nacional
manteve um rápido ritmo de expansão, aumentando 35% em 12 meses, sendo
9% no trimestre agosto-outubro. Por trás desse indicador há, porém, sinais de
deterioração nas condições de crédito, inclusive por conta de tendências que
apareceram antes mesmo de a crise externa entrar na sua fase mais aguda:

• A taxa média de juros nos empréstimos com recursos livres subiu oito
pontos percentuais nos doze meses terminados em outubro de 2008,
sendo um terço disso só nesse mês.6 Informações preliminares indicam
outra alta significativa em novembro. Tanto os spreads como o custo de
captação aumentaram significativamente, sendo este puxado pela forte
alta na participação dos depósitos a prazo no total de captações dos
bancos.7

• Uma parte da expansão do total de empréstimos serviu para substituir


recursos antes obtidos no exterior, como bem exemplificado pelos R$ 34
bilhões tomados pela Petrobrás no mercado doméstico nos dez primeiros
meses de 2008, contra R$ 15 bilhões em todo o ano de 2007.8 Esse foi o
caso, em particular, das operações de capital de giro, que aumentaram
84% nos doze meses até outubro. Isso ajuda a entender porque os

5
The Economist, 22 de Novembro de 2008, p. 84.
6
Essa média tem uma importante exclusão que é a das operações de leasing.
7
Nos doze meses terminados em outubro o total de captações via depósitos a prazo e letras de câmbio,
imobiliárias e hipotecárias cresceu 78%, contra altas de 4% nos depósitos à vista e 18% nos de
poupança.
8
Destaca-se o empréstimo de R$ 2 bilhões tomado em outubro junto à CEF.

48
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

empréstimos para as empresas subiram 38%, enquanto aqueles para as


pessoas físicas aumentaram 29%.

• A expansão do saldo de empréstimos reflete em parte créditos originados


em meses anteriores, com as novas concessões apresentando um
desempenho bem menos positivo: nos doze meses terminados em
outubro de 2008, a média diária das concessões para pessoas jurídicas
aumentou 6,2%, enquanto para as pessoas físicas diminuiu 6,3%. O
destaque foi o uso efetivo de linhas de crédito concedidas no passado,
como refletido na expansão das concessões de conta garantida (17%),
cheque especial (6,3%) e cartão de crédito (25%). Esse padrão sugere um
processo de evergreening que também pode estar presente em outras
linhas de crédito.

Nos EUA e Europa, a ampliação da liquidez no sistema financeiro se deu com


créditos e garantias dadas pelos bancos centrais, enquanto a insolvência e
restrições de capital das instituições financeiras foram combatidas com juros
baixos e injeções de capital estatal. No Brasil, os instrumentos de preferência
foram a redução dos compulsórios e a expansão das atividades dos bancos
públicos. O aumento das captações via depósito a prazo, assim como as
mudanças nas regras de compulsórios nos depósitos interfinanceiros lastreados
em debêntures de empresas de leasing, haviam provocado forte expansão no
total de depósitos compulsórios até setembro de 2008 (44% em 12 meses), o
que facilitou as medidas de relaxamento dos compulsórios, que caíram
significativamente a partir do mês seguinte (19% em outubro). Em especial, o
relaxamento do compulsório foi combinado com medidas de estímulo à compra
de carteiras de crédito de bancos pequenos e médios com problemas de
liquidez.9

Os bancos públicos se destacaram especialmente no trimestre agosto-outubro,


com aumento de 11% no saldo de empréstimos, sendo 5% apenas em outubro
(37% em 12 meses); as operações diretas do BNDES lideraram esse processo,
com elevação do saldo de 17% no trimestre e 8% no mês. Além da maior
captação de depósitos, os bancos contaram com novos aportes de capital e

9
As primeiras medidas do BC datam de 24 de setembro, quando esse adiou cronograma de
recolhimento de compulsório sobre depósitos interfinanceiros das sociedades de leasing e ampliou a
dedução do cálculo dos compulsórios adicionais. Em 2 de outubro, ele permitiu aos bancos liberar até
40% dos depósitos compulsórios sobre depósito a prazo para comprar carteiras de crédito de bancos
com PL até R$ 2,5 bi. Em 8 de outubro, ampliou a dedução para cálculo do compulsório e reduziu as
alíquotas da exigibilidade adicional dos depósitos à vista e a prazo. Em 13 de outubro, o BC elevou
outra vez as deduções para cálculo do compulsório, aumentou o limite da dedução do compulsório
sobre depósitos a prazo na compra de carteiras de 40% para 70%; e subiu o patrimônio máximo da
instituição vendedora da carteira de R$ 2,5 bi para R$ 7 bi. Em 16 de outubor, o BC permitiu ás
instituições financeiras abater do compulsório sobre depósitos a prazo a aquisição junto a essas
instituições e nas condições fixadas em 2 de outubro, “títulos e valores mobiliários de renda fixa,
adiantamentos e outros créditos de PFs e PJs não-financeiras” e depósitos interfinanceiros garantidos
por estes títulos. Em 30 de outubro, o BC determinou que os compulsórios sobre depósitos a prazo
liberados mas não utilizados na compra de carteiras de crédito deveriam passar a ser recolhidos em
espécie, sem remuneração.

49
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

outras medidas para financiar essa expansão: em poucos meses, o BNDES


recebeu R$ 33,5 bilhões em recursos do Tesouro, R$ 7 bilhões do FGTS e um
potencial de R$ 6,2 bilhões em captações via CDIs por meio de liberações
especiais de depósitos compulsórios.10 A Medida Provisória 433 autorizou o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprar bancos –
ostensivamente, para permitir a aquisição de instituições em dificuldades --, sem
necessidade de processo de licitação e em dinheiro; permitiu ao governo dar
crédito de R$ 3 bilhões ao BNDES; criou um banco de investimento para a CEF; e
autorizou-a a comprar empresas, financeiras ou não, em especial no setor de
construção civil. Foram também criadas linhas especiais de bancos públicos para
a agricultura, construção e setor automobilístico.11

O desafio maior das autoridades será garantir que a intervenção do Estado no


mercado de crédito dure apenas o necessário e não crie outros problemas. Ela
deve ser longa o suficiente para suavizar a transição para uma economia menos
alavancada, mas não tão longa que atrase o necessário ajuste no setor produtivo,
ajudando a manter em atividade empresas que se tornaram economicamente
inviáveis. Caballero, Hoshi e Kasyap (2005) argumentam que o fraco
desempenho econômico do Japão nos anos 1990 resultou em parte da tolerância
dos reguladores bancários com a manutenção de créditos para empresas
virtualmente insolventes nos livros dos bancos.12 A saída do Estado dessas
instituições tende ser mais complicada que a sua entrada, não apenas pelos
interesses aí criados, mas também pelas dimensões envolvidas: como vender
rapidamente uma participação acionária tão grande como a que hoje deteêm os
governos europeus e americano?

No Brasil, não se coloca a questão do desinvestimento estatal nos bancos, mas


por outro lado há três grandes desafios em relação ao uso dos bancos públicos
em reação à contração do crédito:

1) Minorar o custo fiscal dessa intervenção. Mesmo que se defenda a


substituição do crédito privado pelo público durante a crise, não há razão
para esse crédito ser subsidiado. Os bancos públicos no Brasil operam
com a transferência de variadas formas de subsídios pelo Tesouro e uma
expansão de suas atividades sem que se altere essa forma de operar vai
elevar o volume de subsídios;

2) Não atrasar o ajuste macroeconômico ao quadro externo – preço das


commodities, demanda por produtos brasileiros e condições de
financiamento -- mais desfavorável. Insistir na manutenção do ritmo

10
Em 25 de novembro, o Banco Central permitiu que os compulsórios sobre depósitos a prazo fossem
utilizados para comprar CDIs do BNDES. O Banco do Brasil muito provavelmente também
necessitará de aportes pelo Tesouro para continuar expandindo seus ativos, uma vez que seu índice de
Basiléia se aproxima rapidamente do mínimo requerido pelo Banco Central.
11
Pensou-se inclusive em utilizar recursos do FMI e do Fed para financiar operações do BNDES,
ainda que não ficasse claro como isso seria viabilizado (Valor, 20 de novembro de 2008, p. C1).
12
Ricardo Caballero, Takeo Hoshi e Anil Kasyap, 2005, “Zombie lending and depressed restructuring
in Japan”. Disponível em http://gsb

50
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

anterior de expansão do crédito vai levar à ampliação do déficit externo e


a maiores pressões inflacionárias, comprometendo o desempenho
econômico do país no médio prazo;

3) Evitar a captura política das decisões de crédito e o surgimento de


operações-hospital -- já ensaiadas no caso das empresas com grandes
perdas em operações com opções cambiais --, onerando o contribuinte e
postergando o ajuste estrutural da economia.

A desaceleração da expansão dos empréstimos nos bancos privados não foi


linear, mas se deu pela adoção de critérios mais rigorosos de seleção de
tomadores, negando-se ou reduzindo-se os empréstimos para famílias e
empresas que tinham ou passaram a ter maior risco de inadimplência. São essas
empresas e famílias que formam o grosso da clientela marginal junto à qual os
bancos públicos podem expandir suas atividades. Dependendo da dimensão da
desaceleração econômica, esse risco pode aumentar significativamente.

Diversas formas de subsídios permitem aos bancos públicos proteger-se e até


beneficiar-se com a crise. Em especial, a garantia estatal tornou-os destinatários
de grandes volumes de depósitos à vista, prazo e de poupança, captados a baixo
custo. Neste sentido, é mais ou menos natural que enquanto durar a crise de
confiança dos depositantes, eles respondam por uma maior parcela do crédito.
Em tese, essa deveria ser uma expansão transitória. Não obstante, em paralelo à
atuação dos bancos públicos no combate à queda da liquidez e à contração do
crédito com a crise, observa-se um movimento no sentido de elevar
permanentemente essa participação, ou pelo menos de impedir uma natural
substituição do financiamento público pelo privado, via bancos e mercado de
capitais. Em particular, a forte expansão dos empréstimos pelo sistema
financeiro público, as negociações para a compra de bancos, e os aportes de
capital pelo Tesouro precedem a virada ocorrida no mercado de crédito pós-
quebra da Lehman Brothers.

A questão central, nesse contexto, não é o desejo dos bancos públicos de


competir, mas cuidar para eliminar os subsídios recebidos por essas instituições
e o efeito negativo que isso tem sobre a economia. A expansão do crédito muito
acima do PIB requer uma igual elevação desses subsídios, seja diretamente, via
maiores aportes, seja pela garantia implícita aos passivos dessas instituições.
Isso amplia proporcionalmente o ônus para o Tesouro, a ineficiência alocativa e
as transferências regressivas de renda. A garantia implícita do Tesouro é uma
forma de subsídio difícil de eliminar sem mudança de propriedade. Outros tipos
de subsídio, como o acesso exclusivo aos depósitos judiciais, podem ser mais
facilmente descontinuados.

Concluindo, a desaceleração no ritmo de expansão do crédito no Brasil – a


expectativa ainda é de alta de 10% a 15% em 2009 -- reflete tanto a crise
internacional como uma necessária meia trava para corrigir os excessos dos
últimos anos. Em especial, exceto no setor imobiliário, o crédito bancário no
Brasil já atingiu um patamar semelhante, e até superior em alguns casos, ao dos

51
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

países de maior renda. Isso ajuda a explicar não apenas a alta no custo de
captação dos bancos, mas principalmente o fato de o comprometimento da
renda das famílias com juros e amortizações já estar no mesmo patamar que os
EUA, mesmo com o crédito imobiliário no Brasil sendo de apenas 2% do PIB. A
velocidade com que essa desaceleração ocorreu, junto com a migração de
depósitos para as maiores instituições, especialmente as públicas, gerou
problemas importantes de liquidez, que já estão sendo superados com as
medidas adotadas pelo Banco Central. Tentar manter o ritmo anterior de
expansão do crédito, via bancos públicos, pode gerar problemas fiscais
relevantes, pelo peso dos subsídios aí envolvidos, e causar uma deterioração da
qualidade dos ativos dessas instituições, exigindo que futuramente o Tesouro
tenha de arcar com essas perdas.

52
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

LIQUIDEZ: EMPOÇAMENTO?
Sylvio Heck

Desde o dia 24 de setembro, o Banco Central (BC) vem promovendo sucessivas


alterações nas regras dos depósitos compulsórios com o intuito de prover
liquidez ao sistema bancário. No total, as medidas anunciadas pelo BC podem
liberar R$ 112 bilhões em liquidez para os bancos, o que representa
aproximadamente 10% do saldo total de operações de crédito em aberto no país
ao fim de outubro. A tabela 1 abaixo resume as alterações propostas e os seus
impactos estimados pelo BC.

Tabela1: Alterações Recentes nos Depósitos Compulsórios


Anúncio Impacto Resolução
estimado
pelo BC
Adiamento do aumento da alíquota do compulsório
24/set/08 13,0
recolhido sobre as operações de leasing
Redução de compulsório para adquirentes de carteiras de
02/out/08 23,5
crédito de bancos com patrimônio inferior a 2,5 bilhões
Aumento da dedução sobre o compulsório de R$300
08/out/08 23,2
milhões para R$700 milhões.
Bancos poderão antecipar pagamento de te 60 vezes o
valor da contribuição mensal ao FGC do mês de agosto, o
27/out/08 6,0
que poderá ser abatido dos depósitos compulsórios à
vista.
Alíquota adicional pode ser recolhida na forma de títulos
13/nov/08 40,0
públicos, ao invés de recursos em espécie.
Aplicações em depósitos interfinanceiros no BNDES
25/nov/08 6,2
poderão ser abatidas do compulsório de depósito à prazo.
Total 111,9

As iniciativas são bastante positivas para a manutenção das operações de


créditos no país, que vem crescendo acima de 34% quando se compara outubro
de 2008 com o mesmo mês do ano anterior. Segundo a própria instituição, até o
dia 21 de novembro o volume de recursos efetivamente liberados chegou a R$
91 bilhões.

Esse grande aumento de liquidez, no entanto, não garante necessariamente a


manutenção das operações de crédito. A Autoridade Monetária está cumprindo o
seu papel de forma correta, atuando onde tem uma considerável margem de

53
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

manobra, mas dois efeitos importantes vão atrapalhar a canalização desses


recursos para o lado real da economia. Um deles é o aumento da percepção de
risco de inadimplência do tomador, razoável de se imaginar diante de uma
deterioração do cenário macro, e que levaria a um comprometimento crescente
da renda do indivíduo e da empresa com o serviço da sua dívida13. Critérios e
modelos de avaliação de risco vão penalizar essa deterioração de cenário, e
tendem a ser especialmente cautelosos num primeiro instante, em função da
incerteza da dimensão do impacto do novo ambiente de negócios sobre a
capacidade de serviço do tomador. Outro limitador para a manutenção das
operações de crédito, já em níveis historicamente elevados, vai ser a
deterioração também dos recebíveis e colaterais dos empréstimos já concedidos,
o que deixa as instituições financeiras com uma menor predisposição marginal
ao risco.

A qualidade média do risco de crédito do tomador na economia vem melhorando


nos últimos anos, e o nível de inadimplência se mantendo em torno de 3%, na
média dos últimos 12 meses. Ao fim de outubro, segundo o Banco Central, 92,4%
das operações de crédito nos balanços das instituições financeiras eram
classificadas nos níveis de risco de AA a C. No entanto, é possível, e até razoável,
que as instituições já estejam trabalhando com uma deterioração da classificação
média das operações em carteira e um aumento da inadimplência esperada para
os próximos meses. É provável que ambos não estejam aparecendo desde já nos
dados divulgados em função de renegociações de dívidas que já vem sendo feitas
e de uma defasagem nas reclassificações de risco. Ou seja, um nível ainda baixo
de inadimplência hoje pode não estar dizendo muita coisa, assim como um ativo
com classificação AA no balanço de um banco. As taxas de juros e spreads, que
servem de parâmetro para a qualidade média das operações em carteira,
continuam subindo, tendo o spread das operações de pessoas jurídicas subido
de 14,7 em setembro para 17,5 pontos percentuais em outubro.

Contra a deterioração em si do risco de contraparte não há muito que a


Autoridade Monetária possa fazer. Prover liquidez é o que melhor pode ser feito
para estimular o crédito privado. A alternativa direta do recurso via instituições
financeiras públicas é uma alternativa para o desaparecimento das linhas de
crédito privadas, que, no entanto, esbarra na capacidade de se avaliar o risco de
contraparte em tempo útil para se substituir um financiamento pelo outro. A
substituição de um ou outro provedor privado em operações de larga escala
poderia ocorrer de forma eficiente, mas seria difícil imaginar o mesmo para a
grande maioria das operações de pequeno e médio porte, hoje concentradas nos
bancos menores. Assim, seria interessante tentar resolver o problema via
crédito privado antes de se pensar numa transferência para o setor público.
Ainda que eficaz, a solução via bancos públicos certamente envolveria uma
perda de eficiência alocativa. Talvez seja preferível deixar a injeção de liquidez já
feita e as renegociações bilaterais em curso fazerem o seu papel e usar as
instituições públicas quando e onde necessário.

13
Segundo o Relatório de Inflação (Set/08), o serviço da dívida compromete hoje 31,3% da massa de
renda ampliada (inclui inativos) do indivíduo, enquanto em 2003 comprometia aproximadamente 23%.

54
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Por fim, uma solução do tipo garantia para as operações privadas, a exemplo do
que foi feito nos EUA, enfrentaria as mesmas dificuldades que vimos lá. Não seria
razoável oferecer seguro a troco de nada, tal que se assim fosse talvez seja
preferível conduzir diretamente novas concessões através de instituições
públicas do que incorrer em erros do tipo II (aceita conceder garantia em
determinadas condições quando dever-se-ia rejeitar a mesma). Botar preço
nesse seguro está longe de ser trivial e a chance de errar em favor das
instituições privadas é muito grande. Errar na dose de benefício agora pode
atrapalhar a seleção que está ocorrendo entre bom e mau gestor de risco.

55
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA DE PROVISÃO DE LIQUIDEZ


Daniel L. Gleizer

A turbulência que assola os mercados financeiros globais desde meados de


2007, e o recrudescimento da incerteza desde a falência da Lehman Brothers em
setembro passado, afetaram a economia brasileira através de vários
mecanismos, entre os quais se destacam: (i) um quadro de forte deterioração de
expectativas dos agentes econômicos, que passaram a trabalhar com cenários
onde é elevada a probabilidade de estarmos diante de uma recessão mundial
profunda e de duração incerta; (ii) a forte contração da oferta de linhas de
crédito externas; (iii) a maior seletividade na concessão de crédito bancário no
mercado local, elevando seu custo e reduzindo seus prazos; (iv) a redução da
liquidez e aumento da volatilidade no mercado cambial; e (v) o aumento do risco
de crédito das empresas que tomaram financiamentos em modalidades que as
deixaram expostas à variação cambial.

Diante destes desenvolvimentos o governo adotou uma série de medidas para


atenuar a contração da liquidez e reduzir a volatilidade nos mercados
financeiros. Dentre essas medidas, vale destacar: (i) diversas alterações na
regulamentação dos recolhimentos de depósitos compulsórios, visando elevar a
liquidez no mercado; (ii) a venda de dólares no mercado à vista, no mercado à
vista com recompra contratada no mercado futuro, e no mercado futuro; (iii) a
criação de uma nova modalidade de redesconto de liquidez, aceitando como
garantia operações de crédito concedidas em moeda nacional e em moeda
estrangeira; (iv) através da edição da MP 443, foi permitido aos bancos públicos
adquirir bancos privados. Esta última, de caráter estrutural e não conjuntural.

Desde o final de setembro as normas que regulam os recolhimentos de depósitos


compulsórios vêm sofrendo sucessivas alterações. O anúncio da redução dos
compulsórios em 13 de outubro revela a opção por uma política ad hoc: O Banco
Central anunciou em sua Nota à Imprensa que decidiu “implementar um
programa de liberação integral dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos
a prazo, sobre os depósitos interfinanceiros e sobre a exigibilidade adicional de
depósitos à vista e a prazo, no total de R$ 100 bilhões”. A nota adicionava que “as
liberações serão efetuadas de acordo com as necessidades de liquidez dos
mercados”.

O diagnóstico por trás das medidas adotadas era o de que estaria ocorrendo um
empoçamento da liquidez. Depois de várias alterações e de intenso ruído
político, o Banco Central optou por elevar o custo dos depósitos compulsórios de
forma expressiva, reduzindo a remuneração dos compulsórios sobre depósitos a
prazo, antes dada pela taxa Selic. Simultaneamente, permitiu aos bancos mitigar

56
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

este custo através da aquisição de carteiras de crédito e de depósitos


interfinanceiros de instituições de menor porte.

Esta decisão suscita várias perguntas. Gostaria de focar em três delas e oferecer
subsídios para uma alternativa de atuação. (i) Qual o impacto desta medida
sobre concessão de crédito na economia como um todo? (ii) Que distorções e
incentivos esta medida enseja no curto prazo? (iii) Havia alternativa superior?
Por que não reduzir os compulsórios agressivamente, sem “strings attached”, e
oferecer redesconto de forma clássica ou de maneira a mitigar seus custos
tradicionais?

Comecemos com o primeiro item. As medidas foram apresentadas como formas


de lidar com o problema do empoçamento da liquidez. Seu objetivo, portanto,
deveria ser a criação de incentivos para que os bancos irrigassem o sistema,
concedendo crédito ao setor produtivo. Ademais, entendia-se que a liquidez
estaria sendo represada nos bancos de maior porte. Assim, as medidas visavam
restabelecer o fluxo de recursos para os bancos médios e de pequeno porte.

O impacto imediato do encarecimento do compulsório é a elevação dos custos de


captação e, conseqüentemente, do custo do crédito. Isto ocorre de forma geral,
salvo em situações particulares, onde há um direcionamento dos recursos para
segmentos específicos. Assim, o impacto provável da medida é a elevação do
custo médio do crédito na economia, estabelecendo uma modalidade de
crowding out regulatório. Note-se que este aumento no custo de captação atinge
a economia justamente quando os prêmios de risco estão subindo rapidamente e
o custo do crédito tenderia naturalmente se elevar.

Ademais, a aquisição das carteiras de crédito pelos grandes bancos, em uma


conjuntura de maior risco e incerteza, não promove concessão de crédito
agregada na economia. Os limites de crédito dos bancos não se alteraram como
resultado da nova medida. Assim, o que provavelmente se verifica é um efeito
substituição.

Ao elevar o custo de carregamento do recolhimento compulsório sobre


depósitos a prazo, exceto no caso em que os bancos compram ativos de
instituições de menor porte, a medida cria novas distorções e incentivos.

Ao alterar a estrutura de remuneração dos depósitos compulsórios e os


incentivos para as operações interfinanceiras entre os bancos, a medida alterou
as condições de equilíbrio no mercado de títulos públicos e no mercado de CDI.
Com isto observou-se um encarecimento das captações do Tesouro e uma
elevação no diferencial entre o CDI e a Selic, que levou as autoridades a alterar
normas, de forma seqüencial. Compulsórios em espécie foram substituídos por
recolhimentos em títulos públicos e medidas adotadas para que os bancos
remunerassem os recursos tomados no CDI, próximo à Selic. Os custos destas
medidas e de suas alterações recorrentes são difíceis de estimar, mas parecem
elevados.

57
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Finalmente, é importante ressaltar que as alterações e calibragens recorrentes


no limite de isenção dos recolhimentos compulsórios e no valor do patrimônio
das instituições, cujas carteiras, uma vez adquiridas, reduziriam os compulsórios
das instituições adquirentes, geraram a percepção de que as medidas tinham
alvo específico, aumentando a incerteza.

O que nos remete à terceira pergunta: Havia alternativa superior? Para


responder adequadamente a esta pergunta é necessário ter clareza sobre os
objetivos das medidas. A operacionalização das medidas revela que a
preocupação não era apenas com o empoçamento da liquidez, mas com a
escassez de liquidez em determinados segmentos do sistema bancário. Na
prática, ao criar incentivos que os bancos adquiram as carteiras das instituições
de menor porte as autoridades estão, de fato, criando um novo mecanismo de
provisão de liquidez a estas instituições. É fato que a capacidade de
financiamento de instituições sem uma rede de agências e uma estrutura que
viabilize uma captação pulverizada e diversificada de recursos foi
particularmente afetada pela contração das linhas externas, pelo encarecimento
do custo dos recursos a prazo no mercado local e pelo virtual desaparecimento
das alternativas de mercado de capitais. Mas se a preocupação da autoridade
monetária é com o funding das instituições de menor porte, por que não utilizar
os mecanismos tradicionais de atuação dos bancos centrais nestas situações?

Os mecanismos clássicos de atuação das autoridades encarregadas de assegurar


a solidez do sistema bancário buscam mitigar o problema de informação
assimétrica que é intrínseco a esta atividade. Bancos tendem a aplicar recursos a
prazos superiores aos dos seus depósitos. Como decorrência, há estados da
natureza nos quais, mesmo aqueles bancos cuja posição patrimonial seja sólida,
tornam-se potencialmente ilíquidos. Diante do caráter alavancado da operação
bancária, é do interesse dos bancos prudentes e sólidos, que as informações
acerca de sua operação sejam divulgadas e disseminadas de forma regular e
corriqueira. Com isto ficam mitigados os riscos de uma corrida em função de
boatos, que poderia ser fatal para um banco, na ausência de mecanismos de
redesconto adequados, mesmo se a instituição for amplamente solvente. A
exigência de que os bancos publiquem balanços certificados por auditores
independentes busca suprir os depositantes e acionistas com informações mais
precisas sobre a real situação das instituições. Mas como a atual crise
internacional ilustra com clareza, os princípios de contabilidade geralmente
aceitos não são capazes de evitar que alguns ativos figurem no balanço com
valores superiores ao seu valor de mercado. Assim, habitualmente os
administradores das instituições dispõem de informações quanto ao risco de
suas operações que são inacessíveis aos depositantes.

A atuação das autoridades divide-se em três instâncias. A primeira é a submissão


das instituições financeiras à regulamentação e fiscalização pelo Governo. O
objetivo das fiscalizações é assegurar que a verdadeira situação patrimonial de
uma instituição é a que está retratada em sua contabilidade. A fiscalização
dispõe de possibilidades de aferição inacessíveis ao depositante. Ademais, ela
possui poderes para agir preventivamente obrigando os bancos a explicitar na

58
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

sua contabilidade a sua real situação patrimonial, para alterar seu grau de
alavancagem e até mesmo para mudar administradores e acionistas
controladores.

A segunda instância é a da extensão de linhas de redesconto. A intenção destas


linhas é funcionar como empréstimos-ponte para instituições que estão
sofrendo problemas transitórios de liquidez, mas que são fundamentalmente
solventes. Seu mecanismo de precificação deve coibir abusos, assegurando que
as linhas são incompatíveis com o financiamento de novos empréstimos ou
aquisição de ativos, que perpetuariam o problema de liquidez.

Finalmente, há o seguro-depósito, que no caso brasileiro é operacionalizado pelo


Fundo Garantidor de Créditos. Este é fundamental nos casos em que, apesar de
sujeita a fiscalização, o patrimônio de uma instituição financeira se torna
negativo e, portanto, o problema não mais pode ser resolvido através do recurso
às linhas de redesconto. Na ausência deste seguro, a intervenção ou liquidação
de uma instituição financeira representa uma enorme penalização para os
depositantes que confiaram não apenas na instituição financeira, mas também
nos seus auditores e no Banco Central que a fiscalizava. O risco aqui é o de um
efeito-dominó que espalha o pânico por todo o sistema, diante da perda de
confiança nos mecanismos de aferição e nos certificados de solidez concedidos
pelo governo. É importante observar que bancos com estruturas de captação
pulverizada beneficiam-se mais do seguro-depósito, do que aqueles cujas
captações são concentradas em poucos, mas grandes, depositantes, tais como
corporações e investidores institucionais.

A relutância do Banco Central em utilizar o mecanismo de redesconto, caso seja


correta a hipótese de que a medida dos compulsórios objetivava prover os
bancos de pequeno porte com fontes de financiamento temporário, pode ser
explicado por duas causas. A primeira é a ausência de um arcabouço legal
adequado que conferisse ao Banco Central poderes para efetuar operações de
redesconto sem risco de contestação jurídica. Seja qual for a base de sustentação
desta consideração, este arcabouço foi reforçado com a edição da MP 442. A
segunda razão decorre do estigma associado a estas operações. É fato que no
mercado brasileiro o recurso ao redesconto assumiu um forte estigma. Este,
entretanto, não é um problema peculiar à economia brasileira, e soluções foram
encaminhadas para lidar com este problema reputacional.

Goodhart (2008)14 sugere uma solução para este problema através da


introdução de um “Preferential Access Scheme” (PAS). Este mecanismo tem os
seguintes objetivos: (i) sanar o problema do estigma associado ao acesso ao
redesconto; (ii) introduzir um instrumento de controle da liquidez que pode ser
alterado ao longo do tempo; e (iii) criar um incentivo para que os bancos
carreguem liquidez adequada, especialmente em tempos de normalidade. Este

14
C.A.E. Goodhart: Liquidity and Money Market Operations: A Proposal. London School of
Economics, 2008.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

mecanismo poderia ser adaptado para as nossas circunstâncias e características


institucionais. Vejamos suas linhas básicas.

O mecanismo funciona através da introdução de uma banda para cada banco que
começa a um custo igual a zero (liquidez gratuita, i.e. igual à taxa básica, no
nosso caso a Selic) e que se alarga em uma série de degraus (provavelmente de
tamanho igual) de mais ou menos 100 bps.

Gráfico 1

O eixo horizontal mostra os montantes de recursos disponíveis a cada taxa. Cada


intervalo (montante) de comprimento X seria equivalente a X% dos depósitos de
um banco i no banco central, defasada 3 ou 6 meses. A intenção ao usar esta
defasagem é identificar padrões e evitar que os bancos operem o sistema e criem
depósitos artificialmente. Os empréstimos nesta modalidade de redesconto
seriam por trinta dias, uma vez que a cada trinta dias o banco central poderia
alterar o valor de X e seriam colateralizados por garantias. Estas garantias
podem ser operacionalizadas por compromissos de recompra, em moldes já
praticados pelo Banco Central do Brasil.
Como este mecanismo pode ajudar?

Em primeiro lugar, a tranche inicial representa liquidez a custo zero. Assim os


bancos deveriam normalmente acessá-la para aproveitar esta oportunidade.
Desta maneira todos os bancos estariam tomando emprestado, regularmente, do
banco central. O total tomado por cada banco e a sua taxa marginal de captação
nesta modalidade seriam informações restritas. Desta maneira o efeito estigma
seria mitigado, ou mesmo eliminado.

60
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Em segundo lugar, a escolha de X (entre zero e 100%) é uma variável de política.


Ela poderia ser elevada em momentos de restrição de liquidez e reduzida em
momento de crescimento. Desta forma poderia, também, funcionar como um
instrumento de sinalização.

O mecanismo foi apresentado de forma simétrica, mas isto não é necessário. O


comprimento dos intervalos de depósito pode diferir dos de empréstimo, de
forma a calibrar de forma mais adequada os incentivos para depósitos e saques
no banco central.

Finalmente, a pergunta que se coloca é por que não inundar os bancos


comerciais com liquidez gratuita, fazendo com que o valor de X assuma valores
muito elevados? Goodhart menciona que a experiência da Nova Zelândia mostra
que bancos avessos ao risco tendem a reter depósitos no banco central se não
houver um desincentivo para fazê-lo. O caso do Brasil também ilustra o ponto.
Assim, à medida que os bancos acessam mais liquidez, devem ter um estímulo
para distribuí-la pelo sistema. O PAS tenta prover este incentivo.

A crise atual impõe novos desafios para a condução da política monetária e exige
uma boa dose de pragmatismo e de discernimento. O correto alinhamento de
incentivos é crucial para que as medidas adotadas atinjam os objetivos de seus
formuladores. São muitos os casos em que a teia de estímulos, por vezes
conflitantes, geradas por medidas que buscam direcionar os agentes
econômicos, sem respeitar os sinais enviados pelos preços relativos, envolve
seus criadores e os imobiliza. A simplicidade não é necessariamente
incompatível com a criatividade e com a ousadia.

61
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

POLÍTICA CAMBIAL

62
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

MERCADOS CAMBIAL E DE CRÉDITO BRASILEIROS:


DANOS E REAÇÕES PROPOSTAS
João Cesar Tourinho

Neste texto procuro discutir, numa visão de mercado, a crise que nos atinge de
forma muito intensa nos últimos dois meses, em termos de seus danos aos
modelos cambial e de crédito dominantes até então. Concluo com sugestões de
possíveis reações por parte das autoridades, para minimizar os danos sobre os
mercados de crédito e de câmbio.

Danos nos Mercados Cambiais

O padrão dominante desde 2003 era de uma continua apreciação das moedas
dos países emergentes principalmente contra o dólar, levando o setor privado e
bancário a um crescente endividamento nesta moeda. No caso brasileiro isto não
foi diferente e o passivo externo liquido do setor privado dobrou nos últimos
cinco anos.

Havia uma tendência de apreciação do Real bem definida (ver Gráfico), ajudada
também pelo choque positivo nos termos de troca do país, derivado do ganho
em valor de nossas commodities que atingem seu pico em julho/2008.

Adicionando-se a isso o comportamento da volatilidade do Real que, vindo no


sentido oposto, sai de 17% em 2003 para 8% no 1º semestre 2008, o resultado
foi levar o setor privado a se despreocupar com a palavra “hedge”.

Ora, como ocorre nos momentos de ruptura, e o dia 15.09.2008 pode ser
definido como tal (infelizmente somente a posteriori), os agentes econômicos
buscaram proteção a qualquer custo, levando os mercados a reagirem pelo efeito

63
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

manada; a volatilidade explode para quase 40% e o Real deprecia-se


rapidamente, como se pode observar no Gráfico após a citada data.

Felizmente, o Banco Central -- além de mais de US$ 200 bilhões em reservas --


possui um arsenal de instrumentos, construído ao longo dos anos em que
tínhamos elevados déficits em conta corrente e por muitos dos participantes
deste livro virtual, que permite à autoridade monetária atuar sobre os diversos
segmentos do mercado cambial sem a necessidade de venda direta de dólares.
Sumariando os números disponíveis em final de novembro, as intervenções
executadas pelo Banco Central foram as seguintes:
a) Venda de dólares à vista: US$ 6,7 bilhões
b) Venda de swaps: US$ 31 bilhões, saindo de posição credora em 03/10 para
devedora atualmente.
c) Repasse de linhas ao financiamento do comércio exterior, tanto contra
garantia em Reais - US$ 6,4 bilhões; como com garantia de contratos de
exportação - US$ 5,3 bilhões.

Para efeito de comparação da eficiência dos instrumentos acima vou usar o


mercado de cupom cambial (swaps) nos anos de 1999, 2002 e 2008 para ilustrar
os efeitos produzidos nas crises anteriores e os atuais. Normalmente, neste
ambiente, a tendência do prêmio de risco dos swaps é superar o prêmio de risco
externo, visto que quando os investidores aceitam os dólares “verde-amarelo”
eles carregam, adicionalmente ao risco de crédito, o prêmio de convertibilidade,
ao passo que aqueles que ficam com o dólar “verde” têm somente o risco de
crédito.

Tanto em 1999 como em 2002 o cupom cambial superou em muito o EMBI BR --


enquanto o EMBI atingia 1700 pontos e 2300 pontos, respectivamente, o cupom
cambial era negociado próximo a 25% e 35%, respectivamente.. Atualmente, o
cupom cambial, ao redor de 8%, está muito próximo do CDS de 5 anos (que se
tornou uma melhor aproximação do risco externo do que o EMBI BR), que se
situa num nível equivalente a Libor + 450 pontos, não sinalizando, pois, uma
propensão à fuga de capitais.

Danos nos Mercados de Crédito

Os grandes avanços conseguidos com a estabilidade econômica --


principalmente os decorrentes do aumento da previsibilidade inflacionária, para
que o Banco Central tem sido o pilar fundamental -- levaram o sistema bancário,
utilizando as melhorias na legislação (crédito consignado, nova lei de falência e
de financiamento imobiliário), a elevar os prazos dos financiamentos e aumentar
o volume de crédito.

Ao final de outubro, os empréstimos bancários representavam 40,2% do PIB,


com prazo médio de 482 dias no caso das pessoas físicas, comprovando a forte
expansão do crédito pessoal, de bens duráveis e do crédito imobiliário. Uma boa
noticia é que o ajuste da conta corrente ocorrido entre 2003 e 2007 reduziu

64
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

nossa dependência ao financiamento externo, que representa apenas 12% do


total dos empréstimos, comparado com níveis próximos a 30% em 2002,
minimizando assim os efeitos internos da parada brusca na oferta de crédito
externo.

Acontece que este modelo é frágil, por estar baseado no descasamento de prazos
entre ativos e passivos do sistema bancário, cuja razão provém de os depósitos a
prazo serem em sua grande maioria de prazo curto, quando não com liquidez
diária, levando os bancos a assumirem riscos de liquidez incompatíveis com as
necessidades de alongamento de crédito que a economia requer.
Adicionalmente, somente os grandes bancos com redes de varejo possuem uma
base mais estável de depósitos representados por recursos à vista e de
poupança, afora os depósitos judiciais que são um privilégio dos bancos
públicos.

Aos bancos médios e pequenos resta o acesso aos recursos de investidores


institucionais locais e internacionais, que além de não representarem uma base
estável têm, no caso dos locais, preferência por prazos curtos, limitando o
alongamento às captações externas que no atual ambiente simplesmente
desapareceram.

O desaparecimento dos depósitos levou os bancos menores a suspenderem a


concessão de crédito e a terem que vender suas carteiras aos maiores, que, por
sua vez, empoçados na liquidez, relutavam em adquiri-las, na certeza que o
fariam a preço melhor num futuro próximo. Foi neste momento que os quase R$
250 bilhões em compulsórios depositados no Banco Central, somados ao rigor
demonstrado na não remuneração de 70% dos compulsórios sobre depósitos a
prazo, permitiu o rápido estancamento de uma crise de liquidez -- injetando R$
94 bilhões no sistema, a autoridade monetária estabilizou o problema, apesar de
ainda estarmos longe de encaminhar uma solução mais duradoura.

Estamos diante de um quadro de maior concentração bancaria, de crédito caro e


curto, de aumento de spreads e redução no alongamento do crédito bancário,
enfim um sistema menos competitivo e potencialmente menos inovador.

Reações Propostas

Entre as ações adicionais às que já estão sendo tomadas, vou sugerir cinco que
podem reduzir os impactos danosos da crise sobre os mercados de câmbio e de
crédito:
1) Suspensão temporária da requisição de capital estabelecida pela Circular
3351 do Banco Central, que impõe custos aos bancos quando usam suas
agências no exterior para captação de recursos externos e subseqüente
repasse a sua matriz localmente.

2) Isenção de imposto de renda para captação do setor privado quando em


prazos superiores a cinco anos (um benefício que atualmente somente o

65
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

setor público possui), auxiliando empresas e bancos na rolagem da sua


dívida externa.

3) Criação de Instrumento de Captação Bancaria (Nota de Crédito ou


Depósito Bancário) com isenção de Fundo Garantidor de Crédito e
Compulsórios, com colocação via mercado de capitais. Viabilizando a
oferta pública deste instrumento, estaremos propiciando que os fundos
de investimento, fundações e fundos de pensão possam adquiri-los e
negociá-los em mercado secundário.

4) Taxas de compulsório diferenciadas entre depósitos a prazo na forma de


CDB`S, com liquidez, e aqueles na forma de CDB Final, de modo que o
alongamento seja estimulado e o tomador final receba maior
remuneração.

5) Obrigatoriedade de reportar à Central de Risco do Banco Central a


exposição de derivativos com as empresas, evitando assim os excessos
cometidos.

66
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

POLÍTICAS CAMBIAIS EM PERÍODOS DE CRISE


Antônio de Pádua Bittencourt Neto
Tamara Wajnberg

A partir de meados do ano passado, os problemas no mercado subprime


americano começaram a se alastrar para os ativos de bancos em geral, das
corretoras, agências hipotecárias, dos hedge funds e fundos mútuos, bem como
para diversos financiadores ao redor do mundo. Este processo, que culminou
com a quebra do Lehman Brothers em setembro, gerou, e continua gerando uma
contração de crédito proveniente da redução de alavancagem no sistema
financeiro, que mesmo com todos os esforços das autoridades monetárias, está
induzindo, através da queda nos preços dos imóveis e das ações, uma destruição
de riqueza poucas vezes vista na história.

Francisco Lopes aponta em suas notas que outras duas fontes de contágio da
crise para o resto do mundo, em vista das revisões cada vez mais pessimistas de
crescimento das economias desenvolvidas para os próximos dois anos, a
redução das decisões de consumo e investimento hoje, e a redução do comércio
mundial e consequentemente dos preços das commoditties.

Como no centro desta crise está o excesso de crédito, não só na economia


americana como em outros países desenvolvidos (como por exemplo, no Reino
Unido), que ao longo dos últimos anos possibilitou uma redução da taxa de
poupança das famílias a um nível extremamente baixo, fica difícil imaginar uma
solução para esta que não passe por um ajustamento deste exagero vivido na
última década.

De que forma esta crise se transmite para o Brasil? Apesar de ser relativamente
mais fechado ao comércio global do que outros países do mundo em igual
estágio de desenvolvimento, de ter as contas públicas equilibradas e ter
alcançado relativa estabilidade monetária nos últimos anos, o Brasil será
invariavelmente afetado pelo novo cenário mundial que vislumbra-se para os
próximos anos. O principal canal de transmissão se dará via Balanço de
Pagamentos.

Primeiramente, com a redução do crescimento mundial e a consequente queda


do comércio global, os preços das commodities (medidos pelo índice CRB) que
desde o último pico já caíram 30%, podem e devem mostrar declínios adicionais.
Como no Brasil, estima-se que aproximadamente 60% das receitas de
exportações dependem da venda de commodities, a não ser que o quantum
exportado mostre um aumento expressivo, o valor das exportações caíra. Com
isso, o saldo de nossa balança comercial mostrará alguma redução. Essa, será tão

67
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

maior quanto maior for a queda das exportações vis-à-vis a queda nas
importações, proveniente da desaceleração interna.

A segunda fonte de impacto sobre o nosso Balanço de Pagamentos se dará via


redução do fluxo de capitais (movimento que deve atingir a maioria dos países
em desenvolvimento). Isto porque, a desalavancagem internacional que está
induzindo ao encolhimento do crédito no mundo deverá gerar: queda nos
investimentos diretos em países emergentes e a repatriação de recursos de
investimento em carteira que se alastraram pelo mundo no momento de
bonança de crédito. Somam-se a estes, os efeitos da redução das linhas de
financiamento ao comércio exterior e também da redução da oferta de
empréstimos em moeda estrangeira ao setor privado nacional.

Assim, nosso Balanço de Pagamentos será duplamente afetado: tanto pelo lado
da conta corrente quanto pelo da conta capital.

Diante desse cenário de ajustamento do Balanço de Pagamentos a uma nova


realidade mundial, podemos prever que o novo patamar de câmbio real de
equilíbrio deverá ser mais depreciado. Este movimento será tão maior quanto
maior for a queda nos preços das commodities e quanto maior for a redução do
financiamento externo. Como o ajustamento via preços se dá de forma mais
lenta, a depreciação real será inicialmente resultante da depreciação nominal.

Como forma de ilustração, se pensarmos em um modelo onde o câmbio nominal


pode ser explicado tanto pelo preço de commodities (medido pelo CRB), quanto
por uma medida de aversão ao risco (no caso o VIX – volatilidade implícita do
S&P) e por uma medida de diferencial de juros interno e externos (medidos
pelos FED FUNDS), em um cenário de redução gradativa dos atuais níveis de
volatilidade e do diferencial de juros, e com o preço das commodities voltando
aos níveis de 2002 (onde se encontram atualmente), o novo nível de equilíbrio
do câmbio poderia ser significativamente mais depreciado do que a média do
mês de novembro.

Com isto em mente, por sermos um país emergente com moeda sem curso
internacional, com histórico não tão longínquo de descontrole inflacionário,
devemos tomar cuidado com dois aspectos deste ajustamento. O primeiro é o
excesso de endividamento em moeda estrangeira do setor privado feito com
custos bastante atraentes, em época de apreciação cambial, com volatilidade
baixa, que propiciava a sensação de previsibilidade total do custo do crédito.
Neste novo mundo, a busca por redução do risco pode levar a um problema
sistêmico em que as empresas não teriam como arcar com os custos de tal
ajustamento tornando-se mais um problema para a economia. Até agosto de
2008, estima-se que o total de dívida externa do setor privado somava US$150
bi, sem incluir os instrumentos de derivativos que certamente cresceram nos
últimos anos.

O segundo aspecto a se considerar seria dos efeitos da depreciação cambial


mencionada sobre a inflação. No Brasil, estima-se que o coeficiente de repasse
do câmbio para a inflação situa-se ao redor de 8%, ou seja, para cada 10% de
68
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

depreciação do câmbio, a inflação aumentaria 80bps. Entretanto, os efeitos do


câmbio sobre a inflação podem ser amainados por uma desaceleração interna
mais forte do que se imagina, e por uma queda nos preços das commodities em
USD que compense a depreciação. Na teoria, quanto menor o repasse à inflação,
menor a desvalorização nominal necessária para se obter um câmbio real que
ajuste a conta corrente. Não é difícil perceber que o sucesso no combate à
inflação ajuda a mitigar o primeiro problema pois, quão menor a desvalorização
nominal, menores as chances de se ter um problema sistêmico no setor privado.

Diante deste cenário que se coloca a nossa frente para os próximos anos, de
menor crescimento mundial, dificuldade de financiar déficits em conta corrente
e ajustamento do câmbio de equilíbrio para um patamar mais depreciado, cabe a
pergunta de qual deveria ser a estratégia ótima de atuação do Banco Central com
relação a política cambial. Como estratégia ótima, entende-se quando e por meio
de quais instrumentos este deveria intervir no mercado.

Em momentos de grande incerteza como o atual, entendemos que a política mais


adequada seria a de mitigar os efeitos do ajuste no Balanço de Pagamentos,
utilizando as reservas apenas para reduzir a volatilidade cambial, mas deixando-
se bem claro que não se trata de uma defesa com relação a algum nível de
câmbio que se imagina seja o de equilíbrio da nossa economia. Dessa forma,
entendemos que o BC estaria ajudando a financiar a transição do déficit na conta
corrente para um nível que seja factível diante da nova realidade.

A utilização de reservas é o instrumento mais usual nessas situações, entretanto,


ganhou relevância nos últimos anos a intervenção do Banco Central por meio de
derivativos cambiais. Um dos motivos que a literatura aponta para a preferência
por tal, é que seu uso tende a dar a sensação de que não se está efetivamente
utilizando reservas, e que portanto estas estão preservadas para momentos de
emergência. Nos últimos dois meses, desde a intensificação da crise em
setembro, o Banco Central do Brasil já colocou quase US$33 bi em swaps
cambiais. O mesmo tem sido feito em outros países emergentes cujas moedas
também têm sofrido ataques.

É importante ter em mente que o uso de derivativos não é uma panacéia. Isso
porque, na fase inicial da crise, em que os agentes buscam principalmente
proteger o valor dos ativos denominados em moeda nacional, ou que desejam
casar os passivos em moeda estrangeira, os derivativos são encarados por estes
agentes como uma boa proxy da moeda estrangeira em si. Dessa forma, ficam
ambos os lados satisfeitos: o Governo por não perder reservas e os agentes por
serem remunerados em seus ativos a taxas bem mais atrativas do que a
aplicação no exterior, sem a necessidade de desembolsar um centavo para
proteger seus investimentos (muitas vezes ilíquidos).

Entretanto, com a continuidade e o agravamento da crise, com a piora dos


termos de troca e a redução das linhas de financiamento externas, haverá
necessidade de intervenção para que não faltem dólares no mercado primário.
Caso a crise vá se tornando ainda pior, há ainda a necessidade por parte de

69
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

agentes externos de se desfazer de ativos no Brasil e repatriar o dinheiro para


cobrir necessidades nos países de origem. Nesta fase, o pagamento antecipado
de dívida no exterior torna-se atrativo pois os credores começam a dar grande
desconto temendo o risco de crédito. As rolagens dos derivativos vão se
tornando cada vez mais curtas, com taxas cada vez piores para o país. Pode
ocorrer então, em um evento de difícil previsibilidade, que pode ter início tanto
no país (controles à saída de dinheiro, protecionismo e etc.) como em outros
países da região (ou classificados como de mesmo estágio de desenvolvimento),
um processo de fuga rápida de recursos, e nesse momento, os derivativos não
mais serão aceitos como proxy da moeda estrangeira (o que chamamos de medo
do risco de fronteira).

Assim, fica claro que não podemos imaginar que se consegue “multiplicar” as
reservas utilizando-se desses instrumentos. Talvez, seu uso devesse ser limitado,
por exemplo, à alguma proporção das reservas. A literatura sobre esse tema
ainda é bastante vaga, principalmente porque nos países emergentes a
disponibilidade de dados sobre intervenção no mercado é quase nula.

Até o momento, a política adotada pelo Banco Central brasileiro nos parece ser a
correta, com o Governo percebendo que a crise é mais longa e talvez mais severa
do que inicialmente imaginado, e que portanto não cabe a tentativa de
estabelecer um teto ou uma banda de flutuação da moeda. Parece perceber que a
depreciação do Real ajudará a reduzir o déficit na conta corrente,
principalmente se a contração de crédito e os ajustes dos estoques da economia
reduzirem os efeitos sobre a inflação.

Por último, vale fazer uma análise sobre qual poderia ser a atuação ótima do
Banco Central caso o cenário que vislumbrássemos pela frente fosse
completamente diferente. Ou seja, se a suposição fosse de que a crise será curta
e em pouco tempo o crédito internacional se recuperará, bem como nossos
termos de troca, e portanto o déficit no BP se reverteria naturalmente e de forma
pouco danosa para a economia, poderíamos imaginar que uma política de
intervenção mais ativa por parte do Banco Central alcançasse o objetivo de
reduzir a volatilidade e dar maior previsibilidade ao investidor e aos detentores
de passivos em moeda estrangeira.

Em pouco tempo, o mercado de câmbio retomaria a tranquilidade, o câmbio


voltaria a um patamar certamente menos depreciado do que no cenário base
(mencionado anteriormente). Assim teríamos menor pressão inflacionária,
menores atritos no setor privado e menor risco ao crescimento. Se assim fosse, a
utilização de uma parte razoável das reservas brasileiras mostrar-se-ia um
precioso e efetivo seguro que resolveria nosso problema de financiamento do
déficit em conta corrente durante o período de turbulência.

Entretanto, no ponto em que estamos, fica difícil fazer qualquer previsão quanto
a magnitude e a duração desta crise. As incertezas no mundo são enormes e até
as moedas do G7 tem sofrido variações substanciais. O que procuramos enfatizar
nessas notas é que os efeitos adversos de utilizar estratégia para crise de curta

70
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

duração no caso, mesmo que menos provável, desta ser de longa, parecem ser
bem piores do que utilizar a estratégia de crise longa e de fato ser uma crise de
curta duração.

Dessa forma, mitigar os efeitos do ajustamento de curto prazo, via liquidez


(tanto repasse de linha para exportadores que assumirão o risco da taxa de
câmbio, quanto venda de dólares à vista em dias de grande oscilação de preço)
bem como via fornecimento de hedge neste primeiro momento de adaptação do
setor privado e deixar o preço da taxa de câmbio ajudar a ajustar o Balanço de
Pagamentos no médio prazo, nos parece a estratégia adequada diante das
incertezas com relação aos cenários futuros. Neste caso, as reservas deveriam
ser utilizadas apenas para reduzir o overshooting da taxa de câmbio, de forma a
financiar o processo de ajuste que costuma ser lento pois a conta capital tende a
se encolher de forma rápida enquanto a conta corrente tende a se adaptar de
forma mais lenta.

71
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

SISTEMA FINANCEIRO

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

A CRISE E O DESENHO DO SISTEMA FINANCEIRO


André Lara Resende

I. Observações Gerais

Parece haver unanimidade quanto à necessidade de adaptar a regulamentação


do sistema financeiro para tentar evitar que os excessos da última década se
repitam e voltem a provocar crises da magnitude da atual. O risco desta
unanimidade - e “toda unanimidade é burra” - é o de criar uma regulamentação
para evitar o que já aconteceu. O combate à guerra passada – e perdida – não é
apenas inócuo, mas pernicioso.

A regulamentação que teria evitado os excessos que levaram à crise de hoje não
é necessariamente a mais indicada, nem para o sistema financeiro em frangalhos
de hoje, nem para o sistema financeiro do futuro. A definição do bom sistema
financeiro não se exaure na garantia de não vir a provocar crises. O papel do
sistema financeiro é o de intermediar recursos entre poupadores e investidores.
É também fazê-lo da forma mais eficiente e flexível, para atender às
necessidades dos poupadores e dos investidores quanto a prazos e risco, criando
um sistema de preços mais próximo possível do “idealtipo” competitivo, para
transmitir as informações e os estímulos adequados ao melhor funcionamento
da economia.

Nunca é demais repetir: o mercado competitivo não é o resultado do ”laissez-


faire”, mas sim uma sofisticada e artficialíssima construção conceitual, que
requer um arcabouço institucional e normativo concebido para aproximar a
realidade deste idealtipo.
Diante do desastre causado pelo excesso, é fácil esquecer-se dos benefícios que
levaram ao excesso. O sistema financeiro das últimas décadas, sofisticado,
complexo e globalizado, foi peça fundamental para viabilizar o longo ciclo de
expansão econômica mundial. O próprio fator detonador da crise, os
empréstimos hipotecários securitizados para tomadores que não se
qualificariam como tomadores de empréstimos bancários tradicionais, foi
inicialmente visto e estimulado, como uma inovação progressista, que dava
acesso à casa própria aos mais pobres e necessitados. As economias de países
como os EUA, a Espanha, a Irlanda, o Reino Unido, entre outros, foram
turbinadas por mais de uma década pelo dinamismo do setor imobiliário,
alimentado pelo crédito barato e abundante. Os grandes negócios, as fusões e as
aquisições, que criaram grandes empresas globais; os fundos de “private
equities”, que introduziram uma concepção de gestão eficiente nas novas
empresas com grande capacidade de crescimento, ou nas velhas empresas
esclerosadas; a onda de IPOs, que deu acesso a empresas emergentes ao

73
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

mercado de ações; são exemplos de conseqüências do desenvolvimento dos


mercados financeiros das últimas décadas, que foram recebidos com entusiasmo
por acelerarem o crescimento da renda e da riqueza mundial.

Um sistema financeiro eficiente é fundamental para o bom funcionamento da


economia. De tal forma vital, que sua desorganização, como ocorre neste
momento, ameaça lançar toda a economia mundial numa recessão de grandes
proporções. Para evitá-la, os governos e os bancos centrais viram-se na
obrigação de lançar mão de ação coordenada, com medidas extraordinárias até
pouco tempo inconcebíveis.

O Brasil, desta vez, é apenas vítima, talvez coadjuvante secundário, de uma crise
internacional que tem seu epicentro nos EUA. Embora defasados em relação a
países mais próximos do epicentro, os sinais da crise já se fizeram sentir de
forma inequívoca. O sistema financeiro nacional, muito menos alavancado do
que o dos grandes centros mundiais, estava à primeira vista ao abrigo do
vendaval que se formava. A partir da quebra do Lehman Brothers, o
agravamento da crise não deixou mais dúvidas quanto ao seu impacto sobre a
economia e o sistema financeiro brasileiro. É fundamental dedicar atenção ao
desenho do sistema financeiro que se quer para sair da crise e viabilizar a
retomada da economia

O desaparecimento do crédito comercial externo, o efeito aspirador que a


iliquidez nos sistema financeiro americano exerceu sobre o mundo todo,
provocou abalos mais rápidos e profundos do que se poderia esperar no sistema
financeiro brasileiro. Os bancos pequenos e médios, sem rede de agencias e sem
capilaridade na captação de depósitos, incapazes de se financiar, viram-se
obrigados a vender suas carteiras de créditos, às pressas e desagiadas, para os
grandes bancos. Apesar da ação do Banco Central, que reduziu repetidamente as
exigências de compulsório, todo o sistema passou por momentos de iliquidez.

A indústria de administração de fundos de investimentos, até o início de 2009,


parecia ter atingido escala e maturidade suficientes para se tornar um ator
relevante no cenário financeiro nacional. A partir de início deste ano, contudo,
amargou prejuízos pesados em todos seus segmentos. As perdas foram
observadas em todas as modalidades de fundos, não ficaram limitadas aos
fundos de ações, mas atingiram também os chamados hedge-funds, que
originalmente deveriam garantir retornos acima da renda - fixa independente da
direção dos mercados. Os resgates fizeram a indústria encolher de tal forma, que
a sua viabilidade nos próximos anos pode estar comprometida.
Os bancos independentes sem agencias, os chamados bancos de investimentos,
que tiveram papel de destaque nas últimas duas décadas do século passado, já
haviam desaparecido ou sidos integralmente absorvidos pelos grandes
internacionais. Foram substituídos por boutiques especializadas em fusões e
aquisições, em aconselhamento na gestão patrimonial e por gestoras de fundos
de toda sorte.

74
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

A transição de um sistema financeiro tradicional, dominado pelo sistema


bancário e seu relacionamento direto os seus credores e devedores, para um
sistema financeiro pulverizado e despersonalizado, baseado em transações a
mercado, que já havia se consolidado nos países centrais, ainda estava em seus
estágios iniciais no Brasil. Até o momento, o sistema financeiro parece
encaminhar-se para a reversão deste processo e para uma concentração
acelerada. Os pequenos e médios bancos, sem rede de captação direta, ficaram,
ao menos temporariamente, inviabilizados, serão absorvidos pelos grandes ou
desaparecerão. Os grandes bancos aceleraram o processo de fusões e aquisições
na busca, não apenas de economias de escala, mas também de garantias da
escala. No sistema bancário ser grande custa menos e funciona como seguro.

O processo de concentração não é apenas visto de forma benevolente, mas


estimulado, como a única forma de impedir novas quebras. Em tempos menos
conturbados, a absorção de bancos problemáticos por instituições saudáveis é
um caminho conhecido e recomendado para evitar quebras no sistema
financeiro e reduzir seus custos. Nas condições de uma crise sistêmica, como a
atual, a prática é discutível. Como já ficou evidente com os bancos internacionais
que foram obrigados a serem resgatados pelos cofres públicos, tamanho não é
garantia de invulnerabilidade.

Nos países centrais, a administração da crise no sistema financeiro, até outubro


último, foi caracterizada pelo evidente atraso das autoridades em relação aos
fatos. Surpreendentemente despreparadas para os acontecimentos que se
delineavam no horizonte, as autoridades – principalmente nos EUA – estiveram
sempre apagando incêndios para os quais não tinham se preparado.

No Brasil, aos primeiros sinais da turbulência, a reação das autoridades parece


ter sido a de ver na crise a oportunidade de aumentar o tamanho e o papel dos
bancos públicos no sistema financeiro. Se a concentração de bancos privados é
questionável, a experiência das últimas décadas com os bancos públicos não
deixa dúvida: foi um repetido desastre. Deixe-se de lado a questão dos bancos de
fomento como o BNDES, cujo papel é mais complexo e mereceria uma análise
específica. Todos os bancos públicos estaduais e federais - inclusive o Banco do
Brasil, que teve de ser recapitalizado pelo Tesouro, para suprir insuficiência
patrimonial, ainda na última década do século passado - têm história de uso
político e de gestão irresponsável. Não parece razoável estimular a reversão do
processo de redução dos bancos públicos como parte do projeto do sistema
financeiro que se deseja para o futuro.

Como estamos relativamente defasados na crise em relação aos países centrais,


ainda é tempo de procurar estabelecer uma política ao mesmo tempo preventiva
do agravamento da crise e delineadora do arcabouço desejável para o sistema
financeiro do pós-crise.

75
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

II. Observações conceituais prévias a uma tentativa de sugestões:

A crise atual é mais grave, mais complexa e, provavelmente, mais duradoura do


que todas as crises desde o pós-guerra. O seu fator detonador foi o fim do ciclo
especulativo imobiliário nos EUA, mas suas raízes são mais profundas e suas
implicações mais abrangentes. A bolha imobiliária americana foi apenas um - e
não necessariamente o mais agudo – dos aspectos da exaustão de um longo ciclo
mundial de expansão de crédito. Todo ciclo expansivo de crédito, se deixado
correr seu curso, termina num boom de conotações especulativas, que leva o
preço de ativos a níveis insustentáveis.

A questão crucial por trás dos excessos de um ciclo expansivo de crédito é a


alavancagem. Embora todos os agentes econômicos possam se alavancar, e
quase todos sempre o façam, para a melhor condução dos seus negócios, a
alavancagem está na essência da atividade das instituições financeiras. A
transformação de prazos de maturidade, através do descasamento entre os
prazos dos ativos e dos passivos, assim como a capacidade de dar maior liquidez
aos ativos, embora não essenciais à atividade de intermediação financeira, são
serviços fundamentais ao funcionamento eficiente da economia. Alavancagem e
descasamentos são elementos constitutivos da intermediação financeira, sem os
quais a economia seria significativamente menos eficiente. É importante não
perder de vista este fato, quando defrontados com as conseqüências dos
excessos.

Todo boom de crédito, toda bolha especulativa de ativos são em última instancia
resultado do excesso de alavancagem, pois sem alavancagem não há, por
definição, bolhas especulativas.

O excesso de alavancagem está sempre associado a uma elevação do grau de


descasamento, pois novos e cada vez mais sofisticados descasamentos são
maneiras de viabilizar maior alavancagem. Os descasamentos, por sua vez, só se
tornam um problema sistêmico quando a alavancagem tornou-se excessiva.

Num sistema financeiro sofisticado, onde há uma infinidade de contratos


contingentes e de derivativos, formas cada vez mais complexas de alavancagens
implícitas, que não têm contrapartida explícita de uma concessão de crédito, a
própria mensuração do grau de alavancagem não é trivial. Existe alavancagem
sempre que alguém está exposto à variação do valor de um ativo ao longo de um
determinado período, sem ter desembolsado o valor integral do ativo no início
do período. O grau e o impacto potencial da alavancagem, assim definida, só
podem ser compreendidos e avaliados mediante a análise de variabilidade dos
ativos e da estrutura do passivo do agente.

Os processos econômicos têm uma natureza cumulativa e auto-alimentada. Os


ciclos de expansão tendem a ser graduais, permitem a identificação de
tendências e reduzem a volatilidade dos preços. São elementos que induzem à
busca de maior grau de alavancagem. O próprio processo de elevação do grau de
alavancagem é acompanhado por uma maior capacidade de transformação dos

76
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

prazos de maturidade, que aumenta a liquidez dos ativos e distorce a percepção


de risco a favor da maior alavancagem. Uma vez exaurido o ciclo de expansão, a
reversão é brusca e turbulenta.

A teoria macroeconômica das últimas três décadas, em todas as suas vertentes,


dedicou-se quase que exclusivamente à repetição ad-nauseum de variantes do
exercício de partir do suposto de mercados contingentes completos e examinar
as implicações de algum tipo de distorção exogenamente imposta. Nas versões
de livro-texto dos modernos modelos macroeconômicos estocásticos de
equilíbrio geral não existem problemas de liquidez — esses são tratados como
uma possível “distorção” em textos especializados. Com mercados completos,
em equilíbrio, os agentes respeitam suas restrições orçamentárias
intertemporais. Não há, portanto, fora de uma distribuição estocástica de riscos
conhecida, possibilidade de inadimplência. Os riscos de alavancagem têm uma
distribuição estacionária conhecida, e, conseqüentemente, não faz sentido falar
em alavancagem excessiva. A hipótese de que toda incerteza pode ser tratada
como parte de um processo aleatório cuja função de distribuição é conhecida e
estacionária, é não apenas inapropriada para lidar com as crises sistêmicas,
como também provavelmente, ao menos parcialmente, responsável por elas, ao
conferir um falso sentimento de controle sobre as incertezas.

III. Tentativa de sugestões

Na Crise:
A prática deixou claro que os custos de deixar quebrar qualquer instituição
sistemicamente relevante são excessivos. Os riscos de “moral hazard” são
dominados pelo risco de colapso sistêmico. Sistemicamente relevante é toda
instituição cuja interconexão financeira seja alta, ainda que não seja
formalmente um banco ou até mesmo instituição financeira regulada.

Durante a crise, o Banco Central deve garantir toda a liquidez necessária através
de todas as formas exigidas. Em casos extremos, como o atual nos EUA, o Banco
Central deve suprir liquidez diretamente onde ela se fizer necessária, sem a
intermediação momentaneamente bloqueada do sistema financeiro. Quanto
mais avançada estiver a transição de um sistema financeiro de relacionamento
bancário para o sistema de transações de mercado, mais importante é que o
Banco Central, além de exercer o seu papel clássico de emprestador de última
instancia, atue também “market-maker” de última instancia.

Se necessário para evitar o colapso, o Tesouro deve capitalizar o sistema


financeiro e comprar ativos para reduzir a alavancagem. Deve fazê-lo da forma
que minimize os custos fiscais e respeite os argumentos de “moral hazard”. Para
isto é preciso que os acionistas e os credores das instituições que tiverem acesso
aos recursos sejam tratados de forma claramente subordinada aos recursos do
Tesouro.

A participação de recursos públicos no sistema financeiro deve ser entendida


como uma medida de emergência, de caráter excepcional e, portanto, a ser

77
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

revertida no menor prazo possível. No caso brasileiro, em particular, não deve


servir de escudo para a reversão do processo de saneamento e encolhimento da
desastrada experiência dos bancos públicos.

Para Evitar Crises:


Todo tipo de instituição financeira, não apenas bancos, e independentemente da
forma como se organizem e se denominem deve estar submetida a um limite de
alavancagem consolidada. Os atuais critérios da Basiléia são anacrônicos. A
definição de alavancagem deve ser mais sofisticada e abrangente para incluir
contratos contingentes, derivativos e garantias concedidas.

O limite de alavancagem pode ser eventualmente utilizado como medida de


política contra-ciclíca, especialmente diante de evidências de formação de bolhas
especulativas.

Tamanho não é necessariamente positivo. Instituições financeiras podem se


tornar excessivamente grandes. O ganho com economias de escala,
principalmente na atividade de banco de varejo com rede de agências, deve ser
contraposto à perda de flexibilidade e de transparência, a complexidade dos
controles gerenciais e contábeis e a diluição e a despersonalização do controle
acionário. Instituições financeiras muito grandes - ficou demonstrado – não
estão ao abrigo das crises de confiança, podem cometer excessos como todas,
nas crises transformam o Tesouro em refém, e podem provocar quebras
nacionais, como foi o caso da Islândia.

A regulamentação deve ser simples e não pode transformar-se em barreira à


entrada ao sistema financeiro.

Transparência é fundamental para garantir a competitividade e reduzir os


riscos. Contratos contingentes e de derivativos que tenham atingido um volume
expressivo, como o caso das opções cambiais e dos Credit Default Swaps, devem
ser padronizados e transacionados em bolsas de valores.

Os serviços de liquidação e custódia são cruciais para o bom funcionamento do


sistema e sua preservação nas crises é fundamental para impedir sua
propagação. A experiência brasileira com alta inflação e repetidas crises levou a
um arranjo institucional superior com a criação das centrais de liquidação e
custódia como o Selic e o Cetip. Reforçar e expandir o papel destas centrais,
diminuindo o das instituições financeiras individuais na prestação de serviços de
liquidação e custódia é passo importante para o controle de crises.

O Brasil ainda é um país onde há restrição de crédito. Décadas de inflação


crônica garantiram a virtual inexistência de crédito interno de longo prazo. Só
nos últimos anos, começaram a surgir financiamentos de mais longo prazo ao
consumo de bens duráveis e o crédito imobiliário, fora do Sistema Financeiro da
Habitação. A securitização de recebíveis é ainda incipiente. A transição do
sistema financeiro baseado no relacionamento bancário para o sistema
despersonalizado de transações de mercado ainda está nos seus estágios

78
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

preliminares. Esta transição, apesar dos riscos dos excessos, ilustrados de forma
dramática pela crise atual nos países centrais, é positiva. Reduzir o grau de
restrição do crédito é vital para que o Brasil consiga sustentar maiores taxas de
crescimento e de emprego. É preciso levar estes fatos em consideração para não
impedir o necessário desenvolvimento do mercado de crédito no Brasil tendo
como argumento os excessos cometidos nos países desenvolvidos.

79
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

CRISE E REGULAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO


Theodoro Messa

A crise que se abateu sobre o mercado financeiro e sobre a economia mundial no


último ano estimulou discussões sobre a adequação dos atuais organismos de
regulação e supervisão financeira ao redor de todo o mundo. Muitos têm
apontado as falhas desses sistemas como principais causas da tormenta pela
qual estamos passando.

Em 31 de março de 2008, ainda antes da etapa mais aguda da crise, o Secretário


do Tesouro Norte Americano, Henry Paulson, apresentou uma proposta de
reforma da infraestrutura regulatória americana (Blueprint for Financial
Regulatory Reform) que propõe uma reorganização de profundidade comparável
somente ao Glass-Steagall Act de 1933 e ao Securities Exchange Act de 1934.
Apesar da controvérsia que o assunto suscita, a proposta busca a simplificação
de um sistema que parece confuso, antiquado, pouco abrangente e pouco
eficiente, através de recomendações de curto, médio e longo prazos.

E no caso brasileiro? O que dizer da eficiência do nosso sistema de regulação e


supervisão financeira? O Brasil, assim como os EUA, opta por um sistema com
múltiplos reguladores. Seria adequada a fusão ou reorganização dos principais
(ou de alguns dos principais) órgãos nacionais, nominalmente, Banco Central,
CVM, SUSEP e SPC?

Desde o fim da década de 1980 assistimos a uma onda de alterações, integrações


e fusões de organismos reguladores e supervisores em vários países: Noruega
(1986), Dinamarca (1988), Suécia (1991), África do Sul (1990), México (1995),
Reino Unido (1997), Coréia (1998), Japão (1998), Bolívia (1998), Austrália
(1998), Islândia (1999), Luxemburgo (1999).

Talvez o processo que mais tenha chamado a atenção tenha sido o do Reino
Unido, pois se trata de um dos principais centros financeiros do mundo e
procedeu com a fusão de 9 organismos que atuavam de forma separada para
formar a FSA (Financial Services Autority). O processo da Austrália também
chama a atenção por ter criado um sistema com dois grandes órgãos, conhecido
por “Twin Peaks”: um regulador prudencial e outro de conduta. Este modelo
guarda semelhanças com a recente proposta de reforma apresentada pelo
Secretário do Tesouro Norte Americano.

Todos esses processos de certa forma tinham como objetivo lidar com algumas
características cada vez mais marcantes do sistema financeiro internacional, e
que obviamente se manifestam intensamente também no mercado brasileiro:

80
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

1) Consolidação - No passado, os sistemas eram compostos por instituições


distintas que atuavam exclusivamente em algum segmento do mercado.
Contudo, desde a década de 1990, experimentamos uma série de fusões
de instituições financeiras de tal forma que agora elas atuam
simultaneamente em vários setores (em muitos casos em todos os
setores). Portanto, para que se possa de fato monitorar a saúde financeira
desses conglomerados, era necessário que o regulador tivesse uma
compreensão e atuação em todos os setores e não apenas em um deles.
Em outras palavras, se há uma enorme integração nas atividades das
instituições financeiras, deve haver também uma forte integração das
atividades de regulação e supervisão. O caso brasileiro neste quesito não
difere muito da situação em outros mercados: razoável concentração,
com conglomerados que atuam simultaneamente nas atividades de
crédito, seguros, previdência, gestão de recursos, mercados de capitais
etc.;

2) Inovações Financeiras - O processo crescente de criação de instrumentos


de securitização e o desenvolvimento dos mercados de derivativos
impõem um colossal desafio à atuação desses órgãos. Quando ela é
realizada através de múltiplos reguladores e supervisores, inúmeras
distorções aparecem. Inconsistências nas regras aplicadas entre os
reguladores geram invariavelmente estímulos e incentivos
desequilibrados, sobretudo na aplicação de recursos e na criação de
produtos. No caso brasileiro, órgãos reguladores distintos possuem
interpretações diferentes sobre os mesmos instrumentos, estimulando
exageradamente a utilização de alguns deles em alguns segmentos e
restringindo perigosamente a utilização de outros quando eram
absolutamente necessários. Surgem áreas onde não se sabe quem deve
regular e podem surgir vácuos. Em outros casos, a superposição de regras
criadas por órgãos distintos a que se sujeitam alguns produtos cria uma
verdadeira paralisia que não só emperra o desenvolvimento do mercado,
mas também pode expor instituições a riscos desnecessários;

3) Globalização – a globalização dos mercados, integrando instituições e


aumentando os fluxos entre países, demanda uma maior agilidade dos
organismos reguladores. Sistemas muito descentralizados tendem a ser
mais lentos na adequação de suas atividades como reação aos
desdobramentos internacionais. Isto afeta a competitividade da indústria
e principalmente a qualidade dos serviços prestados aos clientes de
produtos financeiros.

Discussões sobre uma possível fusão dos órgãos reguladores do sistema


financeiro brasileiro já ocorrem há pelo menos uma década e algumas iniciativas
com o objetivo de se aumentar a coordenação e eficácia de suas atuações já
foram implementadas.

A Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, que alterou dispositivos da Lei das


Sociedades por Ações, permitiu a transferência da competência da regulação e

81
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

supervisão de todos os fundos de investimentos para a CVM, o que possibilitou


uma maior consistência e coerência dos documentos legais relacionados ao
funcionamento dos fundos.

Outra iniciativa foi a criação em janeiro de 2006 do COREMEC (Comitê de


Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros,
Previdência e Capitalização), no âmbito do Ministério da Fazenda, com a
finalidade de promover o aprimoramento e a coordenação das entidades que
regulam e fiscalizam a captação pública da poupança popular. Participam desse
comitê, representantes do Banco Central, CVM, SPC e SUSEP. Certamente
podemos notar aqui o diagnóstico da necessidade de uma maior integração
entre estes órgãos.

Ainda que a atual crise possa ter se agravado pela ineficácia de organismos
reguladores do sistema financeiro em vários países e que, em virtude disso, estes
passem por novas mudanças, parece claro que nós no Brasil precisamos de uma
maior integração entre estes órgãos. As iniciativas até agora parecem no
caminho correto, mas também muito tímidas. As circunstâncias apontadas acima
não tendem a serem revertidas por conta da atual crise por que passamos. Pelo
contrário, elas podem se agravar.

Alternativas para a atual situação brasileira podem e devem ser analisadas.


Destas, destaco a fusão e reorganização de alguns órgãos reguladores
brasileiros, talvez partindo para o que parece ser uma estrutura mais moderna,
com órgãos divididos em função de seus objetivos, e não mais em função das
instituições reguladas (cada vez mais obsoleta em função da atuação múltipla de
várias instituições):

1) Órgão Estabilizador de Mercado (BACEN com suas funções clássicas de


Banco Central);

2) Órgão Regulador Prudencial (definição e supervisão de limites de


adequação de capital, margens de solvência, limites de investimentos,
etc.);

3) Órgão Regulador de Conduta (definição e supervisão de práticas


comerciais, proteção ao consumidor, transparência, etc.).

Se uma estrutura como essa parece um passo grande demais, ainda assim muito
pode ser feito para que possamos ter um sistema que seja simultaneamente
flexível e resistente.

82
Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

A MICROESTRUTURA DOS MERCADOS FAZ ALGUMA DIFERENÇA?


Alkimar R. Moura

Provavelmente, uma das razões para explicar a rapidez e a intensidade com que
a atual crise financeira se espalhou pelos mercados, países, instituições e
produtos financeiros tenha a ver com a ocorrência simultânea de uma série de
riscos que afetam as instituições e mercados financeiros, com um aumento na
correlação entre os principais tipos de risco. O resultado deste movimento
sincrônico nos riscos não foi simplesmente a soma de todos os riscos
individuais, mas sua multiplicação, com a emergência do risco sistêmico, capaz
de comprometer a estabilidade e a continuidade do sistema financeiro, tal como
ele atualmente é estruturado.

Com efeito, a partir de um aumento no risco de crédito em uma parte do


mercado de financiamento imobiliário nos Estados Unidos, a crise alastrou-se
pela combinação de risco de liquidez, tanto na acepção tradicional de “funding”
para as instituições, quanto na liquidez de mercado, com o risco de mercado,
derivado das enormes flutuações em preços de alguns ativos, à medida que
instituições bancárias e não bancárias foram obrigadas a reduzir seu grau de
alavancagem.

Um diagnóstico completo e preciso das causas desta enorme turbulência no


sistema financeiro global terá que esperar pela combinação de rigor analítico e
disponibilidade de informações, para que os futuros historiadores econômicos
possam descrever este período com isenção e perspectiva histórica propiciada
pela passagem do tempo. Uma das variáveis que provavelmente integrará o
conjunto de hipóteses explicativas da crise tem a ver com a parte da
microestrutura ligada ao funcionamento dos mercados onde são negociados os
instrumentos derivativos que visam em principio, à disseminação e redução dos
riscos de créditos, tais como os CDSs, ABSs, MBSs, CDOs e outras inovações
financeiras com as mesmas características.

A Microestrutura Como Sistema de Negociação

Em geral, estes derivativos, cuja função econômica é separar a geração de


crédito da administração da carteira de empréstimos dos bancos, foram
transformados em uma classe específica de ativos, caracterizados por uma
grande complexidade na avaliação de riscos. A sua negociação concentrou-se
principalmente no chamado “mercado de balcão” (“over the counter market”
OTC), provavelmente devido à total ausência de regulação ou de auto-regulação
nas operações cursadas neste ambiente de negociação.

83
Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Estas notas sugerem a hipótese de que parte da dificuldade em entender a


extensão e gravidade da crise tem a ver com as condições do mercado de balcão
onde aqueles derivativos de crédito eram e são ainda negociados. Em outras
palavras, além das variáveis ligadas à política macroeconômica, notadamente à
política monetária expansionista, das falhas de regulação, das mudanças nos
modelos de negócios dos bancos e das distorções ligadas ao sistema de
remuneração dos executivos das instituições financeiras, que podem explicar a
emergência e virulência da crise, há provavelmente um componente ligado ao
sistema de negociação dos derivativos de crédito, predominantemente vinculado
ao mercado de balcão que também contribuiu para dificultar a percepção dos
riscos envolvidos naqueles derivativos.

Conduzir a migração destas operações para sistemas centralizados de bolsas de


ativos e de derivativos traz inúmeras vantagens para as instituições financeiras,
para os mercados, para os reguladores e para o funcionamento da economia. O
conceito de bolsa aqui empregado envolve uma instituição responsável por
disponibilizar aos seus participantes as funções de negociação e registro de
ativos; de compensação e liquidação financeira das operações; de administração
centralizada das garantias e dos riscos de cada participante e da bolsa como um
sistema integrado. Em geral, todas estas funções são executadas através de
sistemas eletrônicos com os requisitos de velocidade e de segurança necessários
para permitir o funcionamento continuo do mercado.

Bolsas Versus Mercados de Balcão

Entre as vantagens das bolsas, vis-à-vis os mercados de balcão, citam-se as


seguintes:

a) O anonimato das transações em bolsa é assegurado pelos próprios


mecanismos de transmissão de ordens de compradores e vendedores,
sobretudos em mercados eletrônicos. No mercado de balcão, por outro
lado, esta condição de anonimato que favorece as contrapartes finais de
uma transação, depende da confiança depositada na rede de “brokers”
que efetua a ligação entre os dois lados de uma negociação e isto não
garante necessariamente a preservação do sigilo do negócio;

b) Melhor administração de risco de crédito: no mercado de balcão


descentralizado, os agentes negociam entre si através do estabelecimento
de limites de crédito outorgados a contrapartes, ou através das exigências
de garantias, ou ainda mediante monitoramento da situação das
contrapartes e outros procedimentos de avaliação de risco. No caso das
bolsas, estas funcionam como garantidoras de todas as transações
efetuadas no seu ambiente de negociação, o que aumenta a segurança de
cada instituição financeira membro da bolsa. Ademais, a bolsa pode
monitorar a posição de risco de cada agente individualmente, evitando a
concentração excessiva de riscos em determinados instituições;

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

c) Através das exigências de margens iniciais e de ajustes diários, as bolsas


contribuem para diminuir o risco de crédito de contrapartes, ao realizar a
marcação a mercado das operações e exigir diariamente a contrapartida
financeira correspondente a tais ajustes de preços. Além disso, existe
flexibilidade para alteração nas exigências de margens, de acordo com as
variações no ciclo de negócios, com impacto nos riscos para as
instituições;

d) As bolsas podem dar a certeza da liquidação das transações ali


negociadas, independentemente da situação de liquidez de cada
instituição individual. As posições devedoras/credoras finais de cada
participante são liquidadas em reservas bancárias nos bancos
responsáveis pelas funções de compensação das transações, ou seja, em
contas no Banco Central que, por definição, constituem a fonte última de
liquidez para a economia;

e) Negociações de ativos realizadas em mercados organizados de bolsas são,


por definição, abertas a todos os participantes e detém um grau de
transparência difícil de ser alcançado em mercados de balcão, facilitando
a descoberta de preços de equilíbrio dos ativos ali negociados. Além
disso, ao concentrar maior volume de negócios, as bolsas adquirem
liquidez, o que também contribui para reduzir os spreads entre preços de
compra e de venda dos ativos, relativamente aos spreads praticados nos
mercados de balcão. Menores spreads reduzem os custos de transação,
favorecendo compradores e vendedores;

f) Outra vantagem dos sistemas operados pelas bolsas refere-se à sua


capacidade de captar, organizar e difundir os dados estatísticos mais
relevantes sobre os ativos ali negociados. Uma das dificuldades de se
avaliar a extensão da crise financeira atual refere-se à inexistência de
informações agregadas sobre o tamanho das várias subclasses de ativos
que compõem a classe de derivativos de crédito ou ainda á dimensão e
composição dos portfólios de entidades totalmente não-reguladas como
os “hedge funds”;

g) Por último, vale lembrar que as bolsas se submetem às regras emanadas


de agencias de supervisão e se sujeitam também a mecanismos de auto-
regulação implantados pelos próprios participantes. Portanto, deve-se
esperar que a competição entre as instituições financeiras neste tipo de
ambiente de negócios ocorra dentro de um ambiente regulatório que,
sem tolher a inovação financeira, seja capaz de proteger a integridade dos
mercados, evitando sobretudo o risco sistêmico que está na raiz da crise
atual.

Conclusão

A negligência, que nada teve de benigna, dos reguladores norte-americanos ao


tratar dos derivativos de crédito vinculados aos empréstimos “sub-prime”, talvez

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

possa ser apontada como a causa isolada mais significativa para a atual crise
financeira. Essa negligência permitiu que se desenvolvesse um enorme mercado
de derivativos financeiros complexos, negociados entre instituições bancárias
reguladas e outras não-reguladas altamente alavancadas e com um grau de
transparência praticamente nulo nas suas demonstrações financeiras.

Outro indicativo da negligência regulatória refere-se à atitude de complacência


em relação ao ambiente de transação daqueles ativos “tóxicos”, negociados em
mercados de balcão não-organizados, com todas as implicações derivadas da
ausência de procedimentos de “compliance” minimamente adequados para
assegurar a mitigação de riscos para cada instituição individual e para o
mercado. O aperfeiçoamento da microestrutura dos mercados globais de
derivativos de crédito certamente estará na nova agenda regulatória. O estímulo
para a migração destas operações para os mercados organizados de bolsas é
certamente um passo importante na direção correta.

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

SOBRE OS AUTORES

Alkimar R. Moura

Membro do Conselho de Supervisão da Bovespa Supervisão de Mercados (BSM). Foi diretor de

Política Monetária (1994/1996) e de Normas e Organização do Sistema Financeiro do Banco

Central do Brasil (1996/1997) e vice-presidente de Finanças e de Mercado de Capitais do Banco

do Brasil (2001/2002). Ph.D. em Economia Aplicada pela Stanford University , Professor titular de

Economia da Escola de Administração de Empresas e Professor Colaborador da Escola de

Economia de S. Paulo, ambas da Fundação Getúlio Vargas.

André Lara Resende

Sócio diretor da Lanx Capital Investimentos. Sócio do Instituto de Estudos de Política Econômica,

Casa das Garças. Foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, presidente

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e diretor do Banco Central do Brasil,

do Banco de Investimentos Garantia, do Unibanco e Banco Matrix. Ph.D. em Economia pelo

Massachussets Institute of Technology.

Antônio de Pádua Bittencourt Neto

Fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças (desde

agosto de 2003). Diretor da Paineiras Investimentos, responsável pelas estratégias macro e de

câmbio (desde janeiro de 2007). Foi trader de câmbio de 1990 a 1992, diretor responsável pela

área de câmbio de 1993 a 2001 e sócio de 1992 a 2001 do Banco Icatu. Foi diretor da Icatu

Finance and Investments Inc. (Cayman Islands) de 1997 a 2007. Formado em Economia pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Armando Castelar Pinheiro


Analista da Gávea Investimentos e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal

do Rio de Janeiro. Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Mestre em

Estatística pelo IMPA e em Administração de Empresas pela COPPEAD. Engenheiro eletrônico

pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas (2003-08) e chefe do Departamento Econômico do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (1995-2002).

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Armínio Fraga Neto

Sócio da Gávea Investimentos, sediada no Rio de Janeiro. Sócio do Instituto de Estudos de

Política Econômica, Casa das Garças. Presidente do Banco Central do Brasil, de março de 1999

a dezembro de 2002. Foi também diretor-gerente da Soros Fund Management em Nova Iorque,

diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, vice-presidente do Salomon

Brothers, em Nova Iorque, e economista-chefe e gerente de operações do Banco Garantia.

Professor do curso de mestrado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, já tendo

lecionado na School of International Affairs da Universidade de Columbia e na Wharton School.

Ph.D. em Economia pela Universidade de Princeton em 1985.

Beny Parnes

Diretor executivo do Banco BBM desde abril de 2004. Ingressou no Banco BBM em 1991 e foi

sócio-diretor responsável por Produtos e Research de 1998 a 2001. Diretor da área externa do

Banco Central do Brasil de janeiro de 2002 a novembro de 2003. Formado em Economia pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, fez seu doutoramento em Economia, sem

conclusão de tese, na Universidade da Pensilvânia de 1988 a 1991.

Daniel L. Gleizer

Diretor executivo de Tesouraria e Pesquisa Macroeconômica do Unibanco desde 2004. Foi

diretor executivo do Global Markets Brazil, Deutsche Bank (2003-2004), diretor para Assuntos

Internacionais do Banco Central do Brasil (1999 a 2002), economista-chefe do Banco de

Investimentos Garantia/CSFB (1996-1998) e economista do Fundo Monetário Internacional

(1991-1995). Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley (1990). Formado em

Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984).

Dionísio Dias Carneiro

Sócio-diretor da Galanto Consultoria e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da

Casa das Garças. Membro do Conselho Consultivo do Grupo Icatu, membro do Conselho de

Administração e do Comitê de Auditoria da Companhia Siderúrgica Nacional e membro do

Conselho Consultivo e do Comitê Financeiro da Brasif. Foi membro do Comitê Consultivo do

African Economic Research Council; do Committee for Development Planning, das Nações

Unidas; e do Comitê Executivo do Instituto de Gestão de Riscos Financeiros e Atuariais da

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAPUC). Foi professor de economia da UnB

(1972-1973), da EPGE/FGV (1974-1977) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(1977-2008), foi vice-presidente da FINEP (1979-1980). Graduou-se em economia na UFRJ, na

Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV e na Universidade de Vanderbilt.

Edmar L. Bacha

Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica, Casa das Garças e consultor sênior do

Banco Itaú-BBA. Bacharel em Economia pela UFMG e Ph.D. em Economia pela Universidade de

Yale. Foi membro da equipe econômica responsável pelo Plano Real, presidente do IBGE, do

BNDES e da ANBID, bem como professor da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro,

Universidade de Brasília, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade

Federal do Rio de Janeiro e das universidades de Columbia, Yale, Berkeley e Stanford.

Flavio Fucs

Sócio-fundador da Ventura Gestão de Recursos, sendo co-responsável pelas estratégias de


renda fixa e câmbio. Foi gestor de câmbio da Icatu DTVM de 2001 a 2006. Obteve a
certificação de Chartered Financial Analyst (CFA) em 2005. Formado em Economia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Francisco L. Lopes

Sócio-diretor da Macrométrica, empresa de consultoria econômica. Presidente do Banco Central,

em janeiro de 1999. Diretor de Política Econômica e Monetária do Banco Central do Brasil de

1995 a 1998. Assessor especial do ministro da Fazenda, junho a dezembro de 1987, e da

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, em 1986. Superintendente do Instituto

de Pesquisa (INPES), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de março a agosto de

1979. Sub-diretor de Ensino da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio

Vargas, de 1974 a 1977. Diretor-superintendente da Denasa Sistemas e Métodos S/A, em 1975.

Professor em tempo integral do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro, de 1977 a 1986. Ph.D. em Economia pela Harvard University, 1972.

Gustavo H. B. Franco

Sócio e Diretor Executivo da Rio Bravo Investimentos, e membro dos conselhos de administração

da BMF&Bovespa S/A e do Banco Daycoval S/A. Presidente e diretor de Assuntos Internacionais

do Banco Central do Brasil e Secretário de Política Econômica (adjunto) do Ministério da

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

Fazenda, entre 1993 a 1999. Foi membro da equipe econômica responsável pelo Plano Real. É

professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

desde 1986. É Bacharel (1979) e mestre (1982) em Economia pela Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro e Ph.D. (1986) pela Universidade de Harvard.

Ilan Goldfajn

Sócio-fundador da Ciano Consultoria, Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica -

Casa das Garças e professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro. Membro do conselho da Cyrela Commercial Properties. Foi sócio fundador da

Ciano Investimentos 2007-2008 e sócio da Gávea Investimentos 2003-2006. Foi diretor de

Política Econômica do Banco Central do Brasil 2000-2003. Trabalhou no Fundo Monetário

Internacional, 1996-1999, e foi professor assistente na Universidade de Brandeis, em

Massachusetts, 1995-1996. Doutor em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology.

João Cesar Tourinho

Diretor Executivo do Banco Safra, responsável pela Tesouraria e Mercado de Capitais, onde

trabalha desde 1995. Anteriormente, trabalhou em diversas instituições nacionais e

internacionais: Manufacturers Hannover, WestLB, BMC, Black River Asset Management.

Engenheiro Mecânico e de Produção pela PUC-Rio; MBA em Finanças pelo IBMEC; e Advanced
Management Program pelo INSEAD.

Monica Baumgarten de Bolle

Macroeconomista e, desde 2007, sócia da Galanto Consultoria. Chefiou a área de Pesquisa

Macroeconômica Internacional do Banco BBM de 2005 a 2006. Trabalhou no Fundo Monetário

Internacional em Washington, D.C. entre 2000 e 2005. É colaboradora do Instituto de Estudos de

Política Econômica Casa das Garças, tendo ainda lecionado macroeconomia na Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro em 2006 e 2007. É PhD em Economia pela London

School of Economics (set/2001), tendo escrito sua tese de doutorado sobre crises financeiras.

Pedro Malan

Presidente do Conselho de Administração do Unibanco e da Globex – Ponto Frio. Trustee do

International Accounting Standard Committee Foundation. Membro dos conselhos consultivos da

Alcoa Alumínio, OGX e Energias do Brasil . Professor do Departamento de Economia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ministro da Fazenda de 1995 a 2002.

Presidente do Banco Central do Brasil de 1993 a 1994. Consultor Especial e negociador-chefe

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Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

para Assuntos da Dívida Externa – Ministério da Fazenda de 1991 a 1993. Diretor executivo do

Banco Mundial de 1986 a 1990 e de 1992 a 1993. Formado em Engenharia pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1965, com Ph.D. em Economia pela Universidade de

Berkeley, Califórnia.

Sylvio Heck

Sócio da Galanto Consultoria e analista financeiro das Empresas Brasif. Professor horista do

Departamento de Economia e do Instituto de Gestão de Riscos Financeiros e Atuariais (IAPUC)

da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor do curso de MBA em Finanças

da EPGE/FGV. Foi analista macroeconômico da ICATU DTVM de 2001 a 2002, economista da

Galanto Consultoria de 2002 a 2004, economista residente do Instituto de Estudos em Política

Econômica da Casa das Garças em 2004 e pesquisador visitante do Departamento de Economia

da Universidade de Stanford (EUA) de 2004 a 2005. Bacharel e mestre em Economia pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorando pela mesma instituição.

Tamara Wajnberg

Responsável pela área de análise macroeconômica (desde março/08) da Paineiras

Investimentos. Foi analista júnior da área de pesquisa macroeconômica da Gávea Investimentos

de abril de 2004 a agosto de 2005. Economista residente do Instituto de Estudos de Política

Econômica Casa das Garças em 2007. Bacharel e Mestre em Economia pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Theodoro Messa

Diretor responsável pelos controles de risco e compliance da Paineiras Investimentos. Foi gestor

de renda fixa e administrador de carteiras no Banco Icatu e na Icatu Investimentos de 1993 até

2001. Foi gestor de renda fixa da Icatu DTVM a partir de 2001 e Diretor de operações de 2004

até 2005. De 2005 a 2007, foi Diretor de Investimentos da Icatu Hartford Seguros. É detentor da

designação CFA. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Thomas Wu

Sócio e economista da Ventura Gestão de Recursos Ltda e professor assistente do

Departamento de Economia da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Bacharel e mestre em

Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Ph.D. em Economia pela

Universidade de Princeton.

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Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil

SOBRE A INSTITUIÇÃO

Instituto de Estudos de Política Econômica / Casa das Garças

www.iepecdg.com

Instituto que tem por objetivo contribuir para a discussão de temas relacionados à situação sócio-
econômica do país. Promove discussões informais sobre tópicos de relevância para a política
econômica brasileira, realiza seminários acadêmicos de iniciativa própria ou por solicitação de
terceiros e promove atividades com a finalidade de apoiar financeiramente as produções
acadêmicas. Grupos de Estudo são coordenados por alguns dos associados com temas
relacionados a suas atividades-fim.

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