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Livro de Gênesis - Capítulo 1

Por Felipe Moura

1) O Propósito do Capítulo

Quando se observa as outras narrativas criacionistas no antigo Oriente


Médio, o relato da criação é sempre descrito com o que é chamado no meio
acadêmico de “drama cósmico.”

Por exemplo, na quarta tábua do mito babilônio da Criação, o mundo é criado a


partir de uma longa batalha entre Marduk e Tiamat, no fim da qual Marduk mata
Tiamat, perfurando seu ventre com uma lança e assim dividindo as águas superiores
das inferiores. (Fonte: The Babylonian Legens of Creation - tradução de E. A. Wallis
Budge, 1921)

Na Bíblia Hebraica, a Criação não possui qualquer tipo de drama cósmico.


Trata-se unicamente da vontade do Criador, que reina absoluto em todo o processo.

Outra característica da mitologia egípcia era o fato de que o mundo era uma
sucessão de deuses que, ao serem gerados, deram origem ao cosmos como
conhecemos.

Por exemplo, num dos mitos egípcios, o deus primordial Atum teria dado
origem aos deuses Shu (ar) e Tefnut (águas). Shu e Tefnut copularam e produziram o
deus terra, Ged, e a deusa céu, Nut. Já esses dois produziram quatro filhos, que
seriam as forças da natureza, a saber, Osíris (fertilidade), Ísis (maternidade), Set
(caos) e Néftis (proteção) e assim por diante.

Já a Bíblia Hebraica é clara: O Eterno, sozinho, criou todas as coisas. Nenhum


outro ser aparece no relato, para ressaltar Sua soberania.

O principal objetivo de Gênesis 1, portanto, é justamente estabelecer esse


fato para os israelitas: A unicidade e singularidade do Criador.

“No majestoso relato da criação, o primeiro capítulo da Torá articula os


princípios mais básicos e importantes que uma pessoa deve saber acerca do Eterno, o
homem e o mundo. O Eterno, sozinho, fez tudo existir por feito divino exatamente
conforme Seu plano e propósito. Ele permanece supremo, acima da
ordem criada, fora do tempo e do espaço. Não há restrições à Sua vontade.

…Gênesis 1 não deve ser visto como um relato literal e cronológico da criação,
que de qualquer forma não teria valor prático para o homem. Deve, ao contrário, ser
entendido em sentido metafórico ilustrando discernimentos básicos acerca do Eterno,
do homem e do mundo. Como uma declaração de doutrina revestida em simbolismo
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narrativo, quaisquer inconsistências literárias que possam existir entre ele e os
capítulos seguintes não têm qualquer consequência.”” (Genesis Chapter 1 - R. Moshe
Shamah)


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2) Criação Ex-Nihilo

Pode parecer trivial para o leitor do século 21 a ideia de que o universo


tenha tido um começo. Toda criança aprende, desde cedo, que o universo se formou
através de um fenômeno conhecido como o Big Bang (a grande explosão), e que
portanto o universo em si teve um começo.

Contudo, nem sempre isso foi assim. Até poucas décadas atrás, muitos
cientistas acreditavam que o universo sempre teria existido. Quando o Big Bang foi
proposto, muita gente desconfiou.

Em sua obra Awesome Creation, Yosef Bitton assim descreve a reação dos
russos, quando cientistas norte-americanos propuseram a teoria:

“A opinião soviética sobre o Big Bang foi resumida pelo camarada Andrei
Zhdanov: ‘Falsificadores da ciência querem reviver o conto de fadas da origem do
mundo a partir do nada.” (The Short Romance Between the Big Bang and Religion)

O que prevalecia na antiguidade era a ideia de que o universo não teria fim. Na
mesma obra, Bitton afirma:

“Por volta do ano 500 a.e.c., Heráclito de Éfeso expressou o que pensava ser a
origem do universo com as seguintes palavras: ‘Este cosmos, o mesmo para tudo,
não foi feito nem por deus nem por homem, mas era, é, e sempre será.’” (The End of
Eternity)

A ideia de que todo o universo tenha sido criado ex-nihilo, a partir de um


Criador absoluto, também não era comum na antiguidade.

O relato do Gênesis, portanto, faz uma clara distinção entre Criação e Criador,
que não existia nos registros mitológicos do antigo Oriente Médio.


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3) O Termo Elohim

O relato do capítulo 1 - ou melhor dizendo, do 1:1 ao 2:3 - é o primeiro dos


dois registros da Criação presentes no livro de Gênesis.

Nele, prevalece uma tradição que é chamada no meio acadêmico de Elohista,


pois o Eterno é o tempo todo chamado de Elohim.

O termo Elohim (‫ )אלהים‬deriva do radical ‫אל‬, que significa poder ou autoridade.


O plural superlativista é comum no hebraico bíblico (ex: Qodesh haQodashim Santo
dos Santos = Santíssimo, etc.). Em outras palavra, Elohim seria traduzido como
“Poder Supremo”, “Autoridade Máxima” ou algo semelhante.

Quando Elohim é usado, o relato é mais impessoal. O Eterno é visto mais


como o orquestrador dos eventos a partir dos bastidores, diferentemente de quando o
Tetragrama YHWH (‫ )יהוה‬é usado, o que revela uma ação bem mais pessoal e um
envolvimento mais direto.
Sabendo disso, a ideia de que a narrativa de Gênesis 1 seja, de alguma forma,
uma ação mágica direta - por exemplo, o Eterno falando e absolutamente tudo (seres
vivos inclusive) literalmente vindo a surgir ex nihilo, é ingênua e imprecisa.

Ironicamente, o objetivo é justamente o contrário daquele que as seitas


religiosas fundamentalistas acreditam. Isto é, não é apresentar o Eterno como Aquele
que traz tudo diretamente à existência, mas sim como Aquele que atua de bastidores,
trazendo tudo à existência pelo Seu decreto (i.e. por meio da Sua fala).


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4) A Estrutura Literária 1

O relato da criação é um texto poético, repleto de métrica, paralelismos e jogos


de palavra. Não é um texto narrativo, e portanto deve ser compreendido como texto
figurativo.

“A narrativa contém simbolismo numérico significativo. O número sete - bem


atestado na literatura do Oriente Médio antigo como conotando completude e
perfeição - bem como todos os seus números múltiplos são notórios…

O número de dias e o número de frases de aprovação divina são sete. O


primeiro versículo contém sete palavras, o segundo versículo quatorze palavras, a
passagem final trinta e cinco palavras. As três atestações de ‫ יוֹם ַהשּּׁבִיעִי‬são, cada um,
parte de um grupamento de sete palavras.

As 469 palavras da narrativa completa (Gn. 1:1-2:3) são um múltiplo de sete


(7x67) tal como a contagem das três divisões da narrativa, como se segue:

Prólogo (1:1-2) - 21 palavras - 7x3


Seis dias (1:3-31) - 413 palavras - 7x59
Shabat (2:1-3) - 35 palavras - 7x5” (Genesis Chapter 1 - R. Moshe Shamah)

Se contarmos as 7x67 palavras, os 7 dias da semana, as 7 frases do Eterno, bem


como a bênção especial do Eterno ao sétimo dia, temos um total de 70 instâncias de
7.

O número 70 é comumente utilizado para se referir a toda a humanidade (as 70


nações), ou pode ser um número intensificador do 7 (vide por exemplo Gn. 4:24).

Ou seja, há um simbolismo aqui representado de que o mundo foi criado em


absoluta e total perfeição, contendo todos os recursos dos quais a humanidade precisa
para exercer sua missão.

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5) A Estrutura Literária 2

Um dos elementos que precisa ser compreendido é que o capítulo 1 de Gênesis


não é narrado de forma cronológica, mas sim numa estrutura poética de repetição de
temas.

Observe:

A) Dia 1 - Criação da luz


B) Dia 2 - Criação do céu e das águas (de onde procedem animais marinhos e
voadores)
C) Dia 3 - Criação da terra seca (de onde procedem os animais terrestres
e o homem)

A) Dia 4 - Criação dos luminares (de onde procede a luz)


B) Dia 5 - Criação dos animais marinhos e voadores
C) Dia 6 - Criação dos animais terrestre e do homem

Em outras palavras, o objetivo é ensinar que o Eterno criou todos os ambientes,


assim como tudo aquilo que procede desses ambientes. (A inversão da luz será
entendida mais adiante).


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6) A Cosmovisão Semita

A cosmovisão semita já existia nos tempos de Gênesis 1. O relato de Gênesis 1


- ou mesmo do restante das Escrituras - não se ocupa de explicar como é o cosmos,
mas sim de determinar seu autor.

A Bíblia Hebraica nunca se propôs a ser um livro científico, mas sim uma obra
que aponta para o Criador de todas as coisas.

É um anacronismo tentar atribuir às Escrituras o modelo supracitado, ou


mesmo afirmar que elas o defendem!


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Que o Eterno te abençoe!

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