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[chabu]

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chabu
andré capilé

TextoTerritório
Rio de Janeiro
2015

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chabu, de André Capilé
Licença Creative Commons Atribuição
NãoComercial, SemDerivados, 3.0 Não Adaptada.
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa:
nanana nanana
(nanana nanana nanana nanana nanana nanana nanana nanana)

Diagramação e revisão:
TextoTerritório

Capilé, André
chabu / André Capilé – 1ª ed.
Rio de Janeiro: TextoTerritório, 2015.
64 p. 12x18 cm

ISBN: 000-00-00000-00-0

1. Poesia. 2. Título. 3. Poesia.


4. TextoTerritório. 5. Literatura Brasileira.

CDD: 869.9
CDU: 821.134.3(81)-1

TextoTerritório
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SUMÁRIO

mário de andrade
prisca agustoni
orides fontela, 11
pode ser que existam, 13
há de esperar?, 14
distrai o saleiro, 15
morde as / borboletas, 16
de delicado, 17
qualquer confidência, 18
confessa pequenas, 19
não há que tremer, 20
pode ser, 21
há certo conforto no jazz, 22
antes do balé ri, diabo, 23
ao passeio da moranga, 24
sob a sombra, 25
se a popa apupa, 26
à beira, 27
namora, 28
não rola se deita, 29
faz manha no claro, 30
a grota, 31
bacará teimado, 32
ando criança, 33
pouco mudei, 34
do hábito, 35

7
osso mais osso, 36
não tenho concerto, 37
deitam cinzas nos olhos, 38
manjericão, alecrim e cidreira, 39
ríamos, 40
tenda esculpida, 41
deitamos em qual mentira, 42
exsudo nó de gota, 43
se responder a mó, 44
se / sob o efeito doméstico, 45
a mesma pasta, 46
o pires segue, 47
a cristaleira, 48
no sanitário dividido, 49
mortos nos / esbarramos, 50
o abajur, 51
à beira da cama, 52
não vou mais me morder, 53
não insistiu, 54
flores têm data, 55
intimidade, 56
falsa coral, 57
faço questão de saber, 58
não há saber algum, 59
não há que soprar, 60
baba o cão-guia, 61
shkspr, 63
sobre o autor, 65

8
ninguém merece

9
10
na sua leve boca
o suspiro gerou uma abelha

um momento surripiando mel


pras colméias da noite incerta

até que seus lábios sejam


como ameixas murchas na mesa

no intenso / silêncio / vibra e / vela


11
12
pode ser que existam fenômenos
na ordem dos talheres,

dos guardanapos. etiqueta, nada


mais. outra coisa a decisão.

13
há de esperar?

que espere. trivial


tratar de boa a rotina.

se vir suar o sal,


romance em pios.

doa a quem doer, mal


nenhum. a quem?

14
distrai o saleiro. compulsa
a salada. salta. a coreografia
garfa as verdes vagens.

e é o ó, venerável.

15
morde as
borboletas

se cair
um telhado

16
de delicado
o quê

sequer dizer
se diz

17
qualquer confidência
ou mimo ordinário

dita

sem interdição

18
confessa pequenas
variações sobre

o mesmo mundo
testemunha o mínimo

remendo
a sorte conserva

19
não há que tremer
agora se recebo

com um dos braços aberto


faço guarda o outro reservo

pra que limpe

curativos

20
pode ser que passe de amanhã.
pode ser que nem passe de agora.

emenda: a coisa vai madura — e


ninguém quer passar por solúvel.

21
há certo conforto no jazz
tirado ao timbre do apetite
fumaça e bourbon. o que pensam:
ainda há tempo; vai dar certo.
piano e bumbo estancam justos
— síncope de galope, um loop.
se saírem, fala depressa —
hora de ir — não por impulso.
largados do lado de fora
um pouco mais de paciência
e ninguém mais nos incomoda.
a noite esfria enquanto esperam.
mais um pouco e as luzes se apagam.
ainda há tempo; vai dar certo.

22
antes do balé ri, diabo. não
ri de mim — ou como desejo.
desejo, não. vá lá, cobiço. qualé?

23
ao passeio da moranga
assobia leve a manga
de a cada cantiga levar

o desbaste às abas

24
sob a sombra um
o chapéu recolhido

a passagem se anuncia
chuvas vai correr marquises

25
se a popa apupa
a encomenda do

comentário
rogado seja

o bocejo

26
à beira
do sim

jorra
exigência

na boca
se vier

babado forte

27
namora

adeja
de lado

regaço
cai mole

28
pau azedo
não rola se deita
santo se gangorra
com pantomima se
pari passu míngua

nem quer

29
faz manha no claro
do dia santo e senha

sinal sim sonha a unha


no xibiu o mais é delíquio

30
a grota

por negligência
não mostra a frase

barrenta da ovação

31
bacará teimado, aposto nossas
metades todas. ficela atuada,
cubro ases. a tara, as fichas,

as coroas. juntos, a qualquer


nota, prova dos nove, sete
manilha. recente, moo por

dentro a conversa provisória


de sempre, misturando meios,
miragens, mixórdia. a hora é

megera. requinte de copas,


vai dar o suíte. suinga. deixa
de papo suas mais mumunhas.

32
ando criança coração
no pico a vida vai

no beiço se resulta
cega antes de iluminar

que mais

sidera

um clarão
a brevidade

33
pouco mudei, desde a última
vez que nos vimos. na moita,

ouvi dizer, estamos em guerra.


não presta dançar na pista, cara.

jogamos nossa pequena morsa;


não há comendas. nem a cantiga,

de resto, canta a publicidade. lanças


passavam por perto; não pega nada.

relaxa, que vida maior, é tudo nosso.

34
do hábito

não perdi o siso


não mostrei os dentes
não tirei as asas

baldeei segui no raso


abri os olhos nenhum conta

gotas

35
osso mais osso, arranca
do rascunho um corpo.
fixa o balanço e lambe

o bico. dedos de embalo,


o risco da sinistra. despoja
e encurva a pose, a anca arisca.

lá de fora a cutilada insiste


a tudo que canta ao cansaço,
uma canção brega pacaralho.

corta de esguelha, o desenho —


luz no vapor, trinca de espelho —
limpo na tela. pensa o anúncio,
o peso. pés comicham, tensos.

avança:
como arremedar fuligem,
com qual arremate asfaltar
nuvens?

36
não tenho o concerto
que a vida macumba.

talvez a fissura —
que me corre os dedos

e se soma ao paladar —
resolva a velha medida.

sem bons bisturis;


bem, como angular?

como sondar, sem a febre,


os ossos médios dos pés?

37
deitam cinzas nos olhos. são
os fumos de sobra do manga

rosa. descasco flores no casco,


fiando tapete e roseira. caco

de fala, sem tato. da rosa


diz a mangueira; delas, não digo.

no fundo, vazio inteiro, privo


a vontade de osso exposto. quero

minhas meias vestindo seus pés


nos dias que estiverem mais frios.

38
manjericão, alecrim e cidreira.
bule cheio, perfuma. também queijo
fresco, no pão. bananas verdes fritas.
café forte, passado no coador
de pano. água de mina. algum doce.
mamão, melão, maçã e abacaxi.
acordo, mas não quero levantar
você; quando me chama de manhã
(você, com a mesa posta, sem pijama
: você) parece estar interessada
no colorido eriçado dos pelos
(e ainda que depois resolva rir
do desjejum de amantes abatidos,
pouco importa o mau uso do clichê).

39
ríamos ao mentir
idade demais

alvorada

40
tenda esculpida — contingência
de lençóis nem mexidos.

paciência — não reclame.

de manhã, quando talha rasca fere,


o fino do entalhe de tua grécia

muda em grilo na cama.

41
deitamos em qual mentira,
se conveniente coloro dia-

a-dia suas novidades, suas


unhas? se beijo lembranças

úteis boloradas na língua?

42
exsudo nó de gota
pingo em zinco quente

qualquer coisa fora


ressoa quando corpo
inerte ressente

quer despir-me ainda


frio quer vestir meu

cheiro, sério? maza


na moringa pra beber
quero eu de cá e só

43
se responder a mó
boa sorte que dizer
à verga? o que carpir?

que dizer à quina ou


à corrupção do dia se

em seu torcer não há


nenhum motivo especial

e como rio? fala tu.

44
se sob o efeito doméstico
de a cada cálculo
passar e repassar
um longo teste
pra descobrir
enfim como fomos
econômicos
(tais vermute e
amendoim)
vai ambula em
tom menor a
antiga norma
e toma em testemunho
a palma aberta
chocada a outra palma
o que da vida segue
como certo não o amor
nem a morte quem sabe
nós e pouca coisa
gera mais certeza
saber melhor mover
moinhos ventanias

45
a mesma pasta.
as escovas, não.

o pão, a manteiga.
na garrafa, o leite.

o café. os ossos
e o fosso. à mesa, os

hábitos. o abismo
ainda nos une.

46
o pires segue
rígido pedida

a mão avança
como se modos

faltassem e nem
sempre esperar

já fosse fantasia

47
a cristaleira
compartilha

não os cristais
— sua denúncia.

não há mistério.
poeira, minúcia

pega de mancheia.

48
no sanitário dividido
a doença que não separa

a seara de nossos equívocos

49
mortos nos
esbarramos

na intimidade
compossíveis

corpos

50
o abajur

seu copo à borda no móvel mudo


dá as horas contadas o cinzeiro
a sombra constante da imobilidade
que dedos um gesto nenhum renova

a economia

51
à beira da cama

a luminária ainda
acesa eu a procissão
sozinha de um cortejo

impopular

52
não vou mais me morder as coisas
que gostava deixar na estante

fotografias badulaques
cisnes dominós e discos

por derrubá-los tudo


a hora o domínio se apaga

53
não insistiu
restava ouvir

o sobio

lá o silêncio brota
sem luz sem rumo

inseto nenhum
segue se

vão

54
flores têm data
marcada velas
para comer

quieto

acentua o cheiro
de extinto vela-se
a intimidade

pressente

por bem vai


o que sempre foi de ir

55
intimidade cochicho
de pratos quando

comidos no mesmo
cocho se demais sobra

56
falsa coral sem brajá

sigo
invencível

bilha

57
faço questão de saber
se ainda caibo no corpo.

reformar a casa trouxe


desditas. nada esquadra

a alvenaria dos palmos


que mentem gostar o toque.

despede o cheiro, caibro


pouco pra servir de arrimo

aos segredos que resolvi


guardar contigo. não há

aluguel. o despejo, inevitável?

58
não há saber algum, nenhuma cifra,
quando a vontade de morder a vida
crua dá rumo à existência dos dentes.
alimento meus dias com os bilhetes
que larguei, mas ninguém não leu correto.
na barriga, só miudezas. as dobras
mantenho regadas; e as flores santas,
mesmo que frágeis. o amor, a capina
adestra o corpo. se cabe de novo
na cama descoberta entre lençóis?
não fosse o barulho que você fez,
só pra dizer que vai levar o gato
que eu também alimentei; olha, até
rolava. agora, desse jeito, é foda.

59
não há que soprar nem madeiras
nem metais se orquestra a virilha

tecido teu mantô à mobília aferra


a cachimanha de dígitos arrola se
o caldo entorna a uva azeda e que

perfume na suã seu cosmético?


que lábia mostra ofício diário?

a torcida me orgulha carrego


no peito o escudo do mergulho

quê me iliba se na despedida


ária de bestas despenteadas no
escuro não conciliam? noturna

cultivo pesadelos

bu!

60
baba o cão-guia
na espera encosta
de quina à sombra

enquanto o dia
cai olha a via

a estrada sinuosa
insidia o toque
ao ritmo da furiosa

pela nave vale


a pose nas mãos
carrega o enxoval

embrulhado
em papel-havana
o pão a esperança

61
62
SONETO CXVI

Nada atravanca o enlaçar de almas veras


— bem ao contrário; posto o amor não ser
amor, se muda por mudar seus pés
fujões — ou se deserta sem peleja.
Aí deu ruim, que amor é ponta firme;
raios! vê-se em tumulto e não sacode
— erra, uiva, vibra, estrela, resiste —
desconhecido, é certo; e mais que pó.
A célere ampulheta — a boca e a face
coram — declina, compassiva à muda
que o amor não cede à toda hora. Amar,
agüenta paciente o tempo cru.
Se no lance a parada deu equívoco,
quem vai provar? Não, se amou. Nunca o escrito.

BM – Angra – JF – Rio
1984-2013

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SOBRE O AUTOR

André Capilé nasceu em 1978. Cidade: Barra


Mansa. Estado: Rio de Janeiro.

Publicou:

Dois (Não Pares), Ed. Funalfa/Anome (2008)


zangarreio, edição do autor (2011)
rapace, Editora TextoTerritório (2012)
balaio, Editora 7Letras (2014)
chabu, Editora TextoTerritório (2015)
troco da passagem, Editora TextoTerritório
(2015)

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COLOFÃO

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