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SENTENÇA

Dispensado o relatório (art. 38 da Lei 9.099/95).


DECIDO.
Cuida-se de hipótese de julgamento antecipado da lide, nos
moldes previstos no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, posto
que as provas constantes nos autos são suficientes para o deslinde da lide.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.
Passo à análise do mérito.
Há que se esclarecer que a relação sob comento encontra-se
açambarcada pelo Código de Defesa do Consumidor, sistema construído
especialmente com escopo de proteger uma das partes da relação travada
entre os desiguais. Visa, assim, tutelar um grupo específico de indivíduos,
por sua situação de vulnerabilidade nas relações contratuais.
A pretensão da parte autora se fundamenta na alegada cobrança
indevida promovida pela ré do valor referente a material didático após a
solicitação de rescisão de contrato de prestação de serviços educacionais
firmado com a parte ré.
Pela análise das narrativas dos fatos, verifico que a parte autora
rescindiu o contrato de prestação de serviços no dia seguinte à sua
celebração. Porém, a parte requerida estabeleceu, na cláusula 7ª do
contrato, que era devido o valor de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta
reais), por cada aluno, a título de custo de impressão de material didático,
sendo que este valor deveria ficar retido.
Em que pese a literalidade da redação do Art. 49 do Código de
Defesa do Consumidor mencionar ser de 7 (sete) dias o prazo de
arrependimento de um contrato aplicável apenas aos negócios jurídicos
celebrados fora do estabelecimento comercial do fornecedor, a doutrina e
jurisprudência pátria relativizaram tal entendimento, frente à
hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor e, principalmente, diante
das diuturnas práticas abusivas no mercado de consumo, de acordo com
uma interpretação teleológica e sistemática, de modo a conferir ao
consumidor o exercício de tal prazo de reflexão mesmo se realizado dentro
do estabelecimento do fornecedor, quando ocorrer o conhecido método de
venda emocional.
Ele se traduz como sendo o método pelo qual o consumidor é
levado pela emoção e empolgação diante da promessa rápida e fácil do
fornecedor de produtos e serviços, diante das mais sofisticadas técnicas de
mercado para convencer o consumidor despreparado e impulsivo a adquirir
seus produtos. O dano, portanto, está no método de venda que impede a
reflexão, a decisão racional e refletida da oferta apresentada.
É o caso dos autos em que o requerente, diante da possibilidade
de conseguir desconto prometido em panfleto, no mesmo dia dirigiu-se ao
estabelecimento da requerida e firmou o contrato, sem se atentar que o
curso fornecido tinha horário incompatível com sua rotina. Ademais, a
requerida não possibilitou ao autor a alteração do horário das aulas que
estava no contrato.
Desse modo, a interpretação que se tem dado em situações
similares se justifica pela vulnerabilidade do consumidor, que acaba por
adquirir produtos e serviços por impulso, sem se atentar para a sua
realidade diária, diferentemente daquele consumidor que se desloca de sua
residência com o fim específico de pretender adquirir um produto ou
serviço por já estar convicto de sua necessidade e utilidade na aquisição de
um determinado bem para sua vida. Nesse sentido, é o ensinamento de
Rizato Nunes ("Curso de Direito do Consumidor". 5ª Edição. Ed. Saraiva.
Ano 2010. pag. 698) quando assevera que “o consumidor está garantido
sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial, nos vários
sistemas de vendas existentes.Nesse tipo de aquisição o pressuposto é que o
consumidor está ainda mais desprevenido e despreparado para comprar do
que quando decide pela compra e, ao tomar a iniciativa de fazê-la, vai até o
estabelecimento".
Portanto, tem-se que, embora o negócio entre as partes tenha sido
celebrado dentro do estabelecimento da empresa ré, tal fato por si só não é
suficiente para afastar o direito da requerente de se arrepender da avença
entabulada com a empresa ré, mesmo porque deve ser reconhecida a sua
vulnerabilidade diante do tipo de oferta efetivada por profissionais da
empresa ré e método de abordagem utilizado.
Ademais, embora a empresa demandada alegue que a rescisão do
contrato requerida pela autora lhe gere prejuízos pela impressão do material
didático, tem-se que o cancelamento imediato do contrato não tem o
condão de gerar tais danos, pois o material entregue ao aluno já estava
impresso, não havendo qualquer custo adicional apenas pela celebração
daquele contrato. Logo, não demonstrando que a rescisão do contrato em
prazo tão exíguo tenha lhe gerado os alegados prejuízos, não há como
prevalecer a previsão da retenção do valor de $ 1.900,00 (R$ 950,00 para
cada aluno) no referido pacto. Neste sentido, confira-se:
CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS. CURSO. DESISTÊNCIA NO DIA
SEGUINTE. RESCISÃO DO CONTRATO SEM
PREJUÍZO. INAPLICABILIDADE DE CLÁUSULA
PENAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
SENTENÇA MANTIDA.
1.O pedido de rescisão de contrato, que determina a
restituição ao estado anterior, implica por óbvio a
devolução do valor pago.
2.A desistência e a rescisão contratual devem ser
avaliadas à luz da razoabilidade e
proporcionalidade. Havendo prejuízo para uns dos
contratantes poderá ser aplicada multa contratual
em percentual razoável.
3.No presente caso, houve desistência no dia seguinte à
contratação, em menos de 24 horas, em período bem
anterior ao início das aulas, sem que fosse comprovado
qualquer prejuízo para o fornecedor do serviço. Nesse
sentido, correta a sentença que determinou a rescisão
do contrato sem qualquer ônus para o consumidor,
razão pela qual se afasta a incidência da cláusula penal.
4.Merece destaque o fato do consumidor ter sido
comunicado informando acerca do sorteio de bolsa
integral, mas ao chegar ao estabelecimento foi
informado que teria recebido apenas um desconto e
convencida .
5.Precedente: JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS.
CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO DE ENSINO.
CURSO DE INFORMÁTICA. DESISTÊNCIA
DENTRO DO MÊS DA MATRÍCULA.
AFASTAMENTO DA MULTA. PAGAMENTO
PELAS AULAS CURSADAS. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. 1. Não merece reparo sentença que
afasta multa contratual em face da desistência do
consumidor do curso de informática contratado no mês
da matrícula e ainda declara o débito referente às aulas
cursadas, ante a prestação de serviços. 2. Recurso
conhecido e improvido. Sentença mantida pelos seus
próprios fundamentos, com Súmula de julgamento
servindo de acórdão, na forma do artigo 46 da Lei
9.099/95. Condenado o Recorrente vencido ao
pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o
valor da condenação. (Acórdão n.665883,
20120610127672ACJ, Relator: FLÁVIO FERNANDO
ALMEIDA DA FONSECA, 1ª Turma Recursal dos
Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de
Julgamento: 19/03/2013, Publicado no DJE:
04/04/2013. Pág.: 194).
6.Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos.
Recurso CONHECIDO e DESPROVIDO.
7.Custas e Honorários advocatícios pelo recorrente no
valor de R$200,00 (duzentos reais). Dispensados
relatório e voto, na forma do art. 46 da Lei n. 9099/95.
(Acórdão n.862051, 20140310289833ACJ, Relator:
JOÃO LUIS FISCHER DIAS, 2ª Turma Recursal dos
Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de
Julgamento: 07/04/2015, Publicado no DJE:
23/04/2015. Pág.: 743)
Reconhecido está, portanto, o direito do demandante em
reaver as três cártulas de cheques que ficaram retidas. Porém, cumpre
ressaltar que a rescisão do contrato tem que garantir às partes o
retorno ao status quo ante. É dizer, a parte autora deverá receber os
cheques de nº 900011, 900012 e 900013, mediante a devolução do
material didático, no mesmo estado de conservação que recebeu.
Por fim, quanto ao dano moral, compulsando os autos e
analisando detidamente os argumentos apresentados, vejo que não restou
demonstrada a existência de ofensa significativa a direitos da personalidade,
capazes de ofender a integridade física ou psíquica da parte autora, bem
como sua honra ou dignidade. Na linha de entendimento do TJDFT:

 "O dano moral decorre de uma violação de direitos da


personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de
dignidade da vítima. Define-se dano moral como a privação
ou lesão de direito da personalidade, independentemente de
repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero
mal-estar, dissabor, vicissitude do cotidiano ou mesmo o
descumprimento contratual, sendo que a sanção consiste na
imposição de uma indenização, cujo valor é fixado
judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir
o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam
insegurança jurídica. O julgador deve valer-se de parâmetros
cuidadosos para verificar a ocorrência ou não de violação
capaz de gerar a indenização pelo dano moral. Necessário,
para tanto, que se diferencie o dano moral de desgostos
suportáveis, a fim de se evitarem o enriquecimento sem
causa e indenizações infundadas." (Acórdão n. 562923,
20110110842567ACJ, Relator HECTOR VALVERDE SANTANA,
3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal,
julgado em 31/01/2012, DJ 03/02/2012 p. 268)

No caso, o dano moral não se configura “in re ipsa”, ou seja, não


decorre diretamente da ofensa. Assim, embora reconheça que a situação
tenha trazido aborrecimentos ao autor, tal fato não foi suficiente para
ofender-lhe a dignidade ou a honra. Desse modo, conquanto repreensível a
conduta da requerida, não há dano suficiente a ensejar abalo moral.

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o


pedido da inicial para condenar a requerida a entregar, em juízo, as cártulas
de cheque de nº 900011, 900012 e 900013. Caberá à parte autora, em
contrapartida, devolver, em juízo, o material didático que recebeu no ato da
contratação. Em consequência, resolvo o mérito com base no art. 269, I do
CPC.
Sem custas e sem honorários (art. 55 da Lei n. 9.099/95).
Após o trânsito em julgado, as partes deverão cumprir com suas
obrigações, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária à parte
inadimplente.
Não havendo outros requerimento, arquive-se.

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