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A ORDEM MUNDIAL

DE BAHÁ’U’LLÁH
Outras obras de SHOGHI EFFENDI publicadas
pela Editora Bahá’í do Brasil:

ADVENTO DA JUSTIÇA DIVINA, O

CHAMADO ÀS NAÇÕES

DIA PROMETIDO CHEGOU, O

DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH, A

PRESENÇA DE DEUS, A

ROMPEDORES DA ALVORADA, OS (tradução do original em persa)

SINOPSE E CODIFICAÇÃO do KITÁB-I-AQDAS (elaboração)


SHOGHI EFFENDI

A ORDEM MUNDIAL
DE BAHÁ’U’LLÁH

CARTAS SELECIONADAS
Título original:
THE WORLD ORDER OF BAHÁ’U’LLÁH - SELECTED LETTERS

Todos os direitos reservados

Editora Bahá’í do Brasil


C.P. 198
13800-970 - Mogi Mirim - SP

www.bahai.org.br/editora

ISBN: 85-320-0091-6

1ª. EDIÇÃO: 2003

Tradução:
Rolf von Czékus e Osmar Mendes
Leonora Armstrong (Capítulo: A Dispensação de Bahá’u’lláh)

Revisão:
Bijan Ardjomand

Foto da capa:
Ramin Shams

Capa:
Gustavo Pallone de Figueiredo

Impressão:
R. Vieira Gráfica e Editora Ltda
Campinas
“O EQUILÍBRIO DO MUNDO
FOI ALTERADO
ATRAVÉS DA
INFLUÊNCIA VIBRANTE
DESTA NOVA E
MAIS GRANDIOSA
ORDEM MUNDIAL.”

BAHÁ’U’LLÁH
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO IX
PREFÁCIO À EDIÇÃO EM LÍNGUA INGLESA DE 1955 XIII
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH 1
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH:
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS 17
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL 35
A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH 65
AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA 91
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH 127
BAHÁ’U’LLÁH 127
O BÁB 162
‘ABDU’L-BAHÁ 171
A ORDEM ADMINISTRATIVA 185
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL 209
INTRODUÇÃO

VIII
INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO
As comunicações gerais escritas à comunidade bahá’í
americana pelo Guardião da Fé entre 1922 e 1929 explicaram
e encorajaram o desenvolvimento das instituições
administrativas criadas por Bahá’u’lláh e promulgadas por
‘Abdu’l-Bahá em Sua ÚLTIMA VONTADE E TESTAMENTO. Estas
cartas foram publicadas em um volume intitulado BAHÁ’Í
ADMINISTRATION, a fonte de informação sobre as instituições
das Assembléias Espirituais Local e Nacional, a Convenção
Anual, e a natureza daqueles relacionamentos que
organicamente unem os bahá’ís em seu modo coletivo de
adoração e atividades.
As cartas, agora colecionadas e publicadas sob o título de
A ORDEM M UNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH, têm uma finalidade
diferente e um escopo muito mais amplo. Estas comunicações
posteriores revelam uma visão clara da relação entre a
comunidade bahá’í e o processo total de evolução social sob a
Dispensação de Bahá’u’lláh. A distinção vital entre a
comunidade bahá’í e as seitas e congregações de religiões
passadas já havia sido evidenciada, porém, o volume presente
estabelece a Ordem Administrativa Bahá’í como o núcleo e
padrão da civilização mundial emergindo sob inspiração divina
neste ponto focal da história humana. Enquanto, portanto,
representa uma continuação da tarefa especial do Guardião
de ensinar e guiar os bahá’ís durante todo o desenvolvimento
de uma Fé rapidamente madurando, o volume desvela o grau

IX
INTRODUÇÃO

total em que a Mensagem de Bahá’u’lláh se aplica ao mundo


da humanidade e não meramente àqueles que são crentes nesta
época. O título e sub-títulos não fizeram parte do texto original,
porém foram adicionados com a aprovação de Shoghi Effendi
para conveniência do leitor.
Na A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH nos é dado perceber
o significado da nova dimensão que Bahá’u’lláh deu à religião
nesta era: a supremacia da Lei Divina na civilização,
cumprindo aquela supremacia que em Dispensações anteriores
a religião exerceu sobre almas individuais. A exposição dos
Ensinamentos por Shoghi Effendi, sua percepção única da
meta e propósito final da Revelação de Bahá’u’lláh, não são
um comentário estático a respeito de um texto sagrado, porém,
a própria essência de estadística mundial evocada na hora da
mais terrível necessidade do homem. Os bahá’ís não mais
necessitam do Testamento escrito de ‘Abdu’l-Bahá para provar
a existência da Guardiania – as comunicações sucessivas de
Shoghi Effendi, e especialmente aquelas devotadas ao assunto
da Ordem Mundial, em si mesmas, contêm a mais alta
demonstração de que o Espírito de Bahá’u’lláh continua a
abençoar Sua Causa e assegurar sua vitória na reconciliação
dos povos da terra e sua união em “uma Fé e uma Ordem”.
Para aqueles que propendiam a crer que mesmo a
concretização do poderoso sonho do “retorno de Cristo”
significaria nada mais que a vindicação de espiritualidade
pessoal e probidade individual, a idéia da religião dar a lei
para a nação é o conceito mais revolucionário que pode
penetrar na mente do homem. “Pois Bahá’u’lláh, devemos
prontamente reconhecer, não só imbuiu a humanidade com
um novo e regenerador Espírito. Ele não enunciou meramente
certos princípios universais, ou propôs uma filosofia específica,
por mais potentes, sólidos e universais que possam ser. Além

X
INTRODUÇÃO

destes, Ele, assim como ‘Abdu’l-Bahá após Ele, estabeleceu,


ao contrário das Dispensações do passado, clara e
especificamente um conjunto de Leis, estabeleceu instituições
específicas, e proveu os fundamentos de uma Economia
Divina. Estes são destinados a ser um padrão para a sociedade
futura, um instrumento supremo para o estabelecimento da
Paz Máxima e o meio para a unificação do mundo, e a
proclamação do reino da integridade e justiça sobre a terra.”
... “Não necessita o próprio funcionamento das forças
unificadoras mundiais que estão em atuação nesta era, que
Ele, que é o Portador da Mensagem de Deus neste dia deva,
não só reafirmar aquele idêntico padrão exaltado de conduta
individual inculcado pelos Profetas que vieram antes dEle, mas
incorporar em Seu apelo, a todos os governos e povos, os
fundamentos daquele código social, daquela Economia Divina,
que deve orientar os esforços combinados da humanidade para
estabelecer aquela federação universal que deve assinalar o
advento do Reino de Deus nesta terra?”
Palavras como estas, carregadas com a potência de uma Fé
que não é meramente um livro escrito, mas o próprio Espírito
dinâmico transformando a vida do mundo inteiro, tornam A
ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH uma obra de importância
consumada para todo investigador sincero e não só para
bahá’ís. À luz do caos internacional existente, elas revelam a
Verdade mais significativa desta era, ou seja, que a velha
concepção de religião, que separou espiritualidade das funções
fundamentais de civilização, compelindo homens a se sujeitar
a conflitantes princípios de fé, de política e de economia, foi
destruída para sempre. O mandamento “Dá a Deus o que é de
Deus e a César o que é de César”, foi anulado pela lei da
unicidade da humanidade revelada por Bahá’u’lláh.

XI
INTRODUÇÃO

“Líderes da religião, exponentes de teorias políticas,


governantes de instituições humanas, que na época atual estão
testemunhando com perplexidade e desalento a falência de
suas idéias, e a desintegração de suas obras, fariam bem em
volver seu olhar para a Revelação de Bahá’u’lláh, e em meditar
a respeito da Ordem Mundial que, jazendo oculta em Seus
ensinamentos, está vagarosa e imperceptivelmente surgindo
entre o tumulto e o caos da civilização atual.”

Horace Holley

XII
INTRODUÇÃO

PREFÁCIO
À EDIÇÃO EM LÍNGUA INGLESA DE 1955

Dezessete proféticos anos passaram desde a publicação da


primeira edição de A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH. Nem
os desastres da segunda Guerra Mundial nem a crescente
ameaça do período após guerra pode desafiar as convicções de
Shoghi Effendi, invalidar sua tese, ou negar suas esperanças
finais expressas nestas cartas escritas entre 1929 e 1936. Pelo
contrário, sua apresentação da missão mundial da Fé Bahá’í
adquire força adicional da própria falha da filosofia e estadística
humana em alcançar segurança para a humanidade. O leitor
tem, nestas páginas, acesso a um documento público dirigido
às pessoas de fé espiritual em todas as raças, todas as nações e
todos os credos. Reconhecimento e aceitação, entretanto,
exigem um ato de fé, uma vez que estas verdades básicas ainda
não têm endosso comparável, em influência pública, com os
preconceitos massivos que ainda comandam a lealdade das
mentes partidárias.
A tese fundamental desenvolvida nesse trabalho foi
desenvolvida ainda mais em duas obras posteriores pelo
Guardião da Fé.
Num texto datado de 25 de dezembro de 1938, Shoghi
Effendi desenvolveu o poderoso tema, O ADVENTO DA JUSTIÇA
DIVINA, aclamando a vitória final da unidade mundial depois
que os povos tiverem sido purgados e purificados por intensas
provações. Reconhecendo que os bahá’ís estabeleceram sua

XIII
PREFÁCIO À EDIÇÃO EM LÍNGUA INGLESA DE 1955

ordem administrativa, o Guardião iça as grandes missões de


ensino que esta ordem está destinada a empreender. O texto é
identificado intimamente com a comunidade bahá’í, mas esta
comunidade é associada com uma meta, representando os
melhores interesses da própria humanidade.
A segunda obra, O DIA PROMETIDO CHEGOU, datado de 28
de março de 1941, relacionou a história dos séculos Dezenove
e Vinte com o Báb, Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá, que
exemplificaram a expressão da Vontade Divina. O destino de
uma era é determinado por sua recepção aos Profetas. Quando
a Palavra de Deus é negada, resistida e esforço feito para
destruir sua potência, o homem se coloca em oposição a Deus.
Desta oposição fluem as guerras e revoluções que se tornam
os instrumentos pelos quais uma geração que não crê inflige
terríveis punições sobre si mesma.
O DIA PROMETIDO CHEGOU traz a nota de clima dramático
à discussão do Guardião a respeito da Fé de Bahá’u’lláh e o
mundo em que seu alto mistério é desvelado.
Para o leitor que procura compreensão dos antecedentes
históricos nos quais a Fé Bahá’í surgiu e cumpriu o seu destino
e algum conhecimento do estabelecimento das instituições
bahá’ís no Oriente e no Ocidente, A PRESENÇA DE DEUS de
Shoghi Effendi provê o registro autêntico dos acontecimentos
e elucida o seu significado. Esta obra, de fato, apresenta-se
como única nos anais da religião como a história do Profeta,
escrita logo após o Seu passamento pelo Chefe de sua
comunidade, com acesso a todos os documentos e materiais e
completa compreensão de sua natureza e propósito.
O exame de A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH, portanto,
abre a porta à mais efetiva expressão de estadística espiritual
disponível no mundo hoje.

XIV
A ORDEM MUNDIAL
DE BAHÁ’U’LLÁH

XV
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS MEMBROS DA
ASSEMBLÉIA ESPIRITUAL NACIONAL DOS BAHÁ’ÍS
DOS ESTADOS UNIDOS E
DO CANADÁ

Ternamente amados colaboradores,

Estou familiarizado, através da leitura cuidadosa de suas


comunicações mais recentes, com a natureza das dúvidas que
têm sido expressas publicamente, por alguém que está
totalmente enganado quanto aos verdadeiros preceitos da
Causa, com respeito à validade das instituições que estão
inextricavelmente entrelaçadas com a Fé de Bahá’u’lláh. Não
que eu, por um momento sequer, veja estas tênues dúvidas à
luz de um desafio aberto à estrutura que personifica a Fé, nem
é porque eu questione, no mínimo grau, a tenacidade
inabalável da fé dos crentes americanos, se me aventuro a
discorrer sobre observações que me parecem apropriadas no
presente estágio de evolução de nossa amada Causa. Na
verdade, estou inclinado a saudar a expressão dessas
inquietações, visto que me proporcionam uma oportunidade
de familiarizar os representantes eleitos dos crentes com a
origem e o caráter das instituições, que se encontram na própria
base da Ordem Mundial introduzida por Bahá’u’lláh.
Deveríamos nos sentir verdadeiramente gratos por tais fúteis
tentativas de solapar nossa amada Fé – tentativas que de tempos
em tempos projetam suas faces feias, parecem por algum tempo

1
SHOGHI EFFENDI

capazes de criar uma ruptura nas fileiras dos fiéis, retrocedem


finalmente para a obscuridade do esquecimento, e não mais
são lembradas. Deveríamos considerar tais incidentes como
as interposições da Providência, destinadas a fortalecer nossa
fé, esclarecer nossa visão e aprofundar nossa compreensão dos
fundamentos de Sua Revelação Divina.

ORIGENS DA ORDEM MUNDIAL BAHÁ’Í


Seria, entretanto, útil e instrutivo ter-se em mente certos
princípios básicos com relação à Última Vontade e Testamento
de ‘Abdu’l-Bahá, o qual, junto com o Kitáb-i-Aqdas, constitui
o principal repositório dentro do qual estão entesourados
aqueles elementos inestimáveis daquela Civilização Divina,
cujo estabelecimento é a missão primordial da Fé Bahá’í. Um
estudo das provisões destes documentos sagrados revelará o
íntimo relacionamento que existe entre os mesmos, bem como
a identidade de propósito e método que inculcam. Longe de
considerar as provisões específicas deles como incompatíveis
e contraditórias em espírito, todo indagador imparcial
prontamente admitirá que não só são complementares, mas
que mutuamente confirmam um ao outro e são partes
inseparáveis de uma unidade completa. Uma comparação de
seu conteúdo com o resto dos Escritos Sagrados Bahá’ís,
estabelecerá igualmente a conformidade de tudo que contêm,
tanto com o espírito como com a letra dos escritos e
declarações autênticas de Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá. De fato,
aquele que lê o Aqdas, com cuidado e diligência, não terá
dificuldade em descobrir que o próprio Livro Mais Sagrado
antecipa em vários trechos as instituições que ‘Abdu’l-Bahá
estabelece em Seu Testamento. Ao deixar de especificar ou
regulamentar certas questões em Seu Livro de Leis, Bahá’u’lláh

2
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

parece ter deliberadamente deixado uma lacuna no esquema


geral da Dispensação Bahá’í, a qual foi preenchida pelas
provisões inequívocas do Testamento do Mestre. Tentar
divorciar um do outro, insinuar que os Ensinamentos de
Bahá’u’lláh não foram mantidos, em sua totalidade e com
absoluta integridade, por aquilo que ‘Abdu’l-Bahá revelou em
Seu Testamento, é uma afronta imperdoável à fidelidade
inabalável que caracterizou a vida e os esforços de nosso amado
Mestre.
Não farei a mínima tentativa de asseverar ou demonstrar a
autenticidade da Última Vontade e Testamento de ‘Abdu’l-
Bahá, pois isto, em si mesmo, revelaria uma apreensão de
minha parte quanto à confiança unânime dos crentes na
autenticidade dos últimos desejos escritos de nosso falecido
Mestre. Restringirei minhas observações àquelas questões que
possam ajudá-los a apreciar a unidade essencial que
fundamenta os princípios espirituais, humanitários e
administrativos, enunciados pelo Autor e pelo Intérprete da
Fé Bahá’í.
Sinto-me incapaz de explicar a estranha mentalidade que
tende a sustentar como único critério da verdade dos
Ensinamentos Bahá’ís aquilo que reconhecidamente é só uma
tradução obscura e não autenticada de um pronunciamento
oral feito por ‘Abdu’l-Bahá, em desafio e total descaso do texto
disponível de todos os Seus escritos universalmente
reconhecidos. Deploro, sinceramente, as distorções infelizes
que, em dias passados, resultaram da incapacidade do
intérprete de compreender o significado de ‘Abdu’l-Bahá, e
de sua incompetência de apresentar adequadamente tais
verdades como lhe foram reveladas pelas declarações do Mestre.
Grande parte da confusão que obscureceu a compreensão dos
crentes deve ser atribuída a este duplo erro contido na

3
SHOGHI EFFENDI

apresentação inexata de uma declaração somente parcialmente


compreendida. Freqüentemente o intérprete até mesmo falhou
em transmitir o significado das perguntas específicas da pessoa
que perguntava e, em virtude de sua deficiência de
compreensão e expressão ao transmitir a resposta de ‘Abdu’l-
Bahá, foi responsável por relatórios totalmente em desacordo
com o verdadeiro espírito e propósito da Causa. Foi
principalmente em vista da natureza enganadora dos relatórios
das conversas informais de ‘Abdu’l-Bahá com peregrinos em
visita, que tenho insistentemente urgido aos crentes do
Ocidente a considerarem tais declarações meramente como
impressões pessoais das afirmações de seu Mestre, e de citarem
e considerarem como autênticas somente as traduções que são
baseadas sobre o texto autenticado de suas elocuções
registradas na língua original.
Deve ser lembrado por todo seguidor da Causa que o sistema
de administração bahá’í não é uma inovação imposta
arbitrariamente aos bahá’ís do mundo desde o passamento do
Mestre, porém, deriva sua autoridade da Última Vontade e
Testamento de ‘Abdu’l-Bahá, é especificamente prescrito em
inúmeras Epístolas, e algumas de suas características essenciais
se apóiam nas provisões explícitas do Kitáb-i-Aqdas. Assim
sendo, ele unifica e correlaciona os princípios isoladamente
estabelecidos por Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá, e é
indissoluvelmente ligado às verdades fundamentais da Fé.
Desassociar os princípios administrativos da Causa dos
ensinamentos puramente espirituais e humanitários seria
equivalente a uma mutilação do corpo da Causa, uma
separação que tão somente pode resultar na desintegração de
suas partes componentes e da extinção da própria Fé.

4
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

CASAS DE JUSTIÇA LOCAIS E NACIONAIS


Deve ser atentamente lembrado que as Casas de Justiça,
tanto a local como a internacional, foram expressamente
ordenadas no Kitáb-i-Aqdas; que a instituição da Assembléia
Espiritual Nacional, como um corpo intermediário, à qual o
Testamento do Mestre se refere como a “Casa Secundária de
Justiça”, tem a sanção expressa de ‘Abdu’l-Bahá; e que o
método a ser seguido para a eleição das Casas de Justiça
Internacional e Nacional foi estabelecido por Ele em Seu
Testamento, assim como em diversas de Suas Epístolas. Além
disso, as instituições dos Fundos local e nacional, que agora
são os adjuntos necessários para todas as assembléias espirituais
locais e nacionais, não somente foram estabelecidas por
‘Abdu’l-Bahá nas Epístolas que Ele revelou para os bahá’ís do
Oriente, mas sua importância e necessidade foram
repetidamente enfatizadas por Ele em Suas elocuções e escritos.
A concentração da autoridade nas mãos dos representantes
eleitos dos crentes; a necessidade da submissão de todo
aderente da Fé ao julgamento ponderado das Assembléias
Bahá’ís; Sua preferência pela unanimidade na decisão; o
caráter decisivo do voto majoritário; e até mesmo a
conveniência do exercício de supervisão minuciosa sobre todas
as publicações bahá’ís, foram diligentemente instilados por
‘Abdu’l-Bahá, como é evidenciado por Suas autenticadas e
amplamente divulgadas Epístolas. Aceitar Seus amplos e
humanitários Ensinamentos por um lado e, por outro, rejeitar
e descartar com indiferença negligente Seus preceitos mais
desafiadores e notáveis, seria um ato de deslealdade manifesta
àquilo que Ele mais deu valor em Sua vida.
Que as Assembléias Espirituais de hoje serão substituídas
no devido tempo pelas Casas de Justiça, e são para todos os

5
SHOGHI EFFENDI

efeitos corpos idênticos e não separados, é abundantemente


confirmado pelo próprio ‘Abdu’l-Bahá. De fato, em uma
Epístola dirigida aos membros da primeira Assembléia
Espiritual de Chicago, o primeiro corpo bahá’í instituído nos
Estados Unidos. Ele se referiu aos mesmos como os membros
da “Casa de Justiça” para aquela cidade, e assim, estabeleceu
com Sua própria pena, acima de qualquer dúvida, a identidade
das atuais Assembléias Espirituais Bahá’ís como sendo as Casas
de Justiça às quais Bahá’u’lláh se referiu. Por razões que não
são difíceis de descobrir, foi considerado aconselhável conferir
aos representantes eleitos das comunidades bahá’ís através do
mundo a designação temporária de Assembléias Espirituais,
um termo que, à medida em que a posição e os objetivos da Fé
Bahá’í são melhor compreendidos e mais amplamente
reconhecidos, será gradualmente substituído pela designação
permanente e mais apropriada de Casa de Justiça. As
Assembléias Espirituais da atualidade não só serão intituladas
de modo diferente no futuro, mas, também, serão capacitadas
a adicionar às suas funções presentes aqueles poderes, deveres
e prerrogativas necessários ao reconhecimento da Fé de
Bahá’u’lláh, não meramente como um dos sistemas religiosos
reconhecidos do mundo, mas como a Religião de Estado de
um Poder Soberano e independente. E à medida que a Fé
Bahá’í permeia as massas dos povos do Oriente e Ocidente, e
a sua verdade é aceita pela maioria das pessoas de diversos
Estados Soberanos do mundo, a Casa Universal de Justiça
alcançará a plenitude de seu poder, e exercerá, como o órgão
supremo da comunidade bahá’í, todos os direitos, os deveres
e responsabilidades incumbentes ao futuro super-estado
mundial.
Neste contexto, entretanto, deve ser salientado que, ao
contrário do que foi confiantemente afirmado, o

6
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

estabelecimento da Suprema Casa de Justiça de modo algum


é dependente da adoção da Fé Bahá’í pela massa dos povos
do mundo, nem pressupõe a sua aceitação pela maioria dos
habitantes de qualquer país. De fato, o próprio ‘Abdu’l-Bahá,
em uma de Suas mais antigas Epístolas, contemplou a
possibilidade da formação da Casa Universal de Justiça no
decurso de Sua própria vida, e se não fosse pelas circunstâncias
desfavoráveis prevalecentes sob o regime turco, teria tomado,
provavelmente, os passos preliminares para o seu
estabelecimento. Portanto, será evidente que existindo as
circunstâncias favoráveis, nas quais os bahá’ís da Pérsia e dos
países vizinhos sob domínio soviético possam eleger seus
representantes nacionais de acordo com os princípios
orientadores estabelecidos nos escritos de ‘Abdu’l-Bahá, o
único obstáculo restante no que diz respeito à formação da
Casa Internacional de Justiça terá sido removido. Pois, de
conformidade com as provisões explícitas do Testamento,
diretamente às Casas Nacionais de Justiça do Oriente e do
Ocidente cabe a tarefa de eleger os membros da Casa
Internacional de Justiça. Somente quando eles próprios forem
totalmente representativos do corpo dos crentes em seus
respectivos países, somente quando tiverem adquirido a
influência e a experiência que os capacitará a funcionar
vigorosamente na vida orgânica da Causa, é que eles poderão
abordar sua sagrada tarefa e prover a base espiritual para a
constituição de um corpo tão augusto no mundo bahá’í.

A INSTITUIÇÃO DA GUARDIANIA
Deve, também, ser claramente compreendido por todo
crente que a instituição da Guardiania, de maneira alguma,
ab-roga, ou mesmo diminui, no mínimo grau, os poderes

7
SHOGHI EFFENDI

concedidos à Casa Universal de Justiça por Bahá’u’lláh no


Kitáb-i-Aqdas, e repetida e solenemente confirmados por
‘Abdu’l-Bahá em Seu Testamento. Não constitui de modo
algum uma contradição ao Testamento e Escritos de
Bahá’u’lláh, nem anula qualquer de Suas instruções reveladas.
Realça o prestígio daquela exaltada assembléia, estabiliza sua
posição suprema, salvaguarda sua unidade, assegura a
continuidade de seus esforços, sem ousar, nem de leve, infringir
a inviolabilidade de sua esfera claramente definida de
jurisdição. Na verdade, estamos demasiadamente próximos de
um documento tão monumental para reivindicar para nós
mesmos uma compreensão completa de todas as suas
implicações, ou supor que tenhamos entendido os múltiplos
mistérios que sem dúvida contém. Somente gerações futuras
poderão compreender o valor e o significado vinculado a esta
Divina Obra-Prima que a mão do Arquiteto do mundo
projetou para a unificação e o triunfo da Fé mundial de
Bahá’u’lláh. Somente aqueles que virão depois de nós estarão
em posição de perceber o valor da ênfase surpreendentemente
forte que foi dada à instituição da Casa de Justiça e da
Guardiania. Somente eles apreciarão o significado da
linguagem vigorosa empregada por ‘Abdu’l-Bahá com
referência ao bando de rompedores do Convênio que se opôs
a Ele em Seus dias. Somente a eles será revelada a adequação
das instituições iniciadas por ‘Abdu’l-Bahá ao caráter da
sociedade futura que deverá emergir do caos e da confusão da
época presente. Neste contexto, só posso rir da absurda e
fantástica idéia de que Muhammad-‘Alí, o principal agente
motor e o centro focal de inflexível hostilidade à pessoa de
‘Abdu’l-Bahá, tenha se associado livremente com os membros
da família de ‘Abdu’l-Bahá no forjamento de um testamento
que, nas palavras da própria autora, nada mais é que um “recital

8
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

de maquinações”, nas quais por trinta anos Muhammad-‘Alí


esteve diligentemente ocupado. A uma vítima tão desesperada
de idéias confusas, sinto que melhor posso responder com uma
genuína expressão de compaixão e piedade, mesclada com
minha esperança pela sua libertação de tão profunda ilusão.
Foi em vista das observações supramencionadas, após a infeliz
e inevitável demora ocasionada pela minha falta de saúde e
ausência da Terra Santa durante o passamento do Mestre, que
eu hesitei em recorrer à indiscriminada circulação do
Testamento, percebendo perfeitamente que ele era
primariamente dirigido aos crentes reconhecidos e somente
indiretamente concernia ao conjunto mais amplo de amigos
e simpatizantes da Causa.

O PROPÓSITO QUE ANIMA AS INSTITUIÇÕES BAHÁ’ÍS


E, agora, cumpre-nos refletir sobre o propósito que anima
e as funções primárias destas instituições divinamente
estabelecidas, cujo caráter sagrado e cuja eficácia universal
somente pode ser demonstrado pelo espírito que difundem e
o trabalho que de fato realizam. Não necessito estender-me
sobre o que já reiterei e enfatizei: que a administração da Causa
deve ser concebida como um instrumento e não um substituto
para a Fé de Bahá’u’lláh, que ela deve ser considerada como
um canal através do qual Suas prometidas bênçãos podem fluir,
que ela deva prevenir-se contra uma rigidez do tipo que
obstruiria e restringiria as forças libertadoras liberadas por Sua
Revelação. Não necessito estender-me no momento presente
sobre o que afirmei no passado: que contribuições aos Fundos
local e nacional são de caráter puramente voluntário; que
nenhuma coerção ou solicitação de fundos deve ser tolerada
na Causa: que apelos gerais dirigidos às comunidades como

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SHOGHI EFFENDI

um corpo devem ser a única forma pela qual as necessidades


financeiras da Fé devem ser enfrentadas; que o sustento
financeiro concedido a uns poucos trabalhadores nos campos
de ensino e administração é de natureza temporária; que as
restrições atuais impostas à publicação de literatura bahá’í serão
definitivamente abolidas; que a atividade de Unidade Mundial
está sendo realizada como uma experiência para testar a eficácia
do método indireto de ensino; que todo o mecanismo de
assembléias, de comitês e convenções deve ser considerado
como um meio, e não como um fim em si mesmo; que eles
irão ascender ou cair, de acordo com sua capacidade de
promover os interesses, coordenar as atividades, aplicar os
princípios, concretizar os ideais e executar o propósito da Fé
Bahá’í. Quem, posso perguntar, ao observar o caráter
internacional da Causa, suas extensas ramificações, a crescente
complexidade de seus assuntos, a diversidade de seus
aderentes, e o estado de confusão que por todos os lados assalta
a infante Fé de Deus, poderia, por um momento, questionar a
necessidade de algum tipo de mecanismo que, em meio à
tempestade e tensão de uma civilização em dificuldades, possa
assegurar a unidade da Fé, a preservação de sua identidade, e
a proteção de seus interesses? Repudiar a validade das
assembléias dos ministros eleitos da Fé de Bahá’u’lláh, seria
rejeitar aquelas inumeráveis Epístolas de Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-
Bahá, nas quais exaltaram seus privilégios e deveres,
enfatizaram a glória de sua missão, revelaram a imensidade de
sua tarefa, e os preveniram contra os ataques que devem esperar
da falta de sabedoria de seus amigos, bem como da malícia de
seus inimigos. Àqueles em cujas mãos foi confiada uma herança
tão inestimável, compete certamente vigiarem devotadamente,
a fim de que o instrumento não venha a suplantar a própria
Fé; a fim de que preocupação indevida com minúcias

10
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

resultantes da administração da Causa, não obscureçam a visão


de seus promotores; a fim de que parcialidade, ambição e
mundanidade, não tendam, com o passar do tempo, a nublar
a radiância, manchar a pureza, e prejudicar a eficácia da Fé de
Bahá’u’lláh.

SITUAÇÃO NO EGITO
Já me referi, nas minhas comunicações anteriores de 10 de
janeiro de 1926 e 12 de fevereiro de 1927, à desconcertante,
porém altamente significativa, situação que surgiu no Egito
como resultado do julgamento final da corte eclesiástica
muçulmana naquele país, proferido contra nossos irmãos
egípcios, denunciando-os como hereges, expulsando-os de seu
meio e lhes recusando a aplicação e os benefícios da Lei
Muçulmana. Também os inteirei das dificuldades com as quais
eles se defrontam, e os planos que conceberam, a fim de obter
das autoridades civis egípcias um reconhecimento da posição
independente de sua Fé. Deve ser explicado, entretanto, que
nos países muçulmanos do Oriente Próximo e Médio, com
exceção da Turquia que recentemente aboliu todas as cortes
eclesiásticas sob seu domínio, toda comunidade religiosa
reconhecida tem, em assuntos de caráter pessoal tais como
casamento, divórcio e herança, sua própria corte eclesiástica,
totalmente independente dos tribunais civis e criminais, não
existindo nesses casos um código civil promulgado pelo
governo e abarcando todas as diferentes comunidades
religiosas. Até então, considerados como uma seita do islã, os
bahá’ís do Egito, que em sua maioria são de origem
muçulmana, e, por esse motivo, impossibilitados de se dirigirem
para fins de casamento e divórcio aos tribunais religiosos
reconhecidos de qualquer outra denominação, encontram-se,

11
SHOGHI EFFENDI

conseqüentemente, em uma situação delicada e anômala.


Naturalmente, resolveram referir seu caso ao governo egípcio
e, para esse fim, prepararam uma petição a ser dirigida ao chefe
do gabinete egípcio. Neste documento relataram os motivos
que os compeliam a procurar o reconhecimento de seus
governantes, asseveraram sua prontidão e suas qualificações
para exercer as funções de uma corte bahá’í independente, os
asseguraram de sua obediência e lealdade implícitas ao Estado
e de sua abstenção de interferência na política de seu país.
Decidiram, também, enviar junto com o texto de sua petição
uma cópia do julgamento da Corte, seleções dos escritos
bahá’ís, e o documento que expõe os princípios de sua
constituição nacional que, com poucas exceções, é idêntica à
Declaração e os Estatutos promulgados pela vossa Assembléia.
Insisti que as cláusulas de sua constituição deveriam, em
todos os seus detalhes, estar de acordo com o texto da
Declaração de Incumbência e Estatutos estabelecida por vós,
procurando, deste modo, preservar a uniformidade que sinto
ser essencial em todas as Constituições Nacionais Bahá’ís.
Gostaria, portanto, de vos solicitar neste contexto, o que já
dei a entender a eles, que quaisquer emendas que possam
decidir introduzir no texto da Declaração e dos Estatutos deve
ser devidamente comunicada a mim, a fim de que eu possa
tomar os passos necessários para a introdução de modificações
similares no texto de todas as outras Constituições Nacionais
Bahá’ís.
Será facilmente admitido que, em vista dos privilégios
peculiares concedidos às Comunidades religiosas reconhecidas
nos países islâmicos do Oriente Próximo e Médio, a solicitação
a ser submetida pela Assembléia Nacional Bahá’í do Egito ao
governo do Egito é mais substancial e de maior alcance do
que o que já foi concedido pelas Autoridades Federais à sua

12
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

Assembléia. Pois a petição deles está principalmente


preocupada com uma solicitação formal do reconhecimento
da Assembléia Espiritual Nacional do Egito, por parte das mais
altas autoridades civis no Egito, como uma corte bahá’í
reconhecida e independente, livre e capaz de executar e aplicar
em todas as questões de status pessoal as leis e determinações
conforme promulgadas por Bahá’u’lláh no Kitáb-i-Aqdas.
Solicitei que contatassem informalmente as respectivas
autoridades e efetuassem a mais completa indagação possível
como uma medida preliminar para a apresentação formal de
sua histórica petição. Qualquer ajuda que vossa Assembléia,
após cuidadosa deliberação possa achar aconselhável oferecer
aos valentes promotores da Fé naquele país será
profundamente apreciada e servirá para confirmar a
solidariedade que caracteriza as Comunidades Bahá’ís do
Oriente e do Ocidente. Qualquer que seja o resultado final
desta poderosa questão – e ninguém pode deixar de apreciar
as possibilidades incalculáveis da presente situação – podemos
permanecer confiantes de que a Mão orientadora que liberou
estas forças continuará, em Sua sabedoria inescrutável e por
seu poder onipotente, a moldar e dirigir o curso deles para a
glória, a emancipação final, e o reconhecimento absoluto de
Sua Fé.

Seu verdadeiro irmão,

SHOGHI

Haifa, Palestina
27 de fevereiro de 1929

13
A ORDEM MUNDIAL
DE BAHÁ’U’LLÁH

CONSIDERAÇÕES
ADICIONAIS
SHOGHI EFFENDI

16
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS AMADOS DO SENHOR E ÀS SERVAS


DO MISERICORDIOSO
POR TODO O OCIDENTE

Ternamente amados colaboradores,

Entre os relatórios que ultimamente chagaram à Terra


Santa, a maioria dos quais dá testemunho da marcha triunfante
da Causa, uns poucos parecem revelar uma certa apreensão
com respeito à validade das instituições que se encontram
inseparavelmente associadas com a Fé de Bahá’u’lláh. Estas
dúvidas assim expressas, parecem ser instigadas por certos
murmúrios que emanaram de fontes que são ou totalmente
mal informadas a respeito dos princípios da Revelação Bahá’í,
ou deliberadamente planejam semear as sementes da dissensão
nos corações dos fiéis.

UMA BENÇÃO DISFARÇADA


Visto à luz da experiência do passado, o resultado inevitável
de tais tentativas fúteis, por mais persistentes e maliciosas que
sejam, é o de contribuir para um reconhecimento mais amplo
e profundo, tanto por parte de crentes como de descrentes,
das características distintivas da Fé proclamada por
Bahá’u’lláh. Estes criticismos desafiantes, quer sejam ditados
pela malícia ou não, só poderão servir para galvanizar as almas
de seus fiéis promotores. Através deles a Fé será purificada

17
SHOGHI EFFENDI

daqueles elementos perniciosos, cuja contínua associação com


os crentes, tende a desacreditar o bom nome da Causa e a
manchar a pureza de seu espírito. Deveríamos, portanto,
acolher prazerosamente não somente os ataques abertos que
seus inimigos declarados persistentemente lançam contra ela,
mas também ver como uma benção disfarçada em cada
tempestade de maldade com que os que apostataram sua fé ou
pretendem ser seus fiéis expoentes a assolam de tempos em
tempos. Em vez de solapar a Fé, tais ataques, tanto internos
como externos, reforçam seus alicerces e intensificam sua
chama, determinados a nublar sua radiância, eles proclamam
a todo o mundo o caráter exaltado de seus preceitos, a perfeição
de sua unidade, a incomparabilidade de sua posição, e a
universalidade de sua influência.
Nem por um momento sinto que tal clamor, principalmente
atribuível à fúria impotente contra a marcha irresistível da
Causa de Deus, poderá jamais angustiar os valentes guerreiros
da Fé. Pois estas almas heróicas, quer estejam combatendo na
fortaleza inexpugnável da América, ou se debatendo no
coração da Europa e além-mar até o continente da Australásia,
já demonstraram abundantemente a tenacidade de sua Fé e o
permanente valor de sua convicção.

CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA ORDEM MUNDIAL BAHÁ’Í


Sinto, entretanto, que, em virtude das responsabilidades
vinculadas à Guardiania da Fé, cabe a mim estender-me mais
amplamente a respeito do caráter essencial e das características
distintivas daquela ordem mundial, conforme concebida e
proclamada por Bahá’u’lláh. Sinto-me impelido, no presente
estágio de evolução da Revelação Bahá’í, a afirmar,
francamente e sem qualquer restrição, tudo que a meu ver

18
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

possa tender a assegurar a preservação da integridade das


nascentes instituições da Fé. Sinto fortemente a urgência de
elucidar certos fatos que imediatamente revelariam, a todo
observador imparcial, o caráter excepcional daquela
Civilização Divina, cujas bases a mão infalível de Bahá’u’lláh
estabeleceu, e cujos elementos essenciais a Última Vontade e
Testamento de ‘Abdu’l-Bahá desvelou. Considero ser meu
dever prevenir todo iniciante na Fé que as prometidas glórias
da Soberania, que os ensinamentos bahá’ís prenunciam,
somente podem ser reveladas na plenitude dos tempos, que as
implicações do Aqdas e do Testamento de ‘Abdu’l-Bahá, como
os repositórios gêmeos dos elementos constituintes daquela
Soberania, são por demais amplas para que esta geração os
possa compreender e totalmente apreciar. Não posso me abster
de apelar aos que se identificam com a Fé a desconsiderarem
as idéias predominantes e as formas transitórias da época, e a
darem-se conta, como jamais antes, que as teorias
desacreditadas e as instituições cambaleantes da civilização
da atualidade devem necessariamente aparecer em contraste
penetrante com aquelas instituições divinamente ordenadas
que estão destinadas a se erguer sobre suas ruínas. Oro para
que possam perceber, com todo o seu coração e alma a glória
inefável de sua vocação, a colossal responsabilidade de sua
missão e a espantosa imensidade de sua tarefa.
Que cada diligente defensor da Causa de Bahá’u’lláh se
conscientize de que as tempestades que esta militante Fé de
Deus deve necessariamente enfrentar, à medida que o processo
de desintegração da sociedade avança, serão mais ferozes do
que quaisquer que já tenha conhecido. Que ele esteja cônscio
de que tão logo a total medida da estupenda reivindicação da
Fé de Bahá’u’lláh venha a ser reconhecida por aquelas
tradicionais e poderosas fortalezas de ortodoxia, cuja finalidade

19
SHOGHI EFFENDI

deliberada é a de manter sua força opressora sobre os


pensamentos e consciências dos homens, esta Fé infante terá
de enfrentar inimigos mais poderosos e mais insidiosos do que
os mais cruéis torturadores profissionais e os mais fanáticos
clérigos que a afligiram no passado. Que inimigos não poderão
surgir no decorrer das convulsões que se apossarão de uma
civilização moribunda, os quais reforçarão as indignidades já
acumuladas sobre ela?

O ATAQUE FURIOSO DE TODOS OS POVOS E RAÇAS


Precisamos unicamente nos referir às admoestações
proferidas por ‘Abdu’l-Bahá, a fim de nos darmos conta do
âmbito e do caráter das forças que estão destinadas a pelejar
com a sagrada Fé de Deus. Nos momentos mais tenebrosos de
Sua vida, sob o regime de ‘Abdu’l-Hamíd, quando Ele se
encontrava pronto para ser deportado às regiões mais inóspitas
da África do Norte, e numa época em que a luz auspiciosa da
Revelação Bahá’í havia somente começado a surgir no
Ocidente, Ele, em Sua mensagem de despedida ao primo do
Báb, proferiu estas proféticas e ominosas palavras:
“Quão grande, quão imensa é esta Causa! Quão
violentamente furioso o ataque de todos os povos e
raças da terra! Em breve, o clamor da multidão
através da África, através da América, o grito dos
europeus e dos turcos, os gemidos da Índia e China,
serão ouvidos tanto de longe quanto de perto. Cada
um e todos, eles se levantarão com todo o seu poder
para resistir à Sua Causa. Então os cavaleiros do
Senhor, assistidos por Sua graça oriunda do alto,
fortalecidos pela Fé, ajudados pelo poder da
compreensão, e reforçados pelas legiões do

20
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

Convênio, levantar-se-ão e tornarão manifesta a


verdade do versículo: ‘Vede a confusão que
sobreveio às tribos dos derrotados!’”
Por mais estupenda que seja a luta que Suas palavras
prenunciam, elas dão também testemunho da completa vitória
que os defensores do Máximo Nome estão finalmente
destinados a alcançar. Povos, nações, aderentes de diversas
fés, levantar-se-ão, em conjunto e sucessivamente, para
despedaçar sua unidade, solapar sua força e degradar seu
sagrado nome. Eles irão atacar não somente o espírito que ela
inculca, mas também a administração que é o canal, o
instrumento, a personificação daquele espírito. Pois, à medida
que a autoridade com que Bahá’u’lláh investiu a futura
Comunidade Mundial Bahá’í se tornar mais e mais aparente,
mais feroz será o desafio que, de todos os lados, será lançado às
verdades que ela entesoura.

A D IFERENÇA ENTRE A F É B AHÁ ’ Í E O RGANIZAÇÕES


ECLESIÁSTICAS
Cumpre-nos, queridos amigos, envidar esforços não só para
nos familiarizarmos com os aspectos essenciais desta Obra
suprema de Bahá’u’lláh, mas também para compreendermos
a diferença fundamental existente entre esta Ordem
divinamente ordenada, de âmbito mundial, e as principais
organizações eclesiásticas do mundo, quer pertençam à Igreja
de Cristo quer às ordens da Dispensação Muçulmana.
Cedo ou tarde, aqueles cujo inestimável privilégio é o de
administrar os assuntos, promover os interesses, e zelar por
estas instituições, terão que enfrentar a seguinte pergunta
perscrutadora: “Em que sentido e de que forma esta Ordem
estabelecida por Bahá’u’lláh, que aparentemente nada mais é

21
SHOGHI EFFENDI

que uma réplica das instituições estabelecidas no cristianismo


e no islã, difere destas? Não sãos as instituições gêmeas da Casa
de Justiça e da Guardiania, a instituição das Mãos da Causa
de Deus, a instituição das Assembléias nacionais e locais, a
instituição do Mashriqu’l-Adhkár, mais que nomes diferentes
para as instituições do papado e do califado, com todas as suas
ordens eclesiásticas auxiliares que os cristãos e muçulmanos
defendem e advogam? Qual poderá ser o instrumento capaz
de salvaguardar estas instituições bahá’ís, em alguns aspectos
tão surpreendentemente parecidas àquelas que foram erigidas
pelos padres da Igreja e pelos apóstolos de Muhammad, de
testemunharem a deterioração do caráter, o rompimento da
unidade, e a extinção da influência que têm acometido todas
as hierarquias religiosas organizadas? Por que não deveriam,
finalmente, sofrer o mesmíssimo destino das instituições que
os sucessores de Cristo e Muhammad criaram?”
Da resposta dada a estas desafiadoras perguntas dependerá,
em grande parte, o sucesso dos esforços que os crentes em
todas as partes estão agora envidando para o estabelecimento
do reino de Deus sobre a terra. Poucas pessoas deixarão de
reconhecer que o Espírito insuflado no mundo por Bahá’u’lláh,
Espírito esse que está se manifestando em graus variados de
intensidade, mediante os esforços conscientes de Seus
declarados apoiadores e, indiretamente, através de certas
organizações humanitárias, jamais poderá penetrar no gênero
humano e exercer uma influência duradoura, a não ser que, e
até que, encarne em uma visível Ordem portadora de Seu
nome, integralmente identificada com Seus princípios e
funcionando de conformidade com Suas leis. O fato de
Bahá’u’lláh, em Seu livro do Aqdas e, posteriormente,
‘Abdu’l-Bahá, em Seu Testamento – documento este que
confirma, suplementa e correlaciona as provisões do Aqdas –

22
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

terem apresentado na íntegra aqueles elementos essenciais para


a constituição da comunidade bahá’í mundial, não pode ser
negado por ninguém que os tenha lido. De acordo com esses
princípios administrativos, divinamente ordenados, deverá
necessariamente ser modelada a Dispensação de Bahá’u’lláh,
a Arca da Salvação humana. Desses princípios devem manar
todas as futuras bênçãos e sobre eles deve finalmente repousar
sua autoridade inviolável.
Pois Bahá’u’lláh, devemos prontamente reconhecer, não
somente imbuiu a humanidade de um Espírito novo e
regenerador. Ele não apenas enunciou certos princípios
universais e propôs uma bem definida filosofia, não importa
quão potentes, sãos e universais eles sejam. Além disso, Ele,
como também ‘Abdu’l-Bahá depois dEle, diferentemente das
eras religiosas do passado, estabeleceram clara e
especificamente um código de Leis e instituições bem definidas,
e proveram os princípios essenciais de uma Economia Divina.
Esses princípios estão destinados a servir de modelo para a
sociedade futura, constituem um instrumento supremo para a
inauguração da Paz Máxima e são o único meio de unificar o
mundo e proclamar o reino de retidão e justiça na terra. Eles
não só revelaram todas as orientações necessárias para a
realização prática daqueles ideais que os Profetas de Deus
visualizaram e que desde tempos imemoriais estimularam a
imaginação de visionários e poetas em todas as épocas. Mas
também nomearam, em linguagem inequívoca e enfática,
aquelas instituições gêmeas da Casa de Justiça e da Guardiania
como seus Sucessores escolhidos, destinados a aplicar os
princípios, promulgar as leis, proteger as instituições, adaptar
leal e inteligentemente a Fé às necessidades da sociedade
progressista, e consumar a incorruptível herança que os
Fundadores da Fé legaram ao mundo.

23
SHOGHI EFFENDI

Se volvermos o olhar ao passado, se investigarmos a Bíblia


e o Alcorão, prontamente reconheceremos que nem a
Dispensação Cristã nem a Islâmica podem oferecer um
paralelo, quer ao sistema de Economia Divina tão
cuidadosamente estabelecido por Bahá’u’lláh, quer às
salvaguardas que Ele estabeleceu para a sua preservação e
progresso. Nisto, estou profundamente convencido, reside a
resposta àquelas questões às quais já me referi.
Ninguém, sinto eu, questionará o fato de que a razão
fundamental pela qual a unidade da Igreja de Cristo foi
irreparavelmente despedaçada, e sua influência solapada com
o passar do tempo, foi que o Edifício que os padres da Igreja
ergueram após o passamento do Seu Primeiro Apóstolo foi
um Edifício que de modo algum se apoiava sobre as instruções
explícitas do próprio Cristo. A autoridade e as características
de sua administração foram totalmente pressupostas, e
indiretamente obtidas, com maior ou menor justificação, de
certas referências vagas e fragmentárias que eles encontraram
espalhadas entre Suas elocuções segundo registradas na Bíblia.
Nenhum dos sacramentos da Igreja; nenhum dos ritos e
cerimônias que os padres cristãos delinearam elaboradamente
e observaram ostensivamente; nenhum dos elementos da
disciplina severa que impuseram rigorosamente sobre os
cristãos primitivos; nenhum destes se baseou sobre a autoridade
direta de Cristo, ou emanou de Suas elocuções específicas.
Nenhum destes foi concebido por Cristo, a ninguém Ele
concedeu autoridade específica suficiente quer para interpretar
Sua Palavra, ou para adicionar àquilo que Ele não prescrevera
especificamente.
Por esta razão, nas gerações posteriores, vozes se levantaram
em protesto contra a auto-nomeada Autoridade que se arrogava
privilégios e poderes que não emanaram do texto explícito do

24
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

Evangelho de Jesus Cristo, e que constituiu um afastamento


grave do espírito que aquele Evangelho inculcava.
Argumentaram com força e justificativa que os cânones
promulgados pelos concílios da Igreja não eram leis
divinamente ordenadas, mas meros instrumentos humanos que
nem ao menos se baseavam sobre as elocuções concretas de
Jesus. Sua contenda centralizou-se ao redor do fato que as
palavras vagas e inconclusivas, dirigidas por Cristo a Pedro:
“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”,
jamais poderiam justificar as medidas extremas, os cerimoniais
elaborados, os credos e dogmas entravantes com os quais Seus
sucessores gradualmente oprimiram e obscureceram Sua Fé.
Se tivesse sido possível aos padres da Igreja, cuja autoridade
não confirmada foi assim atacada por todos os lados, refutar as
denúncias que lhes foram imputadas através da citação de
elocuções específicas de Cristo com respeito à administração
futura de sua Igreja, ou à natureza da autoridade de seus
sucessores, seguramente teriam sido capazes de extinguir a
chama da controvérsia e de preservar a unidade da cristandade.
Entretanto, o Evangelho, o único repositório das elocuções
de Cristo, não proporcionou tal abrigo a estes atormentados
líderes da Igreja, os quais se acharam indefesos em face dos
ataques impiedosos de seus inimigos, e que finalmente tiveram
que se submeter às forças do cisma que invadiu sua ordem.
Na Revelação de Muhammad, entretanto, ainda que em
comparação com a de Cristo Sua Fé fosse mais completa e
mais específica nas suas provisões quanto à administração de
Sua Dispensação, na questão de sucessão, todavia, não deu
quaisquer instruções escritas, consistentes e conclusivas àqueles
cuja missão era propagar Sua Causa. Porquanto o texto do
Alcorão, cujas determinações a respeito da oração, jejum,
casamento, divórcio, herança, peregrinação e similares,

25
SHOGHI EFFENDI

permaneceram intactas e operantes após a passagem de mil e


trezentos anos, não dá qualquer orientação definida a respeito
da Lei da Sucessão, origem de todas as dissensões, controvérsias
e cismas que mutilaram e desacreditaram o islã.
Isto não ocorre com a Revelação de Bahá’u’lláh. Ao
contrário da Dispensação de Cristo, ao contrário da
Dispensação de Muhammad, ao contrário de todas as
Dispensações do passado, os apóstolos de Bahá’u’lláh em todas
as partes, onde quer que trabalhem e labutem, têm perante si
em linguagem clara, inequívoca e enfática, todas as leis,
regulamentos, princípios, instituições e orientação que
necessitam para o prosseguimento e realização de sua tarefa.
Tanto nas provisões administrativas da Dispensação Bahá’í,
como na questão da sucessão, incorporadas nas instituições
gêmeas da Casa de Justiça e da Guardiania, os seguidores de
Bahá’u’lláh podem solicitar a ajuda de evidências tão
irrefutáveis da Orientação Divina que ninguém poderá resistir,
ninguém poderá depreciar ou ignorar. Nisso reside a
característica distintiva da Revelação Bahá’í. Nisso reside a
força da unidade da Fé, da validade da Revelação que
reivindica não destruir ou diminuir Revelações anteriores, mas
sim ligar, unificar e consumá-las. Esta é a razão porque tanto
Bahá’u’lláh como ‘Abdu’l-Bahá revelaram e até insistiram em
certos detalhes relativos à Economia Divina que legaram a
nós, seus seguidores. É por esta razão que em seus Testamentos
deram tanta ênfase aos poderes e prerrogativas dos ministros
de sua Fé.
Pois nada a não ser as orientações explícitas de seu Livro e
a linguagem surpreendentemente enfática com que eles
revestiram as provisões de seus Testamentos, poderiam
salvaguardar a Fé para a qual ambos tão gloriosamente
labutaram no decorrer de suas vidas. Nada a não ser isto

26
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

poderia protegê-la das heresias e calúnias com que


denominações, povos e governos têm se empenhado, e se
empenharão, com crescente vigor, a atacá-la no futuro.
Deveríamos também ter em mente que o caráter distintivo
da Revelação Bahá’í não consiste somente na completude e
validade inquestionável da Dispensação que os ensinamentos
de Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá estabeleceram. Sua excelência
reside também no fato de que aqueles elementos que em
Dispensações passadas se tornaram, sem a menor autoridade
de parte de seus Fundadores, uma fonte de corrupção e dano
incalculável à Fé de Deus, foram estritamente excluídos pelo
texto claro dos escritos de Bahá’u’lláh. Aquelas práticas não
autorizadas, relacionadas com o sacramento do batismo, da
comunhão, da confissão de pecados, do ascetismo, da
autoridade sacerdotal, de cerimoniais elaborados, da guerra
santa e da poligamia, foram todos rigidamente suprimidos pela
Pena de Bahá’u’lláh; ao mesmo tempo em que a rigidez e o
rigor de certas observâncias, tal como jejum, que são necessárias
para a vida devocional do indivíduo, foram consideravelmente
reduzidos.

UM ORGANISMO VIVO
Deve-se também ter em mente que o mecanismo da Causa
foi moldado de tal modo que tudo quanto seja considerado
necessário a fim de mantê-la na vanguarda de todos os
movimentos progressistas, pode, de acordo com as provisões
feitas por Bahá’u’lláh, ser incorporado a ela com segurança.
Disso dão testemunho as palavras de Bahá’u’lláh, como
registradas na Oitava Folha do exaltado Paraíso:
“Incumbe aos Fideicomissários da Casa de Justiça,
em conjunto, consultarem a respeito daqueles

27
SHOGHI EFFENDI

assuntos que não foram revelados ostensivamente


no Livro, e fazerem vigorar o que lhes aprouver. Deus,
em verdade, lhes inspirará qualquer coisa que deseje,
e Ele, em verdade, é Quem provê, o Onisciente.”
A Casa de Justiça não só foi investida por Bahá’u’lláh com a
autoridade para legislar o que quer que não tenha sido explícito
e visivelmente registrado em Seus Escritos sagrados, mas a ela
foi conferido também, pela Última Vontade e Testamento de
‘Abdu’l-Bahá, o direito e o poder para ab-rogar, de acordo
com as mudanças e necessidades da época, o que quer que já
tenha sido decretado e colocado em vigor por uma Casa de
Justiça precedente. Neste contexto, Ele revelou o seguinte
em Seu Testamento:
“E já que essa Casa de Justiça tem o poder de decretar
leis relativas às transações diárias – leis que não estejam
expressamente registradas no Livro – assim lhe cabe
também o poder de revogá-las. Por exemplo, a Casa
de Justiça decreta hoje uma certa lei e a põe em vigor,
e daqui a cem anos, havendo as circunstâncias
mudado radicalmente, sendo outras as condições, a
Casa de Justiça de então terá o poder de alterar a lei
anterior de acordo com as exigências do tempo. Poderá
fazer isso porque a referida lei não faz parte do explícito
Texto Divino. A Casa de Justiça é tanto o criador,
como o anulador de suas próprias leis.”
Tal é a imutabilidade de Sua Palavra revelada. Tal é a
elasticidade que caracteriza as funções de Seus designados
ministros. A primeira preserva a identidade de Sua Fé e protege
a integridade de Sua lei. A segunda capacita-a, assim como
um organismo vivo, a se expandir e se adaptar às necessidades
e exigências de uma sociedade em constante transformação.
Queridos amigos! Embora fraca nossa Fé possa parecer agora

28
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

aos olhos dos homens, os quais ou a denunciam como um


ramo do islamismo, ou desdenhosamente a ignoram como mais
uma daquelas seitas obscuras que abundam no Ocidente, esta
gema inestimável de Revelação Divina, estando ainda em seu
estado embrionário, evoluirá dentro da concha de Sua lei, e
avançará rapidamente, individida e ilesa, até que abarque a
totalidade da humanidade. Unicamente aqueles que já
reconheceram a posição suprema de Bahá’u’lláh, somente
aqueles cujos corações foram tocados por Seu amor, e se
familiarizaram com a potência de Seu espírito, podem
adequadamente apreciar o valor desta Economia Divina – Sua
dádiva inestimável para a humanidade.
Líderes da religião, expoentes de teorias políticas,
governantes de instituições humanas, que presentemente
testemunham com perplexidade e consternação a falência de
suas idéias e a desintegração de sua mão-de-obra, bem poderiam
dirigir o olhar para a Revelação de Bahá’u’lláh e meditar sobre
a Ordem Mundial que, encerrada em Seus ensinamentos, lenta
e imperceptivelmente surge em meio ao tumulto e ao caos da
presente civilização. Não devem ter dúvida nem ansiedade a
respeito da natureza, da origem ou da validade das instituições
que os aderentes da Fé estão erigindo em toda parte do mundo.
Pois estas se encerram nos próprios ensinamentos, não sendo
adulteradas ou obscurecidas por inferências injustificáveis ou
interpretações de Sua Palavra que não sejam autorizadas.
Quão prementes e sagradas as responsabilidades que agora
pesam sobre aqueles que já estão familiarizados com estes
ensinamentos! Quão gloriosa a tarefa daqueles que são
chamados a vindicar sua verdade e demonstrar sua viabilidade
a um mundo descrente! Nada, a não ser uma convicção
inabalável em sua origem divina, e sua incomparabilidade nos
anais da religião; nada, a não ser um propósito resoluto para

29
SHOGHI EFFENDI

executar e aplicá-los ao mecanismo administrativo da Causa,


pode ser suficiente para estabelecer sua realidade e assegurar
seu sucesso. Quão vasta é a Revelação de Bahá’u’lláh! Quão
grande a magnitude de Suas bênçãos derramadas sobre a
humanidade neste dia! E, contudo, quão pobre, quão
inadequada nossa concepção de seu significado e glória! Esta
geração encontra-se demasiadamente próxima a uma
Revelação tão colossal para apreciar, em sua medida total, as
possibilidades infinitas de Sua Fé, o caráter sem precedente
de Sua Causa e as misteriosas dispensações de Sua
Providência.
No Íqán, Bahá’u’lláh, desejando enfatizar o caráter
transcendente deste novo Dia de Deus, destaca a força de
Seu argumento fazendo referência ao texto de uma tradição
correta e autorizada, que revela o seguinte:
“O conhecimento consiste em vinte e sete letras.
Tudo o que os Profetas revelaram são duas dessas
letras. Homem algum até agora conheceu mais do
que essas duas letras. Mas quando surgir o Qá’im,
Ele tornará manifestas as vinte e cinco letras
restantes.”
E seguem-se imediatamente estas confirmadoras e iluminadoras
palavras de Bahá’u’lláh:
“Considera: Ele declarou que o Conhecimento
consistia em vinte e sete letras e julgou haverem sido
todos os Profetas, desde Adão até o próprio
Muhammad, o ‘Selo’, expositores de somente duas
dessas letras. Diz ele também que o Qá’im revelará
todas as restantes vinte e cinco letras. Dessa
afirmação, vê tu como é grande e elevada Sua
posição! Seu grau excede ao de todos os Profetas e
Sua Revelação transcende a compreensão e o

30
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

entendimento de todos os Seus eleitos. Uma


Revelação da qual os Profetas de Deus, Seus santos
e eleitos, ou não tinham conhecimento ou, de
acordo com o inescrutável Decreto de Deus, não o
deixaram aparecer – tal Revelação essas pessoas vis
e perversas tentam medir com suas próprias
inteligências deficientes, com sua própria
compreensão e seus conhecimentos imperfeitos.”
Em outra passagem do mesmo livro, referindo-se à
transformação levada a efeito por cada Revelação nos modos,
pensamentos e maneiras do povo, Bahá’u’lláh revela estas
palavras:
“Não é o objetivo de cada Revelação efetuar uma
transformação em todo o caráter da humanidade,
transformação essa que se manifeste tanto exterior
como interiormente, que afete a vida íntima e
também as condições externas? Pois se o caráter da
humanidade não fosse mudado, a futilidade do
Manifestante Universal de Deus se tornaria
evidente.”
O próprio Cristo pronunciou estas palavras, dirigidas aos
Seus discípulos:
“Tenho ainda muito a vos dizer, mas não podeis agora
compreender. Quando vier o Espírito da Verdade,
ele vos guiará à verdade plena.”
Do texto desta reconhecida tradição, assim como das
palavras de Cristo, segundo o Evangelho as atesta, cada
observador sem preconceito perceberá prontamente a
magnitude da Fé revelada por Bahá’u’lláh e haverá de
reconhecer o espantoso peso de Sua reivindicação. Não
admira que ‘Abdu’l-Bahá tenha retratado com cores tão
sombrias a fúria da agitação que em dias vindouros haverá de

31
SHOGHI EFFENDI

se concentrar ao redor das nascentes instituições da Fé. Agora,


apenas vagamente podemos discernir os começos daquele
tumulto que a ascensão e ascendência da Causa de Deus está
destinada a lançar no mundo.

O MAIOR DE TODOS OS DRAMAS DA HISTÓRIA ESPIRITUAL DO


MUNDO
Quer seja na feroz e insidiosa campanha de repressão e
crueldade que os governantes da Rússia lançaram contra os
sustentadores da Fé sob seu regime; quer na animosidade
inflexível com que os xiitas do islã estão pisoteando os direitos
sagrados dos aderentes da Causa com relação à casa de
Bahá’u’lláh em Bagdá; quer na fúria impotente que impeliu
os líderes eclesiásticos da seita sunita do islã a expulsar nossos
irmãos egípcios de seu meio – em tudo isso podemos perceber
as manifestações do ódio implacável que povos, religiões e
governos nutrem contra uma Fé tão pura, tão inocente, tão
gloriosa.
É nosso o dever de ponderar estas coisas em nossos corações,
de nos empenharmos em ampliar nossa visão, de
aprofundarmos nossa compreensão desta Causa, e de nos
levantarmos, resolutamente e sem reservas, para desempenhar
nosso papel, não importa quão pequeno, neste maior de todos
os dramas da história espiritual do mundo.

Vosso irmão e colaborador,

SHOGHI

Haifa, Palestina.
21 de março de 1930

32
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

A META DE UMA
NOVA ORDEM MUNDIAL

33
SHOGHI EFFENDI

34
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

Companheiros de crença na Fé de Bahá’u’lláh,

A marcha inexorável dos recentes eventos transportou a


humanidade para tão próximo da meta prenunciada por
Bahá’u’lláh que nenhum seguidor responsável de Sua Fé, ao
contemplar por todos os lados as evidências aflitivas das dores
de parto do mundo, pode permanecer indiferente ao
pensamento de sua iminente libertação.
Não pareceria inadequado, numa época em que estamos
comemorando em todo o mundo o término da primeira década
desde o repentino desaparecimento de ‘Abdu’l-Bahá * de nosso
meio, ponderarmos, à luz dos ensinamentos por Ele legados
ao mundo, eventos tais como os que propenderam a apressar
a gradual emergência da Ordem Mundial antecipada por
Bahá’u’lláh.
Há dez anos, nesta mesma data, o telégrafo transmitiu ao
mundo a notícia do passamento dAquele único que, através
da enobrecedora influência de Seu amor, força e sabedoria,
poderia ter-se revelado seu esteio e conforto nas múltiplas
aflições que estava destinado a sofrer.
Quão bem, nós, o pequeno grupo de seus declarados
apoiadores que reivindicamos ter reconhecido a Luz que nEle
brilhou, ainda podemos nos lembrar de Suas repetidas alusões,
ao entardecer de Sua vida terrena, às tribulações e perturbações
com que uma humanidade impenitente viria a ser
progressivamente afligida. Quão pungentemente alguns de nós
podem relembrar Suas significativas observações, na presença
*
28 de novembro de 1921. N.T.

35
SHOGHI EFFENDI

dos peregrinos e visitantes que se apinhavam às Suas portas


no dia seguinte às jubilosas celebrações que saudaram o término
da Guerra Mundial – uma guerra que, em virtude dos horrores
que evocou, as perdas que impôs e as complicações que causou,
estava destinada a exercer tão imensa influência nos destinos
da humanidade. Quão serenamente, embora poderosamente,
Ele enfatizou a cruel decepção que um Pacto, saudado por
povos e nações como a concretização de justiça triunfante e o
instrumento infalível de uma paz duradoura, reservava para
uma humanidade impenitente. “Paz, Paz,” quantas vezes O
ouvimos dizer: “proclamam incessantemente os lábios de
potentados e povos, enquanto o fogo de ódios não extintos
ainda estão ardendo latentes em seus corações.” Quantas vezes
O ouvimos levantar Sua voz, enquanto o tumulto do
entusiasmo triunfante ainda estava no auge e muito antes que
as mais tênues dúvidas pudessem ser sentidas ou expressas,
confiantemente declarando que o Documento, exaltado como
a Carta Magna de uma humanidade liberada, continha dentro
de si as sementes de decepções tão amargas que iriam subjugar
ainda mais o mundo. Quão abundantes são agora as evidências
que atestam a perspicácia de Seu julgamento infalível!
Dez anos de perturbações incessantes, tão carregadas de
angústias, tão repletas de conseqüências incalculáveis para o
futuro da civilização, trouxeram o mundo à beira de uma
calamidade demasiadamente medonha para ser contemplada.
Triste, realmente, é o contraste entre as manifestações de
entusiasmo confiante a que os Plenipotenciários em Versailles
tão livremente se entregaram e o grito de aflição indissimulável
que vencedores e vencidos estão agora igualmente levantando
na hora de amarga desilusão.

36
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

UM MUNDO CANSADO DE GUERRA


Nem a força que os criadores e abonadores dos Tratados de
Paz reuniram, nem os elevados ideais que originalmente
animaram o autor do Convênio da Liga das Nações, provaram
ser um baluarte suficiente contra as forças de ruptura interna
com que uma estrutura tão laboriosamente arquitetada foi
consistentemente assaltada. Nem as provisões do assim
chamado Acordo que os Poderes vitoriosos procuraram impor,
nem a maquinaria de uma instituição que o ilustre e previdente
Presidente da América havia concebido, provaram, quer na
concepção ou na prática, ser instrumentos adequados para
assegurar a integridade da Ordem que se empenharam em
estabelecer. Em janeiro de 1920, ‘Abdu’l-Bahá escreveu:
“Estes males dos quais o mundo agora sofre
multiplicar-se-ão; o desalento que o envolve
aumentará. Os Bálcãs permanecerão descontentes.
Sua inquietação aumentará. Os Poderes
conquistados continuarão a perturbar. Valer-se-ão
de qualquer meio que possa reacender a chama da
guerra. Movimentos recém-nascidos e de âmbito
mundial envidarão o máximo esforço para a
promoção de seus desígnios. Os Movimentos da
Esquerda adquirirão grande importância. Sua
influência se espalhará.”
Desde que estas palavras foram escritas, dificuldade
econômica juntamente com confusão política, convulsões
financeiras, inquietação religiosa e animosidade racial, parecem
ter conspirado para aumentar imensuravelmente o fardo sob
o qual um mundo empobrecido e cansado de guerra, está
gemendo. Tal tem sido o efeito cumulativo destas sucessivas
crises que se seguem uma após a outra com rapidez tão

37
SHOGHI EFFENDI

atordoante, que as próprias bases da sociedade estão


estremecendo. O mundo, qualquer que seja o continente a
que volvamos nosso olhar, por mais remota que seja a região
que avaliemos, é atacado em todas as partes por forças que
não pode explicar nem controlar.
A Europa, até então considerada como o berço de uma
civilização altamente alardeada, como o portador da tocha da
liberdade e o incentivo principal das forças da indústria e
comércio mundiais, encontra-se atordoada e paralisada ante
a visão de tão tremenda convulsão. Ideais há muito
acalentados na esfera política e não menos na esfera
econômica da atividade humana, estão sendo severamente
testados sob a pressão de forças reacionários, de um lado, e de
persistente e insidioso radicalismo, do outro. Do coração da
Ásia estrondos distantes, agourentos e insistentes, pressagiam
a persistente investida de um credo que, por negar a Deus,
Suas Leis e Princípios, ameaça despedaçar as bases da sociedade
humana. O clamor de um nacionalismo nascente, unido a
uma recrudescência de ceticismo e descrença, sobrevém como
infortúnios adicionais a um continente até então considerado
como o símbolo de estabilidade duradoura e resignação
imperturbada. Da tenebrosa África, podem ser crescentemente
discernidos os primeiros sinais de uma revolta consciente e
determinada contra os objetivos e métodos do imperialismo
político e econômico, contribuindo com sua parcela às
crescentes vicissitudes de uma era perturbada. Nem mesmo a
América, que até bem recentemente se orgulhava de sua
política tradicional de afastamento e o caráter auto-suficiente
de sua economia, a invulnerabilidade de suas instituições e as
evidências de sua crescente prosperidade e prestígio, tem sido
capaz de resistir às forças impulsoras que a arrebataram para o
vértice de um furacão econômico que agora ameaça prejudicar

38
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

a base de sua própria vida industrial e econômica. Até mesmo


a longínqua Austrália, a qual, em virtude de sua grande
distância dos focos de agitação da Europa, supor-se-ia imune
às provações e tormentas de um continente enfermo, foi presa
deste remoinho de paixão e contenda, impotente para se livrar
da armadilha de sua influência.

OS SINAIS DE CAOS IMINENTE


Na verdade, nunca existiram convulsões tão difundidas e
básicas, seja na esfera social, econômica ou política da atividade
humana, como as que agora estão em andamento em
diferentes partes do mundo. Nunca existiram tantas e tão
variadas fontes de perigo como as que agora ameaçam a
estrutura da sociedade. As seguintes palavras de Bahá’u’lláh
são de fato significativas quando paramos para refletir a respeito
do estado atual de um mundo estranhamente desordenado:
“Por quanto tempo a humanidade persistirá em sua
insubordinação? Por quanto tempo a injustiça
haverá de continuar? Por quanto tempo o caos e a
confusão reinarão entre os homens? Por quanto
tempo a discórdia agitará a face da sociedade? Os
ventos do desespero sopram, lastimavelmente, de
todas as direções, e a contenda que divide e aflige a
raça humana aumenta dia a dia. Os sinais de caos e
convulsões iminentes podem agora ser discernidos,
desde que a ordem que predomina parece ser
lamentavelmente defeituosa.”
A influência inquietante de mais de trinta milhões de
pessoas vivendo em condições minoritárias através do
continente da Europa; o vasto e sempre-crescente exército de
desempregados com seu fardo esmagador e sua influência

39
SHOGHI EFFENDI

desmoralizante sobre governos e povos; a perversa e


desenfreada corrida armamentista que devora uma parcela
sempre-crescente dos recursos de nações já empobrecidas; a
total desmoralização da qual os mercados financeiros
internacionais estão agora sofrendo cada vez mais; o violento
ataque do secularismo invadindo o que até então foi
considerado como o baluarte inexpugnável da ortodoxia cristã
e muçulmana – estes se destacam como os sintomas mais graves
que agourentam a estabilidade futura da estrutura da civilização
moderna. Não admira que um dos pensadores mais
preeminentes da Europa, honrado por sua sabedoria e
moderação, tenha sido forçado a fazer uma afirmação tão
audaz: “O mundo está atravessando a mais grave crise na
história da civilização.” “Encontramo-nos”, escreve outro,
“perante uma catástrofe mundial, ou, talvez, perante a aurora
de uma era maior de verdade e sabedoria.” “É nestas ocasiões”,
ele acrescenta, “que religiões perecem e nascem.”
Não podemos discernir desde já, à medida que perscrutamos
o horizonte político, o alinhamento daquelas forças que
novamente estão dividindo o continente europeu em campos
de combatentes potenciais, determinados a uma disputa que
poderá marcar, de modo diverso da última guerra, o fim de
uma época, uma grande época, na história da evolução
humana? Somos nós, os custódios privilegiados de uma Fé
inestimável, chamados a testemunhar uma mudança
cataclísmica, politicamente tão fundamental e espiritualmente
tão benéfica como aquela que precipitou a queda do Império
Romano no Ocidente? Não poderá ocorrer – todo vigilante
aderente da Fé de Bahá’u’lláh bem pode pausar para refletir –
que desta erupção mundial fluam forças de tamanha energia
espiritual que lembrarão, ou melhor, eclipsarão, o esplendor
daqueles sinais e prodígios que acompanharam o

40
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

estabelecimento da Fé de Jesus Cristo? Não poderá emergir,


da agonia de um mundo abalado, um renascimento espiritual
de tal âmbito e poder que transcenda até mesmo a potência
daquelas forças de orientação mundial com que as Religiões
do Passado, a intervalos determinados e de acordo com uma
Sabedoria inescrutável, reavivaram o destino de eras e povos
em declínio? Não poderá a própria falência desta atual, desta
altamente alardeada civilização materialista, remover as ervas
sufocantes que agora impedem o desdobramento e a
eflorescência futura da empreendedora Fé de Deus?
Que o próprio Bahá’u’lláh irradie a iluminação de Suas
palavras sobre o nosso caminho à medida que seguimos nosso
rumo entre as armadilhas e misérias desta era atribulada. Há
mais de cinqüenta anos, num mundo* muito distante dos males
e testes que agora o atormentam, fluíram de Sua Pena estas
palavras proféticas:
“O mundo agoniza e sua agitação aumenta dia a dia.
Sua face inclina-se para a desobediência e a
descrença. Tal há de ser seu dilema que não seria
apropriado ou conveniente revelá-lo agora. Sua
perversidade continuará por muito tempo. E quando
chegar a hora marcada, aparecerá de súbito o que
fará tremerem os membros do gênero humano.
Então, e somente então, será içado o Estandarte
Divino e o Rouxinol do Paraíso cantará sua
melodia.”

A IMPOTÊNCIA DA ESTADÍSTICA
Ternamente amados amigos! A humanidade, quer vista à
luz da conduta individual do homem, quer nas relações
*
Acre, Palestina. N.T.

41
SHOGHI EFFENDI

existentes entre as comunidades e nações organizadas, já se


desviou demais, infelizmente, e sofreu um declínio muito
grande, para se redimir, sem outro apoio, simplesmente através
dos esforços dos melhores entre seus reconhecidos governantes
e estadistas, por mais desinteressados que sejam seus motivos,
por mais unida que seja sua ação e ainda que seu entusiasmo e
devoção à sua causa sejam incondicionais. Nenhum plano
ainda realizável através dos cálculos da mais alta estadística;
nenhuma doutrina que os mais ilustres expoentes de teorias
econômicas possam ter esperança de promulgar; nenhum
princípio que o mais ardente dos moralistas se possa esforçar
por incutir, pode, em último recurso, fornecer alicerces
adequados para sustentar o futuro de um mundo desvairado.
Nenhum apelo para a tolerância mútua que os sábios do
mundo possam erguer, por mais persuasivo e insistente que
seja, poderá lhe acalmar as paixões ou ajudar a restaurar seu
vigor. Nem qualquer esquema geral de simples cooperação
internacional organizada, em qualquer esfera de atividade
humana, por mais engenhoso que seja em concepção ou
alcance, conseguirá remover a causa primária do mal que tão
bruscamente destruiu o equilíbrio da sociedade hodierna.
Aventuro-me, ainda, a dizer que nem o próprio ato de
inventar o mecanismo necessário para a unificação política e
econômica – um princípio que tem sido cada vez mais
defendido nos tempos recentes – traz em si o antídoto ao
veneno que constantemente mina o vigor das nações e povos
organizados. De nenhum outro modo, poderíamos afirmar com
confiança, senão pela adoção incondicional do Programa
Divino – há sessenta anos enunciado por Bahá’u’lláh com
tanta simplicidade e força, e que em sua essência incorpora o
plano delineado por Deus para a unificação do gênero humano
nesta era – acompanhado por uma indomável convicção da

42
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

eficácia infalível de cada uma e todas as suas provisões, é


finalmente capaz de enfrentar as forças da desintegração
interna, as quais, se não detidas, haverão de continuar a corroer
as vísceras de uma sociedade desesperada. É para essa meta –
a meta de uma Nova Ordem Mundial, divina em origem, de
âmbito irrestrito, eqüitativa em seus princípios, e de
características desafiadoras – que a humanidade atribulada deve
dirigir seus esforços.
Alegar que se haja inteirado de todos os significados
implícitos do prodigioso plano de Bahá’u’lláh para a
solidariedade humana universal, ou que se tenha penetrado
no âmago de seu intuito, seria presunçoso mesmo por parte
dos declarados aderentes de Sua Fé. Tentar conceber todas as
suas possibilidades, avaliar seus futuros benefícios, descrever
sua glória, seria prematuro mesmo numa etapa tão adiantada
na evolução da humanidade.

OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ORDEM MUNDIAL


Tudo que razoavelmente podemos nos aventurar a fazer é
nos esforçar por obter um pálido vislumbre dos primeiros traços
da prometida Aurora, a qual, na plenitude dos tempos, há de
dissipar as trevas que envolvem a humanidade. Tudo que
podemos fazer é indicar, em seu mais amplo esboço, aquilo
que nos parece ser os princípios norteadores que alicerçam a
Ordem Mundial de Bahá’u’lláh, segundo desenvolvido e
enunciado por ‘Abdu’l-Bahá, o Centro de Seu Convênio com
toda a humanidade e o nomeado Intérprete e Expositor de
Sua Palavra.
Só uma mente parcial pode negar que o desassossego e
sofrimento que afligem a generalidade da raça humana são
em grande parte conseqüências diretas da Guerra Mundial e

43
SHOGHI EFFENDI

atribuíveis também à falta de sabedoria e visão daqueles que


formularam os Tratados de Paz. Nenhuma mente imparcial
questionaria que as obrigações financeiras contraídas no
decorrer da guerra, assim como a imposição de um fardo
atordoante de reparações a serem feitas pelos derrotados, têm
sido responsáveis, em grande parte, pela má distribuição e
conseqüente escassez do suprimento mundial do ouro
monetário, o que por sua vez acentuou imensa e
implacavelmente o fardo de países empobrecidos. Que os
débitos inter-governamentais impuseram uma tensão severa
às massas dos povos na Europa, transtornaram o equilíbrio
dos orçamentos nacionais, paralisaram indústrias nacionais, e
elevaram o número de desempregados, não é menos evidente
a um observador sem preconceitos. Que o espírito de vingança,
de suspeita, de medo e rivalidade, gerados pela guerra, e que
as provisões dos Tratados de Paz serviram para perpetuar e
promover, levou a um aumento desmedido dos armamentos
competitivos nacionais, envolvendo durante o último ano o
dispêndio total de não menos de um bilhão de libras esterlinas,
o que por sua vez acentuou os efeitos da depressão mundial, é
uma verdade que até o observador mais superficial admitirá
prontamente. Que um nacionalismo tacanho e brutal,
reforçado pela teoria da auto-determinação do pós-guerra, tem
sido o principal responsável pela política de tarifas altas e
proibitivas, tão prejudiciais ao fluxo saudável do comércio
internacional e para o mecanismo das finanças internacionais,
é um fato que poucos se aventurariam a contestar.
Seria fútil, entretanto, alegar que a guerra, mesmo com
todos os prejuízos que causou, todas as paixões que incitou e
todos os desgostos que deixou em seu rastro, tenha sido a causa
única da confusão sem precedentes em que quase todo o mundo
civilizado está atualmente submerso. Não será um fato – e esta

44
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

é a principal idéia que desejo focalizar – que a causa


fundamental dessa inquietação que prevalece no mundo não
seja tanto a conseqüência daquilo que se há de reconhecer,
cedo ou tarde, como um desequilíbrio transitório nos assuntos
de um mundo sempre em transformação, mas, antes, a
incapacidade daqueles em cujas mãos foram entregues os
destinos imediatos dos povos e nações, de adaptar seus sistemas
de instituições econômicas e políticas às necessidades
imperativas de uma era em rápida evolução? Essas crises
intermitentes que convulsionam a sociedade hodierna – não
serão devidas primariamente à lamentável incapacidade dos
reconhecidos líderes do mundo de entenderem corretamente
os sinais dos tempos, de se livrarem, de uma vez para sempre,
de suas idéias preconcebidas e seus credos sufocantes, e de
remodelarem o mecanismo de seus respectivos governos de
acordo com aqueles padrões implícitos na declaração suprema
de Bahá’u’lláh, a da Unidade do Gênero Humano – a principal
característica distintiva da Fé por Ele proclamada? Pois o
princípio da Unidade do Gênero Humano, a pedra
fundamental do domínio universal de Bahá’u’lláh, significa
nada mais nada menos que a realização de Seu plano para a
unificação do mundo – plano a que já nos referimos. ‘Abdu’l-
Bahá escreve:
“Em toda Dispensação a luz da Guia Divina focaliza-
se num tema central... Nesta maravilhosa Revelação,
neste século glorioso, o fundamento da Fé Divina e
a característica distintiva de Sua Lei é a consciência
da Unidade do Gênero Humano.”
Dignos de lástima são, de fato, os esforços daqueles líderes
das instituições humanas que, não levando em consideração
o espírito da época, lutam para aplicar processos nacionais,
próprios dos tempos antigos em que cada nação era auto-

45
SHOGHI EFFENDI

suficiente, a uma época que tem de atingir a unidade do


mundo, conforme prenunciada por Bahá’u’lláh, ou perecer.
Numa hora tão crítica na história da civilização, cumpre aos
líderes de todas as nações do mundo, tanto pequenas como
grandes, orientais como ocidentais, quer vencedoras ou
vencidas, atenderem ao chamado de clarim que Bahá’u’lláh
fez soar e, inteiramente imbuídos de um senso de solidariedade
mundial, o “sine qua non” de lealdade à Sua Causa,
levantarem-se corajosamente para pôr em prática
integralmente o remédio único que Ele, o Médico Divino,
prescreveu para uma humanidade enferma. Que afastem de
si, definitivamente, toda idéia preconcebida, todo preconceito
nacional, e atendam ao conselho sublime de ‘Abdu’l-Bahá, o
autorizado Expositor de Seus ensinamentos. A um alto oficial
no serviço do governo federal dos Estados Unidos da América,
que Lhe havia interrogado a respeito da melhor maneira de
promover os interesses de seu governo e do povo, ‘Abdu’l-
Bahá respondeu:
“Podeis melhor servir a vosso país se, em vossa
capacidade de cidadão do mundo, envidardes
esforços para facilitar a aplicação final do princípio
do federalismo, no qual se baseia o governo de vosso
próprio país, às relações que atualmente existem entre
os povos e nações do mundo.”
Em “O Segredo da Civilização Divina”*, a contribuição
proeminente de ‘Abdu’l-Bahá à futura reorganização do
mundo, lemos o seguinte:
“A verdadeira civilização desfraldará sua bandeira
no íntimo do coração do mundo onde quer que um
certo número de seus distinguidos e magnânimos

Anteriormente publicado em inglês sob o título “The Mysterious Forces of Civilization”.


*

46
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

soberanos – os brilhantes exemplares de devoção e


determinação – erguerem-se, pelo bem-estar e a
felicidade de toda a humanidade, com resolução
firme e visão clara, a fim de estabelecerem a Causa
da Paz Universal. Eles devem fazer da Causa da Paz
objeto de consulta geral e buscar, por todos os meios
em seu poder, estabelecer uma União das nações do
mundo. Eles devem concluir um tratado obrigatório
e estabelecer um convênio cujas provisões sejam
sólidas, invioláveis e definidas. Eles devem proclamá-
la ao mundo inteiro e obter para ele a sanção de
toda a raça humana. Este supremo e nobre
empreendimento – a verdadeira fonte da paz e bem-
estar do mundo todo – deve ser considerado sagrado
por todos os que habitam a terra. Todas as forças da
humanidade devem ser mobilizadas para assegurar a
estabilidade e permanência deste Supremo
Convênio. Neste Pacto todo-abrangente devem ser
claramente determinados os limites e fronteiras de
cada nação, definitivamente formulados os princípios
que fundamentam as relações dos governos entre si
e averiguados todos os acordos e obrigações
internacionais. De igual modo, o volume dos
armamentos de cada governo deve ser estritamente
limitado, pois se os preparativos para guerra e as
forças militares de qualquer nação fossem permitidos
a aumentar, eles despertariam a suspeita das outras.
O princípio fundamental que forma a base deste
Pacto solene deve ser tão estável que, se qualquer
governo violar posteriormente alguma de suas
provisões, todos os governos da terra devem se
levantar para reduzi-lo à absoluta submissão, mais

47
SHOGHI EFFENDI

ainda, a raça humana como um todo deve decidir,


com todo o poder à sua disposição, destruir esse
governo. Se este maior de todos os remédios for
aplicado ao corpo enfermo do mundo, ele
indubitavelmente se recuperará de suas doenças e
permanecerá salvo e seguro.”
Ele acrescenta:
“Poucos inconscientes do poder latente no esforço
humano, consideram esta questão altamente
impraticável, ainda mais, até mesmo além dos
extremos esforços do homem. contudo, este não é o
caso. Pelo contrário, graças à infalível graça de Deus,
à amorosa bondade de Seus favorecidos, aos esforços
incomparáveis das almas sábias e capazes, e aos
pensamentos e idéias dos inigualáveis líderes desta
era, nada absolutamente pode ser considerado
inatingível. Esforço, incessante esforço é necessário.
Nada menos que uma indomável determinação pode
concebivelmente alcançá-la. Numerosas causas que
eras passadas consideraram puramente visionárias,
neste dia já se tornaram, em sua maioria, acessíveis e
praticáveis. Por que deveria esta maior e mais elevada
causa – a estrela d’alva do firmamento da verdadeira
civilização e a causa da glória, do avanço, do bem-
estar e do sucesso de toda a humanidade – ser
considerada uma façanha impossível? Certamente,
dia virá quando sua bela luz irradiará esplendor sobre
a assembléia do homem.”

48
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

AS SETE LUZES DA UNIDADE


Em uma de Suas Epístolas, elucidando ainda mais Seu
nobre tema, ‘Abdu’l-Bahá diz o seguinte:
“Em ciclos passados, embora a harmonia tenha sido
estabelecida, ainda assim, devido à falta de meios, a
unidade de todo o gênero humano não poderia ter
sido conquistada. Os continentes permaneciam
separados por grandes distâncias – até mais, mesmo
entre os povos do mesmo continente a associação e
o intercâmbio de idéias eram praticamente
impossíveis. Em conseqüência disso, as relações
mútuas, o entendimento e a unidade entre todas as
nações e raças da Terra eram irrealizáveis. Nos dias
atuais, entretanto, os meios de comunicação têm-se
multiplicado, e os cinco continentes da Terra
fundiram-se virtualmente num só... De modo igual,
todos os membros da família humana, quer povos,
quer governos, cidades ou aldeias, têm-se tornado
cada vez mais interdependentes. A auto-suficiência
não mais é possível a nenhum deles, pois todos os
povos e nações estão unidos por laços políticos e
cada dia mais se fortalecem as relações de comércio
e indústria, de agricultura e educação. Portanto, a
unidade de todo o gênero humano pode ser
conseguida na época atual. Em verdade, isso não é
senão uma das maravilhas desta admirável era, deste
século glorioso. Disso, as eras passadas foram privadas,
pois este século – o século da luz – foi dotado de
glória, poder e iluminação incomparáveis. Daí a
miraculosa revelação de nova maravilha a cada dia.
Há de vir o dia em que se verá quão intensamente
ardem suas velas na Assembléia da humanidade.

49
SHOGHI EFFENDI

Vede como sua luz agora alvorece no tenebroso


horizonte do mundo. A primeira vela é a unidade
no reino da política, da qual podem agora ser
discernidos os primeiros clarões. A segunda vela é a
unidade de pensamento em atividades mundiais,
cuja consumação dentro em breve se haverá de
testemunhar. A terceira vela é a unidade na
liberdade, a qual seguramente se realizará. A quarta
vela é a unidade na religião, sendo esta a pedra
angular do próprio alicerce; através do poder de Deus
será revelada em todo seu esplendor. A quinta vela
é a unidade das nações – unidade esta que será
seguramente estabelecida neste século, fazendo com
que todos os povos do mundo considerem-se
cidadãos da mesma pátria. A sexta vela é a unidade
das raças: todos os que habitam a Terra haverão de
tornar-se povos de uma só raça. A sétima vela é a
unidade de idioma, isto é, a escolha de uma língua
universal a ser ensinada a todos os povos, e na qual
todos poderão conversar. Tudo isso, sem exceção,
haverá de se realizar, inevitavelmente, porque o
poder do Reino de Deus ajudará e facilitará tal
consumação.”

Um Super-Estado Mundial
Em Sua Epístola à rainha Vitória, há mais de sessenta anos,
dirigindo-se à “assembléia dos governantes da terra”,
Bahá’u’lláh revelou o seguinte:
“Deliberai em conjunto, considerando somente
aquilo que possa trazer benefício ao homem e lhe
melhorar a condição... Vede o mundo como o corpo

50
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

humano, o qual, embora criado completo e perfeito,


foi, por várias razões, vítima de graves doenças e
males. Nem por um só dia teve repouso; ao contrário,
suas enfermidades tornaram-se mais severas, pois foi
tratado por médicos inaptos, que se deixaram levar
pelos seus desejos mundanos e erraram
lastimavelmente. E se alguma vez, através dos
cuidados de um médico hábil, um membro desse
corpo foi curado, os demais permaneceram aflitos
como antes. Assim vos informa o Onisciente, o
Sapientíssimo... O que o Senhor ordenou como o
remédio soberano e o mais poderoso instrumento
para a cura do mundo inteiro é a união de todos os
seus povos numa Causa universal, numa Fé comum.
Isso, de modo algum há de se realizar salvo através
do poder de um Médico hábil, onipotente e
inspirado. Isto, deveras, é a verdade e tudo o mais é
senão erro.”
Em outra passagem Bahá’u’lláh acrescenta estas palavras:
“Vemos que a cada ano aumentais vossos
desembolsos, cujo peso cai sobre o povo que
governais; isso, em verdade, não é senão deplorável
injustiça. Temei os suspiros e as lágrimas deste
Injuriado e não aflijais vossos povos mais do que
podem suportar... Sede reconciliados entre vós, a fim
de que não mais preciseis de armamentos, salvo na
medida necessária para salvaguardar vossos
territórios e domínios. Sede unidos, ó assembléia dos
soberanos do mundo, pois assim a tempestade de
discórdia entre vós se aquietará e vossos povos
encontrarão tranqüilidade. Se qualquer um dentre
vós lançar mão de armas contra outro, levantai-vos

51
SHOGHI EFFENDI

todos contra ele, pois isto nada mais é que justiça


manifesta.”
Que outra coisa poderiam significar essas poderosas palavras,
senão que a irrestrita soberania nacional deveria se submeter
a uma limitação inevitável como preliminar imprescindível à
formação da futura Comunidade de todas as nações do mundo?
Alguma forma de super-estado mundial há de ser desenvolvida,
em cujo favor todas as nações do mundo de boa vontade
cederão todo e qualquer direito de fazer guerra, certos direitos
de cobrar impostos e todos os direitos de ter armamentos além
do necessário para a manutenção da ordem interna em seus
respectivos domínios. Tal estado terá que incluir dentro de
seu campo de ação um Executivo Internacional capaz de
exercer autoridade suprema e inquestionável sobre qualquer
membro recalcitrante da comunidade mundial; um Parlamento
Mundial, cujos membros serão eleitos pelos povos de seus
respectivos países, e cuja eleição será confirmada pelos
respectivos governos; e um Supremo Tribunal cuja decisão
terá autoridade mesmo nos casos em que os envolvidos não
consintam voluntariamente em submeter seu caso à sua
consideração. Uma comunidade mundial em que todas as
barreiras econômicas tenham sido permanentemente
demolidas, em que se haja reconhecido definitivamente a
interdependência entre Capital e Trabalho; em que o clamor
do fanatismo e da contenda religiosa tenha cessado para
sempre; em que a chama da animosidade de raça esteja
finalmente apagada; em que um só código de lei internacional
– o resultado do juízo ponderado dos representantes federados
do mundo – tenha como sua sanção a intervenção instantânea
e coerciva das forças combinadas das unidades federadas; e
finalmente, uma comunidade mundial em que a fúria de um
nacionalismo caprichoso e militante tenha sido transmutada

52
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

em uma consciência duradoura de cidadania mundial – isto


de fato parece ser, em seu esboço mais abrangente, a Ordem
prenunciada por Bahá’u’lláh, uma Ordem que virá a ser
considerada como o fruto mais belo de uma era em lento
amadurecimento.
Bahá’u’lláh proclama em Sua Mensagem a todo o gênero
humano:
“Ergueu-se o Tabernáculo da Unidade, não vos
considereis uns aos outros como estranhos... Sois os
frutos de uma só árvore e as folhas do mesmo ramo...
A terra é um só país e os seres humanos seus
cidadãos... Que o homem não se glorie em amar seu
país, que ele se glorie, sim, em amar sua espécie.”

UNIDADE NA DIVERSIDADE
Que não haja dúvida quanto ao propósito animador da
Lei Universal de Bahá’u’lláh. Longe de mirar à subversão dos
alicerces existentes da sociedade, ela visa lhe alargar a base,
remodelar as instituições de maneira consoante com as
necessidades de um mundo sempre em transformação. Não
pode estar em conflito com nenhuma fidelidade legítima, nem
pode minar lealdades essenciais. Sua finalidade não é abafar a
chama de um patriotismo são e inteligente no coração do
homem, nem abolir o sistema de autonomia nacional tão
indispensável para evitar os males da centralização excessiva.
Não deixa de levar em consideração, nem tenta suprimir, a
diversidade de origem étnica, de clima, de história, de idioma
e tradição, de pensamento e hábito, que diferencia os povos e
as nações do mundo. Clama por uma lealdade mais ampla,
uma aspiração maior que qualquer outra que já tenha animado
a raça humana. Insiste em que os impulsos e interesses

53
SHOGHI EFFENDI

nacionais sejam subordinados às necessidades imperativas de


um mundo unificado. Repudia a centralização excessiva por
um lado e, por outro, rejeita todas as tentativas de
uniformidade. O seu lema é a unidade na diversidade, como
explicou o próprio ‘Abdu’l-Bahá:
“Considerai as flores de um jardim: diferem em
espécie, cor, forma e aspecto. Não obstante, desde
que são refrescadas pelas águas da mesma fonte,
revivificadas pelos sopros de um só vento e
revigoradas pelos raios de um único Sol, sua
diversidade lhes aumenta o encanto e realça a beleza.
Assim, quando a força unificadora que é a influência
penetrante do Verbo de Deus faz efeito, a variedade
de costumes, procedimentos, hábitos, idéias,
opiniões e temperamentos embeleza o mundo da
humanidade. Tal diversidade, tal diferença, é análoga
à dessemelhança e variedade natural dos membros e
órgãos do corpo humano, pois cada qual contribui
para a beleza, eficiência e perfeição do todo. Quando
a alma soberana do homem exerce sua influência
sobre esses diferentes membros e órgãos e o poder da
alma permeia os membros e partes, as veias e artérias
do corpo, então a diferença vem reforçar a harmo-
nia, a diversidade fortalece o amor e a multiplicidade
se torna o maior fator de coordenação.”
O chamado de Bahá’u’lláh é dirigido primariamente contra
todas as formas de provincialismo, toda estreiteza mental e
preconceitos. Se os ideais há muito nutridos e as instituições
consagradas pelo tempo, se certas hipóteses sociais e fórmulas
de religião já não promovem mais o bem-estar dos homens
em geral, se não correspondem mais às exigências de uma
humanidade sempre em evolução, que sejam então repelidos

54
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

e relegados ao limbo das doutrinas obsoletas e esquecidas. Por


que deveriam eles, em um mundo sujeito à lei inalterável da
transformação e decadência, ser isentos da deterioração que
há forçosamente de alcançar toda instituição humana? Pois o
fim único das normas legais, das teorias políticas e econômicas,
é a proteção dos interesses da humanidade inteira e não que a
humanidade deva ser crucificada a fim de se preservar a
integridade de qualquer lei ou doutrina.

O PRINCÍPIO DA UNIDADE
Que ninguém se engane, o princípio da Unidade do Gênero
Humano – o eixo em torno do qual giram todos os
ensinamentos de Bahá’u’lláh – não é mera exibição de
sentimentalismo pouco inteligente, nem a expressão de uma
vaga e piedosa esperança. Seu apelo não deve ser meramente
identificado com um renascimento do espírito de fraternidade
e benevolência entre os homens, tão pouco seu fim é apenas
a promoção de cooperação harmoniosa entre os diferentes
povos e nações. Suas implicações são mais profundas, suas
reivindicações maiores que as de qualquer um dos profetas da
antiguidade. Sua mensagem é aplicável não só ao indivíduo,
mas trata primariamente da natureza daquelas relações
essenciais que hão de ligar todos os estados e nações como
membros de uma única família humana. Não constitui
simplesmente a enunciação de um ideal; está inseparavelmente
associado a uma instituição capaz de incorporar sua verdade,
demonstrar sua validade e perpetuar sua influência. Implica
uma transformação orgânica na estrutura de nossa sociedade
hodierna, uma transformação como o mundo jamais
presenciou. Constitui um desafio, a um tempo audaz e
universal, aos critérios obsoletos de credos nacionais – credos

55
SHOGHI EFFENDI

que já tiveram seu dia e devem, no decurso normal dos


acontecimentos, segundo moldados e dirigidos pela
Providência, ceder seu lugar a um novo evangelho que difere
fundamentalmente de qualquer conceito que já existe no
mundo, e lhe é infinitamente superior. Exige nada menos que
a reconstrução e a desmilitarização de todo o mundo civilizado
– um mundo organicamente unificado em todos os aspectos
essenciais de sua vida – seu mecanismo político, sua aspiração
espiritual, seu comércio e suas finanças, sua escrita e língua, e,
ainda assim, de uma diversidade infinita nas características
nacionais de suas unidades federadas.
Este princípio representa a consumação da evolução
humana – uma evolução que teve seus primórdios no despontar
da vida em família, desenvolveu-se posteriormente ao alcançar
a solidariedade tribal, que por sua vez levou à constituição da
cidade-estado, e cuja expansão subseqüente resultou na
instituição das nações independentes e soberanas.
O princípio da Unidade do Gênero Humano, segundo
proclamado por Bahá’u’lláh, abrange nada mais nada menos
que uma solene asserção de que atingir a etapa final dessa
estupenda evolução não somente é necessário, mas inevitável,
que sua realização rapidamente se aproxima e que nada senão
um poder oriundo de Deus conseguirá estabelecê-lo.
Uma concepção tão maravilhosa encontra as suas
manifestações mais remotas nos esforços conscientemente
exercidos e nos começos modestos já alcançados pelos
aderentes declarados da Fé de Bahá’u’lláh que, cônscios da
sublimidade do seu chamado e iniciados nos princípios
enobrecedores de Sua Administração, estão avançando
rapidamente para estabelecer Seu Reino nesta terra. Tem sua
manifestação indireta na difusão gradual do espírito de

56
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

solidariedade mundial que está surgindo espontaneamente da


confusão de uma sociedade desorganizada.
Seria estimulante acompanhar a história do crescimento e
desenvolvimento desta concepção sublime que deve ocupar
cada vez mais a atenção dos guardiões responsáveis pelos
destinos de povos e nações. Aos estados e principados que
acabam de emergir da confusão da grande convulsão
napoleônica, cuja preocupação principal foi recuperar os seus
direitos a uma existência independente ou alcançar sua
unidade nacional, a concepção de solidariedade mundial não
só parece remota mas inconcebível. Foi somente depois que
as forças do nacionalismo tiveram sucesso em derrubar as bases
da Sagrada Aliança, a qual havia procurado refrear seu
crescente poder, que a possibilidade de uma ordem mundial
que transcendesse em âmbito as instituições políticas que estas
nações haviam estabelecido, veio a ser seriamente nutrida.
Foi somente após a Guerra Mundial que estes expoentes de
nacionalismo arrogante vieram a considerar tal ordem como
o objeto de uma doutrina perniciosa com tendência a solapar
aquela lealdade essencial da qual dependia a continuação da
existência de sua vida nacional. Com um vigor que lembrava
a energia com que os membros da Sagrada Aliança procuravam
abafar o espírito de um nacionalismo crescente entre os povos
libertados do jugo napoleônico, estes defensores de uma
soberania nacional irrestrita, por sua vez, trabalharam e ainda
estão trabalhando para desacreditar princípios dos quais, em
última instância, depende a salvação deles próprios.
A violenta oposição dirigida ao malogrado esquema do
Protocolo de Genebra, o escárnio lançado à proposta
subseqüentemente promovida de Estados Unidos da Europa,
e o fracasso do esquema geral para a união econômica da
Europa, podem parecer como reveses aos esforços de um

57
SHOGHI EFFENDI

punhado de pessoas previdentes em prol da promoção deste


nobre ideal. E, no entanto, não seria justificável obter novo
encorajamento disso, quando observamos que a própria
consideração de tais propostas é uma evidência de seu
constante crescimento nas mentes e nos corações dos homens?
Nas tentativas organizadas que estão sendo feitas para
desacreditar uma concepção tão exaltada, não estamos vendo,
numa escala mais ampla, a repetição daquelas agitadas lutas e
veementes controvérsias que precederam o nascimento, e
ajudaram na reconstrução, das nações unificadas do Ocidente?

A FEDERAÇÃO DA HUMANIDADE
Para citar apenas um exemplo. Quão confiantes eram as
afirmações feitas nos dias que precederam a unificação dos
estados do continente norte-americano com respeito às barreiras
insuperáveis que impediam sua federação final! Não foi ampla
e enfaticamente declarado que os interesses conflitantes, a
desconfiança mútua, as diferenças de governo e hábito que
dividiam os estados, eram tais que nenhuma força, quer temporal
ou espiritual, jamais poderia esperar harmonizar ou controlar?
Quão diferentes, no entanto, eram as condições que prevaleciam
há cento e cinqüenta anos das que caracterizam a sociedade
hodierna! Na realidade, não seria exagero dizer que a ausência
daquelas facilidades que o moderno progresso científico colocou
a serviço da humanidade, em nossos dias, fez do problema de
unificar os estados americanos em uma única federação, por
similares que fossem em certas tradições, uma tarefa
infinitamente mais complexa do que aquela que se apresenta a
uma humanidade dividida, em seus esforços para alcançar a
unificação de toda a humanidade.

58
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

Quem sabe se, para concretizar tão elevado conceito, a


humanidade não terá que passar por um sofrimento mais
intenso do que qualquer que já lhe tenha experimentado?
Poderia algo a não ser o fogo de uma guerra civil, com toda a
sua violência e vicissitudes – uma guerra que quase destruiu a
grande república norte-americana – ter fundido os estados,
não apenas numa União de unidades independentes, mas sim
numa Nação, apesar de todas as diferenças étnicas que
caracterizavam suas partes componentes? Parece pouco
provável que uma revolução tão fundamental, envolvendo
mudanças tão imensas na estrutura da sociedade, possa ser
realizada pelos processos comuns da diplomacia e da educação.
Basta contemplarmos as páginas sangrentas da história da
humanidade para verificarmos que nada, a não ser uma agonia
intensa, tanto mental como física, tem podido precipitar
aquelas transformações que constituem os mais notáveis
marcos na história da civilização humana.

O FOGO DE UMA TRIBULAÇÃO SEVERA


Por grandes que tenham sido essas transformações no
passado, e por maior que tenha sido seu âmbito, quando vistas
em sua perspectiva apropriada, não podem ser consideradas
senão como ajustes subsidiários a preludiar a transformação,
de majestade e âmbito sem precedentes, pela qual a
humanidade haverá de passar nesta época atual. Torna-se,
infelizmente, cada vez mais claro, que só as forças de uma
catástrofe mundial podem precipitar essa nova fase do
pensamento humano. Os acontecimentos futuros haverão de
demonstrar, cada vez mais, que nada senão o fogo de uma
tribulação severa, sem paralelo em sua intensidade, poderá
fundir e unir as entidades discordantes que constituem os

59
SHOGHI EFFENDI

elementos de nossa civilização hodierna em componentes


integrantes da comunidade mundial do futuro.
A voz profética de Bahá’u’lláh, nas passagens finais de As
Palavras Ocultas, advertindo “os povos do mundo” de que
“uma calamidade imprevista os segue e penosa punição os
espera”, lança uma luz realmente lúgubre sobre o destino
imediato da humanidade aflita. Nada a não ser uma provação
flamejante, da qual a humanidade emergirá, purificada e
preparada, conseguirá implantar aquele senso de
responsabilidade que os líderes de uma era recém-nascida
deverão erguer sobre seus ombros.
Gostaria de chamar vossa atenção novamente para aquelas
palavras ominosas de Bahá’u’lláh que já citei:
“E quando soar a hora marcada, aparecerá de súbito
o que fará tremerem os membros do gênero humano.”
Não afirmou o próprio ‘Abdu’l-Bahá em linguagem
inequívoca que “outra guerra, mais feroz que a última,
seguramente irromperá”?
Da consumação deste colossal, deste indizivelmente glorioso
empreendimento – um empreendimento que fez malograr os
recursos da estadística romana e que os esforços desesperados
de Napoleão não conseguiram alcançar – dependerá a
realização final daquele milênio do qual poetas de todos os
tempos cantaram e visionários há muito sonham. Dele
dependerá o cumprimento das profecias proferidas pelos
Profetas de antanho quando espadas serão transformadas em
arados e o leão e o cordeiro deitar-se-ão juntos. Somente ele
pode introduzir o Reino do Pai Celestial segundo antecipado
pela Fé de Jesus Cristo. Só ele pode colocar as bases da Nova
Ordem Mundial visualizada por Bahá’u’lláh – uma Ordem
Mundial que refletirá sobre este plano terrestre, mesmo que
tenuemente, os indizíveis esplendores do Reino de Abhá.

60
A META DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

Ainda uma palavra em conclusão. A proclamação da


Unidade do Gênero Humano – pedra fundamental do
domínio todo-abrangente de Bahá’u’lláh – não pode, em
absoluto, ser comparada com as expressões de esperança
piedosa que foram pronunciadas no passado. Não é um mero
apelo feito por Ele, só e sem apoio, em face da implacável e
coligada oposição de dois dos mais poderosos potentados
orientais de Seu tempo – enquanto Ele próprio se encontrava
preso e exilado nas mãos deles. Trata-se, ao mesmo tempo, de
uma admoestação e uma promessa – a admoestação de que
nela se encontra o único meio de salvação para um mundo
severamente atribulado, e a promessa de que está próxima a
sua realização.
Feita numa época em que a possibilidade de sua realização
ainda não havia sido seriamente considerada em nenhuma
parte do mundo, em virtude da potência celestial nela insuflada
pelo Espírito de Bahá’u’lláh, veio finalmente a ser considerada,
por um crescente número de pessoas ponderadas, não apenas
como uma possibilidade iminente, mas como a conseqüência
inevitável das forças atualmente em ação no mundo.

O PORTA-VOZ DE DEUS
Certamente o mundo, contraído e transformado em um só
organismo altamente complexo em conseqüência do admirável
progresso realizado no campo da ciência física, da expansão
universal do comércio e da indústria, lutando sob a pressão de
forças econômicas mundiais, e ameaçado pelas armadilhas de
uma civilização materialista, tem urgente necessidade de uma
nova exposição da Verdade que é a base de todas as Revelações
do passado e em uma linguagem adequada às suas necessidades
essenciais. E qual voz senão a de Bahá’u’lláh – o Porta-Voz de

61
SHOGHI EFFENDI

Deus para esta era – será capaz de efetivar na sociedade uma


transformação tão radical como aquela que Ele já realizou nos
corações de homens e mulheres, tão diversificados e
aparentemente irreconciliáveis, que constituem o corpo de
Seus declarados seguidores no mundo inteiro?
Poucas pessoas, em verdade, podem duvidar do fato de que
esse conceito tão poderoso esteja rapidamente germinando
nas mentes dos homens, ou de que vozes estão se levantando
em seu apoio, ou ainda, que suas características mais marcantes
em breve haverão de se cristalizar na consciência de pessoas
que exercem autoridade. Somente quem tiver o coração
maculado pelo preconceito deixará de perceber que seu início
modesto já se manifestou na Administração de âmbito mundial
à qual estão associados os aderentes da Fé de Bahá’u’lláh.
Mui amados colaboradores, é o dever supremo de, com visão
límpida e zelo inabalável, continuar colaborando para a
construção final daquele Edifício cujos alicerces Bahá’u’lláh
colocou em nossos corações, de obter mais esperança e
fortaleza da tendência geral dos acontecimentos recentes, por
mais obscuros que sejam seus efeitos imediatos, e de orar com
infatigável fervor para que Ele apresse a aproximação da
realização daquela Visão Maravilhosa que constitui a
emanação mais esplendorosa de Sua Mente, e o fruto mais
precioso daquela mais preciosa civilização cujo igual o mundo
jamais conheceu.
Não deveria o centésimo aniversário da Declaração da Fé
de Bahá’u’lláh marcar a inauguração de tão grandiosa era na
história humana?
Seu irmão verdadeiro,
SHOGHI
Haifa, Palestina,
28 de novembro de 1931

62
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

A IDADE ÁUREA DA
CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

63
SHOGHI EFFENDI

64
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS AMADOS DE DEUS E


SERVAS DO MISERICORDIOSO
ATRAVÉS DOS ESTADOS UNIDOS E CANADÁ

Amigos e companheiros defensores da Fé de Bahá’u’lláh,

Por significativas que tenham sido as mudanças que


ultimamente sobrevieram a uma humanidade em rápido
despertar, nesta fase de transição de sua diversificada história,
a firme consolidação das instituições que os administradores
da Fé de Bahá’u’lláh estão construindo não deve ser
considerada menos digna de nota, mesmo para aqueles que
ainda não se deram conta dos obstáculos que eles tiveram de
superar ou dos parcos recursos com os quais podiam contar.
O fato de uma Fé, que há dez anos foi severamente abalada
pela súbita perda de um Mestre incomparável, ter conseguido
manter sua unidade diante de tremendos obstáculos, resistido
aos ataques malévolos de seus inimigos, silenciado seus
caluniadores, ampliado a base de sua vasta administração e
sobre ela criado as instituições que simbolizam seus ideais de
adoração e serviço, deveria ser considerado como suficiente
evidência do invencível poder que o Todo-Poderoso lhe
concedeu desde o momento de seu nascimento.
Que a Causa associada com o nome de Bahá’u’lláh nutre-
se daquelas fontes ocultas de força celestial é um fato que
nenhum poder de origem humana, qualquer que seja seu
fascínio, poderá substituir; que sua confiança se baseia

65
SHOGHI EFFENDI

unicamente naquela Fonte mística com a qual nenhuma


posição mundana, seja ela riqueza, fama, ou sabedoria, pode
ser comparada; que ela se propaga através de meios misteriosos
e inteiramente diferentes dos padrões aceitos pela generalidade
da humanidade, tornar-se-á uma realidade cada vez mais
manifesta, se já não estiver evidente, à medida que a Causa
avança rumo a novas conquistas em sua luta pela regeneração
espiritual da humanidade.
Na verdade, como poderia ela, sem qualquer apoio, dos
conselhos e dos recursos dos sábios, dos ricos e dos eruditos na
terra de seu nascimento, ter conseguido romper os grilhões
que pesavam sobre ela na hora de seu nascimento, ter
conseguido emergir ilesa das tormentas que agitaram sua
infância, não tivesse recebido seu hálito de vida daquele
espírito que é nascido de Deus, e do qual deve finalmente
depender todo sucesso, onde e como quer que seja buscado?
Não me é necessário relembrar, nem mesmo em rápido
esboço, os detalhes emocionantes daquela terrível tragédia que
marcou as dores de nascimento de nossa bem amada Fé,
ocorrida em uma terra notoriamente conhecida por seu
fanatismo desenfreado, sua ignorância crassa, sua crueldade
incontida. Nem preciso discorrer sobre o valor e a sublime
fortaleza daqueles que desafiaram os cruéis carrascos daquela
raça, destacar o número, ou enfatizar a pureza de vida daqueles
que morreram abnegadamente para que Sua Causa pudesse
sobreviver e prosperar.
Nem é necessário falar da indignação que aquelas
atrocidades evocaram, e dos sentimentos de inigualável
admiração que despertaram nos corações de incontáveis
homens e mulheres, em regiões bem distantes da cena daquelas
indescritíveis atrocidades. Basta dizer que a esses heróis da
terra nativa de Bahá’u’lláh foi concedido o privilégio

66
A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

inestimável de selar com seu sangue os primeiros triunfos de


sua amada Fé, e de preparar o caminho para suas iminentes
vitórias. No coração de inumeráveis mártires da Pérsia se
encontra a semente da Administração divinamente criada, a
qual, transplantada de seu solo nativo, está agora brotando,
sob vosso carinhoso cuidado, para desabrochar em uma nova
ordem destinada a abranger a humanidade inteira.

A CONTRIBUIÇÃO DA AMÉRICA PARA A CAUSA


Por maiores que tenham sido as realizações, e inesquecíveis
os serviços dos pioneiros da idade heróica da Causa na Pérsia,
a contribuição que seus descendentes espirituais, os crentes
americanos, construtores da estrutura orgânica da Causa, estão
agora demonstrando para o cumprimento do Plano que deverá
trazer a idade áurea da Causa, não é menos meritória neste
difícil período de sua história. São poucos, se é que existe
algum, eu me aventuraria a afirmar, dentre esses privilegiados
criadores e custódios da constituição da Fé de Bahá’u’lláh, os
que estão, mesmo que tenuemente, conscientes do papel
preponderante que o continente norte-americano está
destinado a exercer na futura orientação de sua Causa de
âmbito mundial. Nem há qualquer número apreciável entre
eles que pareça suficientemente consciente da decisiva
influência que já exercem na orientação e administração de
seus assuntos.
‘Abdu’l-Bahá escreveu em fevereiro de 1917:
“O continente americano”,“é, aos olhos do Deus
verdadeiro, a terra na qual os esplendores de Sua luz
serão revelados, os mistérios de Sua Fé desvelados,
onde os retos habitarão e os livres se reunirão.”

67
SHOGHI EFFENDI

Que os apoiadores da Causa de Bahá’u’lláh, através dos


Estados Unidos e do Canadá, estão demonstrando cada vez
mais a verdade desta afirmação solene, é evidente até mesmo
ao observador casual dos registros de seus inúmeros serviços,
sejam como iniciativas individuais ou através de esforços
coletivos. As manifestações espontâneas de lealdade que
marcaram suas respostas aos desejos expressos de um Mestre
que partiu; a generosidade que têm demonstrado, em mais de
uma ocasião, para ajudar os necessitados e perseguidos irmãos
de Fé na Pérsia; o vigor com que resistiram aos vergonhosos
ataques que inimigos incansáveis, tanto internos como
externos, têm com freqüência lançado contra eles; o exemplo
que o corpo de seus representantes nacionais deram a suas
Assembléias irmãs ao modelar os instrumentos essenciais ao
trabalho efetivo de seus deveres coletivos; a bem sucedida
intervenção em nome de seus perseguidos companheiros de
Fé na Rússia; o apoio moral que deram aos seus co-irmãos no
Egito em uma fase bem crítica de sua luta pela emancipação
dos grilhões da ortodoxia islâmica; os históricos serviços
prestados por aqueles intrépidos pioneiros que, fiéis ao
chamado de ‘Abdu’l-Bahá, deixaram seus lares para implantar,
nos recantos mais remotos do globo, o estandarte de Sua Fé; e
por fim, mas não menos importante, a grandeza de sua
abnegação, culminando com o término da superestrutura do
Mashriqu’l-Adhkár – cada uma dessas realizações se destaca
como testemunho eloqüente do caráter indômito da Fé que
Bahá’u’lláh acendeu em seus corações.
Poderia alguém, ao contemplar tão esplêndido registro de
serviços, duvidar que esses fiéis promotores da graça redentora
de Deus não tenham preservado, de forma pura e em perfeita
união, a herança preciosa que lhes foi legada? Não conseguiram
eles, bem se poderia pensar, de uma forma que somente futuros

68
A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

historiadores irão definir, alcançar o elevado padrão que


caracterizou os feitos de renome imperecível realizados por
aqueles que os antecederam?
Não pelos recursos materiais que os membros desta infante
comunidade possam agora convocar em seu auxílio; nem pela
força numérica de seus atuais apoiadores; nem mesmo por
quaisquer benefícios diretamente tangíveis que seus defensores
venham a conferir ao grande número de necessitados e
desconsolados dentre seus concidadãos, poderiam ser testadas
suas potencialidades ou determinado seu valor. Em nenhum
outro fator a não ser na pureza de seus preceitos, na sublimidade
de seus padrões, na integridade de suas leis, na razoabilidade
de suas afirmativas, na abrangência de seu escopo, na
universalidade de seu programa, na flexibilidade de suas
instituições, nas vidas de seus fundadores, no heroísmo de seus
mártires, e no poder transformador de sua influência, deveria
qualquer observador imparcial buscar o verdadeiro critério que
lhe permitirá sondar seus mistérios ou avaliar suas virtudes.
Quão injusto, quão irrelevante seria aventurar qualquer
comparação entre a consolidação lenta e gradual da Fé
proclamada por Bahá’u’lláh e aqueles movimentos criados
pelos homens, os quais, tendo sua origem em desejos humanos
e suas esperanças centradas sobre o domínio mortal, devem
inevitavelmente declinar e perecer! Surgindo de uma mente
finita, alimentados pela fantasia humana, e muitas vezes frutos
de intenções maldosas, tais movimentos conseguem por algum
tempo, em razão de sua novidade, de seus apelos aos mais
baixos instintos e de sua dependência dos recursos de um
mundo sórdido, deslumbrar os homens, só para finalmente
caírem da altura de sua meteórica carreira na escuridão do
esquecimento, dissolvidos pelas próprias forças que ajudaram
a criá-las.

69
SHOGHI EFFENDI

Não é o que acontece com a Revelação de Bahá’u’lláh.


Nascida em um ambiente de terrível degradação, surgida em
um solo mergulhado em antigas corrupções, ódios e
preconceitos, inculcando princípios irreconciliáveis com os
padrões aceitos na época, e enfrentando desde o início uma
implacável inimizade do governo, da igreja e do povo, esta
nascente Fé de Deus, em virtude do poder celestial da qual foi
dotada, conseguiu, em menos de setenta anos, emancipar-se
dos grilhões do domínio islâmico, proclamar a auto-suficiência
de seus ideais e a integridade independente de suas leis,
implantar seu estandarte em não menos de quarenta dos mais
avançados países do mundo, estabelecer postos avançados em
terras além dos mares mais remotos, consagrar seus edifícios
religiosos no coração dos continentes asiático e americano,
levar dois dos mais poderosos governos do Ocidente a
ratificarem os instrumentos essenciais às suas atividades
administrativas, obter da realeza honrosos tributos à excelência
de seus ensinamentos, e, finalmente, levar suas queixas à
atenção dos representantes do mais elevado Tribunal do
mundo civilizado, obtendo de seus membros afirmativas escritas
que equivalem a um tácito reconhecimento de sua condição
de religião independente e uma declaração expressa da
legitimidade de sua causa.
Por limitado que no momento possa parecer seu poder como
força social, e aparentemente óbvia a atual ineficácia de seu
programa de abrangência mundial, nós que nos identificamos
com seu nome sagrado, só podemos nos maravilhar diante da
grandeza de suas proezas se apenas os compararmos com as
modestas realizações que marcaram o nascimento de
Dispensações anteriores. Onde mais, senão na Revelação de
Bahá’u’lláh, pode o pesquisador imparcial de religiões
comparadas citar exemplos de uma reivindicação tão

70
A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

estupenda como aquelas que o Autor da Fé fomentou, inimigos


tão implacáveis como os que Ele enfrentou, devoção mais
sublime do que aquela que Ele despertou, uma vida tão
memorável e tão encantadora como a que Ele viveu?
Acaso o cristianismo ou o islã, ou alguma outra Dispensação
que as precedeu, ofereceram exemplos de tal combinação de
coragem e prudência, de magnanimidade e poder, de mente
aberta e lealdade, como aqueles que caracterizaram a conduta
dos heróis da Fé de Bahá’u’lláh? Onde mais encontramos
evidência de uma transformação tão rápida, tão completa e
tão súbita, como aquelas ocorridas nas vidas dos apóstolos do
Báb? Poucos, na verdade, são os exemplos registrados, em
quaisquer dos anais autênticos das religiões do passado, de uma
abnegação tão completa, uma constância tão firme, uma
magnanimidade tão sublime, uma lealdade tão determinada,
como aquelas que deram testemunho do caráter daquele grupo
imortal que se identifica com esta Revelação Divina – esta
última e mais grandiosa manifestação do amor e da onipotência
do Todo-Poderoso!

CONTRASTE COM AS RELIGIÕES DO PASSADO


Inutilmente poderemos buscar, nos registros dos primórdios
de qualquer religião reconhecida do passado, episódios de tão
emocionantes detalhes, ou de tão amplas conseqüências como
aqueles que iluminaram as páginas da história desta Fé. As
circunstâncias quase inacreditáveis que envolveram o martírio
daquele jovem Príncipe de Glória; as forças de bárbara
repressão que esta tragédia provocou subseqüentemente; as
manifestações de heroísmo insuperável que surgiram; as
exortações e advertências que emanaram da pena do
Prisioneiro Divino em Suas Epístolas aos potentados da Igreja

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SHOGHI EFFENDI

e aos monarcas e governantes do mundo; a indomável lealdade


com a qual nossos irmãos estão lutando em países muçulmanos
contra as forças da ortodoxia religiosa – bem podem ser
considerados como os aspectos mais marcantes que o mundo irá
reconhecer como o maior drama na história espiritual do mundo.
Com relação a isso, não preciso relembrar os malfadados
episódios que, reconhecida e amplamente, arruinaram os
primórdios da história tanto do judaísmo como do islã. Nem é
necessário enfatizar o efeito devastador dos excessos, das
rivalidades e divisões, as manifestações de fanatismo e atos de
ingratidão associados com o desenvolvimento inicial do povo
de Israel e com a carreira militante dos impiedosos pioneiros
da Fé de Muhammad.
Seria suficiente, para o meu propósito, chamar a atenção ao
grande número daqueles que, nos primeiros dois séculos da era
cristã, “escolheram uma vida ignominiosa ao entregarem as
Escrituras sagradas nas mãos dos infiéis”, a conduta escandalosa
daqueles bispos que foram por isso acusados de traidores, a
discórdia da Igreja Africana, a infiltração gradual na doutrina
cristã dos princípios do culto mitraico, da escola de pensamento
de Alexandria, dos preceitos do zoroastrismo e da filosofia grega,
e a adoção pelas igrejas da Grécia e da Ásia das instituições dos
sínodos provinciais de um modelo que adotaram dos conselhos
representativos de seus respectivos países.
Quão grande foi a obstinação com a qual os judeus,
convertidos entre os primeiros cristãos, aderiam às cerimônias
de seus ancestrais, e quão fervorosa sua ansiedade em impô-
las aos gentios! Não foram os primeiros quinze bispos de
Jerusalém todos judeus circuncidados, e não havia a
congregação que eles presidiam juntado as leis de Moisés com
a doutrina de Cristo? Não é um fato que não mais que a
vigésima parte dos cidadãos do império romano haviam se

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

alistado sob o estandarte de Cristo antes da conversão de


Constantino? Não foi a ruína do Templo, na cidade de
Jerusalém, e da religião pública dos judeus, severamente
sentida pelos assim chamados Nazarenos, que por mais de um
século perseveravam na prática da Lei mosaica?
Quão evidente é o contraste, quando recordamos, à luz
dos fatos acima mencionados, o número daqueles seguidores
de Bahá’u’lláh que na época de Sua Ascensão se haviam
alistado como firmes apoiadores de Sua Fé, na Pérsia e nos
países vizinhos! Como é encorajador observar a lealdade com
que seus valorosos seguidores preservam a pureza e a integridade
de Seus claros e inequívocos ensinamentos! Quão edificante
o espetáculo daqueles que estão batalhando com as forças de
uma ortodoxia ainda firmemente entrincheirada, lutando por
sua emancipação dos grilhões de um credo ultrapassado! Quão
inspiradora a conduta daqueles seguidores muçulmanos de
Bahá’u’lláh, os quais viram, não com pesar ou apatia, senão
com sentimentos de incontida satisfação, o castigo merecido
que o Todo-Poderoso infligiu àquelas duas instituições do
sultanato e califado, instrumentos que eram de despotismo e
inimigos declarados da Causa de Deus!

PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA VERDADE RELIGIOSA


Que ninguém, porém, se engane quanto ao meu propósito.
A Revelação, da qual Bahá’u’lláh é a fonte e o centro, não
ab-roga nenhuma das religiões que a precederam, nem tenta,
no mínimo grau, distorcer suas feições ou diminuir seu valor.
Repudia qualquer intenção de menosprezar qualquer dos
Profetas do passado, ou de desmerecer o valor das verdades
eternas de seus ensinamentos. Não pode, de forma alguma,
conflitar com o espírito que anima suas asserções, nem busca

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SHOGHI EFFENDI

solapar a adesão das pessoas à sua causa. Seu principal e


declarado propósito é possibilitar a todo seguidor dessas fés
um entendimento mais completo da religião com que se
identifica, e adquirir uma compreensão mais clara de seus
propósitos. Não é eclética na apresentação de suas verdades,
nem arrogante na afirmação de seus postulados. Seus
ensinamentos giram em torno do princípio fundamental de
que a verdade religiosa não é absoluta, mas relativa, que a
Revelação Divina é progressiva, não final. De forma
inequívoca e sem a menor reserva, proclama que todas as
religiões estabelecidas são de origem divina, idênticas em seus
objetivos, complementares em suas funções, contínuas em seus
propósitos, indispensáveis em seu valor para a humanidade.
Afirma Bahá’u’lláh no Kitáb-i-Íqán:
“Todos os Profetas de Deus habitam no mesmo
tabernáculo, voam no mesmo céu, sentam-se no
mesmo trono, proferem as mesmas palavras e
proclamam a mesma Fé.”
Desde o “começo que não tem começo” esses Expoentes
da Unidade de Deus e Canais de Sua incessante elocução
fizeram jorrar a luz da Beleza invisível sobre a humanidade, e
continuarão, até o “fim que não tem fim”, a conceder novas
revelações de Seu poder e experiências adicionais de Sua
incomparável glória. Afirmar que determinada religião é final,
que “toda Revelação terminou, tendo-se fechado os portais
da misericórdia Divina, que jamais um sol surgirá de um
alvorecer da santidade eterna, que para sempre o oceano da
perene generosidade se aquietou e os Mensageiros de Deus
cessaram de se manifestar do Tabernáculo da glória antiga”
seria na verdade pura blasfêmia.
Bahá’u’lláh explica naquela mesma Epístola:
“Diferem somente na intensidade de suas revelações
e na potência comparativa de sua luz.”

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

E isso não por causa de qualquer incapacidade inerente de


qualquer um deles em revelar numa maior medida a glória da
Mensagem que Ele recebeu, mas devido à imaturidade e a
incapacidade da era na qual Ele viveu para entender e
absorver todas as potencialidades latentes naquela Fé.
Bahá’u’lláh explica:
“Sabei com certeza que a luz da Revelação Divina,
em cada Dispensação, foi concedida aos homens em
proporção direta à sua capacidade espiritual.
Considerai o sol. Como são fracos seus raios no
momento em que surge acima do horizonte. Quão
gradativamente seu calor e sua potência aumentam,
à medida que se aproxima do zênite, capacitando,
entrementes, todas as coisas criadas a adaptarem-se
à crescente intensidade de sua luz. E como declina,
constantemente, até alcançar o ponto do ocaso.
Fosse Ele manifestar de súbito suas energias latentes,
isso, sem dúvida, causaria dano a todas as coisas
criadas... De igual modo, se o Sol da Verdade, nas
primeiras fases de Sua manifestação, revelasse
repentinamente a plena medida das potências das
quais a providência do Todo-Poderoso o dotou, a
terra da compreensão humana viria a definhar e ser
consumida, pois os corações dos homens não
poderiam suportar a intensidade de Sua revelação,
nem refletir o esplendor de Sua luz. Esmorecidos e
acabrunhados, deixariam de existir.”
É por esta razão, e somente por esta razão, que aqueles que
reconheceram a Luz de Deus nesta era, não reivindicam
qualquer caráter final para a Revelação com a qual se
identificam, nem arrogam para a fé que abraçaram poderes e
atributos intrinsecamente superiores, ou essencialmente

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SHOGHI EFFENDI

diferentes daqueles que caracterizaram qualquer dos sistemas


religiosos que a precederam.
Não faz o próprio Bahá’u’lláh alusão à progressividade da
Revelação Divina e às limitações que uma Sabedoria
inescrutável decidiu Lhe impor? O que mais pode essa
passagem de As Palavras Ocultas significar a não ser que Ele,
sendo o revelador dela, negou o caráter final para a Revelação
a Ele outorgada pelo Todo-Poderoso?
“Ó Filho da Justiça! Ao anoitecer, a beleza do Ser
imortal retirou-se das alturas esmeraldas da
fidelidade, indo ao Sadratu’l-Muntahá, onde chorou
com tal pranto que a assembléia no alto e os
habitantes dos reinos do além gemeram por causa
de Seu lamento. Com isso se perguntou: Por que os
gemidos e o choro? E Ele deu resposta: Assim como
Me fora ordenado, Eu, cheio de expectativas,
esperava no monte da fidelidade, mas não senti a
fragrância da fidelidade daqueles que habitam na
terra. Então, ao ser chamado a regressar, olhei e eis !
certos pombos da santidade estavam sendo
atormentados nas garras dos cães terrenos. Com isso,
a Donzela do céu, resplandecente, sem véu,
apressou-se a sair de Sua mansão mística e perguntou
seus nomes, e todos foram ditos, menos um. E ao se
insistir, a primeira letra deste foi pronunciada,
quando então os habitantes dos aposentos celestiais
se apressaram a sair de sua morada de glória. E
enquanto se pronunciava a segunda letra, todos se
prostraram sobre o pó. Nesse momento, uma voz,
vindo do mais recôndito santuário, se fez ouvir: ‘Até
aí e não além.’ Em verdade, damos testemunho
daquilo que fizeram e agora fazem.”

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

Declara Bahá’u’lláh explicitamente:


“A Revelação da qual sou portador é adequada à
receptividade e à capacidade espiritual da
humanidade; pois a Luz que brilha dentro de Mim
não aumenta nem diminui. O que quer que Eu
manifeste não é nem mais nem menos do que a
medida da glória Divina que Deus Me ordenou
revelar.”
Se a Luz que agora se irradia sobre uma humanidade cada
vez mais receptiva, com um esplendor que promete superar o
esplendor dos triunfos que as forças da religião alcançaram
em dias passados; se os sinais e os marcos que proclamaram
seu advento foram, em muitos aspectos, inigualáveis nos anais
das Revelações anteriores; se seus apoiadores demonstraram
traços e qualidades sem paralelo na história espiritual da
humanidade; esses fatores devem ser atribuídos não a qualquer
mérito de superioridade da Fé de Bahá’u’lláh, como Revelação
isolada e diferente de qualquer das Dispensações anteriores,
mas, sim, devem ser vistos e explicados como resultado
inevitável das forças que fizeram da era atual uma era
infinitamente mais avançada, mais receptiva e mais insistente
em receber uma medida maior da Guia Divina da que até então
foi concedida à humanidade.

A NECESSIDADE DE UMA NOVA REVELAÇÃO


Amigos muito queridos: Quem, ao contemplar o
desamparo, os temores e as misérias da humanidade em nossos
dias, questionaria a necessidade de uma nova revelação do
poder renovador, do amor e da guia redentora de Deus? Quem,
ao contemplar de um lado o estupendo avanço alcançado no
campo do conhecimento humano, do poder, da habilidade e

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SHOGHI EFFENDI

inventividade, e ao ver, por outro lado, o caráter sem


precedente dos sofrimentos que afligem e os perigos que
ameaçam a sociedade atual, poderia ser tão cego a ponto de
duvidar que a hora é chegada para o advento de uma
Revelação, para a reafirmação do Propósito Divino e para o
conseqüente reavivar daquelas forças espirituais que, a
intervalos fixos, reabilitaram os destinos da sociedade humana?
Não é fato que a própria operação das forças unificadoras,
ora em ação no mundo, necessitam que Aquele que é o
Portador da Mensagem de Deus em nossos dias não somente
reafirme o mesmo elevado padrão de conduta individual
inculcado pelos Profetas que O antecederam, como também
incorporar em Seu apelo a todos os povos e governantes os
pontos essenciais daquele código social, daquela Economia
Divina, que deverá guiar os esforços conjuntos da humanidade
para o estabelecimento de uma federação de âmbito mundial,
o qual irá sinalizar o advento do Reino de Deus nesta terra?
Não devemos, portanto, nós que reconhecemos a
necessidade de tal revelação do poder redentor de Deus,
meditar sobre a grandeza suprema do Sistema delineado pela
mão de Bahá’u’lláh neste dia? Não devemos fazer uma pausa,
por mais pressionados que estejamos pelas preocupações diárias
que o volume sempre crescente de atividades administrativas
de Sua Fé possa engendrar, refletir sobre a santidade das
responsabilidades que são nosso privilégio ombrear?

A POSIÇÃO DO BÁB
Não é somente no caráter da revelação de Bahá’u’lláh, por
mais estupenda que seja a Sua asserção, que reside a grandeza
desta Dispensação. Pois entre as características distintivas de
Sua Fé, como evidência adicional à sua singularidade, existe

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

a verdade fundamental de que todo seguidor de Bahá’u’lláh


reconhece na pessoa de Seu Precursor, o Báb, não apenas um
anunciador inspirado mas uma Manifestação direta de Deus.
Eles crêem firmemente que, não importando quão curta tenha
sido a duração de Sua Dispensação, e por mais breve que tenha
sido o período da validade de Suas leis, o Báb foi dotado de
uma potência que a nenhum fundador de qualquer das religiões
do passado a providência do Todo-Poderoso permitiu possuir.
Que Ele não foi meramente o precursor da Revelação de
Bahá’u’lláh, que foi muito mais que um personagem
divinamente inspirado, que em Sua condição de Manifestante
de Deus foi independente e auto-suficiente, é algo
profusamente demonstrado por Ele próprio, afirmado em
termos insofismáveis por Bahá’u’lláh, e finalmente confirmado
pela Última Vontade e Testamento de ‘Abdu’l-Bahá.
Em nada menos que o Kitáb-i-Iqán, a majestosa exposição
de Bahá’u’lláh da verdade unificadora subjacente em todas as
Revelações do passado, podemos encontrar uma definição mais
clara da potência das forças inerentes naquela Manifestação
Preliminar com a qual a Sua própria Fé está indissoluvelmente
associada. Discorrendo sobre a insondável importância dos
sinais e indícios que acompanharam a Revelação proclamada
pelo Báb, o prometido Qá´im, Ele relembra estas palavras
proféticas:
“O Conhecimento consiste em vinte e sete letras.
Tudo que os Profetas revelaram são duas dessas letras.
Homem algum até agora conheceu mais do que essas
duas letras. Mas quando surgir o Qá’im, Ele tornará
manifestas as vinte e cinco letras restantes.”
E Bahá’u’lláh adiciona:
“Vê tu como é grande e elevada é Sua posição!”
E diz mais:

79
SHOGHI EFFENDI

“Uma Revelação da qual os Profetas de Deus, Seus


santos e eleitos, não tinham conhecimento, ou, de
acordo com o inescrutável Decreto de Deus, não o
deixaram aparecer.”
E ainda assim, por imensuravelmente exaltada que seja a
posição do Báb, e maravilhosos os acontecimentos que
assinalaram o advento de Sua Causa, tão estupenda Revelação
não pode senão empalidecer diante da fulgência daquele Orbe
de esplendor insuperável cujo surgimento Ele anunciou e cuja
superioridade prontamente reconhecia. Temos apenas que
recorrer aos escritos do próprio Báb para avaliar a importância
daquela Quintessência de Luz da qual Ele, com toda a majestade
de Seu poder, foi apenas o humilde e escolhido Precursor.
Repetidamente o Báb confessa, em ardente e inequívoca
linguagem, o caráter preeminente de uma Fé destinada a se
tornar manifesta depois dEle e a sobrepujar Sua Causa. Afirma
Ele no Bayán persa, o principal e o mais bem preservado
repositório de Suas leis:
“O embrião que contém dentro de si mesmo as
potencialidades da Revelação que há de vir, está
dotado de uma potência superior às forças
combinadas de todos aqueles que Me seguem.”
Repetidamente o Báb proclama em Seus escritos:
“De todos os tributos que prestei Àquele que há de
vir depois de Mim, o maior é este: Minha confissão
por escrito de que palavra alguma por Mim proferida
pode descrevê-Lo adequadamente, nem qualquer
menção a Seu respeito em Meu Livro, o Bayán, pode
ser equânime à Sua Causa.”
Dirigindo-se a Siyyid Yaháy-i-Dárábí, intitulado Vahíd, o mais
culto e influente dentre Seus seguidores, Ele diz:

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

“Pela retidão dAquele cujo poder faz a semente


germinar e que infunde o espírito da vida em todas
as coisas, tivesse Eu a certeza de que no dia de Sua
Manifestação tu O negarias, sem hesitação Eu te
renegaria e repudiaria tua fé... Se, por outro lado,
Me disserem que um cristão, que não deve lealdade
à Minha Fé, irá crer nEle, Eu o considerarei a menina
dos Meus olhos.”

A TORRENTE DE GRAÇA DIVINA


Afirma o próprio Bahá’u’lláh:
“Se todos os povos do mundo fossem investidos dos
poderes e atributos destinados às Letras do Vivente,
os discípulos escolhidos do Báb, cuja posição é dez
mil vezes mais gloriosa do que a alcançada por
qualquer um dos apóstolos do passado, e se eles, cada
um e todos, por um momento sequer hesitassem em
reconhecer a Luz de Minha Revelação, sua fé seria
inútil, e eles seriam considerados infiéis.”
E Ele escreve:
“Tão tremenda é a torrente de graça Divina nesta
Dispensação, que se mãos mortais pudessem ser tão
rápidas para registrá-las, dentro do espaço de apenas
um dia e uma noite, jorraria tão grande torrente de
versos que equivaleria a todo o Bayán persa.”
Tal é, queridos amigos, a efusão da graça celestial derramada
pelo Todo-Poderoso nesta era, neste século iluminado! Estamos
muito próximos de uma Revelação tão colossal para esperar
que, neste primeiro século de sua era, possamos avaliar com
justiça sua imensurável grandeza, suas infinitas possibilidades,
sua transcendente beleza. Por menor que seja nosso atual

81
SHOGHI EFFENDI

número de membros, ou pequena nossa influência, nós, em


cujas mãos foi entregue um legado tão puro, tão tenro e
precioso, devemos nos esforçar continuamente, com
ininterrupta vigilância, para nos abstermos de quaisquer
pensamentos, palavras ou ações que possam mesmo de leve
ofuscar seu brilho ou prejudicar seu crescimento. Quão
tremenda é nossa responsabilidade; quão delicada e laboriosa
nossa tarefa!
Queridos amigos: Das claras e enfáticas instruções que nosso
saudoso Mestre reiteradamente, em incontáveis Epístolas,
legou aos Seus seguidores no mundo inteiro, alguns poucos,
devido à restrita influência da Causa no Ocidente, foram
propositalmente retidos em relação ao grupo de Seus discípulos
ocidentais, os quais, a despeito de sua inferioridade numérica,
estão agora exercendo tão preponderante influência na direção
e administração de seus assuntos. Sinto, portanto, ser minha
incumbência destacar, agora que o tempo é propício, a
importância de uma instrução que, no atual estágio da evolução
de nossa Fé, deve ser cada vez mais enfatizada, sem restrição
de sua aplicação no Oriente ou no Ocidente. E este princípio
outro não é senão aquele que envolve a não participação dos
seguidores da Fé de Bahá’u’lláh, seja individual ou
coletivamente como Assembléias Locais ou Nacionais, em
qualquer forma de atividade que possa ser interpretada, direta
ou indiretamente, como interferência em assuntos políticos
de qualquer governo. Seja nas publicações que iniciem ou
supervisionem; ou em suas deliberações oficiais e públicas; ou
em postos que ocupem e em serviços que prestem; ou em
comunicações que dirijam aos seus companheiros de fé; ou
em seus contatos com pessoas proeminentes e autoridades; ou
em suas afiliações a sociedades e organizações afins, é minha
firme convicção de que sua primeira e sagrada obrigação é

82
A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

abster-se de quaisquer palavras ou ações que possam ser


reconhecidas como violação deste princípio vital.

A POLÍTICA DIVINA
Que de forma alguma se associem, seja por palavras ou
ações, às atividades políticas de suas respectivas nações, aos
programas de ação de seus governos e às maquinações e
programas dos partidos e facções. Em tais controvérsias, eles
não devem levantar qualquer acusação, tomar qualquer
partido, favorecer qualquer esquema, e identificar-se com
qualquer sistema que possa ser prejudicial aos melhores
interesses daquela Fraternidade mundial que é seu objetivo
preservar e promover. Que estejam atentos para não serem
utilizados como instrumentos de políticos inescrupulosos, ou
enredados pelas artimanhas traiçoeiras dos conspiradores e dos
desleais entre seus concidadãos. Que organizem suas vidas e
regulem sua conduta de modo que nenhuma acusação de
dissimulação, fraude, suborno ou intimidação, embora sem
fundamento algum, possa ser lançada contra eles. Que
permaneçam sempre acima de todo e qualquer tipo de
partidarismo e particularismo, acima de vãs disputas, de
maquinações mesquinhas, de paixões transitórias que agitam
a face e envolvem a atenção de um mundo em transformação.
Eles devem se esforçar para reconhecer, tão claramente quanto
possível, e se necessário com a ajuda de seus representantes
eleitos, a diferença entre postos e funções políticas ou
diplomáticas e os que são de caráter puramente administrativo
e que sob circunstância alguma são afetados pelas mudanças e
vicissitudes que necessariamente afetam atividades políticas e
partidos governamentais em todas as terras. Que eles afirmem
sua inabalável determinação em apoiar, com firmeza e sem

83
SHOGHI EFFENDI

reservas, o padrão de Bahá’u’lláh, evitando disputas e


contendas que são inseparáveis da atividade política, e
buscando tornar-se dignos instrumentos daquela Política
Divina que encarna o Propósito imutável de Deus para todos
os seres humanos.
Deve ficar perfeitamente claro que tal atitude não implica
a mínima indiferença à causa e aos interesses de seu próprio
país, nem significa qualquer insubordinação de sua parte à
autoridade de governos legalmente estabelecidos. Nem
constitui um repúdio ao seu sagrado dever de promover, da
melhor maneira possível, os melhores interesses de seus
governos e povos. Demonstra o anseio sincero de todo
verdadeiro e leal seguidor de Bahá’u’lláh em servir, de modo
altruísta, despretensioso e patriótico, os mais elevados interesses
do país ao qual pertence, e de uma forma que não o desvie
dos elevados padrões de integridade e fidedignidade associados
aos ensinamentos de sua Fé.
À medida que o número de comunidades bahá’ís em várias
partes do mundo se multiplicar, e seu poder como força social
se tornar mais e mais aparente, elas sem dúvida ver-se-ão cada
vez mais sujeitas à pressão que pessoas de autoridade e
influência, no campo político, irão exercer sobre elas na
esperança de obterem o apoio que precisam para levar avante
seus objetivos. Essas comunidades, além disso, irão sentir uma
crescente necessidade da boa-vontade e ajuda de seus
respectivos governos em seus esforços para ampliar o escopo e
consolidar os alicerces das instituições sob sua responsabilidade.
Que estejam atentas, porém, para que em seu zelo pelo
progresso dos objetivos de sua amada Causa, não sejam
involuntariamente levadas a barganhar com sua Fé,
comprometer seus princípios básicos, ou sacrificar a integridade
de seus ideais espirituais, em retribuição a qualquer vantagem

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

material que suas instituições possam obter. Que proclamem


que qualquer que seja o país em que residam, e por mais
avançadas que sejam suas instituições, ou profundo seu desejo
de inculcar as leis e aplicar os princípios enunciados por
Bahá’u’lláh, eles, sem hesitar, subordinarão a operação de tais
leis e a aplicação de tais princípios às exigências e provisões
legais de seus respectivos governos. Não é seu propósito, ao se
esforçarem em conduzir e aperfeiçoar os assuntos
administrativos de sua Fé, violar, sob quaisquer circunstâncias,
as provisões da constituição de seu país, muito menos permitir
que a maquinaria de sua administração suplante o governo de
seus respectivos países.
Deve-se ter em mente, também, que a própria amplitude
das atividades nas quais estamos engajados, e a variedade das
comunidades que trabalham sob as diversas formas de governo,
tão essencialmente diferentes em seus padrões, políticas e
métodos, tornam absolutamente essencial que todos os
membros declarados de qualquer dessas comunidades evitem
qualquer ação que, levantando suspeita ou provocando
antagonismo de qualquer governo, possa envolver seus irmãos
em novas perseguições ou complicar a natureza de suas tarefas.
De que outro modo, pergunto eu, uma Fé tão grandiosa – que
transcende as limitações políticas e sociais, que inclui em seu
seio uma tão grande variedade de raças e nações, que tem de
contar cada vez mais, à medida que avança, com a boa vontade
e apoio de variados e divergentes governos da terra – poderia
preservar sua unidade, salvaguardar seus interesses e garantir
o constante e pacífico desenvolvimento de suas instituições?
Tal atitude, porém, não é ditada por considerações de
conveniência egoísta, mas decorre, primeiro e acima de tudo,
do claro princípio de que os seguidores de Bahá’u’lláh, sob
circunstância alguma, se deixarão envolver, seja individual

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SHOGHI EFFENDI

ou coletivamente, em assuntos que possam acarretar o mínimo


desvio das verdades e dos ideais fundamentais de sua Fé. Nem
as acusações que os mal-informados e os maliciosos possam
levantar contra eles, nem as seduções de honrarias e
recompensas que possam lhes oferecer, nada poderá induzi-
los a renunciar sua fé ou desviá-los de seu caminho. Que suas
próprias palavras proclamem, e sua conduta confirme, que
aqueles que seguem Bahá’u’lláh, onde quer que vivam, não
são estimulados por qualquer ambição egoísta, que não buscam
nem poder, nem se preocupam com qualquer onda de
impopularidade, desconfiança ou críticas que uma firme adesão
aos seus padrões possa provocar.
Por difíceis e delicadas que sejam nossas tarefas, o poder
sustentador de Bahá’u’lláh e Sua guia Divina seguramente
nos ajudarão, se seguirmos firmemente em Seu caminho e nos
esforçarmos por apoiar a integridade de Suas leis. A luz de
Sua graça redentora, que nenhum poder terreno pode
obscurecer, há de iluminar nosso caminho, se perseverarmos
ao caminhar em meio a ciladas e armadilhas de uma era
turbulenta, e nos permitirá realizar nossos deveres de modo a
resultar na glória e na honra de Seu abençoado Nome.

NOSSO AMADO TEMPLO


E finalmente, irmãos muito amados, permitam-me uma vez
mais chamar vossa atenção para as prementes reivindicações
do Mashriqu’l-Adhkár, nosso amado Templo. Preciso lembrar-
vos da imperiosa necessidade de concluir vitoriosamente,
enquanto ainda há tempo, esse grande empreendimento do
qual somos responsáveis aos olhos de um mundo sempre
atento? Preciso enfatizar o grande prejuízo que uma maior
demora na continuação dessa tarefa divinamente ordenada,

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A IDADE ÁUREA DA CAUSA DE BAHÁ’U’LLÁH

mesmo nestas circunstâncias críticas e imprevisíveis, irá causar


ao prestígio de nossa amada Causa? Eu tenho, posso vos
assegurar, perfeita consciência da severidade das circunstâncias
que vós enfrentais, das condições difíceis em que desenvolveis
vosso trabalho, das preocupações que pesam sobre vossos
ombros, da premência das demandas que incessantemente
recaem sobre vossos já exauridos recursos. Tenho, porém,
ainda mais profunda consciência do caráter sem precedentes
da oportunidade que é vosso privilégio agarrar e utilizar. Tenho
consciência das incalculáveis bênçãos que esperam o término
de um empreendimento coletivo, o qual, pela abrangência e
qualidade dos sacrifícios que impuseram, merece ser contado
entre os exemplos mais destacados de solidariedade bahá’í
desde aqueles feitos de brilhante heroísmo que imortalizaram
a memória dos heróis de Nayríz, de Zanján e de Tabarsí. Faço-
vos um apelo, portanto, amigos e condiscípulos de Bahá’u’lláh,
por uma medida mais copiosa de abnegação, por um padrão
mais elevado de esforço coletivo, por uma evidência ainda
mais convincente da realidade da fé que brilha dentro de vós.
E neste fervoroso apelo, minha voz é mais uma vez reforçada
pela apaixonada, e talvez a última, súplica da Folha Mais
Sagrada, cujo espírito, agora pairando às margens do Grande
Além, anseia realizar seu vôo ao Reino de Abhá, e à presença
de um divino e todo-poderoso Pai, segura da feliz consumação
de um empreendimento, cujo progresso tão fortemente
iluminou os dias finais de sua vida terrena. Que os crentes
americanos, esses destemidos pioneiros da Fé de Bahá’u’lláh,
irão unanimemente responder com aquela mesma espontânea
generosidade e aquela mesma medida de abnegação que
caracterizaram sua resposta a seus apelos no passado, ninguém
que esteja familiarizado com a vitalidade de sua fé poderá
questionar.

87
SHOGHI EFFENDI

Permita Deus que ao final da primavera de 1933, as


multidões que dos mais remotos recantos do globo afluírem
aos recintos da Grande Feira a ser realizada nas vizinhanças
daquele santuário sagrado, possam, em conseqüência de vosso
inabalável espírito de abnegação, ter o privilégio de contemplar
o magnífico esplendor de sua cúpula – uma cúpula que
permanecerá como um brilhante farol e um símbolo de
esperança em meio às trevas de um mundo desesperado.

Seu verdadeiro irmão,

SHOGHI

Haifa, Palestina
Março de 1932

88
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

A AMÉRICA E A
PAZ MÁXIMA

89
SHOGHI EFFENDI

90
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS AMADOS DO SENHOR E


ÀS SERVAS DO MISERICORDIOSO NOS
ESTADOS UNIDOS E CANADÁ

Amigos e companheiros promotores da Fé de Deus:

Quarenta anos terão transcorrido, no encerramento deste


próximo verão, desde que o nome de Bahá’u’lláh foi
mencionado pela primeira vez no continente americano.
Estranhas de fato devem parecer, aos olhos de todo observador
que em seu coração pondere o significado deste grande marco
na história espiritual da grande República Americana, as
circunstâncias que envolveram esta primeira referência pública
ao Autor de nossa amada Fé. Ainda mais estranhas devem
parecer as associações que as poucas palavras proferidas
naquela histórica ocasião devem ter evocado nas mentes
daqueles que as ouviram.
Não houve qualquer pompa e circunstância, nem qualquer
manifestação de regozijo público ou de aplauso popular, para
saudar esta primeira convocação* aos cidadãos americanos
sobre a existência e o propósito da Revelação proclamada por
Bahá’u’lláh. Nem mesmo ele que foi seu escolhido instrumento
se declarava um crente no potencial existente nas boas novas
que transmitia, nem suspeitava da magnitude das forças que
tão rápida menção estava destinada a liberar.

*Num discurso proferido por dr. Henry H. Jessup no Parlamento das Religiões, na
Exposição de Columbia, em Chicago, em 1893. (N.E. – edição americana)

91
SHOGHI EFFENDI

Anunciada pela boca de um declarado apoiador daquele


estreito clericalismo que a própria Fé tem desafiado e busca
extirpar, caracterizada no momento de seu nascimento como
uma obscura ramificação de um credo desprezível, a Mensagem
do Máximo Nome, alimentada pelas torrentes de incessante
provação e aquecida pela luz do carinhoso cuidado de ‘Abdu’l-
Bahá, coseguiu enraizar-se profundamente no cordial solo
americano, em menos de meio século estendeu seus galhos e
ramos aos lugares mais remotos do globo, e agora se encontra,
adornada pela majestade do consagrado Edifício que ergueu
no coração daquele continente, determinada a proclamar seus
direitos e vindicar sua capacidade de redimir um povo aflito.
Sem apoio de qualquer das vantagens que talento, posição e
riquezas podem conferir, a comunidade dos crentes americanos,
a despeito de sua tenra idade, sua pequena força numérica e
sua experiência limitada, conseguiu alcançar, em virtude da
inspirada sabedoria, da vontade unificada, da lealdade
incorruptível de seus administradores e instrutores, a distinção
e uma liderança indiscutível entre suas comunidades irmãs do
Oriente e do Ocidente para apressar o advento da Idade Áurea
prevista por Bahá’u’lláh.
E, ainda assim, quão grave é a crise que esta infante, esta
abençoada comunidade tem sofrido no decurso de sua
diversificada história! Quão lento e doloroso o processo que
gradualmente a fez emergir da obscuridade de uma negligência
consumada para a ampla claridade do reconhecimento
público! Quão severos os golpes que a comunidade de seus
devotados adeptos têm suportado pela deserção dos tíbios de
coração, da malícia dos promotores da sedição, da traição dos
orgulhosos e ambiciosos! Que tormentas de escárnio, insulto
e calúnia seus representantes tiveram de enfrentar em seu
decidido apoio à integridade, e sua corajosa defesa do

92
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

imaculado nome da Fé que desposaram! Quão persistentes têm


sido as vicissitudes, e desconcertantes os reveses aos quais seus
priviligiados membros, jovens e idosos igualmente, individual
e coletivamente, tiveram de enfrentar em seus heróicos
esforços para escalarem as alturas a que um amoroso Mestre os
convocou!
Muitos e poderosos têm sido seus inimigos, os quais, tão
logo descobriram as evidências da crescente ascendência de
seus apoiadores declarados, rivalizaram-se entre si para atacá-
los com as mais vís imputações e derramar sobre o Objeto de
sua devoção o veneno de sua mais violenta ira. Quão
freqüentemente zombaram da escassez de seus recursos e da
aparente estagnação de sua vida! Quão amargamente
ridicularizaram suas origens e entendendo mal seus propósitos,
descartaram-na como inútil apêndice de um credo moribundo!
Não estigmatizaram, em seus ataques escritos, a pessoa heróica
do Precursor de tão sagrada Revelação como um covarde
retratador, um pervertido apóstata, e não denunciaram todo
o conjunto de Seus volumosos escritos como um vão
palavreado de um homem insano? Não decidiram imputar a
seu divino Fundador os motivos mais vís que um inescrupuloso
conspirador e usurpador pode conceber, e não consideraram
o Centro de Seu Convênio como a incorporação de uma
tirania implacável, um promotor de injúrias e um notório
expoente de oportunismo e fraude? Seus princípios de unidade
mundial, esses insensatos inimigos de uma Fé em firme
crescimento repetidamente denunciaram como
fundamentalmente falsos, seu programa todo-abrangente,
acusaram de inteiramente fantasioso, e sua visão do futuro,
consideraram como quimérica e positivamente enganosa. As
verdades fundamentais que constituem sua doutrina, seus
néscios malquerentes apresentaram como um disfarce de um

93
SHOGHI EFFENDI

falso dogma, sua maquinaria administrativa, recusaram-se a


diferenciá-la da alma da própria Fé, e os mistérios que
reverenciam e defendem, eles os identificaram como pura
superstição. O princípio de unificação que advoga e com o
qual se identifica, eles o deturparam como uma simples busca
de uniformidade, suas repetidas asserções da realidade das
intervenções supernaturais, condenaram como vã crença em
magia, e a glória de seu idealismo, rejeitaram como mera utopia.
Todo processo de purificação através do qual uma Sabedoria
inescrutável decidiu, de tempos em tempos, purgar o corpo de
Seus escolhidos seguidores da corrupção dos indesejáveis e
indignos, essas vítimas de uma incansável inveja consideraram
como um sintoma de forças invasoras de um cisma que logo
iria solapar sua força, diminuir sua vitalidade e levá-lo à ruina.
Amigos muito queridos! Não cabe a mim, nem parece estar
dentro da competência de qualquer um da atual geração, traçar
a história exata e completa do crescimento e da consolidação
gradual deste braço invencível, deste órgão poderoso, de uma
Causa em contínuo progresso. Seria prematuro, neste estágio
de sua evolução, tentar fazer uma análise exaustiva, ou chegar
a uma estimativa justa das forças impulsoras que a têm levado
avante para ocupar tão exaltada posição entre os vários
instrumentos que a Mão da Onipotência moldou e está agora
aperfeiçoando para a execução de Seu Propósito divino.
Futuros historiadores desta poderosa Revelação, dotados de
penas mais capazes do que qualquer um de seus atuais
apoiadores afirme possuir, sem dúvida irão transmitir à
posteridade uma magistral exposição das origens dessas forças
que, através de um notável movimento pendular, fizeram com
que o centro administrativo da Fé gravitasse, longe de seu
nascedouro, até as praias do continente americano e até seu
próprio coração – a presente fonte e principal baluarte de suas

94
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

instituições em rápido desenvolvimento. Sobre eles repousa a


tarefa de registrar a história, e avaliar o significado de tão radical
revolução nos destinos de uma Fé em lenta maturação. Sua
será a oportunidade de exaltar as virtudes e imortalizar a
memória daqueles homens e mulheres que participaram de
sua realização. Deles, o privilégio de avaliar a parte que coube
a cada um desses mestres-construtores da Ordem Mundial de
Bahá’u’lláh em introduzir aquele Milênio áureo, cuja promessa
se encontra entesourada em Seus ensinamentos.
Não oferecem a história do cristianismo primitivo e o
surgimento do islã, cada um deles a seu modo, um espantoso
paralelo com este estranho fenômeno cujos primórdios agora
estamos testemunhando, neste que é o primeiro século da era
bahá’í? O Impulso Divino que deu nascimento a cada um
desses grandes sistemas religiosos, não foi levado, através da
operação dessas forças que o crescimento irresistível da própria
Fé liberou, a buscar longe da terra de seu nascimento, e em
climas mais propícios, um campo preparado e o meio mais
adequado para a encarnação de seu espírito e propagação de
sua Causa? Não foram as igrejas asiáticas de Jerusalém, da
Antióquia e de Alexandria, as quais consistiam principalmente
de judeus convertidos cujo caráter e temperamento os levavam
a simpatizar com as cerimônias tradicionais da Dispensação
Mosaica, forçadas, à medida que rapidamente entravam em
declínio, a reconhecerem a crescente ascendência de seus
irmãos gregos e romanos? Não foram eles compelidos a
reconhecer o valor superior e a adestrada eficiência que
capacitaram esses porta-estandartes da Causa de Jesus Cristo
a erigirem os símbolos de Seu domínio de âmbito mundial
sobre as ruínas de um império falido? Não foi o espírito
animador do islã obrigado, sob a pressão de circunstâncias
similares, a abandonar os inóspitos desertos de seu Lar Árabe,

95
SHOGHI EFFENDI

palco de seus maiores sofrimentos e heroísmos, para dar fruição,


em uma terra distante, aos mais belos frutos de sua civilização
em lenta maturação?
Afirma o próprio ‘Abdu’l-Bahá:
“Desde o princípio dos tempos até a presente data a
luz da Revelação Divina ergueu-se no Oriente e
irradiou sua luz sobre o Ocidente. A Luz assim
irradiada, no entanto, adquiriu um esplendor
extraordinário no Ocidente. Considerai a Fé
proclamada por Jesus. Embora tenha aparecido
primeiro no Oriente, a plena medida de suas
potencialidades, porém, só se manifestou quando sua
luz foi irradiada sobre o Ocidente.”
Ele nos assegura em outra passagem:
“Aproxima-se o dia em que testemunhareis como,
através do esplendor da Causa de Bahá’u’lláh, o
Ocidente terá tomado o lugar do Oriente, irradiando
a luz da Orientação Divina.”
Ele novamente afirma:
“Nos livros dos Profetas estão registradas certas boas-
novas, absolutamente verdadeiras e indubitáveis. O
Oriente tem sido sempre o nascedouro do Sol da
Verdade, no Oriente surgiram todos os Profetas de
Deus... O Ocidente adquiriu iluminação do Oriente,
mas em alguns aspectos o reflexo da luz foi maior no
Ocidente. Isto é particularmente verdadeiro com
relação ao cristianismo. Jesus Cristo surgiu na
Palestina e Seus ensinamentos foram estabelecidos
naquele país. Embora as portas do Reino se abrissem
primeiro naquela terra e as bênçãos de Deus fossem
difundidas de seu centro, os povos do Ocidente
abraçaram e proclamaram o cristianismo mais
completamente do que os povos do Oriente.”

96
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

Pouco surpreende que da mesma pena infalível tenha fluido,


depois da memorável visita de ‘Abdu’l-Bahá ao Ocidente, estas
palavras freqüentemente citadas, cuja importância ser-me-ia
impossível deixar de enfatizar, Ele as anunciou em uma Epístola
na qual revela Seu Plano Divino aos crentes residentes nos
Estados do Nordeste da República Americana:
“O continente americano é aos olhos do Deus uno
e verdadeiro, a terra onde os esplendores de Sua luz
hão de ser revelados, onde os mistérios de Sua Fé
serão desvelados, onde os justos habitarão e os livres
se reunirão.”
Ele mesmo, em Sua visita à América, foi ouvido ressaltar:
“Que esta democracia americana seja a primeira
nação a estabelecer os fundamentos do
entendimento internacional. Que seja a primeira
nação a proclamar a universalidade do gênero
humano. Que seja a primeira a erguer o estandarte
da Suprema Paz... O povo americano de fato merece
ser o primeiro a construir o tabernáculo da suprema
paz e proclamar a unidade do gênero humano... que
a América se torne o centro de difusão da iluminação
espiritual, e o mundo inteiro receba esta bênção
celestial! Pois a América desenvolveu poderes e
capacidades maiores e mais poderosas do que outras
nações... Que os habitantes deste país se tornem como
anjos do céu, com as faces constantemente voltadas
para Deus. Que todos eles se tornem servos do
Onipotente. Que se elevem acima desta atual
realização material e atinjam tais alturas que a
iluminação celestial possa se projetar deste centro
para todos os povos do mundo... Esta nação
americana está equipada e tem o poder de consumar

97
SHOGHI EFFENDI

aquilo que há de adornar as páginas da história, para


se tornar a inveja do mundo e ser abençoada no
Oriente e no Ocidente pelo triunfo de seu povo... O
continente americano dá evidentes sinais de grande
progresso; seu futuro é ainda mais promissor, pois sua
influência e iluminação são de ampla projeção e
espiritualmente liderará todas as nações.”
Pareceria extravagante, à luz de tão sublime elocução,
esperar que em meio a tão invejável região da terra e longe da
agonia e decadência de uma crise sem precedentes, surgisse
um renascimento espiritual que, ao se propagar por intermédio
dos crentes americanos, irá reabilitar os destinos de uma era
decadente? Foi o próprio ‘Abdu’l-Bahá, afirmam Seus mais
íntimos companheiros, que em mais de uma ocasião, deu a
entender que o estabelecimento da Fé de Seu Pai no
continente norte-americano possuía a posição mais destacada
no tríplice propósito que, conforme Ele concebia, constituiam
o objetivo principal de Seu ministério. Foi Ele que, no apogeu
de Sua vida e quase imediatamente após a Ascensão de Seu
Pai, concebeu a idéia de inaugurar Sua missão alistando os
habitantes de um país tão promissor sob a bandeira de
Bahá’u’lláh. Foi Ele que, em sua infalível sabedoria e a
generosidade de Seu coração, decidiu conceder a Seus
discípulos escolhidos, até o último dia de Sua vida, os sinais
de Sua infalível solicitude, e dominá-los com as marcas de
Seu favor especial. Foi Ele que, em Seus anos finais, logo após
ter sido libertado de Seus grilhões de um longo e cruel
encarceramento, decidiu visitar a terra que por tantos anos
havia sido o objeto de Seu infinito cuidado e amor. Foi Ele
que, através do poder de Sua presença e do encanto de Suas
elocuções, infundiu no corpo inteiro de Seus seguidores aqueles
sentimentos e princípios que seriam os únicos que poderiam

98
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

fortalecê-los em meio a provações que a realização de suas


tarefas inevitavelmente engendrariam. Ele que, através das
diversas atividades que realizou enquanto viveu em seu meio,
seja na colocação da pedra angular de sua Casa de Adoração,
ou na Festa que lhes ofereceu e na qual decidiu servi-los
pessoalmente, ou na ênfase que, na mais solene ocasião, deu
às implicações de Sua posição espiritual – não estava, desse
modo, deliberadamente concedendo a eles todos os aspectos
essenciais daquela herança espiritual que sabia iriam
habilmente salvaguardar e através de seus feitos continuamente
enriquecer? E, finalmente, quem poderá duvidar que, no Plano
divino que, no crepúsculo de Sua vida, Ele desvelou a seus
olhos, estava investindo-lhes daquela primazia espiritual na
qual podiam confiar no cumprimento de seu elevado destino?
Ele assim lhes fala em uma de Suas Epístolas:
“Ó vós apóstolos de Bahá’u’lláh! Que Minha vida
seja um sacrifício a vós!... Contemplai os portais que
Bahá’u’lláh abriu diante de vós! Considerai quão
excelsa e sublime é a condição a que fostes destinados
a atingir; quão incomparáveis são os favores com os
quais fostes dotados.”
Ele lhes diz em outra passagem:
“Meus pensamentos estão dirigidos a vós e meu
coração se agita dentro de mim mediante vossa
menção. Se soubésseis como minha alma arde com
vosso amor, tão grande felicidade inundaria vossos
corações que vos tornaríeis enamorados uns pelos
outros.”
E declara em outra Epístola:
“A plena medida de vosso sucesso ainda permanece
oculta e sua importância desconhecida. Dentro em
breve testemunhareis, com vossos próprios olhos,

99
SHOGHI EFFENDI

quão brilhantemente cada um de vós, tal como uma


estrela esplendorosa, irradiará a luz da Guia Divina
no firmamento de seu país e conferirá ao seu povo a
glória da vida eterna.”
E mais uma vez, Ele afirma:
“A extensão de vossas realizações futuras ainda
permanece desconhecida. Espero fervorosamente
que, num futuro próximo a terra inteira seja
impulsionada e sacudida com o fruto de vossas
realizações.”
E lhes assegura:
“O Todo-Poderoso sem dúvida alguma vos
concederá o auxílio de Sua graça, investir-vos-á com
os sinais de Seu poder e dotará vossas almas com o
poder sustentador de Seu espírito Santo.”
Porém, os adverte:
“Não considereis a escassez de vosso número, nem
vos deixeis intimidar pela multidão de um mundo
descrente... Esforçai-vos; vossa missão é
indizivelmente gloriosa. Se o sucesso coroar vosso
empreendimento, a América tornar-se-á segu-
ramente um centro de onde emanarão as ondas de
poder espiritual e o trono do Reino de Deus será
firmemente estabelecido com a plenitude de sua
majestade e glória.”
Ele, assim, os estimula:
“A esperança que ‘Abdu’l-Bahá nutre por vós é que
o mesmo sucesso, que vem acompanhando vossos
esforços na América possa coroar vossos empenhos
em outras partes do mundo, e que através de vós a
celebridade da Causa de Deus possa ser difundida
inteiramente no Oriente e no Ocidente e o advento

100
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

do Reino do Senhor das Hostes proclamado por


todos nos cinco continentes do globo... Até agora
tendes sido infatigáveis em vosso trabalho. Que
doravante vosso esforço aumente mil vezes.
Convocai os povos desses países, capitais, ilhas,
grupos e igrejas a entrarem no Reino de Abhá. O
âmbito de vosso esforço deve ser ampliado. Quanto
mais ampla sua abrangência, maior será a evidência
da assistência divina... Ó pudesse eu viajar, ainda
que a pé e na máxima pobreza, a essas regiões e,
erguendo o chamado de Yá-Bahá’u’l-Abhá em
cidades, aldeias, montanhas, desertos e oceanos,
promover os ensinamentos divinos! Isso,
infelizmente, eu não posso fazer! Quão intensamente
eu lamento! Apraza a Deus que vós o possais fazer!”
E, finalmente, como se para coroar todas as Suas elocuções
anteriores, esta afirmação solene incorpora Sua visão do destino
espiritual da América:
“No momento em que os crentes americanos levarem
avante esta Mensagem Divina da costa americana,
propagando-a através dos continentes da Europa,
Ásia, África e Austrália, até as longínquas ilhas do
Pacífico, essa comunidade se verá seguramente
estabelecida no trono de um domínio eterno. Então,
todos os povos do mundo testemunharão que essa
comunidade é espiritualmente iluminada e
divinamente guiada. E toda a terra ressoará com os
louvores de sua majestade e grandeza.”
É à luz dessas palavras de ‘Abdu’l-Bahá que todo crente
previdente e consciensioso deve ponderar sobre a importância
desta significativa afirmativa de Bahá’u’lláh:

101
SHOGHI EFFENDI

“No Oriente irrompeu a Luz de Sua Revelação; no


Ocidente os sinais de Seu domínio apareceram.
Ponderai isto em vossos corações, ó povo, e não sejais
dos que desatenderam às admoestações dAquele que
é o Todo-Poderoso, o Todo-Louvado... Se tentarem
ocultar sua luz no continente, ela seguramente
levantará a cabeça no coração do oceano, e,
erguendo sua voz, proclamará: ‘Eu sou quem dá vida
ao mundo!’”
Amigos muito queridos: Estarão nossos olhos tão turvos
que não conseguem reconhecer na angústia e no tumulto que,
mais do que em qualquer outro país e de forma sem precedentes
em sua história, estão agora afligindo a nação americana, as
evidências dos primórdios daquela renascença espiritual que
essas fecundas palavras de ‘Abdu’l-Bahá tão claramente
prenunciam? As dores e os tormentos de agonia que a alma de
uma nação em gestação está agora começando a sentir
abundantemente a proclamam. Comparai a triste condição
das nações da terra, e em particular desta grande república do
Ocidente, com as nascentes fortunas daquela mancheia de
seus cidadãos, cuja missão, se forem fiéis à sua incumbência,
deverá curar suas feridas, restaurar sua confiança e reavivar
suas esperanças despedaçadas. Comparai as convulsões
terríveis, os conflitos destruitivos, as vãs disputas, as
controvérsias ultrapassadas, as revoluções intermináveis que
agitam as massas, com a nova e calma luz da Paz e da Verdade
que envolve, guia e sustenta aqueles valentes herdeiros da lei
e do amor de Bahá’u’lláh. Comparai as instituições em
desintegração, as desacreditadas diplomacias, as teorias
destruídas, a degradação assustadora, as loucuras e as fúrias, os
artifícios, as fraudes e as concessões que caracterizam a
sociedade atual, com a firme consolidação, a santa disciplina,

102
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

a unidade e a coesão, a inabalável convicção, a lealdade


incondicional, e a heróica abnegação que constituem o marco
desses fiéis defensores e precursores da idade áurea da Fé de
Bahá’u’lláh.
Não é de admirar que estas palavras proféticas tenham sido
reveladas por ‘Abdu’l-Bahá. Ele nos assegura:
“O Oriente foi verdadeiramente iluminado com a
Luz do Reino. Dentro em breve esta mesma luz
haverá de emitir sobre o Ocidente uma iluminação
ainda maior. Então os corações de seus povos serão
vivificados pela potência dos ensinamentos de Deus
e suas almas serão iluminadas pelo fogo imorredouro
de Seu amor.”
E Ele afirma:
“O prestígio da Fé de Deus cresceu imensamente.
Sua grandeza está agora manifesta. Aproxima-se o
dia em que ela terá provocado um tremendo tumulto
nos corações humanos. Regozijai-vos, portanto, ó
habitantes da América, regozijai-vos com inescedível
alegria!”
Irmãos muito amados e valiosos! Ao voltarmos nosso olhar
para os quarenta anos que transcorreram desde que os
auspiciosos raios da Revelação de Bahá’u’lláh pela primeira
vez aqueceram e iluminaram o continente americano,
constataremos que eles bem podem ser divididos em quatro
períodos distintos, cada um deles culminando em um evento
de tal importância que se constituíram em marcos ao longo
do caminho que tem levado os crentes americanos à sua
prometida vitória. A primeira dessas décadas (1893-1903),
caracterizada por um processo de lenta mas constante
fermentação, pode ser dita como tendo culminado com as
históricas peregrinações dos discípulos americanos de ‘Abdu’l-

103
SHOGHI EFFENDI

Bahá ao Santuário de Bahá’u’lláh. Os dez anos que se seguiram


(1903-1913), tão cheios de testes e provações que agitaram,
limparam e energizaram o corpo dos primeiros pioneiros da Fé
nessa terra, tiveram como seu feliz clímax a memorável visita
de ‘Abdu’l-Bahá à América. O terceiro período (1913-1923),
um período de quieta e ininterrupta consolidação, teve como
seu inevitável resultado o nascimento daquela Administração
divinamente designada, cujos alicerces a Última Vontade do
finado Mestre havia estabelecido de forma inequívoca. Os dez
anos remanescentes (1923-1933), inteiramente marcados por
um desenvolvimento acidional interno, como também por
uma notável expansão de atividades internacionais de uma
comunidade em crescimento, testemunharam o término da
superestrutura do Mashriqu’l-Adhkar – o poderoso baluarte
da Administração, o símbolo de sua força e o sinal de sua glória
futura.
Cada um desses períodos sucessivos parece ter contribuído
com sua parcela distinta para o enriquecimento da vida
espiritual daquela comunidade, e como preparação de seus
membros para se desincumbirem das tremendas
responsabilidades de sua inigualável missão. As peregrinações
que seus mais destacados representantes foram levados a realizar,
naqueles primeiros tempos de sua história, incandesceram as
almas de seus membros com um amor e zelo que nenhuma
adversidade poderia arrefecer. Os testes e tribulações que
subsequentemente sofreram, capacitaram aqueles que a elas
sobreviveram a obter um entendimento das implicações de
sua fé de que nenhuma oposição, por mais determinada e bem
organizada que fosse, jamais poderia esperar enfraquecer. As
instituições que seus fiéis seguidores, testados e provados, mais
tarde estabeleceram, alimentaram seus promotores com aquela
firmeza e estabilidade que o crescimento de seus números e a

104
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

incessante expansão de suas atividades urgentemente


demandavam. E finalmente o Templo, que os expoentes de
uma Administração já firmememente estabelecida foram
inspirados a erigir, deu-lhes a visão que nem as tempestades
de distúrbios internos, nem os vendavais da comoção
internacional poderiam de alguma forma obscurecer.
Seria necessário me extender muito para tentar mesmo uma
breve descrição dos primeiros alvoroços causados pela
introdução da Revelação Bahá’í no Novo Mundo, conforme
concebida, iniciada e dirigida por nosso bem amado Mestre.
E o espaço não me permite narrar as circunstâncias que
envolveram a historicamente marcante visita dos primeiros
peregrinos americanos ao Santuário sagrado de Bahá’u’lláh,
para relatar os feitos que sinalizaram o retorno desses portadores
de um Evangelho recém nascido para seu país nativo, ou
avaliar as conseqüências imediatadas de suas realizações.
Nenhuma palavra minha seria suficiente para expressar quão
instantaneamente a revelação das expectativas, esperanças e
propósitos de ‘Abdu’l-Bahá para um continente despertado,
eletrizou as mentes e os corações daqueles que tiveram o
privilégio de ouvi-Lo, que se tornaram os recipientes de Suas
bênçãos inestimáveis e os repositórios escolhidos de Sua
confiança e certeza. Jamais esperaria interpretar
adequadamente os sentimentos que se agitaram naqueles
heróicos corações ao se sentarem aos pés do Mestre, ao abrigo
de Seu lar-prisão, ansiosos para absorver e decididos a preservar
as efusões de Sua divina sabedoria. Jamais poderia prestar um
tributo condigno àquele espírito de inabalável determinação
que o impacto de uma personalidade magnética e o encanto
de uma poderosa elocução despertou na inteira companhia
desses peregrinos que retornaram, desses consagrados
precursores do Convênio de Deus, em tão decisiva época de

105
SHOGHI EFFENDI

sua história. A memória de nomes como os de Lua, Chase,


MacNutt, Dealy, Goodall, Dodge, Farmer e Brittingham – para
mencionar apenas algumas das estrelas daquela galáxia imortal
agora reunidas à glória de Bahá’u’lláh – permanecerá para
sempre associada com o nascimento e o estabelecimento de
Sua Fé no continente americano, e continuará a irradiar sobre
seus anais um esplendor que o tempo jamais poderá enfraquecer.
Foi por intermédio desses peregrinos, ao se sucederem uns
aos outros nos anos imediatamente após a ascensão de
Bahá’u’lláh, que o esplendor do Convênio, obscurecido por
algum tempo pela aparente ascendência de seu Arqui-
Rompedor, emergiu triunfante em meio às vicissitudes que o
haviam afligido. Foi pela chegada daqueles peregrinos, e deles
somente, que as sombras que envolveram os membros
desconsolados da família de ‘Abdu’l-Bahá foram finalmente
dispersas. Foi pela ação desses visitantes sucessivos que a Folha
Mais Sagrada – que sozinha com seu Irmão dentre os membros
da família de seu Pai, teve de confrontar a rebelião de quase
todos os seus parentes e associados – encontrou aquele
conforto que tão poderosamente a sustentou até o final de
sua vida. Pelas forças que este pequeno grupo de peregrinos,
ao regressar, conseguiu liberar no coração daquele continente
é que o mau-agouro de toda e qualquer conspiração de
pretensos destruidores da Causa de Deus foi eliminado.
As Epístolas que foram subsequentemente reveladas pela
incansável pena de ‘Abdu’l-Bahá, incorporando em linguagem
apaixonada e inequívoca Suas instruções e conselhos, Seus
apelos e comentários, Suas esperanças e desejos, Seus temores
e admoestações, logo começaram a ser traduzidas, publicadas
e circularam por todos os recantos do continente norte-
americano, provendo o sempre crescente grupo dos primeiros
crentes com o alimento espiritual, o qual, apenas ele, poderia

106
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

capacitá-los a sobreviver às severas provações que teriam de


enfrentar em breve.
A hora de uma crise sem precedentes, porém, estava
inexoravelmente se aproximando. Evidências de dissensão,
alimentadas pelo orgulho e ambição, começavam a obscurecer
o brilho e retardar o crescimento de uma comunidade recém
nascida, a qual os apostólicos instrutores daquele continente
tinham tanto se esforçado para estabelecer. Aquele que fora
um instrumento na inauguração de tão esplêndida era na
história da Fé, a quem o Centro do Convênio de Bahá’u’lláh
havia conferido os títulos de “Pedro da Fé Bahá’í”, de “Pastor
dos Rebanhos de Deus”, de “Conquistador da América”, a
quem havia sido concedido o privilégio único de ajudar
‘Abdu’l-Bahá a colocar a pedra fundamental do Mausoléu do
Báb no Monte Carmelo – tal homem, cego por seu
extraordinário sucesso e aspirando um domínio irrestrito sobre
as crenças e as atividades de seus condiscípulos,
insolentemente levantou a bandeira da rebelião. Separando-
se de ‘Abdu’l-Bahá e unindo-se ao Arqui-Inimigo da Fé de
Deus, esse iludido apóstata tentou, ao perverter os
ensinamentos e lançar uma incansável campanha de
difamação contra a pessoa de ‘Abdu’l-Bahá, solapar a fé
daqueles crentes aos quais ele, por não menos de oito anos,
tão incansavelmente se esforçou em converter. Pelas calúnias
que publicou com ativa colaboração dos emissários de seu
principal Aliado, e reforçadas pelos empenhos que os inimigos
eclesiásticos cristãos da Revelação Bahá’í estavam começando
a exercer, ele conseguiu lançar contra a nascente Fé de Deus
um golpe do qual somente aos poucos e dolorosamente ela foi
se recuperando.
Não preciso discorrer sobre os efeitos imediatos desta séria,
embora transitória, ruptura nas fileiras dos crentes americanos

107
SHOGHI EFFENDI

da Causa de Bahá’u’lláh. Nem sobre o caráter dos escritos


difamatórios que sobre eles lançaram. Não é necessário,
igualmente, relatar as medidas tomadas por um Mestre sempre
atento para amenizar e então dissipar suas apreensões. Os
futuros historiadores é que deverão avaliar a importância da
missão de cada um dos quatro mensageiros escolhidos por
‘Abdu’l-Bahá, os quais, em rápida sucessão, foram enviados
por Ele para pacificar e revigorar aquela aflita comunidade.
Sua será a tarefa de investigar, no trabalho que esses
representantes de ‘Abdu’l-Bahá foram autorizados a realizar,
os primórdios daquela vasta Administração, cuja pedra
fundamental esses mensageiros foram instruídos a assentar –
uma Administração cujo edifício simbólico Ele, mais tarde,
iria pessoalmente fundar e cujos alicerces e escopo as provisões
de Sua Última Vontade estavam destinados a ampliar.
Basta dizer que neste estágio de sua evolução, as atividades
de uma Fé invencível haviam assumido tais dimensões que
forçaram, de um lado, seus inimigos a criar novas armas para
seus planejados assaltos e, por outro, estimular seu Promotor
supremo a instruir seus seguidores através de representantes e
instrutores qualificados sobre os rudimentos de uma
Administração que, com sua evolução, iria logo encarnar,
salvaguardar e promover seu espírito. As ações de tão
obstinados agressores, como as de Vatralsky, Wilson, Jessup e
Richardson, rivalizavam-se entre si em suas fúteis tentativas
de manchar sua pureza, impedir sua marcha e tentar levá-la à
rendição. Quanto às acusações de niilismo, heresia,
gnosticismo muçulmano, imoralidade, ocultismo e
comunismo, tão livremente levantadas contra eles, vítimas
impávidas de tão ultrajantes acusações, agindo sob as instruções
de ‘Abdu’l-Bahá, responderam iniciando uma série de
atividades através das quais, por sua própria natureza, seriam

108
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

precursoras das instituições permanentes e oficialmente


reconhecidas. A inauguração da primeira Casa de
Espiritualidade, em Chicago, designada por ‘Abdu’l-Bahá
como a “Casa de Justiça” daquela cidade; o estabelecimento
da Sociedade Bahá’í de Publicações; a fundação do “Grupo
de Amigos de Green Acre”; a publicação da revista “Star of
the West”; a realização da primeira Convenção Nacional,
sincronizando-se com a transferência dos sagrados restos do
Báb ao seu sepulcro definitivo no Monte Carmelo; o registro
legal do “Bahá’í Temple Unity” e a formação do Comitê
Executivo do Mashriqu’l-Adhkar –destacam-se como as mais
notáveis realizações dos crentes americanos que imortalizaram
a memória do mais turbulento período de sua história. Lançada
através dessas mesmas ações num mar revolto de incessantes
tribulações, pilotada pelo braço poderoso de ‘Abdu’l-Bahá e
manejada pelas ousadas iniciativas e abundante vitalidade de
um grupo de discípulo duramente testados, a Arca do
Convênio de Bahá’u’lláh conseguiu, desde aqueles dias,
manter-se firme em seu rumo, indiferente às tempestades de
amargas adversidades que a assaltaram e ainda deverão assolá-
la, à medida que ela for seguindo, imperturbada, seu caminho
ao promedito paraíso de segurança e paz.
Insatisfeita com as realizações que coroaram os esforços
conjuntos de seus representantes eleitos dentro do continente
americano, e encorajada pelo sucesso inicial de seus primeiros
instrutores, além de suas fronteiras, na Grã-Bretanha, França
e Alemanha, a comunidade dos crentes americanos decidiu
consquistar em climas distantes novos recrutas para o crescente
exército de Bahá’u’lláh. Partindo das praias ocidentais de sua
terra natal e impelidos pela energia poderosa de uma fé recém
nascida, esses instrutores itinerantes do Evangelho de
Bahá’u’lláh alcançaram as ilhas do Pacífico e foram a regiões

109
SHOGHI EFFENDI

distantes como China e Japão, determinados a estabelecer


postos avançados de sua amada Fé além dos mares mais
longínquos. Tanto em seu próprio país, como no exterior, esta
comunidade já havia demonstrado, naquele tempo, sua
capacidade de ampliar o âmbito e consolidar os alicerces de
seus enormes empreendimentos. As furiosas vozes que se
levantaram em protesto contra seu surgimento estavam se
afogando em meio às aclamações com que o Oriente aplaudiu
suas recentes vitórias. Aqueles aspectos repulsivos que se
haviam mostrado tão ameaçadores foram gradualmente
diminuindo, desaparecendo à distância, propiciando um
campo ainda mais amplo para aqueles nobres guerreiros
expressarem suas energias latentes.
A Fé de Bahá’u’lláh havia em verdade ressuscitado no
continente americano. Como uma fênix, ela surgira em toda
a sua formosura, vigor e beleza, e estava agora, pela voz de
seus vitoriosos expoentes, insistentemente chamando a
‘Abdu’l-Bahá, implorando-Lhe para realizar uma viagem aos
seus rincões. Os primeiros frutos da missão delegada a seus
dignos apoiadores haviam emprestado tal força ao seu chamado
que ‘Abdu’l-Bahá, recém libertado dos grilhões de uma tirania
cruel, não conseguiu resistir. Seu grande, Seu incomparável
amor por Seus filhos favorecidos O impeliram a responder. O
apaixonado apelo que fizeram, havia sido, além disso, reforçado
pelos numerosos convites que representantes de várias
organizações interessadas, seja religiosas, educacionais ou
humanitárias, haviam encaminhado a Ele, expressando sua
ansiedade em ouvir de Sua própria boca uma exposição dos
ensinamentos de Seu Pai.
Embora sob o peso da idade, e sofrendo de males resultantes
de preocupações acumuladas durante cinqüenta anos de exílio
e cativeiro, ‘Abdu’l-Bahá partiu em Sua memorável viagem

110
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

através de oceanos à terra que iria abençoar com Sua presença,


santificar com Seus feitos, os poderosos feitos que Seu espírito
havia estimulado que Seus discípulos realizassem. As
circunstâncias que acompanharam Sua jornada triunfal através
das principais cidades dos Estados Unidos e do Canadá, minha
pena é totalmente incapaz de descrever. As alegrias que o
anúncio de Sua chegada evocou, a publicidade que Suas
atividades criaram, as forças que Suas elocuções liberaram, a
oposição que as implicações de Seus ensinamentos levantaram,
os significativos episódios que Suas palavras e ações
continuamente ocasionaram – serão sem dúvida detalhada e
condignamente registradas por futuras gerações. Eles
cuidadosamente delinearão seus aspectos, estimarão e
preservarão sua memória, e transmitirão, de forma intacta, os
registros de suas detalhadas minúcias aos seus descendentes.
Seria na verdade presunção de nossa parte tentar, no tempo
atual, esboçar, mesmo superficialmente, um tema tão vasto e
tão fascinante. Ao contemplar, depois de um lapso de mais de
vinte anos, este marco notável na história espiritual da
América, ainda nos sentimos impelidos a confessar nossa
incapacidade de entender devidamente sua importância ou
de penetrar seu mistério. Aludi, nas páginas precedentes, a
alguns dos aspectos mais salientes daquela inesquecível visita.
Esses incidentes, ao fazermos uma retrospectiva deles,
eloqüentemente proclamam o propósito específico de ‘Abdu’l-
Bahá de, através dessas funções simbólicas, conferir às recém
nascidas comunidades do Ocidente, aquela primazia espiritual
que iria ser um direito inato dos crentes americanos.
As sementes que as incessantes atividades de ‘Abdu’l-Bahá
tão profusamente espalharam, haviam dotado os Estados
Unidos e o Canadá, ou melhor, todo o continente, com
potencialidades como jamais foram conhecidas em sua história.

111
SHOGHI EFFENDI

Ao pequeno grupo de Seus treinados e amados discípulos, e


através deles aos seus descendentes, Ele, com Sua visita, legou-
lhes uma herança preciosa – uma herança que continha em si
a sagrada e fundamental obrigação de se levantarem e levarem
avante, naquele solo fértil, o trabalho que Ele tão
gloriosamente havia iniciado. Podemos tenuemente fazer uma
imagem mental dos desejos que devem ter brotado de Seu
coração ansioso ao dar Seu último adeus àquele país promissor.
Uma Sabedoria inescrutável, bem podemos imaginá-Lo
observando aos Seus discípulos às vésperas de Sua partida, em
Sua infinita graça, selecionou vossa terra natal para a execução
de um poderoso propósito. Graças ao Convênio de
Bahá’u’lláh, eu, como um lavrador, fui chamado desde o início
de meu ministério, a revirar e arar seu terreno. As poderosas
confirmações que desde os primeiros dias têm sido derramadas,
ajudaram a preparar e fortalecer seu solo. As tribulações que
subseqüentemente vós tivestes de enfrentar, ocasionaram os
profundos sulcos no terreno que minhas mãos haviam
preparado. As sementes que me foram entregues, eu as espalhei
por toda parte diante de vós. Sob vosso amoroso cuidado, e
pelos vossos incessantes esforços, todas essas sementes devem
germinar, cada uma deve dar seus próprios frutos. Um inverno
de severidade sem precedentes logo se abaterá sobre vós. Suas
nuvens tempestuosas se juntam rapidamente no horizonte.
Ventos avassaladores sopram sobre vós de todos os lados. A
Luz do Convênio será obscurecida pela minha partida. No
entanto, essas fortes rajadas de vento e essa desolação hibernal
hão de passar. A semente dormente manifestará vigorosa
atividade. Desenvolverá seus botões, revelará suas folhas e
flores em forma de fortes instituições. As chuvas primaverís
da amorosa misercórdia que meu Pai celestial fará cair sobre
vós, fará com que esta tenra planta estenda seus ramos a regiões

112
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

bem além dos confins de vossa terra natal. E, finalmente, o


sol de Sua Revelação que firmemente se levanta, brilhando
em seu esplendor meridiano, fará com que esta poderosa
Árvore de Sua Fé produza, na plenitude do tempo e em vosso
solo, seus preciosos frutos.
As implicações de uma mensagem de despedida não
poderiam mais permanecer ocultas aos discípulos iniciados de
‘Abdu’l-Bahá. Logo que Ele concluiu Sua longa e árdua viagem
pelo continente americanao e pela Europa, os tremendos
acontecimentos aos quais Ele havia aludido começaram a se
manifestar. Um conflito, como Ele havia predito, interrompeu
por algum tempo todos os meios de comunicação com aqueles
aos quais Ele entregara tão tácito legado, e de quem tanto
esperava resposta. A desolação hibernal, com toda a sua
devastação e massacre, proseguiu seu incansável curso durante
quatro anos, enquanto Ele, retornando à quieta solitude de
Sua residência, nas proximidades do sagrado santuário de
Bahá’u’lláh, continuava a comunicar Seus pensamentos e
desejos àqueles que havia deixado para trás e àqueles a quem
havia conferido as incomparáveis provas de Seu favor. Nas
imortais Epístolas que, nas longas horas de Sua comunhão com
Seus ternamente amados amigos, Ele foi impelido a revelar,
estendeu diante de seus olhos Sua concepção do destino
espiritual deles e Seu Plano para a missão que Ele desejava que
assumissem. Ele estava agora aguando as sementes que Suas
mãos haviam plantado, com aquele mesmo cuidado, aquele
mesmo amor e paciência que haviam caracterizado Seus esforços
anteriores enquanto laborava dedicadamente em seu meio.
O chamado de clarim que ‘Abdu’l-Bahá havia levantado
era o sinal para um despertar de renovada atividade que, tanto
pelos motivos que inspirou como pelas forças que colocou em
ação, a América raramente havia experimentado.

113
SHOGHI EFFENDI

Adicionando um ímpeto sem precedentes ao trabalho que os


ativos embaixadores da Mensagem de Bahá’u’lláh haviam
iniciado em terras distantes, este movimento poderoso
continuou a se espalhar até nossos dias, ganhou ímpeto ao
extender suas ramificações sobre a face do globo, e continuará
a acelerar sua marcha até que os últimos desejos de seu primeiro
Promotor sejam completamente cumpridos.
Deixando seus lares, parentes, amigos e posição social, um
punhado de homens e mulheres, inflamados por um zelo e
confiança que nenhuma outra instituição humana poderia
acender, levantaram-se para cumprir o mandato que ‘Abdu’l-
Bahá havia emitido. Viajando para o norte a regiões distantes
como o Alaska, apressando-se para as Índias Ocidentais,
penetrando no continente sul-americano até as margens do
Amazonas, e através dos Andes para as regiões do extremo sul
da República Argentina, dirigindo-se para o oeste até a ilha
de Taiti e mais além, para o continente australiano, e ainda
mais distante, para Nova Zelândia e Tasmânia, esses intrépidos
arautos da Fé de Bahá’u’lláh conseguiram, com seus próprios
atos, estabelecer para a presente geração de seus irmãos de fé
no Oriente um exemplo que eles bem podem emular. Tendo à
frente sua ilustre representante, a qual, desde que o chamado
de ‘Abdu’l-Bahá foi erguido, já deu duas voltas em torno do
globo e está ainda, com força e coragem maravilhosas,
enriquecendo os incomparáveis anais de seus serviços, esses
homens e mulheres foram instrumentos de expansão da
influência do domínio universal de Bahá’u’lláh, a um ponto
ainda não superado na história bahá’í. Em face de obstáculos
praticamente insuperáveis, em muitos dos países pelos quais
passaram, ou nos quais estabeleceram residência, eles
conseguiram proclamar os ensinamentos de sua Fé, fazer
circular sua literatura, defender sua causa, estabelecer os

114
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

alicerces de suas instituições e reforçar o número de seus


declarados apoiadores. Seria impossível para mim expor, neste
pequeno espaço, a história de tão heróicas ações. Nem poderia
qualquer tributo meu fazer justiça ao espírito que possibilitou
a esses porta-estandartes da Religião de Deus conquistar tais
lauréis e conferir tal distinção à geração a que pertenceram.
A Causa de Bahá’u’lláh conseguira, então, circundar todo
o globo. Sua luz, nascida na tenebrosa Pérsia, havia sido levada
sucessivamente para os continentes da europeu, africano e
americano, e estava agora penentrando no coração da
Austrália, abrangendo com isso a terra inteira com uma
grinalda de glória esplendorosa. O papel que tão condignos,
tão corajosos discípulos, tiveram em animar os últimos dias da
vida terrena de ‘Abdu’l-Bahá, só Ele pode verdadeiramente
reconhecer e avaliar completamente. A importância singular
e eterna de tais realizações certamente será revelada pelos
futuros labores da nova geração, e a memória de seus serviços,
condignamente preservados e louvados. Quão profunda
satisfação ‘Abdu’l-Bahá deve ter tido, consciente que estava
da iminência de Sua partida, ao constatar os primeiros frutos
de serviços internacionais desses heróis da Fé de Seu Pai! Aos
seus cuidados Ele confiara uma grande herança. No crepúsculo
de Sua vida terrena, Ele pôde descansar contente, com a serena
certeza de que em tão hábeis mãos podia ser confiada a tarefa
de preservar sua integridade e exaltar suas virtudes.
O passamento de ‘Abdu’l-Bahá, ocasionado por tão súbitas
causas, e de conseqüências tão dramáticas, não poderia
impedir a operação de tão dinâmica força, nem obscurecer
seu propósito. Aqueles apelos fervorosos, incorporados na
Última Vontade e Testamento de um Mestre que recém partira,
apenas poderiam confirmar seu objetivo, definir seu caráter e
reforçar as promessas de seu sucesso final.

115
SHOGHI EFFENDI

Das dores de agonia que Seus seguidores, agora órfãos,


haviam sofrido, em meio ao calor e à poeira que os ataques
lançados por um inimigo incansável haviam precipitado,
nascera a Administração da invencível Fé de Bahá’u’lláh. As
poderosas energias liberadas pela ascensão do Centro de Seu
Convênio haviam se cristalizado neste supremo e infalível
Órgão para o cumprimento do Propósito Divino. A Última
Vontade e Testamento de ‘Abdu’l-Bahá desvelou seu caráter,
reafirmou seus alicerces, suplementou seus princípios,
confirmou sua indispensabilidade e enumerou suas principais
instituições. Com aquela mesma espontaneidade que
caracterizara sua resposta à Mensagem proclamada por
Bahá’u’lláh, a América havia agora se levantado para desposar
a causa da Administração que a Última Vontade e Testamento
de Seu Filho havia estabelecido inequivocamente. Nos anos
turbulentos que se seguiram à revelação de tão significativo
Documento, a ela, e somente a ela foi concedido o direito de
se tornar a destemida defensora daquela Administração, o pivô
de suas recém nascidas instituições e a principal promotora de
sua influência. Para os irmãos persas, os quais na idade heróica
da Fé haviam conquistado a coroa do martírio, os crentes
americanos, precursores de sua idade áurea, estavam agora
conseguindo ostentar condignamente uma vitória duramente
conquistada. Os registros insuperáveis de seus ilustres feitos
haviam estabelecido, sem qualquer sombra de dúvida, sua
parcela preponderante no delineamento dos destinos de sua
Fé. Em um mundo sofrido, precipitando-se para o caos, esta
comunidade – vanguardeira das forças libertadoras de
Bahá’u’lláh – conseguira erguer, nos anos seguintes ao
passamento de ‘Abdu’l-Bahá, muito além do nível alcançado
por suas instituições irmãs no Oriente e no Ocidente, o que
bem pode constituir o pilar principal daquela futura Casa –

116
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

uma Casa que a posteridade irá considerar como o último


refúgio de uma civilização cambaleante.
No prosseguimento de suas tarefas, nem os sussurros dos
traidores, nem os virulentos ataques de seus inimigos declarados
os fizeram desviar de seus elevados propósitos, ou solaparam
sua fé na sublimidade de sua vocação. A agitação provocada
por aquele que em sua incessante e sórdida busca de riquezas
terrenas teria, não fosse a advertência de ‘Abdu’l-Bahá,
maculado o bom nome de sua Fé, não chegou a perturbá-los.
Escolados por tribulações e seguros na fortaleza de suas
instituições em rápido desenvolvimento, eles repudiaram suas
insinuações e por sua lealdade inquestionável foram capazes
de arrasar suas esperanças malévolas. Recusaram-se permitir
qualquer consideração ao reconhecido prestígio e aos serviços
passados de seu pai e de seus associados enfraquecerem sua
determinação de ignorar totalmente a pessoa a quem ‘Abdu’l-
Bahá tão enfaticamente condenara. Os ataques velados com
os quais um punhado de entusiastas iludidos subseqüentemente
lançaram nas páginas de seus periódicos para reprimir o
crescimento e tentar atrapalhar os objetivos de uma nascente
Administração, também falharam em seus propósitos. A atitude
que uma mulher perturbada posteriormente assumiu, suas
ridículas asserções, sua ousadia em zombar da Última Vontade
de ‘Abdu’l-Bahá e desafiar sua autenticidade, e suas tentativas
de subverter seus princípios foram novamente incapazes de
produzir a mínima brecha nas fileiras de seus leais apoiadores.
As traiçoeiras maquinações que o ambicioso, pérfido e o mais
recente de seus inimigos tramou, e através do qual ele ainda
está se esforçando para deturpar o nobre trabalho de ‘Abdu’l-
Bahá e corromper seus princípios administrativos, estão sendo
mais uma vez completamente frustrados. Essas intermitentes e
abortivas tentativas da parte de seus agressores para forçar a

117
SHOGHI EFFENDI

rendição de uma recém construída fortaleza da Fé, foram desde


o início inteiramente desprezadas pelos seus defensores. Não
importa quão ferozes tenham sido os assaltos do inimigo, ou
habilidosos seus estratagemas, eles se recusaram a transigir um
jota ou um til de suas estimadas convicções. Suas insinuações
e clamores eles consistentemente ignoraram. Os motivos que
animavam suas ações, os métodos que insistentemente
utilizava, os precários previlégios que pareceu ele estar
momentaneamente recebendo, eles só podiam desprezar.
prosperando, durante algum tempo, por intermédio de
artifícios concebidos pelas suas mentes maquinadoras e
apoiados por efêmeras vantages concedidas por fama,
habilidade ou sorte, esses notórios exponentes da corrupção e
da heresia conseguiram por algum tempo expor suas horrendas
feições apenas para afundar, tão rapidamente quanto surgiram,
no atoleiro de um fim ignominioso.
Em meio a esses testes angustiantes, em alguns aspectos
reminiscentes da violenta tempestade que acompanhara o
nascimento da Fé em sua terra de origem, os crentes americanos
tinham novamente emergido triunfantes, seu progresso
inatingido, sua fama imaculada, sua herança intocada. Uma
série de magníficas realizações, cada uma mais significativa que
a anterior, iriam lançar crescente brilho em seus anais já
distintos. Nos anos obscuros imediatamente após a ascensão
de ‘Abdu’l-Bahá, seus feitos brilharam com uma radiância que
os fez objeto de inveja e admiração de seus irmãos menos
priveligiados. Toda a comunidade, desimpedida e
supremamente confiante, levantava-se diante de uma enorme
e gloriosa oportunidade. As forças que motivaram seu
nascimento, que ajudaram sua ascenção, estavam agora
acelerando seu crescimento de uma forma e com tal rapidez
que nem as lamúrias de uma aflição mundial, nem as

118
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

incessantes convulsões de uma era perturbada puderam


paralizar seus esforços ou retardar sua marcha.
Internamente, a comunidade iniciou inúmeros
empreendimentos que iriam capacitá-la, de um lado, a
expandir ainda mais o âmbito de sua jurisdição espiritual e, de
outro, modelar os instrumentos essenciais à criação e
consolidação das instituições que tal expansão imperiosamente
demandava. Externamente, suas realizações eram inspiradas
pelo duplo objetivo de prosseguir mais intensamente do que
nunca com o admirável trabalho que seus instrutores
internacionais haviam iniciado em cada um dos cinco
continentes, e em assumir uma crescente parcela na gestão e
na solução de delicados e complexos problemas que uma Fé
recém emancipada estava enfrentando. O nascimento da
Administração naquele continente havia sinalizado esses
louváveis empenhos. Sua gradual consolidação estava
destinada a assegurar sua continuidade e acentuar sua
efetividade.
Tudo que eu posso fazer é enumerar somente as realizações
mais destacadas que aumentaram tão acentuadamente o
prestígio dos crentes americanos em seu próprio país e além
de suas fronteiras, e que contribuíram para a glória e a honra
do Máximo Nome, deixando para as futuras gerações a tarefa
de explicar sua importância e definir uma estimativa adequada
de seu significado. Ao corpo de seus representantes eleitos
deve ser atribuída a honra de ter sido a primeira entre suas
Assembléias irmãs do Oriente e do Ocidente de criar,
promulgar e legalizar os instrumentos essenciais para o efetivo
desempenho de seus deveres coletivos – instrumentos que toda
comunidade bahá’í devidamente constituída deve considerar
como modelo digno de ser copiado e adotado. Aos seus
esforços deve-se, da mesma forma, imputar o feito histórico

119
SHOGHI EFFENDI

de assentar suas propriedades nacionais sobre uma base


permanente e incontestável, e de criar a necessária mediação
para a formação daqueles órgãos subsidiários cuja função é
administrar, em nome de seus fideicomissários, as propriedades
que forem adquiridas fora dos limites de sua jurisdição imediata.
Pelo peso de seu apoio moral tão liberalmente estendido aos
seus irmãos egípcios, foram capazes de remover alguns dos mais
tremendos obstáculos que a Fé teve de superar em sua luta
para emancipar-se dos grilhões da ortodoxia muçulmana.
Através da rápida e oportuna intervenção desses mesmos
representantes eleitos, eles foram capazes de evitar os
infortúnios e perigos que ameaçavam seus perseguidos
companheiros de fé nas Repúblicas Soviéticas, e afastar a ira
que ameaçava arruinar completamente uma das mais preciosas
e nobres instituições bahá’ís. Nada menos que essa ajuda
sincera, seja moral ou financeira, que os crentes americanos,
individual ou coletivamente, decidiram conceder em diversas
ocasiões aos seus carentes e perseguidos irmãos na Périsa,
poderia ter salvo essas vítimas indefesas das calamidades que
os afligiram nos tempos que se seguiram à ascensão de ‘Abdu’l-
Bahá. A publicidade que os esforços de seus irmãos americanos
haviam conseguido, os protestos que foram levados a fazer, os
apelos e petições que apresentaram, é que mitigaram esses
sofrimentos e refrearam a violência lançada pelo pior e o mais
tirano dos oponentes da Fé naquela terra. Quem mais, a não
ser alguém dentre seus mais destacados representantes, se
levantou para levar à atenção do mais elevado Tribunal que o
mundo jamais vira – as injustiças que uma Fé, privada de um
de seus mais sagrados santuários, estava sofrendo nas mãos de
um usurpador? Quem mais, através de esforço paciente e
persistente, conseguiu defender aquelas afirmações por escrito
que proclamam a justiça de uma causa perseguida e tacitamente

120
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

reconhecer seu direito à condição de uma religião


independente? “A Comissão”, é a resolução aprovada pela
Comissão de Mandatos Permanentes da Liga das Nações,
“recomenda que o Conselho deve solicitar que governo
britânico apresente protesto ao governo do Iraque com vistas
a uma imediata reparação à negação de justiça a que foram
sujeitos seus requerentes (a Assembléia Espiritual Local dos
Bahá’ís de Bagdá).” Alguém mais a não ser um crente
americano foi levado a obter da realeza testemunhos tão
admiráveis e reiterados sobre o poder regenerador da Fé de
Deus, tão extraordinárias referências à universalidade de seus
ensinamentos e à sublimidade de sua missão. “O ensinamento
bahá’í”, tal é o testemunho escrito da rainha, “traz paz e
entendimento. É como um grande abraço reunindo todos
aqueles que há muito buscam palavras de esperança. Aceita
todos os grandes Profetas do passado, não destrói outros credos
e deixa abertas todas as portas. Entristecida pela contínua
contenda entre os crentes de muitas confissões e cansada de
sua intolerância uns para com os outros, descobri no
ensinamento bahá’í o verdadeiro espírito de Cristo tão
freqüentemente negado e mal interpretado: Unidade em vez
de contenda, Esperança em vez de condenação, Amor em
vez de ódio, e uma grande confiança para todos os homens.”
Não demonstraram os crentes americanos da Fé de Bahá’u’lláh,
pela coragem de um dos mais brilhantes membros de sua
comunidade, terem sido um instrumento na pavimentação do
caminho para a remoção daquelas barreiras que por cerca de
um século haviam impedido o crescimento e paralizado a
energia de seus companheiros de fé na Pérsia? Não foi a
América que, sempre atenta ao chamado apaixonado de
‘Abdu’l-Bahá, enviou aos confins da terra um número cada
vez maior de seus mais consagrados cidadãos – homens e

121
SHOGHI EFFENDI

mulheres cujo único desejo de suas vidas é consolidar os


alicerces da soberania mundial de Bahá’u’lláh? Nas capitais
mais setentrionais da Europa, na maioria de seus estados
centrais, através da Península dos Balcãs, ao longo das costas
dos continentes africano, asiático e sul-americano encontram-
se atualmente um pequeno grupo de mulheres pioneiras as
quais, sozinhas e com parcos recursos, estão trabalhando para
o advento do dia previsto por ‘Abdu’l-Bahá. Não foi a atitude
da Folha Mais Sagrada que, ao se aproximar do final de sua
vida, deu testemunho eloqüente ao incomparável papel que
seus firmes e abnegados devotos naquele continente tiveram
em aliviar a carga que por tanto tempo e tão fortemente pesou
em seu coração? E, finalmente, quem pode ser tão imprudente
a ponto de negar que o término da super-estrutura do
Mashriqu’l-Adhkar – a coroa de glória das realizações passadas
e presentes da América – tenha moldado aquela corrente
mística que deve ligar, mais firmemente do que nunca, os
corações de seus promotores a Ele, a Fonte e o Centro de sua
Fé e o Objeto de sua mais sincera adoração?
Queridos companheiros de fé no continente americano!
Grandes em verdade têm sido vossas realizações passadas e
presentes! Imensuravelmente maiores serão as maravilhas que
o futuro reserva para vós! O Edifício que vossos sacrifícios
levantaram ainda precisa ser revestido. A Casa que deve ser
mantida pela mais elevada instituição administrativa que
vossas mãos criaram, ainda não foi construída. As provisões
do principal Repositório daquelas leis que devem governar
sua operação não foram ainda reveladas inteiramente. O
Estandarte que deve ser erguido em vosso próprio país, se é
para realizar os desejos de ‘Abdu’l-Bahá, ainda não foi
desfraldado. A Unidade, cujo símbolo deve ser aquele
estandarte, está ainda longe de ser estabelecida. A maquinaria

122
A AMÉRICA E A PAZ MÁXIMA

que deverá encarnar e preservar aquela unidade não foi nem


criada. Será a América, será um dos países da Europa, que há
de se levantar para assumir a liderança essencial ao
delineamento dos destinos desta era perturbada? Irá a América
permitir que qualquer uma de suas comunidades irmãs do
Oriente ou do Ocidente alcance tal ascendência que a prive
daquela primazia espiritual com a qual foi investida e que até
agora manteve tão nobremente? Não irá ela, ao contrário,
contribuir com uma demonstração adicional daqueles poderes
inerentes que lhe motivam a vida, para enriquecer a preciosa
herança que o amor e a sabedoria de um saudoso Mestre lhe
conferiu?
Seu passado é um testemunho da vitalidade inexaurível de
sua fé. Não irá seu futuro confirmá-la?

Seu irmão verdadeiro,

SHOGHI

Haifa, Palestine,
21 de abril de 1933

123
A DISPENSAÇÃO
DE BAHÁ’U’LLÁH
SHOGHI EFFENDI

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A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS AMADOS DE DEUS E


SERVOS DO MISERICORDIOSO
EM TODO O OCIDENTE

Colaboradores da Vinha Divina,

No dia 23 de Maio deste auspicioso ano, o mundo bahá’í


celebrará o nonagésimo aniversário da fundação da Fé
estabelecida por Bahá’u’lláh. Nós que nesta hora nos
encontramos no limiar da última década do primeiro século
da era bahá’í, bem poderíamos nos deter a fim de refletir sobre
as graças misteriosas de tão augusta e momentosa Revelação.
Que vasto e fascinante panorama é o que se desenrola ante
nossos olhos com a revolução de noventa anos! Quase que
nos acabrunha sua grandeza sobrepujante. Se apenas se
contemplar este espetáculo sem paralelo e formar um conceito,
por mais inadequado que seja, das circunstâncias que
acompanharam o surgir dessa suprema Teofania e seu
desenvolvimento gradativo, e se forem lembradas, ainda que
em seu mais simples esboço, as dolorosas lutas que
proclamaram seu início e aceleraram sua marcha, isto será o
bastante para convencer todo observador imparcial daquelas
verdades eternas que motivam a vida desta Revelação e devem
continuar a impulsioná-la até que alcance sua destinada
ascendência.
Dominando todo o âmbito deste deslumbrante espetáculo,
sobressai a figura incomparável de Bahá’u’lláh, de

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SHOGHI EFFENDI

transcendente majestade, serena, venerável, de uma


sublimidade sem par. Aliado, embora subordinado em grau, e
investido da autoridade de presidir, com Ele, os destinos desta
suprema dispensação, brilha sobre este quadro mental o Báb,
em toda a glória de Sua juventude, com Sua infinita ternura,
com Seu encanto irresistível e heroísmo jamais excedido, e
Seu paralelo nas circunstâncias dramáticas de Sua curta e
momentosa vida. E surge, finalmente, a personalidade
vibrante, magnética de ‘Abdu’l-Bahá, ainda que num plano
próprio e numa categoria inteiramente distinta daquela
ocupada pelas Figuras gêmeas que O precederam. Num grau
jamais alcançado por homem algum, por elevada que fosse
sua posição, reflete ‘Abdu’l-Bahá a glória e o poder possuídos
por Aqueles – e por Aqueles somente – que são os
Manifestantes de Deus.
Com a ascensão de ‘Abdu’l-Bahá e, sobretudo, com o
falecimento de Sua bem-amada e ilustre irmã, a Folha Mais
Sagrada, a última sobrevivente de uma era heróica e gloriosa,
encerrou-se o primeiro e o mais comovente capítulo da história
bahá’í, marcando a conclusão do Período Primitivo e
Apostólico da Fé de Bahá’u’lláh. Foi ‘Abdu’l-Bahá quem pelas
provisões de Seu poderoso Testamento, forjou o elo vital que
há de ligar para sempre a era que acaba de expirar com aquela
em que ora vivemos – o Período Transitório e Formativo da
Fé – etapa que há de florescer na plenitude dos tempos e
frutificar nas proezas e nos triunfos destinados a anunciar a
Idade Áurea da Revelação de Bahá’u’lláh.
Meus amados amigos! Graças aos cuidados dos escolhidos
de uma Fé de vasto alcance, estão se reunindo e organizando
agora, gradualmente, ante os nossos próprios olhos, as forças
impetuosas que dois Manifestantes independentes, vindos em
rápida sucessão, milagrosamente liberaram. Essas forças estão

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

se cristalizando pouco a pouco em instituições que virão a ser


consideradas os marcos gloriosos da era que devemos
estabelecer agora e imortalizar pelas nossas obras. Pois, das
tentativas que fazemos hoje e, sobretudo, da intensidade do
nosso esforço por reformar nossas vidas segundo o modelo de
sublime heroísmo associado àqueles que nos precederam, deve
depender a eficácia dos instrumentos que agora moldamos –
instrumentos esses que devem erigir a estrutura daquela bem-
aventurada Comunidade que irá assinalar a Idade Áurea de
nossa Fé.
Não é meu propósito, ao passar em revista estes anos repletos
de proezas, tentar fazer nem sequer um breve relato dos
grandiosos acontecimentos ocorridos desde 1844 até hoje.
Nem tenciono analisar as forças que os precipitaram, ou avaliar
sua influência sobre povos e instituições em quase todos os
continentes do globo. Os fatos autênticos registrados sobre a
vida dos primeiros crentes do período inicial de nossa Fé, bem
como a assídua investigação que deve ser empreendida por
competentes historiadores bahá’ís do futuro, transmitirão à
posteridade uma exposição da história dessa época muito mais
magistral do que qualquer esforço meu conseguiria fazer. O
que mais me preocupa neste período tão desafiador da história
bahá’í, é o dever de levar à atenção daqueles destinados a
serem os campeões na construção da Ordem Administrativa
de Bahá’u’lláh, certas verdades fundamentais cuja elucidação
lhes há de facilitar grandemente o eficaz prosseguimento de
sua grandiosa obra.
Além disso, a posição internacional já atingida pela Religião
de Deus exige imperativamente o esclarecimento definitivo
de seus princípios básicos. O ímpeto sem precedente que os
brilhantes feitos dos bahá’ís americanos deram à marcha da
Fé; o intenso e rápido interesse que o primeiro Mashriqu’l-

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Adhkár do Ocidente está despertando entre as diversas raças


e nações; a consolidação gradual das instituições bahá’ís em
nada menos de quarenta dos países mais adiantados do mundo;
a disseminação da literatura bahá’í em vinte e cinco dos mais
difundidos idiomas; o êxito que coroou os esforços dos bahá’ís
persas, recentemente, em seus passos preliminares para o
estabelecimento, nos arredores da capital de sua terra natal,
do terceiro Mashriqu’l-Adhkár do mundo bahá’í; as medidas
que já estão sendo tomadas para a formação imediata de sua
primeira Assembléia Espiritual Nacional, que deve representar
os interesses da grande maioria dos adeptos bahá’ís; a ereção,
já projetada, de mais um pilar da Casa Universal de Justiça,
primeiro em seu gênero no hemisfério meridional; os
testemunhos, tanto verbais como escritos que a Fé, em seu
esforço incansável, tem recebido de realezas, de instituições
governamentais, de tribunais internacionais e dignitários
eclesiásticos; a publicidade devida às próprias acusações
dirigidas contra ela por inimigos inexoráveis, antigos e recentes;
o ato formal que libertou uma parte de seus adeptos dos grilhões
da ortodoxia muçulmana em um país considerado o mais
adiantado entre as nações islâmicas – tudo isso prova
sobejamente a crescente rapidez com que a comunidade
invencível do Nome Supremo se aproxima da vitória final.

Amigos, mui estimados! Numa época em que a luz da


publicidade está focalizada cada vez mais sobre nós, considero
que minha incumbência – em virtude das obrigações e
responsabilidades que eu, como Guardião da Fé de
Bahá’u’lláh, devo cumprir – dar ênfase especial a certas
verdades que baseiam nossa Fé, e cuja integridade é nosso
primeiro dever salvaguardar. Estou convencido de que estas
verdades, se forem corajosamente apoiadas, e assimiladas de

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

um modo adequado, reforçarão muito o vigor de nossa vida


espiritual e concorrerão para neutralizar as intrigas de um
inimigo implacável e vigilante.
É minha convicção inalterável que todo fiel adepto deve
ter, como sua primeira obrigação e o objeto de seu constante
esforço, adquirir um conhecimento mais adequado do significado
da estupenda Revelação de Bahá’u’lláh. Uma compreensão
exata e completa de tão vasto sistema, de tão sublime revelação,
de tão sagrada incumbência, está, por óbvias razões, fora do
alcance de nossas mentes limitadas. Contudo podemos – e é
nosso dever incontestável, enquanto trabalhamos na
propagação de Sua Fé – procurar derivar nova inspiração e maior
apoio, mediante um conceito mais nítido das verdades que essa
Fé encerra, e dos princípios em que se baseia.
Ao explicar a posição do Báb, numa das comunicações
dirigidas aos crentes americanos, fiz uma ligeira referência à
incomparável grandeza da Revelação de que Ele se considerava
o humilde Precursor. Ele – aclamado por Bahá’u’lláh no Kitáb-
i-Iqán, como o prometido Qá’im – Aquele que manifestou
nada menos que vinte e cinco dentre as vinte e sete letras
destinadas a ser reveladas por todos os profetas – esse tão grande
Revelador testemunhou. Ele mesmo, a respeito da
preeminência da Revelação superior que dentro em breve
haveria de suceder à Sua própria. Assevera o Báb no Bayán
persa:
“O embrião que contém dentro de si as
potencialidades da Revelação que há de vir, é dotado
de um poder superior às forças reunidas de todos os
que Me seguem.”
Ele afirma ainda:
“De todos os tributos que prestei Àquele destinado
a Me suceder, o maior é este: Minha confissão, por

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SHOGHI EFFENDI

escrito, de que palavra alguma por Mim proferida


poderá descrevê-Lo adequadamente e, tão pouco,
referência alguma a Seu respeito em Meu Livro, o
Bayán, poderá apresentar, de uma maneira digna, a
Sua Causa.”
Declarou Ele categoricamente no mesmo Livro:
“O Bayán e quem quer que nele esteja mencionado,
giram em torno das palavras dAquele que Deus
tornará manifesto, assim como o Alif (o Evangelho)
e qualquer um que nele estivesse mencionado
giraram ao redor das palavras de Muhammad, o
Apóstolo de Deus.”
Disse mais:
“A leitura do Bayán ainda que seja feita mil vezes,
não poderá igualar a leitura cuidadosa de um só
versículo a ser revelado por Aquele que Deus tornará
manifesto... O Bayán encontra-se hoje em estado
embrionário; a sua perfeição completa será mostrada
ao iniciar-se a Revelação dAquele que Deus tornará
manifesto... O Bayán e todos seus crentes anelam
por Ele mais ardentemente do que qualquer amante
por sua amada... Toda a glória do Bayán deriva
dAquele que Deus tornará manifesto... Bem-
aventurado quem nEle acreditar, e ai de qualquer
um que rejeite Sua Verdade!”
Dirigindo-se a Siyyid Yahyáy-i-Dárábí, conhecido como
Vahíd, o mais proeminente entre os adeptos, em virtude de
sua erudição, sua eloqüência e seu prestígio, o Báb pronuncia
esta advertência:
“Pela justiça dAquele cujo poder faz germinar a
semente e que infunde o espírito da vida em todas
as coisas! Se eu soubesse que, no dia de Sua

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

manifestação, tu O negarias, não vacilaria em te


renunciar e repudiar tua fé... Se, por outro lado, Me
disserem que um cristão, que não deve lealdade à
Minha Fé, virá a crer nEle, a este Eu considerarei
como a menina de Meus Olhos.”
Numa de Suas orações, Ele assim comunga com
Bahá’u’lláh:
“Exaltado sejas, ó meu Senhor, o Onipotente! Quão
insignificantes e desprezíveis parecem minhas
palavras e tudo o que me pertence, a não ser que
estejam relacionados à Tua grande glória. Permite,
pela Tua graça, que qualquer coisa que me pertença
seja aceitável ante os Meus olhos.”
No Qayyúmu’l-Asmá – o comentário do Báb sobre o Súrih
de José, caracterizado pelo Autor do Iqán como “o primeiro,
o maior e o mais poderoso” dos livros revelados pelo Báb –
lemos as seguintes referências a Bahá’u’lláh:
“Do simples nada, ó grande e onipotente Mestre,
Tu, através da potência celestial de Tua grandeza,
me fizeste aparecer e me levantaste para proclamar
esta Revelação. Em ninguém exceto em Ti depositei
minha confiança; não dependi senão de Tua
vontade... Ó Tu, Remanescente de Deus, sacrifiquei-
me inteiramente por Ti; aceitei maldições por Tua
causa, e nada anelei senão o martírio no caminho
de Teu amor. Testemunho suficiente para mim é
Deus, o Excelso, o Protetor, o Ancião dos Dias...”
Dirigindo-se novamente a Bahá’u’lláh no mesmo comentário,
disse o Báb:
“E quando houver soado a hora designada deves Tu,
com a aprovação de Deus, o Onipotente, revelar das
alturas do Monte Místico, do Monte mais sublime,

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SHOGHI EFFENDI

uma centelha ligeira, infinitésima, de Teu


impenetrável Mistério, para que, aqueles que hajam
reconhecido o brilho do Esplendor Sinaico, possam
esvair-se e falecer ao avistar um fugaz vislumbre da
Luz ardente, carmesim, que envolve Tua Revelação.”
Como mais uma prova da grandeza da Revelação de
Bahá’u’lláh, podem ser citados os seguintes extratos de uma
Epístola dirigida por ‘Abdu’l-Bahá a um eminente adepto
zoroastriano:
“Havias escrito que se encontra nos livros sagrados
daqueles que seguem Zoroastro a profecia de que,
nos últimos dias, em três Dispensações distintas, o
sol haveria de parar. Na primeira Dispensação,
segundo a predição, o sol permanecerá imóvel por
dez dias; na segunda, por duas vezes este tempo; na
terceira, por nada menos de um mês inteiro. A
interpretação dessa profecia é a seguinte: a primeira
Dispensação a que ela se refere é a Dispensação
Muçulmana, durante a qual o Sol da Verdade
permaneceu imóvel por dez dias. Cada dia representa
um século. A Era Muçulmana, portanto, deve ter
durado nada menos de mil anos – exatamente o
período que transcorreu entre o ocaso da Estrela do
Imanato e o advento da Era proclamada pelo Báb.
A segunda Dispensação mencionada nesta profecia
é aquela inaugurada pelo próprio Báb, sendo que
começou no ano 1260 (depois da Hégira) e findou
no ano 1280 (depois da Hégira). Quanto à terceira
– a Revelação proclamada por Bahá’u’lláh – desde
que o Sol da Verdade, ao atingir essa posição, brilha
na plenitude de seu esplendor meridiano, fixou-se
um mês inteiro como o período de sua duração – o

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

tempo máximo para a passagem do sol por um signo


do zodíaco. Disto podes imaginar a magnitude do
ciclo bahá’í – um ciclo que há de abranger um
período de pelo menos quinhentos mil anos.”
Pelo texto dessa explícita e autorizada interpretação de tão
antiga profecia, é evidente quão necessário se torna que todo
fiel seguidor da Fé aceite a origem divina da Revelação
Muçulmana e sustente sua posição independente. Nestas
mesmas passagens, além disso, está implicitamente
reconhecida a validade do Imanato – aquela instituição
divinamente estabelecida, de cujo membro mais eminente era
o próprio Báb descendente direto, e que, por um período não
inferior a duzentos e sessenta anos, continuou a ser guiada
pelo Todo-Poderoso e a ser o depositário de um dos mais
preciosos legados do islã.
Esta mesma profecia – devemos reconhecer – atesta
também o caráter independente da Revelação do Báb e
corrobora indiretamente o fato de que, segundo o princípio
da revelação progressiva, cada Manifestante divino deve,
necessariamente, conceder a divina guia à humanidade de
Seu Tempo, em escala mais ampla do que teria sido possível
em qualquer época anterior privada ainda da capacidade de a
receber ou apreciar. Por isso – e não por algum mérito superior,
inerente, que se possa atribuir à Fé Bahá’í – essa profecia dá
testemunho da glória e do poder sem paralelo, de que foi
investida a Dispensação de Bahá’u’lláh – uma Dispensação
cujas potencialidades apenas começamos agora a perceber e
nunca haveremos de determinar toda a sua plenitude.
A Fé Bahá’í deve ser considerada – se quisermos ser fiéis às
tremendas implicações de sua mensagem – como a culminação
de um ciclo, a etapa final numa série de revelações sucessivas,
preliminares e progressivas. Começando com Adão e

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SHOGHI EFFENDI

terminando com o Báb, estas revelações vêm preparando o


caminho para o advento daquele Dia dos Dias, antecipando-
o com uma ênfase sempre crescente – o Dia em que o
Prometido de Todos os Tempos haveria de se manifestar.
Dessa verdade encontramos, nas palavras de Bahá’u’lláh,
amplo testemunho. Basta uma ligeira referência às declarações
feitas por Ele mesmo, repetidas vezes, com tanta veemência e
tão irresistível poder, para se demonstrar plenamente o caráter
da Revelação de que Ele foi escolhido portador. Às palavras,
pois, que emanam de Sua Pena – manancial de tão intensiva
Revelação – devemos dirigir nossa atenção se quisermos obter
uma compreensão mais nítida de sua importância e significado.
Quer seja ao fazer Suas asseverações sem precedentes, quer
seja em Suas alusões às forças misteriosas por Ele liberadas, ou
em tais passagens que exaltam as glórias de Seu Dia há tanto
esperado, ou que engrandeçam a posição destinada àqueles
que tenham reconhecido as virtudes ocultas neste Dia –
Bahá’u’lláh, e também, o Báb e ‘Abdu’l-Bahá em grau quase
igual, legaram à posteridade tesouros de tão grande valor que
nenhum de nós que pertencemos à presente geração podemos
avaliar adequadamente. Tais testemunhos acerca deste tema
estão impregnados de tal poder, e revelam tanta beleza, que
só aqueles versados nos idiomas originais podem dizer que os
tenham apreciado devidamente. E tão grande é seu número
que seria necessário escrever um volume inteiro para compilar
só os mais salientes dentre eles. Tudo o que eu posso aventurar-
me a fazer, neste momento, é compartilhar as passagens que
pude escolher de Seus volumosos escritos.
Bahá’u’lláh proclama:
“Dou testemunho perante Deus da grandeza, da
inconcebível grandeza desta Revelação.
Repetidamente, na maioria de Nossas Epístolas,

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

temos atestado essa verdade a fim de despertar de


sua indiferença o gênero humano.”
Anuncia Ele de modo inequívoco:
“Nesta poderosíssima Revelação todas as Revelações
do passado alcançaram sua consumação mais alta e
final. O que se manifestou nessa Revelação sublime,
proeminente, não tem paralelo nos anais do passado,
e tão pouco será igualado em épocas futuras.”
Proclama ainda Bahá’u’lláh referindo-se a Si próprio:
“Foi Ele quem o Velho Testamento chamava de
Jeová, Aquele designado no Evangelho como o
Espírito da Verdade, e no Alcorão aclamado como
o Grande Anúncio. Se não fosse Ele, a nenhum
Mensageiro divino se haveria conferido o manto de
profeta, nem se teria revelado nenhuma das sagradas
escrituras. Disso dão testemunho todas as coisas
criadas. A palavra proferida neste Dia, por Deus, Uno
e Verdadeiro, ainda que seja a mais comum e familiar
das expressões, está investida de distinção suprema,
inigualável. A maioria da humanidade acha-se,
todavia, imatura. Se houvesse adquirido capacidade
suficiente, Nós lhe teríamos concedido tão ampla
porção de Nossa sabedoria que todos os que habitam
na terra e no céu se haveriam tornado – em virtude
das graças emanadas de Nossa Pena – completamente
independentes de todo o conhecimento, exceto o
conhecimento de Deus e teriam se estabelecido com
toda segurança no trono da perene tranqüilidade.
A Sagrada Pena – afirmo solenemente perante Deus
– escreveu sobre a nívea brancura de Minha fronte,
em letras de refulgente glória, estas palavras
radiantes, perfumadas de almíscar, sacratíssima: ‘Eis

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SHOGHI EFFENDI

aqui, vós que habitais na terra, e vós, moradores do


céu, dai testemunho: Ele, em verdade, é vosso Bem-
Amado. É Aquele cujo igual jamais foi visto pelo
mundo da criação, cuja deslumbrante beleza deleitou
os olhos de Deus, o Ordenador, o Todo-Poderoso, o
Incomparável.’”
Exclama Bahá’u’lláh, dirigindo-se à toda a cristandade:
“Seguidores do Evangelho! Eis aqui, abertos de par
em par, os portais do céu. Aquele que para aí
ascendera, veio agora. Escutai a Sua voz, que clama
através da terra e do mar, anunciando a toda a
humanidade o advento desta Revelação – uma
Revelação por cujo intermédio a Língua da Grandeza
ora proclama: ‘Eis aqui! Cumpriu-se a sagrada
Promessa, pois já veio o Prometido!’ Do santo vale
clama a voz do Filho do Homem: ‘Eis-Me aqui, eis-
Me aqui, ó Deus, meu Deus!...’ Enquanto vem da
Sarça Ardente o grito de: ‘Vêde, o Desejado do
mundo se manifestou em Sua transcendente glória!’
O Pai já veio. Cumpriu-se aquilo que vos foi
prometido no Reino de Deus. Eis o Verbo que o
Filho revelou quando disse àqueles a Seu redor que
naquele tempo não o podiam suportar...
Verdadeiramente, o Espírito da Verdade veio a fim
de vos guiar a toda a verdade... Ele foi quem
glorificou o Filho e Lhe exaltou a Causa... O
Confortador, prometido em todas as Escrituras, veio
agora para vos revelar todo o conhecimento e
sabedoria. Buscai-O por toda a superfície da terra,
para que possais, porventura, encontrá-Lo.”
Bahá’u’lláh escreve:

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A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

“Chama Sião, ó Carmelo! e anuncia as boas novas:


‘Já veio Aquele que estava oculto aos olhos mortais;
está manifesta Sua soberania suprema; revelou-se Seu
esplendor que tudo abarca... Apressa-te e circunda
a Cidade Divina descida do céu, a Kaaba celestial,
objeto da adoração dos favorecidos de Deus, dos
puros de coração, e da companhia dos anjos mais
sublimes.’”
Ele afirma em outra ocasião:
“Eu sou Aquele que foi louvado pela língua de Isaías,
Aquele cujo Nome adornou tanto a Tora como o
Evangelho. Apressa-se a glória do Sinai a circundar
a Aurora desta Revelação, enquanto das alturas do
Reino se ouve a voz do Filho de Deus a proclamar:
‘Levantai-vos, ó vós, soberbos da terra, e sem demora
aproximai-vos dEle!’ O Carmelo apressou-se neste
Dia, com anelo e adoração, para alcançar Sua Corte,
enquanto surge do coração do Sião este brado:
‘Cumpriu-se agora a Promessa de todos os tempos.
Manifestou-se aqui o que fora anunciado nas
Sagradas Escrituras de Deus, o Bem-Amado, o
Altíssimo.’ Hijáz desperta com os sopros divinos que
anunciam as novas de uma jubilosa reunião, e
ouvimo-la exclamar: ‘Louvado sejas, ó meu Senhor,
o Altíssimo! Por causa de minha separação de Ti eu
estava morta e os sopros fragrantes de Tua Presença
ressuscitaram-me. Feliz de quem se dirigir a Ti, e ai
daquele que se desviar.’ Por Deus, Uno e Verdadeiro,
Elias apressou-se para Minha Corte e circundou, dia
e noite, o Meu Trono de glória. Salomão, em toda a
sua majestade, circula-Me em adoração, neste dia,
pronunciando estas elevadas palavras: Voltei minha

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SHOGHI EFFENDI

face para Tua face, ó poderosíssimo Rei do mundo!


Estou completamente desprendido de todas as coisas
que me pertencem, e anelo por aquilo que Tu
possues.”
Bahá’u’lláh escreve numa Epístola que revelou às vésperas de
Seu desterro para a colônia penal de ‘Akká:
“Se Muhammad, o Apóstolo de Deus, houvesse
atingido esse Dia, Ele teria exclamado: ‘Em verdade,
Eu Te reconheci, ó Tu, Desejo dos Mensageiros
Divinos.’ Tivesse Abraão o alcançado, Ele também
ter-se-ia prostrado ao solo e com absoluta humildade
ante o Senhor teu Deus exclamado: ‘Meu coração
está cheio de paz, ó Tu, Senhor de tudo o que existe
no céu e na terra! Declaro que Tu desvendaste aos
meus olhos toda a glória de Teu poder e a plena
majestade de Tua lei!...’ Se o próprio Moisés o tivesse
atingido, também teria levantado a voz, dizendo:
‘Toda a glória seja a Ti, por haveres feito surgir sobre
mim a luz de Teu semblante e me incluído entre
aqueles que tiveram o privilégio de contemplar Tua
face!’ Tanto o Norte como o Sul vibram ao ouvir
anunciado o advento de Nossa Revelação. Podemos
ouvir a voz de Meca exclamando: ‘Todo o louvor
seja a Ti, ó Senhor Meu Deus, o Todo-Glorioso, por
haveres exalado sobre mim os sopros fragrantes de
Tua Presença!’ E Jerusalém, de modo semelhante,
chama em voz alta: ‘Louvado e glorificado és Tu, ó
Bem-Amado da terra e do céu, por haveres
transformado a agonia de minha separação de Ti em
regozijo, pela força ressuscitadora da reunião!’”
Afirma Bahá’u’lláh, desejoso de revelar a plena potência de
Seu invencível poder:

140
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

“Pela justiça de Deus se um homem, completamente


só, se levantar em nome de Bahá e vestir a armadura
de Seu amor, o Todo-Poderoso conceder-lhe-á a
vitória, ainda que se juntem contra ele as forças da
terra e do céu. Por Deus – e não há outro Deus além
dEle! – Se qualquer um se esforçar pelo triunfo de
Nossa Causa, Deus torná-lo-á vitorioso, embora
dezenas de milhares se aliem contra ele. E se seu amor
por Mim aumentar, Deus estabelecerá sua
ascendência sobre todos os poderes da terra e do céu.
Assim insuflamos o espírito do poder em todas as
regiões.”
Tal é o modo que Ele exalta a época que testemunhou o
advento de Sua Revelação:
“Este é o Rei dos Dias – o Dia que presenciou a vinda
do Mais Amado, dAquele que é aclamado, desde
toda a eternidade, o Desejo do Mundo.” O mundo
existente brilha neste Dia com o esplendor desta
Revelação Divina. Todas as coisas criadas elogiam
suas graças salvadoras e cantam seus louvores. O
universo acha-se envolto num êxtase de júbilo e
contentamento. As Escrituras das Dispensações
passadas celebram o grande regozijo que há de saudar
este, o mais grandioso Dia de Deus. Bem-aventurado
quem viveu até ver esse Dia e reconheceu o grau de
sua grandeza. Se a humanidade desse ouvidos, de
uma maneira digna, a apenas uma palavra deste
louvor, encher-se-ia de deleite ao ponto de ficar
enlevada de admiração. Extasiada, brilharia, pois,
resplandecente sobre o horizonte da verdadeira
compreensão.”
Assim faz Ele seu apelo à humanidade:

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SHOGHI EFFENDI

“Sede justos, ó vós, povos do mundo! Será digno e


decoroso que ponhais em dúvida a autoridade de
um Ser cuja presença ‘Aquele que conversou com
Deus’ (Moisés) ansiou por alcançar, a beleza de cujo
semblante o ‘Bem-Amado de Deus’ (Muhammad)
anelou contemplar, graças à potência de cujo amor
o ‘Espírito de Deus’ (Jesus) subiu ao céu, e por cuja
Causa o ‘Ponto Primordial’ (o Báb) ofereceu em
holocausto a sua vida?”
Adverte Ele aos que O seguem:
“Aproveitai vossa oportunidade, pois um momento
fugaz neste Dia excede em valor séculos de uma era
passada... Dia igual jamais foi visto, nem pelo sol
nem pela lua... É evidente ter sido divinamente
ordenada toda era em que tenha vivido um
Manifestante de Deus, podendo ser caracterizada,
pois, de certo modo, como o Dia designado de Deus.
Este Dia, porém, é incomparável e deve ser
distinguido dos que o precederam. A designação de
‘Selo dos Profetas’ revela e demonstra plenamente
sua alta posição.”
Dissertando sobre as forças latentes em Sua Revelação,
Bahá’u’lláh revela o seguinte:
“Através do movimento de Nossa Pena de glória –
por imperativo do Onipotente, que tudo ordena –
insuflamos uma vida nova em cada ser humano, e
imbuímos cada palavra de uma nova potência. Todas
as coisas criadas proclamam as evidências dessa
regeneração universal. São as novas mais grandiosas,
mais regozijantes...”
E acrescenta Ele:
“...que a Pena deste Injuriado já participou à
humanidade.”

142
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Exclama Ele em outra passagem:


“Como é grande a Causa! Quão acabrunhador o peso
de sua mensagem! Este é o dia de que se disse: Ó
meu filho! Em verdade, Deus há de revelar tudo,
mesmo que tenha apenas o peso de um grão de
mostarda e esteja escondido numa rocha, quer no
céu, quer na terra, pois Deus é Quem tudo penetra e
de tudo está informado. Pela retidão de Deus, Uno
e Verdadeiro! Se for perdida a mais infinitésima jóia,
ficando ela enterrada debaixo de um monte de
pedras, e escondida além dos sete mares, a Mão da
Onipotência seguramente há de revelá-la neste Dia,
pura e livre de escória. Quem participar das águas de
Minha Revelação provará as incorruptíveis delícias
ordenadas por Deus desde o princípio que não teve
princípio até o fim que não terá fim. Cada uma das
letras procedentes de Nossa boca é dotada de um
poder regenerador que a torna capaz de fazer aparecer
uma nova criação – uma criação cuja magnitude é
inescrutável para todos exceto Deus. Ele, em
verdade, tem conhecimento de todas as coisas. Está
em Nosso poder – se assim quisermos – fazer com
que uma partícula flutuante de pó, em menos de um
abrir e fechar de olhos, gere sóis de infinito e
inconcebível esplendor, ou uma gota de orvalho se
converta em vastos e inumeráveis oceanos, ou em
cada letra seja infundida uma força que a torne capaz
de revelar todo o conhecimento das épocas passadas
e futuras. Possuímos tamanho poder que se for
revelado, transmutará o veneno mais mortal em
panacéia de infalível eficácia.”
Avaliando a posição do verdadeiro crente, Ele observa:

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SHOGHI EFFENDI

“Pelos pesares que afligem a beleza do Todo-Glorioso!


É tal a posição destinada ao verdadeiro crente que,
se fosse revelada à humanidade uma pequena parte
de sua glória – menor até em tamanho que o furo de
uma agulha – todos os que a contemplassem
consumir-se-iam na ânsia de alcança-la. Eis porque
se decretou que, nesta vida terrena, ficasse velada
para os olhos do crente a glória de sua própria posição
em toda a sua plenitude.”
Afirma Ele também:
“Se levantasse o véu, manifestando assim a plena
glória da posição dos que se tenham voltado
inteiramente para Deus e renunciado o mundo por
Seu amor, toda a criação ficaria estupefata.”
Fazendo ressaltar o caráter superlativo de Sua Revelação,
comparada com aquela que lhe precedeu, Bahá’u’lláh faz a
seguinte afirmação:
“Se todos os povos do mundo forem investidos dos
poderes e atributos destinados às Letras do Vivente
– os discípulos escolhidos do Báb e cuja posição é
dez mil vezes mais gloriosa que qualquer das posições
alcançadas pelos apóstolos da antigüidade – e se um
destes povos hesitar, ou até mesmo todos hesitarem,
embora seja por menos de um abrir e fechar de olhos,
em reconhecer a luz de Minha Revelação, de nada
lhes servirá a sua fé e eles serão contados entre os
infiéis. Tão tremenda é a efusão das graças divinas
nesta Era que, se houvessem mãos mortais bastante
ágeis para registrá-las, fluiriam versículos com tal
abundância, no breve espaço de um dia e uma noite
que equivaleriam ao conteúdo inteiro do Bayán
persa.”

144
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Assim Ele se dirige a Seus conterrâneos:


“Escutai minha advertência, ó vós, povo da Pérsia!
Se eu for sacrificado por vossas mãos, Deus
seguramente fará surgir outro que tomará o lugar
deixado vazio com a Minha morte, pois este é o
método usado por Deus desde os tempos antigos, e
modificação alguma podereis encontrar em Seu
modo de proceder. Se tentarem ocultar Sua luz no
continente, Ele, com toda a certeza, levantará a
cabeça no próprio âmago do oceano e, alçando Sua
voz, proclamará: ‘Eu sou quem dá vida ao mundo’...
E se O arrojarem dentro de um fosso escuro, encontrá-
Lo-ão sentado nos cumes mais elevados da terra,
exclamando a toda a humanidade: ‘Veio o Desejo
do mundo! Ei-Lo em Sua majestade, Sua soberania
e Seu domínio transcendente!’ E se O sepultarem
nas profundezas da terra, Seu espírito, remontando
ao ápice do céu, fará ressoar este chamado: ‘Eis o
advento da Glória; vede o Reino de Deus, o
Santíssimo, o Clemente, o Todo-Poderoso!’”
Consta ainda outra estupenda declaração:
“Há acentos aprisionados na garganta deste Jovem
os quais, se forem revelados à humanidade, embora
em porção menor que a contida no fundo de uma
agulha, bastarão para fazer desmoronarem todas as
montanhas, descolorirem-se as folhas das árvores e
caírem seus frutos; para obrigar toda cabeça a se
inclinar em veneração e toda face a se dirigir em
adoração a este Rei onipotente que, em várias épocas
e de modos diversos, aparece como uma chuva
devoradora, ou um oceano encapelado, ou uma luz
radiante, ou como a árvore que, arraigada ao solo da

145
SHOGHI EFFENDI

santidade, eleva seus galhos e estende seus ramos


até mesmo além do trono da glória perene.”
Antecipando o Sistema que o irresistível poder de Sua Lei
estava destinado a desenvolver em épocas subseqüentes, Ele
escreve:
“O equilíbrio do mundo foi alterado pela vibrante
influência desta nova e mais grandiosa Ordem
Mundial. A vida ordenada do gênero humano foi
revolucionada pela ação deste Sistema maravilhoso,
incomparável, cujo igual jamais foi visto por olhos
mortais. A mão da Onipotência estabeleceu Sua
Revelação sobre alicerces inexpugnáveis, perenes.
As tempestades das lutas humanas são impotentes
para minar sua base, nem tampouco poderão as
fantásticas teorias dos homens danificar-lhe a
estrutura.”
No Súratu’l-Haykal, uma das mais imponentes obras de
Bahá’u’lláh, encontram-se os seguintes versículos, cada um
dos quais prova o irresistível poder infundido pelo seu Autor,
na Revelação que Ele proclamara:
“Em Meu Templo, nada se vê senão o Templo de
Deus; em Minha beleza, não se vê senão Sua Beleza;
em Meu ser, só é visível Seu Ser; em Mim mesmo,
outro não se manifesta senão Ele Mesmo; em Meu
movimento se vê apenas Seu Movimento; em
Minha aquiescência, se vê apenas Sua Aquiescência,
e em Minha pena, apenas Sua Pena, a Poderosa, de
todos louvada. Jamais houve em Minh’alma outra
coisa senão a Verdade, e em Mim mesmo nada se
viu a não ser Deus. O próprio Espírito Santo foi
gerado em virtude de uma só letra revelada por este
Espírito Supremo – se pudésseis compreender...

146
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Dentro do tesouro dos Nossos conhecimentos, jaz


um que ainda não foi revelado, do qual bastaria uma
só palavra – se a quiséssemos divulgar à humanidade
– para fazer todo ser humano reconhecer o
Manifestante de Deus e admitir Sua onisciência,
descobrir os segredos de todas as ciências, e alcançar
tal posição que se tornasse completamente
independente de toda erudição, quer do passado,
quer do futuro. Possuímos outros conhecimentos,
também, dos quais nenhuma só letra podemos
revelar; tampouco achamos a humanidade capaz de
ouvir a mais ligeira referência do seu significado.
Assim, Nós nos informamos do conhecimento de
Deus, o Onisciente, o Sapientíssimo. Aproxima-se
o dia em que Deus, por um ato de Sua Vontade, terá
criado uma raça de homens cuja natureza será
inescrutável para todos exceto para Ele, o Todo-
Poderoso, o Independente. Muito em breve fará Ele
com que se elevem do Seio da Potestade, as Mãos
da Ascendência e do Poder – Mãos que se esforçarão
pela vitória deste Jovem e purificarão a humanidade
da corrupção dos ímpios e degradados. Essas Mãos
serão as destemidas campeãs da Fé divina, e, em Meu
Nome, o Independente, o Poderoso, subjugarão os
povos e raças da terra. Ao entrarem nas cidades,
encherão de temor os corações de todos seus
habitantes. Tais são as evidências do poder de Deus;
como é temível, como é veemente Seu poder!”
Deste modo, queridos amigos, Bahá’u’lláh deu Seu próprio
testemunho, por escrito, a respeito da natureza de Sua
Revelação. Já me referi às afirmações do Báb, cada uma das
quais apóia essas notáveis declarações, aumentando-lhes a

147
SHOGHI EFFENDI

força e confirmando-lhes a verdade. O que ainda me resta


considerar, relativo a este assunto, são aquelas passagens nos
escritos de ‘Abdu’l-Bahá – o designado intérprete dessas
mesmas declarações – que ampliam e esclarecem mais os
diversos aspectos deste cativante tema. Tão enfática, realmente,
é Sua linguagem como a de Bahá’u’lláh ou do Báb, e não
menos fervoroso é Seu tributo.
Afirma Ele em uma de Suas primeiras Epístolas:
“Não apenas séculos, mas eras devem passar antes
que a Estrela d’Alva da Verdade volte a brilhar com
todo seu fulgor estival, ou apareça outra vez
resplandecente em sua glória primaveril... Como
devemos ser gratos por havermos sido escolhidos,
neste Dia, para sermos os recipientes de tão
grandioso favor! Oxalá tivéssemos dez mil vidas para
oferecer como ação de graças por tão raro privilégio,
tão alta realização e tão inestimável dádiva!”
E acrescenta Ele:
“A mera contemplação da Era inaugurada pela
Abençoada Beleza teria sido suficiente para deixar
atônitos os santos das eras passadas, os quais tanto
anelaram participar, por um momento apenas, de sua
grande glória. Os santos de eras e séculos passados –
todos eles sem exceção – com os olhos vertendo
lágrimas na intensidade de seu desejo, anelaram viver
no Dia de Deus, ainda que fosse por um só momento.
Sem poderem satisfazer sua aspiração, porém,
passaram para o Grande Além. Quão generosa é a
Beleza de Abhá que, sem levar em conta essa falta
absoluta de merecimento, graças à Sua Misericórdia,
insuflou-nos o espírito da vida neste século
divinamente iluminado, reuniu-nos sob o estandarte

148
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

do Bem-Amado do mundo e se dignou a nos conferir


aquela dádiva almejada em vão pelos mais poderosos
das épocas passadas.”
Afirma Ele também:
“As almas dos eleitos da Assembléia do alto, os
sagrados habitantes do Paraíso excelso, acham-se
sedentos de regressar a este mundo neste dia, a fim
de prestarem qualquer serviço de que sejam capazes
no limiar da Beleza de Abhá.”
Declara Ele, num trecho que alude ao crescimento e ao
futuro progresso da Fé:
“O Esplendor da refulgente Misericórdia Divina
envolveu todos os povos e raças da terra, ficando o
mundo inteiro imerso em sua glória radiante... Breve
virá o dia em que a luz da Divina União tenha a tal
ponto penetrado o Oriente e o Ocidente que jamais
homem algum se atreverá a desprezá-la. Agora a Mão
do Poder Divino lançou no mundo contingente os
alicerces firmes dessa suprema generosidade, desse
maravilhoso dom. Tudo o que estiver latente no mais
recôndito deste sagrado ciclo há de surgir e se
manifestar gradativamente, pois agora é apenas o
começo de seu crescimento, a aurora da revelação
de seus sinais. Antes do fim deste século e desta era,
terá se tornado claro e evidente como foi admirável
esse período primaveril, e celestial esse dom!”
Confirmando a elevada posição do verdadeiro crente de
que falara Bahá’u’lláh, revelou Ele o seguinte:
“A posição a ser atingida por aquele que haja
reconhecido verdadeiramente esta Revelação, é
igual àquela destinada aos profetas da casa de Israel
que não sejam considerados Manifestantes dotados
de constância.”

149
SHOGHI EFFENDI

Quanto aos Manifestantes subseqüentes à Revelação de


Bahá’u’lláh, a seguinte declaração clara e importante é feita
por ‘Abdu’l-Bahá:
“No que concerne aos Manifestantes que
futuramente descerão nas sombras das nuvens,
saibam que, em verdade, se acham à sombra da
Antiga Beleza no que diz respeito à fonte de Sua
inspiração. Em Sua relação à época em que
aparecem, entretanto, cada um ‘faz aquilo que Lhe
aprouver.’”
Disse Ele, em uma de Suas Epístolas, dirigindo-se a uma
pessoa de reconhecida autoridade e posição:
“Ó meu amigo! O Fogo imperecível que o Senhor
do Reino acendeu na Árvore Sagrada, flameja
intensamente no âmago do mundo. A conflagração
assim provocada há de envolver toda a terra. Suas
chamas ardentes iluminarão seus povos e raças. Já se
revelaram todos os sinais; já se manifestou aquilo a
que os profetas aludiram. Tudo o que as Escrituras
do passado encerraram tornou-se evidente. Não mais
será possível duvidar ou hesitar... O tempo urge. O
Corcel Divino impacienta-se; não mais esperará. É
nosso dever apressarmo-nos e, antes que seja tarde,
ganhar a vitória.”
E vejamos, finalmente, este trecho tão comovente que Ele,
num momento de exultação, se sentiu impelido a dirigir a um
de Seus mais fiéis e eminentes adeptos, nos primeiros dias de
Seu ministério:
“Que mais posso Eu dizer? Que mais pode Minha
pena relatar? Com as vibrações de tão forte chamado,
que repercute do Reino de Abhá, os ouvidos mortais
quase ensurdecem. Toda a criação parece-me

150
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

cambalear e se desmoronar em conseqüência do


chamado Divino que procede do trono da glória.
Mais do que isso não posso escrever.”
Caríssimos amigos! Basta o que já foi dito, com os numerosos
e variados excertos citados das obras do Báb, de Bahá’u’lláh e
de ‘Abdu’l-Bahá, para convencer o leitor consciencioso da
sublimidade deste ciclo sem paralelo na história religiosa do
mundo. Seria absolutamente impossível exagerar sua
significação ou dar demasiado valor à influência que exerceu
e há de continuar a exercer, cada vez mais, à medida que seu
grande sistema vá se desenvolvendo em meio ao tumulto de
uma civilização já em colapso.
Antes de prosseguir com o desenvolvimento de meu tema,
entretanto, parece-me aconselhável fazer uma advertência a
quem quer que leia estas páginas. Aquele que procura, à luz
dos trechos supra-citados, meditar sobre a natureza da
Revelação de Bahá’u’lláh, não deve se enganar a respeito de
seu caráter ou interpretar erroneamente a intenção de Seu
Autor. De modo algum deve-se admitir um conceito errado
da divindade atribuída a um Ser tão grandioso e da
encarnação completa dos nomes e das qualidades de Deus
numa Pessoa tão sublime. O templo humano que se fez o
veículo de tão transcendente Revelação deve – se nos
mantivermos fiéis aos princípios de nossa Fé – ficar sempre
completamente distinto daquele “Espírito dos Espíritos”,
daquela “Eterna Essência das Essências”, daquele Deus
invisível, conquanto racional, cuja Realidade infinita,
incognoscível, incorruptível, que tudo abrange, de modo
algum poderia se encarnar na forma concreta, limitada, de
um ser mortal, por mais que exaltemos a divindade daqueles
Seres que O manifestam na terra. Com efeito, à luz dos
ensinamentos de Bahá’u’lláh, um Deus que pudesse de tal

151
SHOGHI EFFENDI

modo encarnar Sua própria Realidade, deixaria imediatamente


de ser Deus. Essa teoria tosca, fantástica, de encarnação divina
é tão incompatível com os princípios essenciais da crença
bahá’í como o são as não menos inadmissíveis concepções
panteístas e antropomórficas de Deus, as quais os ensinamentos
de Bahá’u’lláh enfaticamente repudiam como falsas.
Aquele que, em inumeráveis passagens, disse ser Sua palavra
a “Voz da Divindade, o Chamado do próprio Deus”, faz no
Kitáb-i-Iqán a seguinte afirmação solene:
“Para todo coração esclarecido, dotado de
discernimento, torna-se evidente ser Deus, a
Essência incognoscível, o Divino Ser, inco-
mensuravelmente exaltado acima de todos os
atributos humanos, tais como existência corporal,
ascensão e descida, saída e regresso... Ele está – e
sempre esteve – velado na antiga eternidade de Sua
Essência, e permanecerá na Sua Realidade
eternamente oculto da vista dos homens... Elevado
está, além de toda separação e união, de toda
proximidade e de todo afastamento... ‘Deus estava
só; ninguém havia senão Ele’ é um testemunho
seguro dessa verdade.”
Bahá’u’lláh, falando de Deus, explica:
“Desde os tempos imemoriais Ele, o Ente Divino,
esteve velado na inefável santidade de Seu próprio
Ser excelso, e continuará à Essência incognoscível...
Dez mil Profetas, cada um dEles um Moisés, ficam
atônitos no Sinai de Sua busca, ao ouvirem a voz de
Deus assim lhes proibir: ‘Jamais Me verás!’, enquanto
miríades de Mensageiros, cada um tão grande como
Jesus, estão cheios de consternação em Seus tronos
celestiais ante a interdição de: ‘Minha Essência,
nunca a compreenderás!’”

152
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Afirma Bahá’u’lláh em Sua comunhão com Deus:


“Quanto fico perplexo, insignificante que sou ao
tentar sondar as sagradas profundezas de Teu
conhecimento! Quão fúteis são meus esforços para
conceber a magnitude do poder inerente à Tua obra
– a revelação de Teu poder criador!”
Testifica Ele em ainda outra oração revelada e escrita de Seu
próprio punho:
“Quando contemplo, ó meu Deus, a relação que une
a Ti sinto-me impelido a proclamar a todos os seres
criados: ‘Em verdade, Eu sou Deus!’; e quando
considero meu próprio ser – ei-lo! – parece-me mais
grosseiro que o barro!”
Diz Bahá’u’lláh ainda no Kitáb-i-Iqán:
“Estando assim fechada diante de todos os seres a
porta para o conhecimento do Ancião dos Dias Ele,
a Fonte das graças infinitas, fez aparecerem do reino
do espírito essas luminosas Jóias de Santidade, na
nobre forma do templo humano, e se manifestarem
ante todos os homens, para que transmitissem ao
mundo o conhecimento dos mistérios do Ser
imutável e das sutilezas de Sua Essência
imperecedoura... Todos os Profetas de Deus, Seus
eleitos, Seus santos Mensageiros são, sem exceção,
portadores de Seus Nomes e manifestam Seus
atributos... Esses Tabernáculos da Santidade, esses
Espelhos Primazes que refletem a luz da glória que
não se esvaece, são apenas expressões dAquele que
é o Invisível dos Invisíveis.”
Apesar da intensidade sobrepujante de Sua Revelação,
Bahá’u’lláh deve ser visto como um desses Manifestantes de
Deus, não podendo jamais ser identificado com aquela

153
SHOGHI EFFENDI

Realidade invisível, a Essência da própria Divindade.


Constitui isso um dos princípios básicos de nossa Fé, e nunca
deve qualquer adepto permitir que fique obscurecido ou que
lhe comprometa a integridade.
Embora a Revelação Bahá’í se declare a culminação de
um ciclo profético e o cumprimento da promessa de todas as
eras, nem por isso pretende, sob quaisquer circunstâncias,
invalidar aqueles princípios primordiais, eternos, que eram
vitais e básicos nas religiões que a precederam. Admite e
estabelece como sua própria base final e mais firme, a mesma
autoridade divina que fora concedida a cada uma dessas
religiões. Considera-as como apenas diferentes etapas na
história eterna e na evolução constante de uma só religião,
divina e indivisível, da qual constitui, ela mesma, uma parte
integrante. Não pretende obscurecer-lhes a origem divina,
nem menosprezar a reconhecida magnitude de suas realizações
colossais. Não admite tentativa alguma de lhes deformar as
feições ou de desacreditar as verdades que incutem. Os
ensinamentos da Revelação Bahá’í não divergem – nem pela
grossura de um fio de cabelo – das verdades que elas também
encerram, e de modo algum sua imponente mensagem diminui,
por um jota ou til, a influência que as religiões anteriores
exercem, ou a lealdade que inspiram. Longe de querer derrubar
o alicerce espiritual dos sistemas religiosos do mundo, seu fim
declarado e inalterável é o de lhes alargar a base, dando nova
expressão aos princípios antigos fundamentais, conciliando-
lhes os propósitos e lhes restaurando a vida. Visa demonstrar
a unidade inerente a todas, restaurar a pureza primitiva dos
ensinamentos de todas, coordenando-lhes as funções e lhes
facilitando a realização das mais altas aspirações. “Essas religiões
divinamente reveladas” – assim se expressou graficamente
alguém que as observara de perto – “são destinadas não a morrer

154
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

mas sim a renascer... ‘Não é um fato que a criança sucumbe


no jovem, e este no homem, e contudo, não perece nem a
criança nem o jovem?’”
Explica Bahá’u’lláh no Kitáb-i-Iqán:
“Aqueles que são as Luminárias da Verdade e os
Espelhos que refletem a luz da Unidade Divina em
qualquer época ou ciclo que sejam enviados de suas
habitações invisíveis de glória antiga, para este
mundo, a fim de educar as almas dos homens e
revestir de graças todas as coisas criadas, são dotados,
invariavelmente, de um poder sobrepujante e uma
soberania invencível... Esses Espelhos santificados,
essas Auroras da glória antiga, são todos, sem
exceção, os expoentes na terra dAquele que é o Orbe
central do universo, a essência e o propósito final.
DEle recebem o conhecimento e o poder; dEle
derivam a soberania. A beleza do semblante deles é
apenas um reflexo de Sua Imagem, e o que revelam
nada mais é que um sinal de Sua glória perene...
Através deles se transmite uma graça que é infinita,
e se revela a luz que jamais se esvairá... Nunca poderá
língua humana cantar louvores que lhes sejam dignos;
jamais palavra humana desvendará seu mistério.”
Acrescenta Ele:
“Essas Aves do Trono celestial, já que todas são
enviadas do céu da Vontade de Deus e se levantam
para proclamar Sua Fé irresistível, devem ser
consideradas como uma só alma, com a mesma
pessoa... Todas habitam no mesmo tabernáculo,
remontam ao mesmo céu, sentam-se no mesmo
trono, proferem as mesmas palavras e proclamam a
mesma Fé. Apenas diferem na intensidade de sua

155
SHOGHI EFFENDI

revelação e na potência comparativa de sua luz...


Por não haverem essas Essências do Desprendimento
manifestado exteriormente um certo atributo divino,
não quer isso dizer, de modo algum, que essas Auroras
dos atributos de Deus, esses Tesouros de Seus santos
Nomes, realmente não possuíssem tal atributo.”
Deve-se lembrar, também, de que esta Revelação, por
maior que seja o poder por ela manifestado, e não obstante o
vasto alcance da Dispensação que seu Autor inaugurou,
repudia enfaticamente a pretensão de ser considerada a
revelação final da vontade e do plano de Deus para a
humanidade. Adotar-se tal conceito de seu caráter e suas
funções equivaleria trair sua causa e negar sua verdade. Estaria
em conflito, necessariamente, com o princípio fundamental
que constitui o alicerce sólido da crença bahá’í, isto é, que a
verdade religiosa não é absoluta, mas relativa: que a Revelação
Divina é metódica, contínua e progressiva, e não espasmódica
ou final. De fato, a categórica rejeição, pelos adeptos da Fé de
Bahá’u’lláh, da declaração de que qualquer sistema religioso
inaugurado pelos Profetas do passado é o estágio final, é tão
clara e enfática como sua própria recusa a fazer essa pretensão
no caso da Revelação com que eles se identificam.
“Acreditar que tenha findado toda a revelação, que estejam
fechados os portais da Divina Misericórdia, que jamais dos
albores da santidade terna possa nascer um sol, que para
sempre o oceano das graças imperecedouras tenha deixado de
se mover, que não mais se possam manifestar, do tabernáculo
da glória antiga, os Mensageiros de Deus” – tal crença deve
constituir, aos olhos de todo seguidor da Fé, uma violação
grave, imperdoável, de um de seus princípios mais estimados
e fundamentais.

156
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Para estabelecermos sem a menor sombra de dúvida a


verdade desse princípio cardeal, bastará, certamente, referirmo-
nos a algumas das palavras já citadas de Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-
Bahá. Não poderá também a seguinte passagem das Palavras
Ocultas ser interpretada como uma alusão alegórica ao caráter
progressivo da Revelação Divina, uma admissão por parte do
Autor de que a Mensagem que Lhe fora confiada não seja a
última, a expressão final da vontade do Todo-Poderoso?:
“Ó Filho da Justiça! Ao anoitecer a beleza do Ser
imortal retirou-se das alturas esmeraldas da
fidelidade, indo ao Sadratu’l-Muntahá, onde chorou
com tal pranto que a assembléia no alto e os
habitantes os reinos do além gemeram por causa de
Seu lamento. Com isso se perguntou: Por que os
gemidos e choro? E Ele deu a resposta: Assim como
Me fora ordenado, Eu, cheio de expectativas,
esperava no monte da fidelidade, mas não senti a
fragrância da fidelidade daqueles que habitam na
terra. Então, ao ser chamado a regressar, olhei e eis!
certos pombos da santidade estavam sendo
atormentados nas garras dos cães terrenos. Com isso
a Donzela do céu, resplandecente, sem véu,
apressou-se a sair de Sua mansão mística e perguntou
seus nomes, e todos foram ditos, menos um. E ao se
insistir, a primeira letra deste foi pronunciada,
quando então os habitantes dos aposentos celestiais
se apressaram a sair de sua morada e glória. E
enquanto se pronunciava a segunda letra, todos se
prostaram sobre o pó. Nesse momento, uma voz,
vindo do mais recôndito do santuário, se fez ouvir:
‘Até aí e não além.’ Em verdade, damos testemunho
daquilo que fizeram e agora fazem.”

157
SHOGHI EFFENDI

Numa de Suas Epístolas reveladas em Adrianópolis, atesta


Bahá’u’lláh esse fato em linguagem mais explícita:
“Saibam que, em verdade, não se levantou
completamente o véu que oculta Nosso Semblante.
Nós Nos revelamos num grau correspondente à
capacidade do povo de Nosso tempo. Se a Beleza
Antiga se revelasse na plenitude de Sua glória, a
deslumbrante intensidade de Sua Revelação cegaria
os olhos mortais.”
No Súriy-i-Sabr, revelado no ano de 1863, no mesmo dia
de Sua chegada no Jardim de Ridván, Ele faz a seguinte
afirmação:
“Deus enviou Seus Mensageiros para suceder a
Moisés, e Jesus, e assim continuará a fazer até ‘o fim
que não tem fim’; de modo que Suas graças possam
descer ininterruptamente do céu da Divina
Generosidade para os homens.”
Declara Bahá’u’lláh ainda mais explicitamente:
“Não estou apreensivo por Minha própria causa
,Meus receios são para Aquele que vos será enviado
após Mim – Aquele que será investido de grande
soberania e poderoso domínio.”
E ainda outra vez escreve Ele, no Súratu’I-Haykal:
“Nas palavras que revelei, não Me refiro a Mim
mesmo, mas Àquele que virá depois de Mim.
Testemunha disso é Deus, o Onipotente.”
E acrescenta:
“Não trateis a Ele como tratastes a Mim.”
Num trecho mais detalhado de Seus escritos, o Báb sustenta
a mesma verdade, escrevendo no Bayán persa:
“É claro e evidente que todas as Eras anteriores
visaram preparar o caminho para o advento de

158
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Muhammad, o Apóstolo de Deus. Por sua vez, a Era


Maometana juntamente com essas tiveram em mira
a Revelação proclamada pelo Qá’im. E é o objetivo
desta Revelação, como o foi das precedentes,
anunciar do mesmo modo o advento da Fé dAquele
que Deus tornará manifesto. E essa Fé – a Fé dAquele
que Deus tornará manifesto – por sua vez com todas
as Revelações anteriores, tem por objeto a
Manifestação destinada a sucedê-la. Também esta
última, do mesmo modo que as Revelações
precedentes, preparará o caminho para a Revelação
futura. Assim o processo do nascer e do por do Sol
da verdade há de continuar por um tempo
indeterminado – é um processo que não teve começo
nem terá fim.”
Explica Bahá’u’lláh sobre esse ponto:
“Saibam com segurança que em cada Era, a Luz da
Revelação Divina concedida aos homens é
diretamente proporcional à sua capacidade
espiritual. Considerem o sol. Como são fracos seus
raios no momento em que surge no horizonte. Quão
gradual é o aumento em seu calor e sua potência à
medida que se aproxima do zênite, permitindo deste
modo que todas as coisas criadas se adaptem à
crescente intensidade de sua luz. Testemunhamos,
em seguida, seu declínio constante até alcançar seu
ocaso. Se as suas energias latentes se manifestassem
subitamente, isso, sem dúvida, danificaria todas as
coisas criadas... De igual maneira, se o Sol da
Verdade, nas primeiras etapas de Sua manifestação,
revelasse de repente os plenos poderes que a
providência do Todo-Poderoso lhe concedeu, a terra

159
SHOGHI EFFENDI

da compreensão humana seria danificada, consumir-


se-ia, pois os corações dos homens não poderiam
suportar a intensidade de sua revelação, nem seriam
capazes de refletir o esplendor de sua luz.
Consternados e acabrunhados, deixariam de existir.”
É nosso dever óbvio, à luz desta nítida e concludente
exposição, tornar indubitavelmente claro – para todo aquele
que busca a verdade – que, desde “o começo que não teve
começo”, os Profetas de Deus, Uno e Incognoscível, inclusive
o próprio Bahá’u’lláh, todos – como intermediários das graças
divinas, expoentes de Sua unidade, Espelhos de Sua Luz e
Reveladores de Seu plano – foram incumbidos de conceder à
humanidade, em medida cada vez maior a Sua verdade, uma
sempre crescente compreensão de Sua vontade inescrutável
e de Sua divina direção, e continuarão, até “o fim que não
terá fim”, a conceder ainda mais completas e poderosas
revelações de Sua ilimitada grandeza e glória.
Bem podemos ponderar em nossos corações os seguintes
trechos de uma oração revelada por Bahá’u’lláh, pois afirmam
de um modo enfático a grande verdade essencial que se encerra
no próprio âmago de Sua Mensagem ao gênero humano, e
fornecem mais uma evidência de sua realidade:
“Louvado Sejas Tu, ó Senhor meu Deus, pelas
maravilhosas revelações de Teu decreto inescrutável
e pelas múltiplas provações e angústias que Tu me
destinaste. Num tempo, Tu me entregaste às mãos
de Nimrod; e em outro, permitiste que a vara do faraó
me perseguisse. Somente Tu – graças à Tua
onisciência e à operação de Tua vontade – podes
avaliar as incalculáveis aflições que tenho sofrido nas
mãos deles. Em outra ocasião, Tu me arrojaste na
prisão dos ímpios, só porque me sentia impelido a
sussurrar nos ouvidos dos favorecidos habitantes de

160
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Teu Reino uma ligeira idéia da visão com que Tu,


pelo Teu conhecimento, me inspiraras, e cujo
significado, através da eficácia do Teu poder, Tu me
havias revelado. E, em outra ocasião, decretaste que
eu fosse decapitado pela espada do infiel. Em ainda
outra ocasião, fui crucificado, por haver revelado aos
olhos dos homens as jóias ocultas de Tua gloriosa
unidade, e lhes desvendado os maravilhosos sinais
de Teu poder soberano e eterno. Quão amargas as
humilhações amontoadas sobre mim, numa época
subseqüente, na planície de Karbilá! Como me
sentia solitário no meio de Teu povo; a que estado
de desamparo fui reduzido naquela terra! Não
satisfeitos com tamanhas indignidades, meus
perseguidores decapitaram-me e, levando minha
cabeça de terra em terra, exibiram-na ante a
multidão, incrédula e depositaram-na na sede dos
perversos e infiéis. E em outra época ainda,
suspenderam-me, e meu peito foi alvo das flechas da
crueldade maliciosa de meus inimigos. Crivaram-me
de balas os membros do meu corpo e despedaçaram-
no. E finalmente, neste dia, vê como meus inimigos
traiçoeiros se têm aliado contra mim e tramado
continuamente para instilar nas almas de Teus servos
o veneno do ódio e da malícia. Recorrem a toda
maquinação possível a fim de realizar seu propósito.
Por pesaroso que seja meu dilema, ó Deus, meu Bem-
Amado, agradeço-Te, e meu espírito está cheio de
gratidão por qualquer coisa que me tenha sucedido
no caminho da Tua vontade. Estou muito contente
por aquilo que ordenaste para mim, e acolherei com
prazer, por mais aflitivas que sejam, as angústias e
tristezas que me sobrevierem.”

161
SHOGHI EFFENDI

O BÁB
Caríssimos amigos! Ainda outra verdade fundamental que
a Mensagem de Bahá’u’lláh proclama com insistência – e que
seus adeptos devem sustentar incondicionalmente – é que o
Báb, o iniciador da Era Bábí, deve ser considerado um
Manifestante de Deus independente, investido de poder e
autoridade soberanos, podendo Ele, assim, exercer todas as
prerrogativas de Profeta independente. Um fato que me sinto
obrigado a demonstrar, a fazer ressaltar, é que Ele não deve ser
julgado apenas um inspirado Precursor da Revelação Bahá’í.
Muito ao contrário – como Ele mesmo testifica no Bayán persa
– devemos ver em Sua Pessoa o cumprimento da missão de
todos os Profetas que O precederam. Faltaríamos, certamente,
ao nosso dever para com a Fé que professamos, violaríamos
um de seus princípios básicos e sagrados, se, por nossas palavras
ou nossa conduta, vacilássemos em reconhecer a inferência
deste princípio fundamental da crença bahá’í, ou nos
recusássemos a sustentar incondicionalmente sua integridade
e demonstrar sua verdade. De fato, ao empreender a tarefa de
redigir e traduzir a narrativa imortal de Nabíl, visava eu, antes
de tudo, proporcionar a todos os adeptos da Fé no Ocidente a
uma compreensão mais fácil e completa do que significa, em
suas largas repercussões, a elevada posição do Báb, para que
Lhe dedicassem mais ardente admiração e amor.
Constitui a característica mais distintiva da Dispensação
Bahá’í, sem a menor dúvida, a dupla missão que o próprio

162
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Báb tão intrepidamente proclamou, a qual Lhe fora ordenada


pelo Onipotente – missão essa afirmada repetidas vezes por
Bahá’u’lláh e sancionada, finalmente, pelo Testamento de
‘Abdu’l-Bahá. Essa característica incomparável contribui
grandemente para o poder de que foi investido esse sagrado
ciclo, para sua força e autoridade misteriosas. Em verdade, a
grandeza do Báb consiste, sobretudo, não em ser Ele o Precursor
divinamente designado para tão transcendente Revelação,
mas, antes, no fato de que possuía aquele poder inerente a
quem inicia uma dispensação religiosa distinta, e também no
fato de que empunhava o cetro de profeta independente, num
grau não rivalizado pelos Profetas anteriores.
Nem a exígua duração de Sua Era, nem o âmbito restrito
em que Suas leis e Seus mandatos têm vigorado, devem ser
tomados como critério para se julgar a origem divina dessa
Era ou avaliar a potência de Sua mensagem. Explica o próprio
Bahá’u’lláh:
“O fato de haver tão pequeno intervalo entre esta
maravilhosa e poderosíssima Revelação e Minha
Manifestação anterior, é um segredo que homem
algum pode descobrir, um mistério que mente alguma
é capaz de penetrar. Sua duração foi predestinada, e
ninguém jamais perceberá a razão disso, a não ser
que e até que ele se informe do conteúdo de Meu
Livro Oculto.”
Expõe Bahá’u’lláh ainda no Kitáb-i-Badí – obra em que refuta
os argumentos do povo do Bayán:
“Vede como, ao se completar o novo ano dessa
maravilhosa, benéfica e sacratíssima Revelação, foi
consumado imediata, mas secretamente, o número
exigido de almas puras que demonstraram santidade
e consagração absoluta.”

163
SHOGHI EFFENDI

As extraordinárias ocorrências que prenunciaram o


advento do Fundador da Era Bábí, as dramáticas
circunstâncias de Sua própria vida tão repleta de
acontecimentos notáveis, a miraculosa tragédia de Seu
martírio, a influência mágica que Ele exercia sobre os mais
eminentes e poderosos de Seus conterrâneos – segundo
testifica cada capítulo da comovente narrativa de Nabíl – tudo
isso devemos aceitar como ampla evidência do direito do Báb
a tão elevada posição entre os Profetas com a que Ele para si
reclama.
Conquanto nítido o registro de Sua vida que o eminente
cronista transmitiu à posteridade, tal brilhante narrativa
empalidece diante do luminoso tributo que é prestado ao Báb
pela pena de Bahá’u’lláh. E o próprio Báb dá pleno apoio a
esse tributo, em Suas claras asseverações, enquanto o
testamento de ‘Abdu’l-Bahá, por escrito, lhe reforça
poderosamente o caráter e elucida o significado.
Onde, a não ser no Kitáb-i-Iqán, pode o estudante da
Revelação Bábí encontrar as afirmações que inequivocamente
atestem o poder e o espírito que nenhum homem, a não ser
um Manifestante Divino, jamais poderá demonstrar? E
Bahá’u’lláh exclama:
“Poderia tal coisa se manifestar, se não através da
potência de uma Revelação Divina e da invencível
Vontade de Deus? Pela justiça de Deus! Fosse alguém
nutrir no coração uma Revelação tão grandiosa,
bastaria só o pensar em tamanha declaração para
confundi-lo! Se fossem comprimidos dentro de seu
coração os corações de todos os homens, ele ainda
hesitaria em se atrever a tão formidável
empreendimento.”
E afirma Ele em outra passagem:

164
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

“Jamais se viu tão grande efusão de graças nem se


ouviu de Revelação igual, de tanta misericórdia. ...
Cada um dos Profetas dotados de constância, cuja
glória e sublimidade brilham como o sol, foi honrado
com um Livro que todos já viram, os versículos do
qual foram devidamente averiguados. Enquanto os
versículos, porém, que caíram como uma chuva
copiosa desta Nuvem da Divina Misericórdia, foram
de tal abundância que ninguém conseguiu até agora
estimar seu número... Como podem menosprezar
esta Revelação? Já houve outra era que visse tão
momentosos acontecimentos?”
Comentando o caráter e a influência daqueles heróis e
mártires que o espírito do Báb magicamente transformara,
Bahá’u’lláh revela o seguinte:
“Se não são esses companheiros que verda-
deiramente buscam a Deus, haverá outro que possa
pretender a tal distinção? ... Se, apesar de todos os
seus admiráveis testemunhos e suas maravilhosas
obras, esses companheiros forem falsos, quem será
digno de reclamar para si a verdade? ... Será que o
mundo desde os dias de Adão tenha testemunhado
tumulto igual, tão violenta comoção? ... Só em
virtude de sua firmeza, parece-me, foi que se revelou
a paciência, e a própria fidelidade não foi gerada
senão pelos seus feitos.”
Querendo ressaltar a sublimidade da elevada posição do
Báb em comparação com a dos Profetas passados, Bahá’u’lláh,
na mesma Epístola, assevera:
“Nenhuma compreensão pode abranger a natureza
de Sua Revelação, nem conhecimento algum
abarcar, em toda a plenitude, Sua Fé.”

165
SHOGHI EFFENDI

Cita Ele, então, em confirmação ao Seu argumento, estas


palavras proféticas:
“O conhecimento é representado por vinte e sete
letras. Tudo o que os Profetas até agora revelaram
foram apenas duas dessas letras. Homem algum já
conheceu mais do que essas duas letras. Mas o Qá’im,
ao aparecer, fará manifestarem-se as vinte e cinco
letras restantes. Eis a grandeza, a sublimidade, de Sua
posição!”
E acrescenta:
“Excede a de todos os Profetas, e Sua Revelação
transcende a compreensão de todos os Seus eleitos.”
E diz ainda:
“Os Profetas de Deus, Seus Santos e eleitos, não
foram informados de Sua Revelação ou, então,
segundo o decreto inescrutável de Deus, não a
divulgaram.”
Entre todos os atributos que a pena infalível de Bahá’u’lláh
se dignou prestar à memória do Báb, Seu “Mais-Amado”, a
seguinte passagem, breve porém eloqüente, que tanto relevo
dá ao trecho final da mesma Epístola, é o mais memorável e
comovente. Escreve Ele, referindo-se às penosas provações e
aos perigos que O cercavam na cidade de Bagdá:
“Entre todos estamos aqui, com a vida na mão,
inteiramente resignados à Sua Vontade –
porventura, graças à Divina Misericórdia, esta Letra
revelada, manifesta, (Bahá’u’lláh) possa oferecer a
vida em holocausto no caminho do Ponto
Primordial, do Verbo Excelso (o Báb). Por Aquele
em virtude de cuja ordem falou o Espírito, se não
fosse esse ardente desejo em nossa alma, não mais
teríamos demorado – nem por um momento sequer
– nesta cidade.”

166
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Caríssimos amigos! Tão ressoante elogio, tão audaz asserção


como essa que emanou da pena de Bahá’u’lláh, numa obra
tão imponente, é refletida plenamente na linguagem em que
a Fonte da Revelação Bábí se dignou expressar Sua própria
declaração. Assim, no Qayyúmu’l-Asmá’, o Báb proclama Sua
posição:
“Sou o Templo Místico que a Mão da Onipotência
ergueu. Sou a Lâmpada que o Dedo de Deus
acendeu dentro de seu nicho e fez brilhar com
esplendor imortal. Sou a Chama daquela Luz superna
que resplandeceu sobre o Sinai, no Lugar jubiloso, e
jazia oculta dentro da Sarça Ardente.”
E exclama Ele, dirigindo-se a si próprio no mesmo comentário:
“Ó Qurratu’l-’Ayn! Não reconheço em Ti senão o
‘Grande Anúncio’ – o Anúncio proclamado pela
Assembléia no alto. Por esse nome, testifico, aqueles
que circundam o Trono da Glória sempre Te têm
conhecido.”
E acrescenta ainda:
“Com cada um dos Profetas que enviamos no passado
estabelecemos um Convênio separado relativo à
‘Lembrança de Deus’ e Seu Dia. Manifestos, no
reino da glória e através do poder da verdade, estão
a ‘Lembrança de Deus’ e Seu Dia ante os olhos dos
anjos que rodeiam Seu trono de misericórdia.”
E afirma novamente:
“Se for Nosso desejo está em Nosso poder, por meio
de apenas uma letra de Nossa Revelação, compelir
o mundo, e tudo o que nele está, a reconhecer, em
menos de um abrir e fechar de olhos, a verdade de
Nossa Causa.”

167
SHOGHI EFFENDI

Assim o Báb, da prisão-fortaleza de Máh-kú, se dirige a


Muhammad Sháh:
“Sou o Ponto Primordial, do qual se geraram todas
as coisas criadas – Sou o Semblante de Deus, e nunca
Seu esplendor se esvairá; sou a luz divina, e jamais
decrescerá o Seu brilho... Todas as chaves do céu,
Deus as quis por à Minha Mão direita, e todas as
chaves do inferno, à Minha esquerda... Sou um dos
pilares que sustentam o Verbo Primaz de Deus. Quem
quer que me tenha reconhecido, terá sabido tudo o
que seja direito e verdadeiro, terá atingido a tudo o
que seja bom e digno... A substância de que Deus
Me criou não é a argila de que formou os outros. Ele
Me conferiu aquilo que os versados nos
conhecimentos do mundo jamais poderão
compreender, nem os fiéis descobrir.”
Afirma categoricamente o Báb, desejando frisar as ilimitadas
potencialidades latentes em Sua Revelação:
“Neste dia, se uma pequenina formiga quisesse
possuir o poder de desenredar as mais obscuras e
intrincadas passagens do Alcorão, seu desejo, sem
dúvida, seria satisfeito, já que o mistério do poder
eterno vibra dentro do âmago de todas as coisas
criadas.”
‘Abdu’l-Bahá comenta a respeito desta espantosa afirmação:
“Se tão impotente criatura pode ser dotada de uma
capacidade tão sutil, quanto mais eficaz não deve
ser o poder libertado através das graças abundantes
de Bahá’u’lláh!”
A essas autorizadas asserções e solenes declarações, feitas
por Bahá’u’lláh e pelo Báb, deve ser acrescentado o

168
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

testemunho incontroverso de ‘Abdu’l-Bahá. Ele, o designado


intérprete das palavras de Bahá’u’lláh e também do Báb,
corrobora a verdade dessas declarações já citadas, não indireta,
mas sim, clara e categoricamente, tanto em Suas Epístolas
como em Seu Testamento.
Numa Epístola dirigida a um bahá’í em Mázindarán, na
qual ‘Abdu’l-Bahá explica o que realmente significa uma
afirmação acerca do nascer do Sol da Verdade neste século
que Lhe fora atribuída e que havia sido mal interpretada, Ele
expõe, de um modo resumido porém concludente, o que deve
ser para sempre nosso verdadeiro conceito da relação entre os
dois Manifestantes associados à Revelação Bahá’í. Explica Ele:
“Ao fazer tal afirmação não me referia senão ao Báb
e a Bahá’u’lláh, sendo meu propósito a elucidação
do caráter de Suas Revelações. A do Báb pode ser
comparada ao sol, sendo que sua posição
corresponde ao primeiro signo do zodíaco, o de Áries,
no qual o sol entra no equinócio vernal. A posição
da Revelação de Bahá’u’lláh, por outro lado, é
representada pelo signo de Leão, a mais elevada
posição do sol, a do pleno verão. Quer isso dizer que
esta sagrada Revelação é iluminada pela luz do Sol
da Verdade brilhando de sua posição mais elevada,
na plenitude de seu esplendor, sua glória, e seu
ardor.”
Afirma ‘Abdu’l-Bahá, mais especificamente, em outra Epístola:
“O Báb, o Excelso é o Amanhecer da Verdade, o
esplendor de cuja luz brilha através de todas as
regiões. Ele é também o Arauto da Luz Suprema, a
Luminária de Abhá. A Abençoada Beleza é Aquele
prometido pelos Livros Sagrados do passado, a
revelação da Fonte de luz que brilhou sobre o Monte

169
SHOGHI EFFENDI

Sinai, cujo fogo ardeu no meio da Sarça Ardente.


Nós todos somos servos no Seu limiar; cada um de
nós é um humilde zelador à Sua porta.”
Sua advertência ainda é mais enfática:
“Todas as provas e profecias e toda espécie de
evidência, quer baseada no raciocínio, quer no texto
das escrituras e tradições, devem ser consideradas
como focalizadas nas pessoas de Bahá’u’lláh e do Báb.
Neles se há de encontrar seu pleno cumprimento.”
E em conclusão, em Seu Testamento, repositório de Suas
últimas vontades e instruções finais, Ele põe o selo de Seu
testemunho quanto à elevada posição do Báb, na seguinte
passagem designada especificamente para expor os princípios
de guia da crença bahá’í:
“A base da crença do povo de Bahá – Oxalá lhe seja
oferecida em holocausto a minha vida! – é esta: Sua
Santidade, o Excelso (o Báb) é a Manifestação da
Unidade Divina e o Precursor da Beleza Antiga
(Bahá’u’lláh). Sua Santidade, a Beleza de Abhá
(Bahá’u’lláh) – Oxalá minha vida seja oferecida em
holocausto por Seus amigos leais! – é o Supremo
Manifestante de Deus e a Aurora de Sua mais divina
Essência.”
E acrescenta significativamente:
“Todos os outros são Seus servos e cumpridores de
Sua Vontade.”

170
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

‘ABDU’L-BAHÁ

Caríssimos amigos! Nas páginas precedentes aventurei-me


a tentar uma exposição daquelas verdades implícitas – segundo
minha firme convicção – na proclamação dAquele que é a
Fonte Primaz da Revelação Bahá’í. Tentei, além disso, dissipar
quaisquer conceitos errôneos que possam, naturalmente, surgir
no espírito de quem contemple tão transcendente
manifestação da glória de Deus. Esforcei-me para explicar o
significado da divindade com que deve ser investido Aquele
que é o veículo de tão misterioso poder. Tentei demonstrar
também, o mais que pude, que a Mensagem de que este grande
Ser foi incumbido por Deus de transmitir à humanidade, nesta
época, admite a origem divina de todas as Revelações
inauguradas pelos Profetas do passado, lhes sustenta os
princípios fundamentais, como também está inextricavelmente
relacionada com todas elas. Achei necessário provar e ressaltar,
igualmente, o fato de que o Autor desta Fé não diz que Sua
Revelação, embora tão vasta, seja final, do mesmo modo que
Ele repudia pretensões nesse sentido por parte de líderes de
diversas denominações. Que o Báb, não obstante a exígua
duração de Sua Dispensação, deve ser considerado
primariamente não como o escolhido Precursor da Fé Bahá’í,
mas sim, como um Ser investido da autoridade incondicional
assumida por cada um dos Profetas independentes vindos no

171
SHOGHI EFFENDI

passado – parecia-me ser ainda outro princípio básico cuja


elucidação seria extremamente desejável na presente etapa
da evolução de nossa Causa.
Urge agora – estou plenamente convencido – tentarmos
esclarecer a posição ocupada por ‘Abdu’l-Bahá e compreender
o seu significado nesta sagrada Dispensação. Seria
verdadeiramente difícil – para nós que estamos ainda tão
próximos dessa imponente figura e que somos atraídos pelo
misterioso poder desta personalidade tão magnética – obter
uma compreensão clara e exata do papel e do caráter dAquele
que, não somente na Revelação de Bahá’u’lláh, mas em todo
o terreno da história religiosa, preenche uma função ímpar.
Assim, movendo-se em uma esfera própria e possuindo um
grau radicalmente diferente daquele do Autor e do Precursor
da Revelação Bahá’í, ‘Abdu’l-Bahá forma, juntamente com
estes – em virtude da posição que lhe foi ordenada pelo
Convênio de Bahá’u’lláh – aquilo que se pode chamar as Três
Figuras Centrais de uma Fé que permanece sem par na história
espiritual do mundo. Dominando, com eles, os destinos desta
nascente Fé divina, ergueu-se de um nível a que jamais poderá
aspirar, dentro de um período de mil anos completos, nenhum
indivíduo ou grupo que venha a servir os interesses da Fé após
Ele. Se alguém tentasse diminuir-lhe o prestígio incomparável,
julgando que Seu grau fosse em pouco ou nada superior ao
daqueles sobre cujos ombros tenha caído o manto de Sua
autoridade, isso seria um ato de impiedade tão grave como a
crença, não menos herética, que visa exaltá-Lo a um estado
de igualdade absoluta com a Figura central de nossa Fé ou
com Seu Precursor. Por mais largo que seja o abismo que separa
‘Abdu’l-Bahá dAquele que é a Fonte de uma Revelação
independente, nunca poderá ser considerado tão vasto como
a distância entre Ele, o Centro do Convênio, e Seus ministros

172
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

que hão de continuar Sua obra, não importando quais sejam


os seus nomes, categorias, funções ou futuras realizações. Os
que conheceram ‘Abdu’l-Bahá e, atraídos pela Sua magnética
personalidade, Lhe dedicaram tão fervorosa admiração, devem
refletir, à luz dessa afirmação, sobre a grandeza dAquele cuja
posição é tão superior.
Que ‘Abdu’l-Bahá não é Manifestante Divino, e não ocupa
posição similar à posição de Seu Pai, embora seja o sucessor
deste, e que ninguém exceto o Báb ou Bahá’u’lláh poderá
reclamar para si semelhante grau antes da expiração de mil
anos completos – são verdades que encerram as específicas
palavras tanto do Fundador de nossa Fé como do Intérprete
de Seus ensinamentos.
O Kitáb-i-Aqdas adverte-nos explicitamente:
“Antes de expirado um milênio completo, quem
afirmar ser portador de uma Revelação direta de Deus
será seguramente impostor mentiroso. Rogamos a
Deus que, por Sua graça, o ajude a retratar-se e a
repudiar tal pretensão. Se se arrepender, Deus sem
dúvida o perdoará. Porém, se persistir em seu erro, é
certo que Deus enviará quem o trate impiedosamente.
Terrível, deveras, é Deus quando pune!”
E para tornar ainda mais enfático este ponto, Ele acrescenta:
“Quem interpreta esse versículo senão em seu sentido
óbvio está privado do Espírito de Deus e de Sua
misericórdia que abarca todas a criação.”
Outra afirmação é concludente:
“Se aparecer um homem antes de se completar um
período de mil anos – sendo que cada ano consiste
de doze meses, segundo o Alcorão, e de dezenove
meses de dezenove dias cada, segundo o Bayán – e

173
SHOGHI EFFENDI

se este homem revelar ante vossos olhos todos os


sinais de Deus, rejeita-o, sem a menor hesitação!”
Com Suas próprias afirmações, ‘Abdu’l-Bahá corrobora essa
advertência, em termos não menos enfáticos e incondicionais,
declarando:
“Esta é minha convicção firme e inabalável, a
essência da minha crença manifesta e explícita – uma
convicção e uma crença com que estão de pleno
acordo os habitantes do Reino de Abhá: A
Abençoada Beleza é o Sol da Verdade, e Sua luz é a
luz da verdade. Do mesmo modo é o Báb o Sol da
Verdade, e Sua luz, a luz da verdade... Minha posição
é a da servitude – uma servitude que é completa,
pura e real, firmemente estabelecida, durável, óbvia,
explicitamente revelada e não condicionada a
interpretação alguma... Sou Eu o Intérprete da
Palavra de Deus; é essa minha interpretação.”
E no próprio testamento de ‘Abdu’l-Bahá – num tom e
numa linguagem que bem poderiam confundir até os mais
inveterados dos infratores do Convênio de Seu Pai – não torna
Ele nula a arma principal daqueles que se haviam esforçado
tão persistentemente afim de Lhe imputar a pretensão tácita
de ser igual, ou até mesmo superior, a Bahá’u’lláh? Assim
proclama uma das mais imponentes passagens deste último
documento, deixado para transmitir, à toda a posteridade, as
instruções e vontades de um Mestre que partira:
“A base da crença do povo de Bahá é esta: Sua
Santidade o Excelso (o Báb), é a manifestação da
Unidade Divina e o Precursor da Beleza Antiga. Sua
Santidade a Beleza de Abhá (Bahá’u’lláh) – Oxalá
minha vida seja oferecida em holocausto por Seus
amigos leais – é o supremo Manifestante de Deus e a

174
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Aurora de Sua mais divina Essência. Todos os outros


são Seus servos e cumpridores de Sua Vontade.”
Destas declarações, entretanto, tão inequívocas,
categóricas, e incompatíveis que são com qualquer pretensão
de ser Profeta, não devemos inferir, de modo algum, que
‘Abdu’l-Bahá seja apenas um dos servos da Abençoada Beleza,
ou mesmo um cuja função se limite à interpretação autorizada
dos ensinamentos de Seu Pai. Longe de mim tal noção ou o
desejo de incutir tais idéias, julgá-Lo assim seria, claramente,
uma traição da inestimável herança que Bahá’u’lláh legou à
humanidade. A posição que Lhe foi conferida pela Pena
Suprema é incomensuravelmente exaltada acima e além do
que se infere dessas, Suas próprias declarações escritas. Quer
seja no Kitáb-i-Aqdas, a mais imponente e sagrada de todas
as obras de Bahá’u’lláh, quer no Kitáb-i-’Ahd, o Livro de Seu
Convênio, ou no Súriy-i-Ghusn (Epístola do Ramo), as
referências registradas pela pena de Bahá’u’lláh – referências
estas, poderosamente reforçadas pelas Epístolas que o Pai de
‘Abdu’l-Bahá Lhe dirigiu, investem-no de um poder e o cercam
de uma auréola que a presente geração jamais poderá apreciar
devidamente.
Ele é – e para todo o sempre deve assim ser considerado –
primeiro e acima de tudo, o Centro e Eixo do incomparável e
todo abrangente Convênio de Bahá’u’lláh, Sua mais exaltada
obra, o imaculado Espelho de Sua Luz, o perfeito Exemplar
de Seus ensinamentos, o infalível Intérprete de Sua Palavra,
a encarnação de todos os ideais e virtudes bahá’ís, o Mais
Poderoso Ramo nascido da Raiz Antiga, o Sustentáculo da
Lei de Deus, o Ser “em torno de Quem giram todos os nomes”,
o Manancial da Unidade do Gênero Humano, o Porta-
Estandarte da Paz Máxima, a Lua do Orbe Central desta mais
sagrada Revelação – denominações e títulos estes que são

175
SHOGHI EFFENDI

implícitos e que acham sua mais alta, verdadeira e justa


expressão no nome mágico: ‘Abdu’l-Bahá. Acima e além
dessas denominações, Ele é o “Mistério de Deus” – uma
expressão que o próprio Bahá’u’lláh escolhera para designá-
Lo e que, embora de modo algum justifique que se Lhe atribua
a posição de Profeta, mostra como na pessoa de ‘Abdu’l-Bahá
se reúnem e harmonizam completamente as incompatíveis
características de uma natureza humana e de um conhecimento
e perfeição sobre-humanos.
Proclama o Kitáb-i-Aqdas:
“Quando o Oceano de Minha Presença estiver em
refluxo, e o Livro de Minha Revelação houver
terminado voltai as faces para Aquele que Deus
designou, que brotou desta Raiz Antiga.”
E também:
“Quando a Pomba Mística tiver alçado vôo de seu
Santuário de Louvor e procurado seu destino remoto,
sua morada oculta, qualquer coisa que não
compreendais no Livro, referi-a Àquele que brotou
desta poderosa Estirpe.”
No Kitáb-i-Ahd, além disso, Bahá’u’lláh declara solene e
explicitamente:
“Incumbe aos Aghsán, aos Afnán e a todos os Meus
parentes, voltarem as faces para o Mais Poderoso
Ramo. Considerai o que revelamos em Nosso
Sacratíssimo Livro. Quando o oceano de Minha
presença estiver em refluxo, e o Livro de Minha
Revelação houver terminado, voltai as faces para
Aquele que Deus designou, que brotou desta Raiz
Antiga. O objeto deste sagrado versículo não é outro
senão o Mais Poderoso Ramo (‘Abdu’l-Bahá).
Através de Nossas graças, Nós vos revelamos Nossa

176
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Potentíssima Vontade, e Eu sou em verdade o


Misericordioso, o Onipotente.”
No Súriy-i-Ghusn (Epístola ao Ramo) foram registrados os
seguintes versículos:
“Brotou do Sadratu’l-Muntahá este sagrado e glorioso
Ser, este Ramo de Santidade; bem-aventurado quem
tenha buscado Seu amparo e habite à Sua sombra.
Em verdade, o Sustentáculo da Lei divina surgiu
desta Raiz que Deus plantou firmemente no Solo de
Sua Vontade, e cujo Ramo se ergueu até abranger a
criação inteira. Glorificado seja Ele, pois, por essa
Obra sublime, abençoada, poderosa e exaltada!...
Como prova de Nossa misericórdia, emanou uma
Palavra da Suprema Epístola – uma Palavra que Deus
embelezou com os adornos de Seu próprio Ser e fez
soberana sobre a terra e tudo o que nela está, e um
sinal de Sua grandeza e poder entre seus povos...
Agradecei a Deus, ó povo, por haver Ele aparecido;
pois, em verdade, Ele é a maior de todas as graças, a
mais perfeita dádiva a vós; e por Seu intermédio se
ressuscitam até os ossos em decomposição. Quem se
dirigir a Ele terá se dirigido a Deus, e quem dEle se
desviar, terá se desviado de Minha Beleza, terá
repudiado Minha Prova e transgredido contra Mim.
Ele é Quem Deus confiou a vós, de quem Ele vos
incumbiu, Seu manifestante entre vós, e o Seu
aparecimento entre Seus servos favorecidos...
Fizemo-Lo descer na forma de um templo humano.
Bendito e santificado seja Deus, que cria qualquer
coisa que deseje através de Seu decreto inviolável,
infalível. Aqueles que se privam da sombra do Ramo
estão perdidos na solidão do erro, consumidos pelo

177
SHOGHI EFFENDI

fogo dos desejos mundanos, são daqueles que,


seguramente, hão de perecer.”
Escreve Bahá’u’lláh, de próprio punho, dirigindo-se a
‘Abdu’l-Bahá:
“Ó Tu que és a menina de Meus Olhos! Descansem
sobre Ti Minha glória, o oceano de Minha
benevolência, o sol de Minha bondade, o céu de
Minha misericórdia. Pedimos a Deus que ilumine o
mundo através de Teu conhecimento e Tua
sabedoria, que ordenes para Ti o que possa alegrar
Teu coração e consolar Teus olhos.”
Ele diz em outra Epístola:
“Que a glória de Deus esteja sobre Ti e sobre qualquer
um que Te sirva e se mova a Teu redor. Ai daquele
que Te fizer oposição ou Te injuriar. Bem-aventurado
quem Te jurar lealdade; e que o fogo infernal
atormente quem for Teu inimigo.”
Afirma Ele em ainda outra Epístola:
“Nós Te fizemos um refúgio para toda a humanidade
um escudo para todos os que estão no céu e sobre a
terra, uma cidadela para quem quer que tenha
acreditado em Deus, o Incomparável, o Onisciente.
Permita Deus, que por Teu intermédio, Ele os possa
enriquecer e sustentar; que Ele Te inspire com aquilo
que seja um manancial de riquezas para todas as coisas
criadas, um oceano de graças para todos os homens,
e a aurora da compaixão para todos os povos.”
Numa oração revelada em honra de ‘Abdu’l-Bahá, Bahá’u’lláh
suplica:
“Tu sabes, ó meu Deus que nada desejo para Ele senão
o que Tu desejaste, e nenhum destino tenho
escolhido para Ele senão aquele que Tu escolheras.

178
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Concede-Lhe a vitória, pois, pelos Teus exércitos


na terra e no céu... Imploro-Te, pela intensidade de
Meu amor a Ti, e por Meu fervoroso desejo de
manifestar Tua Causa, que ordenes para Ele, como
também para aqueles que O amam, o que Tu
destinastes a Teus Mensageiros e aos incumbidos de
transmitir a Tua Revelação, Em verdade, Tu és o
Todo-Poderoso, o Onipotente.”
Numa carta ditada por Bahá’u’lláh e endereçada por Mirzá
Aqá Ján, Seu secretário, a ‘Abdu’l-Bahá, durante a estada deste
em Beirut, lemos o seguinte:
“Louvado seja Ele por ter honrado a Terra de Bá
(Beirut) com a presença dAquele em torno de Quem
giram todos os nomes. Todos os átomos da terra
anunciaram a todas as coisas criadas as novas de que
surgira de trás dos portais da Cidade Prisão,
brilhando por cima de seu horizonte, a beleza do
grande, do Supremo Ramo de Deus – Seu Mistério
antigo e imutável – encaminhando-se para uma
outra terra. Tristeza envolve, pois, esta Cidade Prisão,
enquanto uma outra terra se regozija... Bendito,
duplamente bendito o solo pisado pelos Seus pés,
benditos os olhos alegrados pela beleza de Seu
semblante, os ouvidos honrados pelo privilégio de
escutar Seu chamado, o coração que experimentou
a doçura de Seu amor, o peito que vibrou com Sua
comemoração, a pena que expressou Seu louvor, o
pergaminho a que foi conferido o testemunho de
Seus escritos.”
‘Abdu’l-Bahá, confirmando a autoridade que Lhe fora
conferida por Bahá’u’lláh, declara o seguinte:

179
SHOGHI EFFENDI

“De acordo com o explícito texto do Kitáb-i-Aqdas,


Bahá’u’lláh designou para ser o Intérprete de Sua
Palavra o Centro do Convênio – um Convênio tão
firme e poderoso que nunca, desde o princípio do
tempo até o dia presente, nenhuma Revelação
religiosa produziu igual.”
Não obstante tão elevada posição, porém, e os elogios tão
profusos com que Bahá’u’lláh glorificou Seu Filho nestes
sagrados Livros e Epístolas, essa distinção sem paralelo nunca
deve ser interpretada como prova de ser Sua condição idêntica
à condição de Seu Pai, o próprio Manifestante, ou, de modo
algum, equivalente. Dar-se tal interpretação a qualquer dessas
passagens citadas teria, obviamente, o efeito imediato de a
por em conflito com as asserções e advertências não menos
claras e autênticas às quais eu já me referi. De fato – como já
tive ocasião de afirmar – os que atribuem a ‘Abdu’l-Bahá um
grau em demasia elevado são tão repreensíveis como aqueles
que Lhe querem diminuir o valor, nem é menos perniciosa a
influência destes. E isso pela simples razão de que, quando
persistem em suas deduções inteiramente injustificáveis, tiradas
dos escritos de Bahá’u’lláh, estão fornecendo ao inimigo, se
bem que inadvertidamente, contínuas provas para acusações
falsas e ambíguas.
Sinto-me compelido, pois, a declarar inequivocamente e
sem a menor hesitação, que não existe no Kitáb-i-Aqdas, nem
no Livro do Convênio de Bahá’u’lláh,nem mesmo na Epístola
do Ramo ou em outra Epístola, quer revelada por Bahá’u’lláh,
quer por ‘Abdu’l-Bahá, autoridade alguma para a opinião que
tende a sustentar a assim chamada “unidade mística” de
Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá, ou a estabelecer a identidade
deste com Seu Pai ou com qualquer Manifestante anterior.
Tal conceito errôneo pode ser atribuído em parte a uma

180
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

interpretação inteiramente extravagante de certos termos e


certas passagens na Epístola do Ramo, ao fato de se haver
introduzido na tradução inglesa certas palavras que não existem
no original, ou que dão uma impressão errada, ou são ambíguas
em sua conotação. Baseia-se isso principalmente, sem dúvida,
numa inferência que não é, em absoluto, justificável, tirada
das passagens iniciais de uma Epístola de Bahá’u’lláh, da qual
alguns extratos, segundo são reproduzidos na obra “Bahá’í
Scriptures”, precedem imediatamente a Epístola do Ramo sem,
entretanto, formarem parte integrante da mesma. A todos que
lêem estes extratos, deve-se esclarecer que a frase “a Língua
do Antigo” se refere somente a Deus, que o termo “o Nome
Supremo” é uma referência óbvia a Bahá’u’lláh, e que “o
Convênio” não quer dizer o Convênio específico de que
Bahá’u’lláh é o Autor imediato e ‘Abdu’l-Bahá, o Centro,
mas sim aquele Convênio geral que – segundo os ensinamentos
bahá’ís – o próprio Deus, ao inaugurar uma nova Revelação,
estabelece invariavelmente com a humanidade. A “Língua”
que “dá” as “boas novas”, como dizem estes extratos, não é
outra senão a Voz de Deus referindo-se a Bahá’u’lláh, e não
este se referindo a ‘Abdu’l-Bahá.
Além disso, se, em vez de vermos na declaração – “Ele é Eu
mesmo” – uma alusão à unidade mística de Deus e Seus
Manifestantes, segundo explica o Kitáb-i-Iqán, tentássemos
provar por tal declaração a identidade de ‘Abdu’l-Bahá com
Bahá’u’lláh, estaríamos violando diretamente o tão frisado
princípio da unidade dos Manifestantes de Deus – um princípio
que o Autor destes mesmos extratos tenta, por inferência
acentuar.
Equivaleria isso, também, a uma reversão àquelas crenças
irracionais e supersticiosas que se insinuaram
imperceptivelmente nos ensinamentos de Jesus Cristo, no

181
SHOGHI EFFENDI

primeiro século da era cristã, as quais, cristalizando-se até se


tornarem dogmas estabelecidos, tem diminuído a eficácia da
Fé Cristã e lhe obscurecido o alvo.
O comentário escrito pelo próprio ‘Abdu’l-Bahá sobre a
Epístola do Ramo é:
“Afirmo que o verdadeiro sentido, o significado real,
o segredo íntimo destes versículos, destas palavras, é
minha servitude ao sagrado Limiar da Beleza de
Abhá, minha abnegação completa, e consciência de
ser absolutamente nada perante Ele. Constitui isso
minha coroa resplandecente, meu mais precioso
adorno. Disso me orgulho no reino da terra e do
céu. Está nisso minha glória na companhia dos
favorecidos!”
Ele nos adverte na passagem que segue logo depois:
“A ninguém é permitido dar a estes versículos
qualquer outra interpretação.”
E afirma, sobre o mesmo ponto:
“De acordo com os textos explícitos do Kitáb-i-
Aqdas e do Kitáb-i-’Ahd, Eu sou o Intérprete
manifesto da Palavra de Deus... Quem se desviar de
minha interpretação será vítima de sua própria
fantasia.”
Além disso, a inevitável dedução da crença na identidade
do Autor da nossa Fé com Aquele que é o Centro de Seu
Convênio, seria a de colocar ‘Abdu’l-Bahá em uma posição
superior à do Báb, quando justamente o inverso – muito embora
ainda não reconhecido universalmente – é o princípio
fundamental desta Revelação. Isso justificaria, também, a
acusação com que os violadores do Convênio, durante todo o
ministério de ‘Abdu’l-Bahá, tentaram envenenar as mentes dos
leais adeptos de Bahá’u’lláh e perverter-lhes a compreensão.

182
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Seria mais correto, como também estaria mais de acordo


com os princípios estabelecidos por Bahá’u’lláh e pelo Báb
se, em vez de mantermos essa identidade fictícia com relação
a ‘Abdu’l-Bahá, considerássemos como idênticos, na realidade,
o Precursor e o Fundador de nossa Fé – verdade essa que o
texto do Súratu’l-Haykal afirma inequivocamente. A
declaração de Bahá’u’lláh é explícita:
“Tivesse o Ponto Primordial (o Báb) sido outro,
como pretendeis, e não Eu mesmo e tivesse Ele
atingido Minha Presença, nunca teria Ele permitido,
na verdade, separar-se de Mim; antes, haveríamos
Nós nos deleitado mutuamente com a companhia,
um do outro, em Meus Dias.”
E afirma Bahá’u’lláh ainda outra vez:
“Aquele que agora faz ouvir a Palavra de Deus não é
senão o Ponto Primordial que novamente se
manifestou.”
E diz referindo-Se a Si próprio, numa Epístola dirigida a uma
das Letras da Vida:
“Ele é o mesmo que apareceu no ano sessenta (1260
após a Hégira). Este é, em verdade, um de Seus
poderosos sinais.”
E é Seu apelo no Súriy-i-Damm:
“Quem se levantará para conseguir o triunfo da
Beleza Primordial (o Báb) revelada no semblante de
Seu Manifestante subseqüente?”
E, referindo-se à Revelação proclamada pelo Báb, por outro
lado, Ele a caracteriza como “Minha própria Revelação
anterior”.
Numa declaração de ‘Abdu’l-Bahá dirigida a alguns bahá’ís
da América do Norte, encontramos mais uma exposição, clara
e enfática, dos pontos que desejo acentuar neste capítulo: que

183
SHOGHI EFFENDI

‘Abdu’l-Bahá não é Manifestante de Deus, que recebe Sua


luz, Sua inspiração e Seu sustento diretamente da Fonte
Principal da Revelação Bahá’í; que é como um espelho
límpido e perfeito que reflete os raios da glória de Bahá’u’lláh,
não possuindo inerentemente aquela realidade que desafia
definição, que tudo penetra e abarca – realidade essa que é o
distintivo do Profeta única e exclusivamente; que Suas palavras
não são iguais em grau, embora possuam a mesma validade
que as de Bahá’u’lláh; e que Ele não deve ser aclamado como
Jesus Cristo que tenha voltado – o Filho que virá “na glória do
Pai”. Em conclusão, cito as referidas palavras de ‘Abdu’l-Bahá:
“Escrevestes que há uma divergência entre os crentes
a respeito da ‘Segunda Vinda de Cristo’. Deus
Misericordioso! Inúmeras vezes tem surgido essa
questão, e a resposta tem emanado da pena de
‘Abdu’l-Bahá em termos claros e irrefutáveis: o
‘Senhor dos Exércitos’ e o ‘Cristo Prometido’
mencionados nas profecias referem-se à Abençoada
Perfeição (Bahá’u’lláh) e à Sua Santidade, o Excelso
(o Báb). Meu nome é ‘Abdu’l-Bahá. Minha
qualificação é ‘Abdu’l-Bahá. Minha realidade é
‘Abdu’l-Bahá. Meu louvor é ‘Abdu’l-Bahá. Ser
escravo no limiar da Abençoada Perfeição é meu
diadema glorioso e refulgente, e servir a toda a
humanidade é minha religião perpétua... Nenhum
nome, nenhum título, nenhuma menção, nenhuma
recomendação tenho, nem terei jamais, a não ser
‘Abdu’l-Bahá. É isso o que desejo – é minha maior
aspiração. É minha vida eterna, minha glória
imperecível.”

184
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

A ORDEM ADMINISTRATIVA

Queridos companheiros de ‘Abdu’l-Bahá! Com a ascensão


de Bahá’u’lláh, a Estrela d’Alva da Guia Divina que – como
foi predito por Shaykh Ahmad e Siyyid Kázim, despontou em
Shíráz, e, durante o seu percurso para o Ocidente, atingiu o
seu zênite em Adrianópolis, mergulhou no horizonte de ‘Akká,
para não ressurgir antes de um ciclo de mil anos. Com o ocaso
de tão fulgente Orbe, terminara definitivamente a época da
Revelação Divina – a etapa inicial e mais vitalizadora de toda
a era bahá’í. Este período, inaugurado pelo Báb e culminando
com Bahá’u’lláh, que havia sido antecipado e elogiado pela
inteira companhia dos Profetas deste grandioso ciclo profético,
foi caracterizado por quase cinqüenta anos de Revelação
contínua e progressiva – excetuando-se apenas o pequeno
intervalo entre o martírio do Báb e as comoventes experiências
de Bahá’u’lláh no Síyáh-Chal de Teerã. No que diz respeito à
sua duração e à sua fecundidade, devemos considerar este
período como sem paralelo em toda a história espiritual do
mundo.
O falecimento de ‘Abdu’l-Bahá, por outro lado, assinala o
término da Idade Heróica e Apostólica desta mesma
Dispensação – do período primitivo de nossa Fé, cujos
esplendores jamais serão rivalizados, e muito menos eclipsados,
pela grandeza que há forçosamente de distinguir as futuras
vitórias da Revelação de Bahá’u’lláh. Pois nem o que

185
SHOGHI EFFENDI

realizaram os campeões na ereção das instituições atuais da Fé


Bahá’í, nem os triunfos assombrosos que os heróis de sua Idade
Áurea hão de conseguir nos dias vindouros, podem ser
comparados, ou incluídos na mesma categoria, com as
maravilhosas obras associadas aos nomes daqueles que lhe
geraram a própria vida e lançaram os alicerces prístinos. O
primeiro período da era bahá’í, o período criador, deve
sobressair pela sua própria natureza, distinguindo-se do período
formativo em que já entramos e, igualmente, da idade áurea
destinada a sucedê-lo.
‘Abdu’l-Bahá, que encarna uma instituição sem paralelo
nos reconhecidos sistemas religiosos do mundo, encerrou,
pode-se dizer, a Era à qual Ele mesmo pertencia, e abriu esta
em que nós agora trabalhamos. Assim, pois, Seu Testamento
deve ser considerado o elo perpétuo, indissolúvel, que a mente
dAquele que é o Mistério de Deus concebeu a fim de assegurar
a continuidade dos três períodos que constituem as partes
componentes da Revelação Bahá’í. O período em que a
semente da Fé havia pouco a pouco germinado, fica deste
modo entrelaçado com este que deve presenciar sua
florescência, como também com o ulterior, no qual a semente
terá produzido finalmente seus frutos dourados.
As energias criadoras liberadas pela Lei de Bahá’u’lláh,
penetrando e evoluindo na mente de ‘Abdu’l-Bahá,
produziram, pelo próprio contato e pela íntima interação, um
Instrumento que pode ser considerado a Carta da Nova Ordem
Mundial, a qual é, a um tempo, a glória e a promessa desta
Dispensação suprema. Assim, pode-se aclamar o Testamento
como o fruto inevitável do intercurso místico entre Aquele
que comunicou a influência geradora de Seu Plano Divino, e
aquele que era seu veículo, o escolhido recipiente. Sendo o
Testamento de ‘Abdu’l-Bahá, pois, o Filho do Convênio –

186
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Herdeiro tanto do Originador como do Intérprete da Lei de


Deus – é tão impossível separá-lo dAquele que forneceu o
impulso original, motivador, como dAquele que ulteriormente
o concebeu. Devemos nos lembrar sempre de que o plano
inescrutável de Bahá’u’lláh se infundiu tão completamente
na conduta de ‘Abdu’l-Bahá, e os motivos de ambos se uniram
tão intimamente, que a mera tentativa de desassociar os
ensinamentos do primeiro, de qualquer sistema estabelecido
pelo Exemplar ideal destes mesmos ensinamentos, constituiria
em si, um repúdio a uma das verdades mais sagradas e
fundamentais da Fé.
A Ordem Administrativa – que vem evoluindo desde a
ascensão de ‘Abdu’l-Bahá, estabelecendo-se ante os nossos
olhos em nada menos de quarenta dos países do mundo * –
pode ser considerada a estrutura do próprio Testamento, a
inviolável cidadela em que o filho recém-nascido está sendo
nutrido e desenvolvido. Essa Ordem Administrativa, à medida
que se for estendendo e consolidando, haverá certamente de
manifestar as potencialidades e o pleno significado deste
poderoso Documento, a mais notável expressão da Vontade
de uma das mais notáveis Figuras da Revelação de Bahá’u’lláh.
Assim que suas partes componentes, suas instituições
orgânicas, entrem em funcionamento com eficiência e vigor,
essa Ordem reivindicará sua pretensão e demonstrará sua
capacidade de ser considerada não somente o núcleo, mas o
verdadeiro padrão da Nova Ordem Mundial destinada a
abranger, na plenitude dos tempos, a humanidade inteira.
Devemos notar que esta Ordem Administrativa difere
fundamentalmente de qualquer coisa estabelecida pelos
Profetas do passado, pois foi o próprio Bahá’u’lláh quem
revelou os princípios e determinou as instituições desta Ordem,
designando a pessoa para interpretar Sua Palavra e
*
Escrito em 1934. N.T.
187
SHOGHI EFFENDI

concedendo a devida autoridade ao organismo destinado a


suplementar e aplicar Suas ordenanças legislativas. Aí está o
segredo da força da Ordem Administrativa, a distinção
fundamental e a garantia contra a desintegração e o cisma.
Em parte alguma das Sagradas Escrituras de qualquer dos
sistemas religiosos do mundo, nem mesmo nos escritos do
Inaugurador da Dispensação Bábí, encontramos provisões que
estabeleçam um convênio ou uma ordem administrativa que
possam ser comparados – no que diz respeito a seu âmbito e
sua autoridade – com aqueles que estão na própria base da
Revelação Bahá’í. Tomemos, por exemplo, duas que se
sobressaem entre as reconhecidas religiões do mundo, duas
das mais largamente difundidas, o cristianismo e o islamismo.
Oferecem elas algo que possa ser considerado igual ou
equivalente ao Livro do Convênio de Bahá’u’lláh, ou ao
Testamento de ‘Abdu’l-Bahá? Será que o texto do Evangelho
ou o do Alcorão conferem autoridade suficiente àqueles líderes
e concílios que têm reclamado o direito e assumido a função
de interpretar as provisões de suas sagradas escrituras e de
administrar os assuntos das suas respectivas comunidades?
Pode Pedro, reconhecido chefe dos apóstolos, ou o Imáme
Alí, o primo e legítimo sucessor do Profeta, exibir em apoio
da primazia com que ambos foram investidos, afirmativas
escritas e explícitas de Cristo e de Muhammad que tivessem
feito silenciar aqueles que, tanto entre seus contemporâneos
como posteriormente, lhes negaram a autoridade e
precipitaram com as ações os cismas que persistem até os dias
presentes? Onde encontraremos nas palavras registradas de
Jesus Cristo – bem podemos perguntar – quer seja sobre o
assunto da sucessão, quer no sentido de prover um código de
leis específicas e ordenanças administrativas claramente
definidas – em distinção a princípios puramente espirituais –

188
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

onde, perguntamos, encontraremos algo que se aproxime das


detalhadas injunções, leis e advertências tão abundantes nas
palavras autênticas tanto de Bahá’u’lláh como de ‘Abdu’l-
Bahá? Pode alguma passagem do Alcorão – o qual, a respeito
de seu código legal, suas ordenanças administrativas e
devocionais, assinala já um notável progresso sobre as
Revelações anteriores e mais corruptas – ser construída como
se tivesse colocado sobre uma base inatacável a autoridade
indiscutível com que Muhammad, verbalmente e em várias
ocasiões, investiu o Seu sucessor? Se bem que o Autor da
Revelação Bábí conseguisse, mediante as provisões do Bayán
Persa, evitar um cisma tão permanente e catastrófico como
aqueles que afligiram o cristianismo e o islamismo, será que
poderíamos afirmar haver Ele produzido, a fim de salvaguardar
Sua Fé, instrumentos tão bem definidos e da mesma eficácia
dos que hão de preservar, para todo o sempre, a união dos
organizados seguidores da Fé Bahá’í?
Dentre todas as Revelações, até a época atual, somente
esta Fé – graças às explícitas instruções, às repetidas
advertências e aos autênticos meios de proteção incorporados
e elaborados em seus ensinamentos – conseguiu erigir uma
estrutura da qual os adeptos de credos falidos e quebrados bem
poderiam se aproximar em sua perplexidade, a fim de examiná-
la com atenção e procurar, antes que seja tarde demais, a
segurança invulnerável de seu refúgio mundial.
Não é de se admirar que Aquele que inaugurou com Seu
Testamento uma Ordem tão vasta e incomparável, Aquele
que é o Centro de tão grandioso Convênio – tivesse escrito
estas palavras:
“Tão firme e poderoso é este Convênio que nunca,
desde o começo do tempo até o dia de hoje,
nenhuma Era religiosa produziu igual.”

189
SHOGHI EFFENDI

Escreveu Ele durante os dias mais escuros e perigosos de Seu


ministério:
“Qualquer coisa que esteja latente no recôndito deste
sagrado ciclo há de aparecer e se tornar manifesto
gradativamente, pois agora é apenas o começo de
seu crescimento e a aurora da revelação de seus
sinais.”
Então Suas palavras são confortadoras, prognosticando o surgir
da Ordem Administrativa estabelecida por Seu Testamento:
“Não tenhais receio se este Ramo for cortado deste
mundo material e despido de suas folhas; não, as
folhas hão de medrar, pois este Ramo crescerá após
haver sido cortado deste mundo inferior, atingirá os
pináculos da glória, e dará frutos cuja fragrância há
de perfumar o mundo.”
Essa Ordem Administrativa – ou seja a futura Comunidade
Mundial Bahá’í, em sua forma rudimentar – é destinada a
manifestar poder e majestade incomparáveis, pois a que outra
coisa, senão a isso, podem aludir as seguintes palavras de
Bahá’u’lláh?
“O equilíbrio do mundo foi perturbado pela
influência vibrante desta nova e mais imponente
Ordem Mundial. Revolucionou-se a vida ordenada
do homem, em virtude deste Sistema sem paralelo,
maravilhoso – cujo igual jamais foi visto por olhos
mortais.”
O próprio Báb, em Suas referências “Àquele que Deus
tornará manifesto”, antecipa o Sistema e glorifica a Ordem
Mundial que a Revelação de Bahá’u’lláh é destinada a
desenvolver. Sua extraordinária afirmação no terceiro capítulo
do Bayán persa é:

190
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

“Bem-aventurado aquele que dirigir o olhar à Ordem


de Bahá’u’lláh e agradecer a seu Senhor! Pois Ele
há seguramente, de se manifestar. Deus, em verdade,
ordenou isso, irrevogavelmente, no Bayán.”
Alguns fracos vislumbres – os primeiros prenúncios da
natureza da Ordem Administrativa e de sua atuação – as quais
eram destinadas a ser proclamadas e formalmente estabelecidas
em época posterior, pelo Testamento de ‘Abdu’l-Bahá, já
podemos discernir nas Epístolas de Bahá’u’lláh que designam
e estabelecem formalmente as instituições das Casas de Justiça
Nacionais e Locais: na instituição das Mãos da Causa de Deus,
criada primeiro por Bahá’u’lláh e depois por ‘Abdu’l-Bahá;
na instituição das Assembléias, tanto nacionais como locais,
que já funcionavam em estado embrionário antes da ascensão
de ‘Abdu’l-Bahá, e na autoridade que o Autor de nossa Fé e o
Centro de Seu Convênio, segundo Suas Epístolas, se dignaram
conferir a estas; na instituição do Fundo Local que operava
de acordo com as específicas injunções de ‘Abdu’l-Bahá
dirigidas a certas Assembléias no Irã, nos versículos do Kitáb-
i-Aqdas que antecipam claramente a instituição da
Guardiania; e na explicação dada por ‘Abdu’l-Bahá numa
Epístola, com especial ênfase, do princípio hereditário e da lei
da primogenitura, como havendo sido sustentados pelos
Profetas do passado. Parece-me oportuno, a esta altura, tentar
uma explicação do caráter e das funções dos pilares gêmeos
que sustentam esta poderosa Estrutura Administrativa – as
instituições da Guardiania e da Casa Universal de Justiça. Uma
descrição completa, porém, dos vários elementos que
funcionam em conjunto com essas instituições, está além do
âmbito e do objetivo desta exposição geral das verdades
fundamentais da Fé. Definir acurada e minuciosamente as
feições, e fazer uma análise completa, por um lado, da relação

191
SHOGHI EFFENDI

que liga esses dois órgãos fundamentais do Testamento de


‘Abdu’l-Bahá, e, por outro, da relação que une cada um destes
ao Autor da Fé e ao Centro de Seu Convênio, é uma tarefa
que futuras gerações cumprirão, sem dúvida, de um modo
adequado. É minha intenção aqui elaborar certas feições
salientes deste esquema, as quais, embora nós estejamos muito
próximos ainda de sua estrutura colossal, já se definiram com
tal clareza que não teremos desculpa se as concebermos
erroneamente ou lhes negarmos a devida atenção.
Deve-se afirmar, antes de tudo, em termos claros e
inequívocos, que essas instituições gêmeas da Ordem
Administrativa de Bahá’u’lláh têm que ser consideradas divinas
em sua origem, essenciais em suas funções, e complementares
quanto a seu objetivo e seu propósito. O que ambas visam,
fundamentalmente, é garantir a permanência daquela
autoridade divinamente concedida que emana da Fonte de
nossa Fé, salvaguardar a união de seus seguidores, e manter a
integridade e a flexibilidade de seus ensinamentos. Operando
em conjunto, estas duas instituições inseparáveis tratam de lhe
administrar os afazeres, coordenar as atividades, promover os
interesses, executar as leis e defender as instituições subsidiárias.
Cada instituição funciona dentro de uma bem definida esfera
de jurisdição, tendo também suas próprias instituições auxiliares
– instrumentos designados para o eficiente desempenho de suas
responsabilidades e obrigações especiais. Exerce cada uma,
dentro dos limites que lhe são impostos, seus poderes, sua
autoridade, seus direitos e suas prerrogativas, os quais não são
contraditórios, nem detraem, no mínimo grau, da posição que
cada uma destas instituições ocupa. Longe de serem
incompatíveis ou mutuamente destrutivas, suplementam a
autoridade e as funções uma da outra, e são permanente e
fundamentalmente unidas em seus objetivos.

192
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

Separada da instituição da Guardiania, a Ordem Mundial


de Bahá’u’lláh ficaria mutilada e privar-se-ia,
permanentemente, daquele princípio hereditário que foi
sempre sustentado pela Lei de Deus, segundo nos disse
‘Abdu’l-Bahá. Numa Epístola dirigida a um adepto da Fé na
Pérsia, afirma Ele:
“Em todas as Revelações Divinas deram ao filho mais
velho distinções extraordinárias. Até mesmo o grau
de profeta era seu direito hereditário.”
Sem essa instituição, correria perigo a integridade da Fé, e a
estabilidade da estrutura inteira correria grave perigo. Isso lhe
prejudicaria o prestígio, e faltar-lhe-iam, completamente, os
meios necessários para conseguir uma visão longa,
ininterrupta, abrangendo uma séria de gerações, como também
seria retirada totalmente a orientação indispensável para
definir a esfera da ação legislativa de seus representantes eleitos.
E se fosse separado da outra instituição, não menos
essencial, isto é, da Casa Universal de Justiça, este mesmo
Sistema previsto pelo Testamento de ‘Abdu’l-Bahá veria
paralisar-se sua ação, e privar-se-ia, em absoluto, do poder de
encher aquelas lacunas que o Autor do Kitáb-i-Aqdas deixou,
deliberadamente, em Seu código legislativo e administrativo.
‘Abdu’l-Bahá assevera, referindo-se às funções do Guardião
da Fé, usando em Seu Testamento o mesmo termo que Ele
próprio escolhera ao refutar o argumento daqueles violadores
do Convênio que haviam desafiado Seu direito de interpretar
as palavras de Bahá’u’lláh:
“Ele é o Intérprete da Palavra de Deus.”
E acrescenta:
“Após Ele, sucederá o primogênito de Seus
descendentes diretos.”
Ele ainda expõe:

193
SHOGHI EFFENDI

“A poderosa cidadela conservar-se-á inexpugnável


e segura em virtude da obediência àquele que é o
Guardião da Causa de Deus. Incumbe aos membros
da Casa de Justiça, a todos os Aghsán e Afnán, às
Mãos da Causa de Deus, demonstrar sua obediência,
submissão e subordinação ao Guardião da Causa de
Deus.”
Por outro lado, na Oitava Folha do Exaltado Paraíso,
Bahá’u’lláh declara:
“Incumbe aos membros da Casa de Justiça
deliberarem acerca dos assuntos que não foram
revelados exteriormente no Livro, e executar o que
lhes aprouver. Deus, em verdade, inspirá-los-á com
qualquer coisa que Ele queria, e Ele é, em verdade,
o Provedor, o Onisciente.”
Ao Sacratíssimo Livro (o Kitáb-i-Aqdas), afirma ‘Abdu’l-Bahá
em Seu Testamento:
“... deve cada um se dirigir, e qualquer assunto que
nele não esteja expressamente tratado deve ser
referido à Casa Universal de Justiça. O que esta
decidir, quer seja por unanimidade quer por maioria,
será, de fato, a verdade, e aquilo que o próprio Deus
deseja. Quem disso se desviar, será realmente um
daqueles que amam a discórdia, terá mostrado
malícia e se desviado do Senhor do Convênio.”
E ‘Abdu’l-Bahá, em Seu Testamento, não só confirma a
declaração de Bahá’u’lláh supracitada, mas também investe a
Casa Universal de Justiça com o direito e o poder de ab-rogar,
segundo as exigências do tempo, sua própria legislação, bem
como a de uma Casa de Justiça anterior. É Sua explícita
afirmação em Seu Testamento:

194
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

“Assim como a Casa de Justiça tem o poder de fazer


leis que não estejam expressamente registradas no
Livro e que tratem de transações diárias, tem ela
também o poder de anulá-las... Pode fazer isso porque
estas leis não formam parte do explícito texto
divino.”
Com referência ao Guardião e à Casa de Justiça Universal,
lemos estas palavras enfáticas:
“O sagrado e jovem Ramo, o Guardião da Causa de
Deus, bem como a Casa Universal de Justiça, a ser
universalmente eleita e estabelecida, estão ambos sob
o cuidado e a proteção da Beleza de Abhá, protegidos
e guiados infalivelmente pelo Excelso, o Báb. Que
minha vida seja oferecida por ambos! Qualquer coisa
que eles decidam, é de Deus.”
Em vista destas asserções, pois, torna-se indubitavelmente
claro e evidente ser o Guardião da Fé o designado Intérprete
da Palavra, e a Casa Universal de Justiça a instituição investida
com a função de legislar sobre assuntos não expressamente
tratados nos ensinamentos. A interpretação do Guardião, que
funciona dentro de sua própria esfera, é tão autorizada e
incondicional como o é a legislação da Casa Universal de
Justiça, a qual tem a prerrogativa, o direito exclusivo, de dar o
parecer e a decisão final nos casos em que Bahá’u’lláh não
revelou expressamente leis e ordenanças. Nenhuma das duas
instituições poderá, nem há de querer jamais infringir o sagrado
domínio prescrito para a outra. Nenhuma delas tentará
diminuir a específica e indubitável autoridade com que foram
ambas divinamente investidas.
Embora o Guardião da Fé tenha sido designado o
permanente chefe de tão augusto organismo, jamais ele poderá,
nem sequer provisoriamente, assumir o direito de legislação

195
SHOGHI EFFENDI

exclusiva. Não poderá superar a decisão da maioria de seus


co-membros, mas será obrigado a insistir que estes reconsiderem
qualquer legislação que a consciência lhe mostre ser contrária
ao sentido e ao espírito das palavras reveladas por Bahá’u’lláh.
Ele interpreta o que foi especificamente revelado, e não pode
legislar senão em sua capacidade de membro da Casa Universal
de Justiça. Não lhe é permitido estabelecer independen-
temente a constituição destinada a governar as atividades
organizadas de seus co-membros, como tampouco deve ele
exercer sua influência de uma maneira que possa usurpar a
liberdade daqueles que têm o sagrado direito de eleger o corpo
de seus colaboradores.
Devemos lembrar-nos de que ‘Abdu’l-Bahá antecipara a
instituição da Guardiania, muito antes de Sua própria ascensão,
como evidencia uma alusão que Ele fez numa Epístola dirigida
a três de Seus amigos na Pérsia. Haviam estes perguntado se
seria indicada alguma pessoa a quem todos os bahá’ís se
devessem dirigir após Sua ascensão, ao que ‘Abdu’l-Bahá deu
a seguinte resposta:
“Quanto à pergunta que me fizestes, deveis saber,
em verdade, que isso é um segredo bem guardado.
Assemelha-se a uma jóia oculta dentro de sua
concha. Predestina-se a ser revelado. Tempo virá em
que sua luz aparecerá, suas evidências se tornarão
manifestas, e seus segredos desvendar-se-ão.”
Caríssimos amigos! A despeito da elevada posição da
Guardiania e da função vital desta instituição na Ordem
Administrativa de Bahá’u’lláh, e por mais acabrunhadora que
deva ser a responsabilidade que pesa sobre ela, não se deve,
de modo algum, exagerar sua importância, não obstante a
linguagem do Testamento. Por grandes que sejam os méritos
ou as realizações do Guardião da Fé, jamais deverá ele, sob

196
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

quaisquer circunstâncias, ser exaltado ao grau que lhe permita


participar, com ‘Abdu’l-Bahá, da posição ímpar que o Centro
do Convênio ocupa, e muito menos ainda deverá ser elevado
à condição ordenada exclusivamente para o Manifestante de
Deus. Tão grave divergência dos preceitos estabelecidos de
nossa Fé nada menos é que aberta blasfêmia. Como já tive
ocasião de expor, ao tratar da posição de ‘Abdu’l-Bahá, o
abismo que O separa do Autor de uma Revelação Divina, se
bem que vasto, nunca pode ser comensurável com a distância
entre Aquele que é o Centro do Convênio de Bahá’u’lláh e
os Guardiões escolhidos como os ministros deste Convênio.
Muito, muito maior é a distância que separa o Guardião e o
Centro do Convênio, do que a que existe entre o Centro do
Convênio e seu Autor.
Sinto-me constrangido a fazer a seguinte declaração para
ser registrada: nenhum Guardião da Fé jamais poderá dizer-se
o perfeito exemplar dos ensinamentos de Bahá’u’lláh, o
espelho imaculado que reflita Sua luz. Embora esteja à sombra
da proteção constante, infalível, de Bahá’u’lláh e do Báb, e
ainda que participe, com ‘Abdu’l-Bahá, do direito e da
obrigação de interpretar os ensinamentos bahá’ís, ele é, não
obstante, essencialmente humano e, se deseja ser fiel à sua
incumbência, não pode arrogar a si, sob pretexto algum, os
direitos, os privilégios e as prerrogativas que Bahá’u’lláh se
dignou conferir ao Seu Filho. À luz desta verdade, pois, se
orássemos ao Guardião da Fé ou o chamássemos de senhor e
mestre, ou o designássemos como sua santidade, procurando
sua benção, ou se comemorássemos seu aniversário natalício
ou qualquer acontecimento de sua vida, estaríamos divergindo
daquelas verdades estabelecidas que nossa amada Fé encerra.
O fato de haver sido o Guardião especificamente dotado
daquele poder que lhe é necessário, para que ele possa revelar

197
SHOGHI EFFENDI

o intuito e o significado das palavras de Bahá’u’lláh não quer


dizer que lhe tenha sido conferida uma posição igual à
dAqueles cujas palavras é incumbido de interpretar. Ele pode
exercer este direito, e desempenhar essa obrigação, e contudo
permanecer infinitamente inferior a ambos quanto à posição,
e diferente em natureza.
Abundante testemunho da integridade deste princípio
cardeal de nossa Fé, devemos encontrar nas palavras e nos
atos dos seus Guardiões presentes e futuros. Pela conduta e
pelo exemplo deverão eles estabelecer a verdade deste
princípio sobre um alicerce inatacável, e transmitir, a futuras
gerações, evidências irrefutáveis desta realidade.
Se eu, da minha parte, hesitasse em reconhecer uma
verdade tão vital, ou vacilasse em proclamar tão firme
convicção, isso constituiria uma vergonhosa traição da
confiança depositada em mim por ‘Abdu’l-Bahá e uma
imperdoável usurpação da autoridade com que Ele mesmo foi
investido.
Seria oportuna aqui uma palavra sobre a teoria em que se
baseia esta Ordem Administrativa, e sobre o princípio que
deve governar a operação de suas mais importantes
instituições. Criaríamos uma impressão inteiramente errada,
se tentássemos fazer uma comparação, sequer, entre esta Ordem
sem paralelo, divinamente concebida, e qualquer um dos
diversos sistemas inventados pelas mentes dos homens, nos
vários períodos da história, para o governo das instituições
humanas. Tal tentativa mostraria que nos falta uma adequada
apreciação de tão excelente obra do seu grande Autor. Bem
sabemos que não poderia ser de outro modo quando nos
lembramos de que esta Ordem constitui o verdadeiro padrão
daquela civilização divina destinada a ser estabelecida na terra
pela Lei toda poderosa de Bahá’u’lláh. Os sistemas políticos

198
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

humanos, diversos e instáveis que são, sejam do passado ou


do presente, quer tenham se originado no Oriente, quer no
Ocidente – não oferecem nenhum critério adequado segundo
o qual se possa estimar a potência de suas virtudes ocultas, ou
avaliar a solidez de seus alicerces.
A comunidade bahá’í do futuro, alicerçada unicamente
sobre esta vasta Ordem Administrativa, não só desafia qualquer
comparação em toda a história das instituições políticas, mas
também não encontra paralelo nos anais de qualquer um dos
reconhecidos sistemas religiosos do mundo, quer seja em teoria
quer na prática. Forma alguma de governo democrático;
sistema algum de autocracia ou de ditadura, quer monárquico,
quer republicano; nenhum esquema de ordem puramente
aristocrático; nem mesmo qualquer dos reconhecidos tipos de
teocracia – seja da comunidade hebraica, ou das várias
organizações eclesiásticas cristãs, ou da dos imames ou do
califado no islã – nenhum destes pode ser considerado idêntico
ou conforme a Ordem Administrativa moldada pela mão
mestra de seu Arquiteto perfeito.
Esta recém-nascida Ordem Administrativa incorpora,
dentro de sua estrutura, certos elementos que se encontram
em cada uma das três reconhecidas formas de governo
temporal, sem que ela seja, em sentido algum, mera réplica de
qualquer destas, e sem que introduza, dentro de seu
mecanismo, qualquer uma das feições desfavoráveis que elas
inerentemente possuem. Esta Ordem une e harmoniza as
verdades salutares contidas, sem dúvida, em cada um destes
sistemas – coisa que governo algum moldado por mãos mortais
até agora conseguiu fazer – e sem, contudo, viciar a integridade
daquelas verdades divinas em que, em última análise, se baseia.
De modo algum deve-se considerar como puramente
democrática em caráter a Ordem Administrativa da Fé de

199
SHOGHI EFFENDI

Bahá’u’lláh, desde que esta dispensação carece em absoluto,


da assunção básica segundo a qual todas as democracias têm
de depender do povo, fundamentalmente, para seu mandato.
Quando tratam da administração da Fé e da legislação
necessária para suplementar as leis do Kitáb-i-Aqdas, os
membros da Casa Universal de Justiça – devemos sempre nos
lembrar – segundo indicam claramente as palavras de
Bahá’u’lláh – não são responsáveis perante as pessoas que eles
representam nem lhes é permitido guiar-se pelos sentimentos,
pela opinião geral, ou mesmo pelas convicções das massas dos
fiéis, ou daqueles que diretamente os elegeram. Devem seguir,
antes, numa atitude de prece, a orientação e os ditames da
própria consciência. Podem – ainda mais, devem – procurar
conhecer as condições que prevalecem entre a comunidade,
e devem pesar em suas mentes, desapaixonadamente, os
méritos de qualquer caso que lhes seja apresentado para
consideração, mas devem contudo reservar para si o direito
de uma decisão irrestrita. “Deus, em verdade, inspirá-los-á com
aquilo que Lhe aprouver”, é a asseveração incontrastável de
Bahá’u’lláh. Assim, pois, eles – e não as pessoas que, direta ou
indiretamente, os elegem – são os recipientes da orientação
divina que é, a um tempo, o sangue vital e a salvaguarda final
desta Revelação. Além disto, aquele que simboliza o princípio
hereditário nesta Revelação foi designado o intérprete das
palavras de seu Autor e, por conseguinte, em virtude da
autoridade real de que foi investido, deixa de ser a figura
passiva associada invariavelmente aos prevalecentes sistemas
de monarquias constitucionais.
Nem pode a Ordem Administrativa Bahá’í ser relegada à
categoria de sistema rígido, inflexível, de uma autocracia
incondicional, nem tampouco à de uma vã imitação de
qualquer forma de governo eclesiástico absolutista – quer seja

200
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

o papado, o imanato, ou qualquer outra instituição


semelhante, por esta razão óbvia: foi concedido aos
representantes internacionais pelos adeptos de Bahá’u’lláh o
direito exclusivo de legislar sobre questão não expressamente
tratadas nas escrituras bahá’ís. Jamais poderá o Guardião da
Fé, ou qualquer outra instituição, a não ser a Casa Universal
de Justiça, usurpar este poder vital, essencial, ou infringir este
sagrado direito. Ainda mais evidência do caráter não-
autocrático da Ordem Administrativa Bahá’í e de sua
inclinação para métodos democráticos, vemos-las na abolição
do clero profissional com seus sacramentos de batismo,
comunhão e confissão de pecados, bem como nas leis que
requerem a eleição por sufrágio universal de todas as Casas de
Justiça Locais, Nacionais e Internacional, e na completa
ausência de autoridade episcopal com os privilégios, as
corrupções e as tendências burocráticas que a acompanham.
Nem deve essa Ordem, identificada com o nome de
Bahá’u’lláh, ser confundida com qualquer sistema de governo
puramente aristocrático, pois enquanto, por um lado, ela
sustenta o princípio hereditário, e confia ao Guardião da Fé a
obrigação de interpretar seus ensinamentos, por outro,
providencia a eleição livre e direta, dentre os fiéis do corpo
que constitui seu mais alto órgão legislativo.
Embora não se possa dizer que esta Ordem Administrativa
tenha sido modelada segundo qualquer um dos reconhecidos
sistemas de governo, ela incorpora, no entanto, dentro de sua
estrutura e reconcilia e assimila, alguns elementos salutares
que se encontram em cada um deles. A autoridade hereditária
que o Guardião é incumbido de exercer, as funções vitais,
essenciais, desempenhadas pela Casa Universal de Justiça, as
específicas provisões que exigem sua eleição democrática pelos
representantes dos fiéis – tudo isso demonstra a verdade deste

201
SHOGHI EFFENDI

fato: esta Ordem divinamente revelada, se bem que não possa


ser identificada com qualquer dos tipos padrões aos quais
Aristóteles alude em suas obras, aproveita, entretanto, os
elementos benéficos possuídos por cada um destes,
incorporados e harmonizando-os com as verdades espirituais
em que ela mesma se baseia. Sendo excluídos, rígida e
permanentemente, os reconhecidos males inerentes a cada
um destes sistemas, esta Ordem incomparável – nada
importando quanto tempo dure ou quão extensamente se
ramifique – jamais poderá degenerar ao ponto de se tornar
uma forma daquele despotismo ou daquela oligarquia ou
demagogia que, cedo ou tarde, corrompem o mecanismo de
todas as instituições políticas – essencialmente defeituosas que
são – feitas pelo homem.
Caríssimos amigos! Por significativas que sejam as origens
dessa poderosa estrutura administrativa, e por incomparáveis
que sejam suas características, não nos parecem menos notáveis
os acontecimentos que anunciaram – podemos dizer – seu
nascimento, e que assimilaram a etapa inicial de sua evolução.
Como é nítido, e também edificante o contraste entre o
processo da lenta e constante consolidação que caracteriza o
crescimento de sua força infantil e o ímpeto devastador das
forças da desintegração que atacam as instituições já obsoletas,
tanto religiosas como seculares, da sociedade atual!
A vitalidade tão claramente mostrada pelas instituições
orgânicas desta grande Ordem, que se expande com tanta
rapidez; os obstáculos já vencidos pela alta coragem e
destemida resolução de seus administradores; o fogo de um
entusiasmo inextinguível, ardendo aos corações de seus
instrutores itinerantes, com um fervor que não se esvaece; as
alturas de abnegação agora sendo atingidas por seus

202
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

construtores campeões; a largueza de visão, a esperança


confiante, a alegria criadora, a paz interior, a integridade
absoluta, a disciplina exemplar, a inabalável união e
solidariedade que seus corajosos defensores manifestam; o grau
em que seu Espírito impulsor se tem mostrado capaz de assimilar,
dentro de seu âmbito, os mais divergentes elementos,
purificando-os de toda forma de preconceito e fundindo-os
com sua própria estrutura – tudo isso evidencia um poder ao
qual uma sociedade desiludida e lastimavelmente agitada não
deve deixar de dirigir a atenção.
Comparemos tão esplêndidas manifestações do espírito
animando este corpo vibrante da Fé Bahá’í, com os gritos e a
agonia, as loucuras e as vaidades, a amargura e os preconceitos,
a perversidade e a divisão de um mundo enfermo e caótico.
Vejamos o medo que atormenta seus líderes e paralisa a ação
de seus estadistas cegos e confusos. Como são violentos os
ódios, falsas as ambições, desprezíveis as ocupações, e
profundamente arraigadas as suspeitas de seus povos! Quão
alarmantes a anarquia, a corrupção, a descrença, que corroem
as vísceras de uma civilização cambaleante!
Não será que este processo de constante deterioração, agora
invadindo insidiosamente tantos setores de atividade e
pensamentos humanos, deva ser considerado como
necessariamente concomitante ao surgir deste todo-poderoso
Braço de Bahá’u’lláh? Não será que os momentosos eventos
que têm agitado tão profundamente todos os continentes da
terra, no decorrer dos últimos vinte anos, devam ser vistos
como sinais ominosos proclamando simultaneamente a agonia
de uma civilização que se desintegra e as angústias do
nascimento daquela Ordem Mundial – daquela Arca da
salvação humana – que há forçosamente de se erguer sobre
suas ruínas?

203
SHOGHI EFFENDI

O tumulto causado no mundo ao surgir este poderoso Órgão


da Religião de Bahá’u’lláh é atestado pela queda catastrófica
de grandes monarquias e impérios no continente europeu,
alguns dos quais mencionados em Suas profecias; é atestado
também, pelo declínio que começou, e ainda continua, nas
fortunas da hierarquia feita na própria terra natal de
Bahá’u’lláh; pela queda da dinastia de Qájár, o inimigo
tradicional de Sua Fé, pelo desmoronamento do sultanado e
do califado, pilares estes do islã sunita – evento em que vemos
um paralelo notável à destruição de Jerusalém em fins do
primeiro século da era cristã. É atestado pela onda de
secularização que está invadindo as instituições eclesiásticas
maometanas no Egito, e minando a lealdade de seus mais
firmes defensores; e vemos ainda outra evidência nos
humilhantes ataques dirigidos contra algumas das mais
poderosas igrejas do cristianismo na Rússia, na Europa
Ocidental e na América Central; na disseminação daquelas
doutrinas subversivas que estão solapando os alicerces e
derrubando a estrutura de cidadelas que pareciam
inexpugnáveis nas esferas social e política da atividade
humana; e, afinal, nos sinais de uma catástrofe iminente –
fazendo lembrar extraordinariamente a queda do império
romano no Ocidente – e que ameaça engolfar a inteira
estrutura de nossa civilização atual. E este tumulto há de
ampliar seu âmbito e aumentar sua intensidade na proporção
em que se venha a compreender mais completamente o que
significa este Esquema que evolui ininterruptamente,
ramificando-se e estendendo-se cada vez mais sobre a superfície
do globo.
Ainda uma palavra, em conclusão. O surgir e a consolidação
desta Ordem Administrativa – a concha que abriga e encerra
tão preciosa jóia – constitui o distintivo do segundo período

204
A DISPENSAÇÃO DE BAHÁ’U’LLÁH

da era bahá’í – o período formativo. Virá a ser considerada, à


medida que se afaste de nossos olhos, tornando-se cada vez
mais remota, como o principal agente incumbido de inaugurar
a fase final, a consumação, desta gloriosa Dispensação.
Que ninguém – enquanto este Sistema estiver ainda na
infância – forme um conceito errôneo de seu caráter, lhe
diminua a significação ou lhe atribua um objetivo falso. A
rocha que alicerça esta Ordem Administrativa é o Propósito
imutável de Deus para a humanidade de hoje. A Fonte de
que deriva sua inspiração não é outra senão o próprio
Bahá’u’lláh. Seu escudo e seu defensor são as hostes do Reino
de Abhá, que lutam em batalha. Sua semente é o sangue de
nada menos de vinte mil mártires que ofereceram as vidas para
que essa Ordem nascesse e se desenvolvesse. O eixo, em torno
do qual giram suas instituições, são as autênticas provisões da
Última Vontade e Testamento de ‘Abdu’l-Bahá. Os princípios
que a guiam são as verdades tão claramente enunciadas por
Aquele Intérprete infalível dos ensinamentos de nossa Fé, em
Seus discursos públicos no Ocidente. As leis que lhe governa
a operação e limitam as funções são aquelas que foram
expressamente ordenadas no Kitáb-i-Aqdas. A sede na qual
concentrar-se-ão suas atividades espirituais, humanitárias e
administrativas é o Mashriqu’l-Adhkár e as suas Dependências.
Os pilares que lhe sustentam a autoridade e fortalecem a
estrutura são as instituições gêmeas da Guardiania e da Casa
Universal de Justiça. O intuito central que a baseia e anima é
o estabelecimento da Nova Ordem Mundial, segundo
esboçada por Bahá’u’lláh. Os métodos que emprega, o padrão
que ela inculca, não inclinam nem para Oriente nem Ocidente,
judeu ou gentio, nem para rico ou pobre, branco ou preto.
Sua divisa é a unificação da espécie humana; seu estandarte,
a “Maior Paz”; sua consumação, o advento daquele milênio

205
SHOGHI EFFENDI

áureo – o Dia em que os reinos deste mundo terão se


transformado no Reino do próprio Deus, no Reino de
Bahá’u’lláh.

SHOGHI

Haifa, Palestina.
8 de fevereiro de 1934

206
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

O DESENVOLVIMENTO
DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

207
SHOGHI EFFENDI

208
A ORDEM MUNDIAL DE BAHÁ’U’LLÁH

AOS AMADOS DE DEUS E


SERVAS DO MISERICORDIOSO NO OCIDENTE

Amigos e co-herdeiros da graça de Bahá’u’lláh,

Como seu companheiro na construção da Nova Ordem


Mundial que a mente de Bahá’u’lláh previu, e cujos aspectos
distintivos a pena de ‘Abdu’l-Bahá, seu Arquiteto perfeito,
delineou, faço uma pausa para contemplar com vocês o cenário
que a revolução de quase 15 anos após Sua Ascensão apresenta
diante de nós.
O contraste das evidências cada vez maiores entre a sólida
consolidação que acompanha o crescimento da Ordem
Administrativa da Fé de Deus e as forças de desintegração
que estão demolindo as estruturas de uma sociedade
angustiada, é muito claro e impressionante. Tanto dentro como
fora do mundo bahá’í, os sinais e as evidências que, de uma
forma misteriosa, estão anunciando o nascimento daquela
Ordem Mundial cujo estabelecimento sinaliza a Idade Áurea
da Causa de Deus, estão crescendo e se multiplicando dia a
dia. Nenhum observador imparcial poderá deixar de discerni-
los. Não deverá deixar-se enganar pela aparente lentidão que
caracteriza o desenvolvimento da civilização, para cujo
estabelecimento os seguidores de Bahá’u’lláh estão
trabalhando. Nem poderá iludir-se pelas manifestações
efêmeras da volta de uma prosperidade que às vezes aparenta
ser capaz de coibir a influência destruidora dos males crônicos

209
SHOGHI EFFENDI

que afligem as instituições de uma era em decadência. Os sinais


dos tempos são por demais numerosos e avassaladores para
permitir que alguém possa confundir seu caráter ou ignorar
seu significado. Se for justo em seu julgamento, poderá
reconhecer a seqüência de eventos que proclamam, de um
lado a marcha irresistível das instituições diretamente
associadas com a Revelação de Bahá’u’lláh, e antecipam, por
outro lado, a queda daqueles poderes e principados que
ignoraram ou se opuseram a ela – o observador pode
reconhecer nesses eventos todas as evidências da operação da
irresistível Vontade de Deus e da existência de um Plano
divino, perfeitamente concebido e de alcance mundial.
As próprias palavras de Bahá’u’lláh proclamam:
“Breve será a presente ordem posta de lado, e uma
nova se estenderá em seu lugar. Deveras, teu Senhor
diz a Verdade e é o Conhecedor das coisas invisíveis.”
E declara solenemente:
“Por Meu próprio Ser! Aproxima-se o dia em que
teremos posto de lado o mundo e tudo o que nele se
acha, e estendido uma nova ordem em seu lugar.
Ele, em verdade, é poderoso sobre todas as coisas.”
E Ele explica:
“O equilíbrio do mundo foi alterado através da
influência vibrante desta nova e mais grandiosa
Ordem Mundial. A vida regulada do gênero humano
foi revolucionada por meio deste Sistema único,
maravilhoso – cujo igual jamais foi testemunhado
por olhos mortais.”
Ele adverte os povos do mundo:
“Os sinais de caos e convulsões iminentes podem
agora ser discernidos, desde que a ordem que
predomina parece ser lamentavelmente defeituosa.”

210
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Amigos muito queridos! Esta Nova Ordem Mundial, cuja


promessa é uma das relíquias da Revelação de Bahá’u’lláh,
cujos princípios fundamentais foram enunciados nos Escritos
do Centro de Seu Convênio, abrange nada menos que a
completa unificação da inteira raça humana. Esta unificação
deve estar de acordo com os princípios que diretamente se
harmonizam com o espírito que anima e com as leis que
governam a operação das instituições que constituem a base
estrutural da Ordem Administrativa de Sua Fé.
Nenhuma maquinaria que os esforços coletivos da
humanidade possam vir a conceber, que não se harmonize
com o padrão inculcado pela Revelação Bahá’í, e que esteja
em desacordo com o padrão sublime ordenado em Seus
ensinamentos, jamais poderá conseguir algo superior ou além
daquela “Paz Menor” que o próprio Autor de nossa Fé aludiu
em Seus escritos. Ele adverte por escrito aos reis e governantes
da terra:
“Agora que recusastes a Paz Maior, segurai-vos a essa,
a Paz Menor, a fim de que talvez possais melhorar
em algum grau vossa própria condição e a daqueles
que de vós dependem.”
Discorrendo sobre esta Paz Menor, Ele assim se dirige, naquela
mesma Epístola, aos governantes da terra:
“Sede reconciliados entre vós, para que não mais
necessiteis de armamentos, salvo na medida precisa
a fim de proteger vossos territórios e domínios...
Uni-vos, ó reis da terra, pois assim a tempestade da
discórdia se aquietará entre vós e vosso povo
encontrará sossego – se sois dos que compreendem.
Se alguém dentre vós lançar mão de armas contra
outro, levantai-vos todos contra ele, pois isso nada
mais é que justiça manifesta.”

211
SHOGHI EFFENDI

A Paz Máxima, por outro lado, conforme concebida por


Bahá’u’lláh – uma paz que inevitavelmente ocorrerá como
conseqüência prática da espiritualização do mundo e da fusão
de todas as suas raças, credos, classes e nações – não poderá
ser estabelecida sobre nenhuma outra base, nem preservada
através de nenhum outro meio senão pelos mandamentos
divinos reveladas e que estão implícitos na Ordem Mundial
associada ao Seu Santo Nome. Em Sua Epístola à rainha
Vitória, revelada há cerca de setenta anos, Bahá’u’lláh,
aludindo a esta Paz Máxima, declarou:
“O que o Senhor ordenou como o remédio soberano
e o mais poderoso instrumento para a cura do mundo
inteiro é a união de todos os seus povos em uma
Causa Universal, em uma Fé comum. Isso de modo
algum se há de realizar, salvo através do poder de
um Médico hábil, onipotente e inspirado. Isto,
deveras, é a verdade, e tudo mais não é senão erro...
Considerai estes dias nos quais a Abençoada Beleza,
Ele, que é o Máximo Nome, foi enviado para
regenerar e unificar a humanidade. Observai como,
com espadas em punho, se levantaram contra Ele,
cometendo aquilo que fez tremer o Espírito Fiel. E
sempre que Ele lhes dizia: ‘Vede, o Reformador do
Mundo já veio!’, eles respondiam: ‘Ele, em verdade,
é dos que incitam a injúria.’”
Ele, em outra Epístola, afirma:
“Cabe a todos os homens neste Dia segurarem-se ao
Maior Nome e estabelecerem a unidade de todo o
gênero humano. Não há lugar para onde fugir, nem
asilo que qualquer um possa buscar, senão Ele.”

212
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

A ERA DE MATURIDADE DA HUMANIDADE


A Revelação de Bahá’u’lláh, cuja suprema missão outra
não é senão a realização desta unidade orgânica e espiritual
de todas as nações, deve ser considerada, se formos fiéis às
suas implicações, como sinalizando, com seu advento, a idade
de maturidade da inteira raça humana. Ela deve ser vista não
apenas como mais uma renovação espiritual nos destinos
sempre em transformação da humanidade, nem apenas como
um estágio superior em uma corrente de Revelações
progressivas, nem mesmo como a culminação de uma série de
renovados ciclos proféticos, mas como a certeza do último e
mais elevado estágio na estupenda evolução da vida coletiva
do ser humano neste planeta. A emergência de uma
comunidade mundial, a consciência da cidadania mundial, a
fundação de uma civilização e de uma cultura mundiais – tudo
isso deve se sincronizar com os estágios iniciais do
desenvolvimento da Idade Áurea da era bahá’í – devendo,
em virtude de sua natureza, ser considerada, no que concerne
a esta vida planetária, como as fronteiras mais avançadas na
organização da sociedade humana, embora o homem, como
indivíduo, continue, e até mesmo como resultado desta
consumação, indefinidamente a progredir e se desenvolver.
Tal mudança, mística, penetrante e completa, embora
indefinível, que associamos ao estágio de maturidade
inevitável na vida do indivíduo e fruto de seu
desenvolvimento, deve, se formos entender corretamente as
elocuções de Bahá’u’lláh, ter sua contrapartida na evolução
da organização da sociedade humana. Um estágio similar
deverá, cedo ou tarde, ser alcançado na vida coletiva da
humanidade, produzindo um fenômeno ainda mais
surpreendente nas relações mundiais e dotando a inteira raça

213
SHOGHI EFFENDI

humana de tais potencialidades para seu bem-estar que deverá


prover, através de idades sucessivas, o principal incentivo
exigido para o cumprimento final de seu elevado destino. Tal
estágio de maturidade no processo da governabilidade humana
deverá, para sempre, se fielmente reconhecermos a tremenda
reivindicação de Bahá’u’lláh, permanecer identificado com a
Revelação da qual Ele é Portador.
Em uma das passagens mais marcantes que Ele próprio
revelou, Bahá’u’lláh afirma, numa linguagem para ninguém
confundir, a verdade deste princípio básico da crença bahá’í:
“Foi decretado por Nós que a Palavra de Deus e todas
as potencialidades dela decorrentes serão
manifestadas aos homens em estrita conformidade
com as condições pré-ordenadas por Ele, o
Onipotente e Onisciente... Se a Palavra fosse
revelada de súbito, com todas as energias nela
latentes, nenhum homem poderia suportar o peso
de tão poderosa Revelação... Considerai aquilo que
foi enviado por Muhammad, o Apóstolo de Deus.
A medida da Revelação da qual Ele foi o Portador
foi claramente pré-ordenada por Ele que é o
Onipotente, o Todo-Poderoso. Aqueles que O
ouviram, no entanto, puderam apreender Seu
propósito somente na extensão de sua condição e
capacidade espiritual. Ele, da mesma forma, desvelou
a Face da Sabedoria na proporção da capacidade do
povo em suportar o peso de Sua Mensagem. Não
antes de ter alcançado o estágio de maturidade,
poderá a humanidade usufruir as energias latentes
das quais foi dotada decorrente da Palavra revelada
– energias que se manifestaram na plenitude de sua
glória quando a Beleza Antiga apareceu, no ano
sessenta, na pessoa de ‘Alí-Muhammad, o Báb.”

214
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

‘Abdu’l-Bahá, elucidando esta verdade fundamental,


escreveu:
“Todas as coisas têm seu grau ou estágio de
maturidade. O período de maturidade na vida de uma
árvore é o tempo de sua fruição... O animal também
atinge a idade de seu completo desenvolvimento, e
no reino humano o homem chega à maturidade
quando a luz de sua inteligência atinge seu máximo
poder e desenvolvimento... De forma semelhante,
existem períodos e estágios na vida coletiva da
humanidade. Num tempo, ela passou pela época da
infância; em outro período, chegou à adolescência,
mas agora está adentrando a longamente anunciada
fase de maturidade, cujas evidências aparecem em
toda parte... Aquilo que serviu às necessidades
humanas durante os primórdios da história da raça
não pode mais atender ou satisfazer as demandas deste
dia, um período de novidades e realizações. A
humanidade emergiu de seu antigo estado de
limitação e capacitação preliminar. O homem precisa
agora imbuir-se de novas virtudes e poderes, de novos
padrões morais e novas capacidades. Novas graças,
bênçãos perfeitas, estão esperando e já descendo
sobre ele. Os dons e bênçãos do período da
juventude, embora úteis e suficientes durante a
adolescência da humanidade, são agora incapazes de
atender às exigências de sua maturidade.”

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO
Tão singular e significativas crises na vida organizada da
humanidade, pode, em muitos aspectos, ser comparada ao

215
SHOGHI EFFENDI

estágio culminante na evolução política da grande República


americana – o estágio que marcou a emergência de uma
comunidade unificada de estados confederados. O movimento
decorrente de uma nova consciência nacional e o nascimento
de um novo tipo de civilização, infinitamente mais rica e nobre
do que qualquer outra que suas partes componentes pudessem
separadamente esperar atingir, pode-se dizer que proclamou a
idade de maturidade do povo americano. Dentro dos limites
territoriais dessa nação, a consumação deste estágio pode ser
vista como a culminação do processo de governabilidade
humana. Os elementos diversificados e dispersos de uma
comunidade dividida foram reunidos, unificados e
incorporados em um sistema coerente. Embora essa entidade
possa continuar aumentando seu poder coesivo, a unidade
então alcançada possa ser consolidada, e a civilização à qual
somente aquela unidade poderia ter originado venha a se
expandir e florescer, ainda assim, a maquinaria essencial a tal
desenvolvimento, pode-se dizer, foi erigida em sua estrutura
essencial e o impulso necessário para guiá-la e sustentá-la foi
fundamentalmente alcançado. Não se pode imaginar qualquer
estágio superior, ou além da realização da unidade nacional,
dentro dos limites geográficos daquela nação, embora o elevado
destino de seu povo, como elemento constituinte de uma
entidade bem maior, que irá abarcar a totalidade da
humanidade, continue ainda por ser alcançado. Considerado
como uma unidade isolada, porém, seu processo de integração
pode ser considerado como tendo conseguido sua maior e final
consumação.
Idêntico é o estágio do qual uma humanidade em evolução
está coletivamente se aproximando. A Revelação concedida
pelo Todo-Poderoso Ordenador a Bahá’u’lláh, crêem
firmemente Seus seguidores, assim foi dotada de

216
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

potencialidades perfeitamente adequadas à maturidade da raça


humana – o estágio mais avançado e significativo em sua
evolução da infância à maturidade.
Os sucessivos Fundadores das Religiões do passado, que
desde tempos imemoriais refletiram com intensidade cada vez
maior o esplendor de uma Revelação comum em seus vários
estágios, os quais marcaram o avanço da humanidade no
caminho de sua maturidade, podem, em certo sentido, ser
considerados como Manifestantes preliminares, antecipando
e preparando o caminho para o advento daquele Dia dos Dias
quando a terra inteira terá frutificado e a árvore da humanidade
terá dado os frutos previstos.
Incontestável como é esta verdade, seu caráter desafiador
jamais poderá anuviar o propósito, distorcer o princípio ou
subestimar as elocuções de Bahá’u’lláh – elocuções que
estabeleceram para todos os tempos a absoluta unidade de todos
os Profetas, incluindo Ele próprio, sejam do passado ou do
futuro. Embora a missão dos Profetas que precederam a
Bahá’u’lláh possa ser vista sob aquela luz, embora, como
resultado deste processo de evolução, a medida de Revelação
Divina com a qual cada um deles foi dotado seja
necessariamente diferente, sua origem comum, sua unidade
essencial e sua identidade de propósito, não podem, em tempo
algum e sob nenhuma circunstância, ser mal-entendidas ou
negadas. Que todos os Profetas de Deus “habitam no mesmo
Tabernáculo, voam no mesmo céu, se sentam no mesmo trono,
proferem as mesmas palavras e proclamam a mesma Fé”, deve
permanecer, por mais elevado que seja o louvor com que
louvamos a medida da Revelação Divina concedida à
humanidade neste estágio culminante de sua evolução, como
o fundamento inalterável e a tese central da crença bahá’í.
Quaisquer variações no esplendor que cada um desses

217
SHOGHI EFFENDI

Manifestantes da Luz de Deus tenha derramado sobre o mundo,


devem ser atribuídas não a qualquer superioridade inerente
ao caráter essencial de qualquer um deles, mas sim à
capacidade progressiva, à crescente receptividade espiritual
que a humanidade, em seu rumo à maturidade, tem
invariavelmente manifestado.

A CONSUMAÇÃO FINAL
Somente aqueles que associam a Revelação proclamada
por Bahá’u’lláh com a consumação de tão estupenda evolução
na vida coletiva da inteira raça humana podem entender o
significado das palavras que Ele, ao aludir às glórias deste Dia
prometido e à duração da era bahá’í, julgou adequado afirmar.
Ele exclama:
“Este é o Rei dos Dias, o Dia que contemplou a vinda
do Mais-Amado, Aquele que, por toda a eternidade,
tem sido aclamado como o Desejo do Mundo.”
Ele afirma também:
“As Escrituras das Dispensações passadas celebraram
o grande jubileu que irá saudar o maior Dia de Deus.
Bem aventurado aquele que viver para ver este Dia
e reconhecer seu grau.”
Ele, em ainda outra passagem, explica:
“É evidente que cada era em que um Manifestante
de Deus tem vivido é divinamente ordenada e pode,
em certo sentido, ser caracterizada como o Dia
designado de Deus. Este Dia, entretanto, é único e
deve ser distinguido dos que o precederam. A
designação ‘Selo dos Profetas’ revela plenamente seu
alto grau. O Ciclo Profético, em verdade, findou. A
Verdade Eterna veio agora. Ele ergueu a Insígnia do

218
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Poder e agora irradia sobre o mundo o desnublado


esplendor de Sua Revelação.”
E declara, em linguagem categórica:
“Nesta mais poderosa Revelação todas as
Dispensações do passado alcançaram sua mais
elevada, sua consumação final. Aquilo que se tornou
manifesto nesta preeminente, nesta mais exaltada
Revelação, não tem paralelo nos anais do passado,
nem as eras futuras irão testemunhar algo igual.”
Os pronunciamentos autênticos de ‘Abdu’l-Bahá, da
mesma forma, confirmam, de maneira não menos enfática, a
vastidão incomparável da Dispensação Bahá’í. Ele afirma em
uma de Suas Epístolas:
“Séculos, melhor dizendo, eras incontáveis, deverão
passar até que o Sol da Verdade brilhe novamente
em seu esplendor meridiano, ou apareça uma vez
mais no esplendor de sua glória primaveril... A mera
contemplação da Dispensação inaugurada pela
Abençoada Beleza seria suficiente para deslumbrar
os santos de eras passadas – santos que ansiavam
participar, por um momento apenas, desta grande
glória.”
E afirma em linguagem ainda mais precisa:
“Quanto aos Manifestantes que virão no futuro, ‘nas
sombras das nuvens’, saibam que, verdadeiramente,
no que diz respeito às suas relações com a Fonte de
sua inspiração, eles se encontram à sombra da Antiga
Beleza. Em sua relação, porém, com a era na qual
aparecem, cada um e todos eles ‘fazem o que quer
que desejem’.”
Ele explica, aludindo à Revelação de Bahá’u’lláh:

219
SHOGHI EFFENDI

“Esta sagrada Dispensação é iluminada com a luz do


Sol da Verdade brilhando de sua mais elevada
posição e na plenitude de seu resplendor, seu calor e
glória.”

ANGÚSTIAS DE MORTE E NASCIMENTO


Amigos ternamente queridos: Embora a Revelação de
Bahá’u’lláh tenha sido enunciada, a Ordem Mundial dela
decorrente está ainda por nascer. Embora a Idade Heróica de
Sua Fé tenha passado, as energias criativas que aquela Era
liberou, não foram ainda cristalizadas naquela sociedade
mundial que, no auge dos tempos, espelhará a luz de Sua glória.
Embora a estrutura de Sua Ordem Administrativa tenha sido
erigida, e o Período Formativo da era bahá’í tenha se iniciado,
ainda assim o Reino prometido, no qual as sementes de Suas
instituições deverão amadurecer, não foi ainda inaugurado.
Embora Sua Voz tenha sido levantada, e as insígnias de Sua
Fé erguidas em nada menos de quarenta países, tanto no
Oriente como no Ocidente, o fato é que a totalidade da raça
humana ainda não a reconheceu, sua unidade não foi
inteiramente proclamada e a bandeira da Paz Máxima não foi
ainda hasteada.
Afirma o próprio Bahá’u’lláh:
“As alturas que o homem mortal pode atingir, neste
Dia, através do mais benévolo favor de Deus, ainda
não foram reveladas à sua vista. O mundo da
existência jamais teve revelação igual, nem para isso
possui ainda capacidade. Aproxima-se o dia,
entretanto, em que as potencialidades de tão grande
favor, em virtude de Seu mando, se manifestarão aos
homens.”

220
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Para que tão grande graça seja revelada, um período de


intensa agitação e muitos sofrimentos parece ser indispensável.
Esplendorosa como foi a Era que testemunhou o nascimento
da Missão da qual Bahá’u’lláh foi incumbido, o intervalo que
deve decorrer até que aquela Era dê seus melhores frutos,
condição que se torna cada vez mais aparente, deverá passar
por uma grande decadência moral e social, a qual irá, por fim,
preparar uma humanidade impenitente para alcançar,
finalmente, a condição gloriosa que está destinada a herdar.
É na direção desse período que estamos agora, firme e
irresistivelmente, nos encaminhando. Em meio às sombras que
crescentemente se formam sobre nós, podemos discernir
debilmente os clarões da soberania divina de Bahá’u’lláh
brilhando de forma ainda tênue no horizonte da história. A
nós, a “geração da meia-luz”, vivendo em um tempo que pode
ser designado como o período de incubação da Comunidade
Mundial de Nações prevista por Bahá’u’lláh, foi dada essa
tarefa, cujo alto privilégio jamais poderemos apreciar e cuja
veemência apenas podemos reconhecer de forma muito tênue.
Bem podemos acreditar, nós que somos chamados a
experimentar a operação das forças sombrias destinadas a
desprender uma torrente do doloroso sofrimento que deve
preceder a alvorada da Idade Áurea de nossa Fé, ainda não
foi infligida. Profunda como é a escuridão que já envolve o
mundo, as provações aflitivas pelas quais a humanidade deverá
passar estão ainda em preparação, e sua imensidade ainda não
pode ser imaginada. Estamos no limiar de uma era cujas
convulsões proclamam tanto as aflições da morte de uma velha
ordem como as dores do parto de uma nova. Pode-se dizer
que esta Nova Ordem Mundial foi concebida pela influência
geradora da Fé anunciada por Bahá’u’lláh. Já podemos, no
momento presente, sentir sua agitação no ventre de uma era

221
SHOGHI EFFENDI

em gestação – uma era à espera da devida hora em que poderá


produzir seus melhores frutos.
Escreve Bahá’u’lláh:
“A terra toda se acha em estado de prenhez.
Aproxima-se o dia em que terá produzido seus mais
nobres frutos, em que as mais sublimes árvores, as
flores mais encantadoras, as bênçãos mais celestiais
dela se terão manifestado. Imensuravelmente
exaltada é a brisa que sopra das vestes de teu Senhor,
o Glorificado! Pois, vede, já soprou sua fragrância e
renovou todas as coisas! Bem-aventurados aqueles
que compreendem.”
Proclama Ele, na Súratu’l-Haykal:
“Os ventos impetuosos da graça de Deus sopraram
sobre todas as coisas. Cada criatura foi dotada de
todas as potencialidades que pode manifestar. E ainda
assim os povos do mundo têm rejeitado esta graça.
Cada árvore foi dotada dos mais excelentes frutos,
cada oceano enriquecido com as jóias mais
luminosas. O próprio ser humano foi investido com
os dons da compreensão e do conhecimento. A
criação inteira foi feita o recipiente da revelação do
Todo-Misericordioso, e a terra o repositório de coisas
inescrutáveis a todos exceto a Deus, a Verdade, o
Conhecedor das realidades ocultas. Aproxima-se o
tempo em que cada coisa criada terá dados seus frutos.
Glorificado seja Deus, Aquele que concedeu esta
graça que abrange todas as coisas, visíveis e
invisíveis.”
Escreveu ‘Abdu’l-Bahá:
“O Chamado de Deus quando erguido, insufla nova
vida no corpo inteiro da humanidade e infunde um

222
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

novo espírito em toda a criação. É por esta razão


que o mundo foi agitado profundamente e avivados
os corações e as consciências dos homens. Em breve,
as evidências desta regeneração serão reveladas, e
aqueles que se encontram profundamente
adormecidos serão despertados.”

FERMENTAÇÃO UNIVERSAL
Ao observarmos o mundo à nossa volta, somos compelidos
a notar as inúmeras evidências daquela fermentação universal
que, em todos os continentes do globo e em cada setor da
vida humana, seja religioso, social, econômico ou político,
está purificando e reformando a humanidade em antecipação
ao Dia no qual a integralidade da raça humana será
reconhecida e sua unidade estabelecida. Um duplo processo,
porém, pode ser distinguido, cada um tendendo, de seu próprio
jeito e de forma acelerada, levar ao clímax as forças que estão
transformando a face de nosso planeta. O primeiro é
essencialmente um processo integrativo, enquanto que o
segundo é fundamentalmente destrutivo. O primeiro, em sua
constante evolução, descortina um Sistema que bem pode
servir como modelo para aquela Ordem mundial em cuja
direção um mundo totalmente desordenado está avançando
continuamente; enquanto o segundo, à medida que sua
influência desintegradora se aprofunda, tende a despedaçar,
com incrível violência, as antiquadas barreiras que se
antepõem ao progresso da humanidade rumo à sua meta
predestinada. O processo construtivo está associado com a
nascente Fé de Bahá’u’lláh e é precursora da Nova Ordem
Mundial que a Fé deverá, por fim, estabelecer. As forças
destrutivas que caracterizam o outro, deve ser identificada com

223
SHOGHI EFFENDI

uma civilização que tem se recusado a responder às expectativas


de uma nova era, e que está, conseqüentemente, a caminho
do caos e declínio.
Uma luta titânica, um empenho espiritual, sem paralelo
em sua magnitude, embora inimaginavelmente gloriosa em
suas conseqüências finais, está sendo empreendida como
resultado dessas tendências opostas, nesta era de transição pela
qual a comunidade organizada dos seguidores de Bahá’u’lláh
e a humanidade como um todo estão passando.
O espírito que se encarnou nas instituições de uma Fé
crescente, no decorrer de sua marcha pela redenção do mundo,
defrontou-se e está agora em luta contra as forças que são, em
muitos casos, a própria negação daquele Espírito, e cuja
existência deve inevitavelmente impedi-la de alcançar seu
propósito. Deve-se observar que as instituições já vazias e
desgastadas, as doutrinas e crenças obsoletas, e as tradições
estéreis e desacreditadas que tais forças representam, foram,
em muitos sentidos, enfraquecidas em decorrência de sua
senilidade, perda de seu poder coesivo e de sua inerente
corrupção. Algumas foram varridas pelas forças impetuosas que
a Fé Bahá’í, quando de seu nascimento, liberou de forma tão
misteriosa. Outras, como resultado direto de uma resistência
vã e débil ao seu surgimento ainda nos estágios iniciais de seu
desenvolvimento, acabaram desaparecendo totalmente
desacreditadas. Outras ainda, temerosas da influência
penetrante das instituições nas quais aquele mesmo Espírito
se incorporou em um estágio posterior, mobilizaram suas forças
e lançaram seus ataques, os quais, por seu turno, depois de um
breve e ilusório sucesso, sofreram uma derrota ignominiosa.

224
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

ESTA ERA DE TRANSIÇÃO


Não é meu propósito relembrar, muito menos tentar fazer
uma análise detalhada das lutas espirituais que se seguiram,
ou destacar as vitórias que resultaram na glória da Fé de
Bahá’u’lláh desde o dia de sua fundação. Minha preocupação
central não está nos acontecimentos que distinguiram a
Primeira, a Era Apostólica da Dispensação Bahá’í, mas sim
com os eventos importantes que se apresentam e nas
tendências que caracterizam o período formativo de seu
desenvolvimento, esta Era de Transição, cujas tribulações são
precursoras daquela Era de bem-aventurada felicidade que irá
encarnar o propósito maior de Deus para toda a humanidade.
Quanto à queda catastrófica de reinos e impérios poderosos,
na véspera da partida de ‘Abdu’l-Bahá, cuja ascensão pode
ser dita como tendo introduzido a fase inicial da Era de
Transição na qual agora vivemos, já tive a oportunidade de
aludir brevemente em uma comunicação anterior. A dissolução
do império germânico, a derrota humilhante infligida ao seu
governante, sucessor e descendente direto do rei e imperador
prussiano, ao qual Bahá’u’lláh havia feito Sua advertência
solene e histórica, juntamente com a extinção da monarquia
austro-prussiana, remanescente do outrora grande e sagrado
império romano, foram ambos precipitados por uma guerra
cuja irrupção sinalizou a abertura da Era de Frustração
destinada a preceder o estabelecimento da Ordem Mundial
de Bahá’u’lláh. Esses significativos eventos podem ser vistos
como as primeiras ocorrências daquela Era turbulenta, em
cujas fronteiras de sua fase mais tenebrosa estamos agora
adentrando.
Quanto ao vencedor de Napoleão III, o Autor de nossa Fé
havia dirigido, nas vésperas da vitória do rei, em Seu Livro

225
SHOGHI EFFENDI

Sacratíssimo, esta clara e profética advertência:


“Ó rei de Berlim! Dai ouvidos à Voz que brada deste
Templo manifesto: ‘Em verdade, não há outro Deus
senão Eu, o Eterno, o Incomparável, o Ancião dos
Dias.’ Acautelai-vos para que o orgulho não vos
impeça de reconhecer o Alvorecer da Revelação
Divina, nem os desejos terrenos, qual um véu, vos
apartem do Soberano do Trono nas alturas e da
região terrestre. Assim vos aconselha a Pena do
Altíssimo. Ele, em verdade, é o Mais Misericordioso,
o Generosíssimo. Recordai aquele cujo poder
transcendia o vosso poder e cuja posição era superior
à vossa. Onde está Ele? Onde foi parar tudo o que
possuía? Sede advertido, e não dos que estão
profundamente adormecidos. Foi ele quem desprezou
a Epístola de Deus quando Nós o informamos do
que as hostes da tirania Nos fizeram sofrer. Por isso a
desgraça atacou-o de todos os lados e ele baixou ao
pó em grande ruína. Ponderai bem, ó rei, sobre o
que sucedeu a ele e aos que, como vós, conquistaram
cidades e dominaram homens. O Todo-Mise-
ricordioso fê-los descer de seus palácios às suas
sepulturas. Sede advertido, sede dos que refletem.”
Bahá’u’lláh, em outra passagem daquele mesmo Livro,
profetiza:
“Ó margens do Reno! Nós vos vimos cobertas de
sangue, pois as espadas da represália desem-
bainharam-se contra vós; e haverá ainda outra vez.
E ouvimos os lamentos de Berlim, embora hoje esteja
em glória conspícua.”

226
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

COLAPSO DO ISLÃ
O colapso do poder da hierarquia xiita, em uma terra que
por séculos fora uma das mais inexpugnáveis fortalezas do
fanatismo muçulmano, foi a conseqüência inevitável daquela
onda de secularização que, num tempo posterior, iria invadir
algumas das mais poderosas e conservadoras instituições
eclesiásticas tanto no continente europeu como no americano.
Embora não como conseqüência direta da última guerra, esta
súbita comoção que abalou este até então irremovível pilar
da ortodoxia islâmica, acentuou os problemas e aprofundou o
desassossego com o qual um mundo cansado de guerra estava
sendo afligido. O islã xiita perdera para sempre seu poder
combativo, na terra nativa de Bahá’u’lláh e como
conseqüência direta de sua implacável hostilidade contra a
Sua Fé; fora privado de seus direitos e privilégios, degradado e
desmoralizado, e estava sendo condenado a uma inevitável
obscuridade e extinção final. Não menos de vinte mil mártires,
porém, tiveram suas vidas sacrificadas até que a Causa à qual
apoiavam e pela qual morreram, pôde registrar esta vitória
inicial sobre aqueles que foram os primeiros a repudiar suas
reivindicações e eliminar seus bravos guerreiros. “Vileza e
pobreza estavam estampados neles, e foram punidos com a
cólera de Deus.”
Escreve Bahá’u’lláh comentando sobre o declínio de um
povo decaído:
“Observa como os dizeres e os atos do islã xiita
ofuscaram a alegria e o fervor de seus primeiros dias,
e mancharam o brilho prístino de sua luz. Em seus
dias primitivos, enquanto eles aderiam aos preceitos
associados ao nome de seu Profeta, o Senhor da
humanidade, sua carreira foi marcada por uma

227
SHOGHI EFFENDI

sucessão de vitórias e triunfos. À medida que


gradualmente se afastaram do caminho do Líder e
Mestre ideal, voltando as costas à luz de Deus e
corrompendo o princípio de Sua Divina unidade, e
enquanto concentraram sua atenção cada vez mais
naqueles que eram apenas os reveladores da potência
de Sua Palavra, seu poder transformava-se em
fraqueza, sua glória em vergonha e sua coragem em
medo. Tu testemunhas a que estado chegaram.”
A queda da dinastia Qájár, a reconhecida defensora e
decidida apoiadora de um clero decrépito, foi praticamente
sincronizada com a humilhação que os líderes eclesiásticos
xiitas sofreram. Desde Muhammad Sháh até o último e fraco
monarca daquela dinastia, a Fé de Bahá’u’lláh jamais recebeu
a consideração devida, nem teve o tratamento justo e imparcial
que Sua Causa por direito pleiteava. Fora, ao contrário,
cruelmente atormentada e consistentemente traída e
perseguida. O martírio do Báb; o banimento de Bahá’u’lláh;
o confisco de Suas possessões terrenas; Seu encarceramento
em Mázindarán; o reinado de terror que O confinou no mais
pestilento dos calabouços; as intrigas, os protestos e calúnias
que por três vezes renovaram Seus exílios e O levaram ao Seu
aprisionamento final na mais desolada das cidades; a
vergonhosa sentença recebida, com a conivência das
autoridades judiciais e eclesiásticas, contra as pessoas, as
propriedades e a honra de Seus inocentes seguidores – estes
se destacam como os atos mais tenebrosos pelos quais a
posteridade julgará responsável essa sanguinolenta dinastia.
Mais uma barreira que tentou obstruir a marcha ascensional
da Fé estava agora removida.
Embora Bahá’u’lláh tenha sido banido de Sua terra natal,
a onda de calamidades que tão furiosamente se abatera contra

228
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Ele, bem como aos seguidores do Báb, de forma alguma


diminuíra. Sob a jurisdição do sultão da Turquia, o
arquiinimigo de Sua Causa, um novo capítulo fora aberto na
história de Suas renovadas provações. A queda do sultanato e
do califado, os pilares gêmeos do islã sunita, certamente pode
ser considerada como conseqüência inevitável da violenta,
contínua e deliberada perseguição que os monarcas da
decadente Casa de ‘Uthman, os sucessores reconhecidos do
Profeta Muhammad, haviam lançado contra ela. Da cidade
de Constantinopla, a sede tradicional tanto do sultanato como
do califado, os governantes da Turquia, por um período de
cerca de três quartos de século, empenharam-se, com a máxima
persistência, por impedir o avanço de uma Fé que temiam e
abominavam. Desde que Bahá’u’lláh colocou os pés em solo
turco, e foi feito um virtual prisioneiro do mais poderoso
potentado do islã, até o ano da libertação da Terra Santa do
jugo turco, sucessivos califas, em particular os sultões Abdu’l-
Aziz e Abdu’l-Hamid, no exercício pleno da autoridade
espiritual e temporal que seus elevados cargos lhes outorgaram,
haviam atormentado tanto o Fundador de nossa Fé como o
Centro de Seu Convênio causando-Lhes tal aflição e
tribulação que mente alguma pode avaliar, nem pena ou língua
descrever. Somente Eles podem avaliá-las ou suportá-las.
A essas aflitivas provações Bahá’u’lláh repetidamente se
referiu:
“Pela retidão do Todo-Poderoso! Fosse Eu relatar a
ti a história das coisas que Me sucederam, as almas e
as mentes dos homens seriam incapazes de suportar
seu peso. O próprio Deus é Minha testemunha.”
Ele escreveu, dirigindo-se aos reis da cristandade:
“Passaram-se vinte anos, ó reis, durante os quais a
cada dia provamos a agonia de uma nova tribulação.

229
SHOGHI EFFENDI

Nenhum de Nossos antecessores suportou o que Nós


temos suportado. Oxalá pudésseis perceber isso! Os
que contra Nós se levantaram, trucidaram-Nos,
derramaram Nosso sangue, espoliaram Nossos bens
e violaram Nossa honra.”
Em outra oportunidade, Ele revelou:
“Lembrai-vos de Minhas tristezas, Minhas
inquietações e ansiedades, Minhas aflições e
provações, a condição de Meu cativeiro, as lágrimas
que derramei, o amargor de Minha angústia, e agora
Meu aprisionamento nesta terra longínqua... Pudesse
ser relatado a ti o que sobreveio à Beleza Antiga, tu
fugirias para o deserto e chorarias com grande
pranto... Toda manhã, ao levantar de Meu leito, Eu
descobria as hostes de incontáveis aflições que se
avolumavam à Minha porta; e toda noite ao deitar,
eis, Meu coração estava partido de agonia com o
que sofrera pela crueldade satânica de seus inimigos.”
As ordens que esses inimigos emitiram, os banimentos que
decretaram, as indignidades que infligiram, os planos que
criaram, as investigações que instigaram, as ameaças que
pronunciaram, as atrocidades que se prepararam para cometer,
as intrigas e traições que eles, seus ministros, seus governadores
e comandantes militares haviam arremetido, constituem um
registro que dificilmente encontra paralelo na história de
qualquer religião relevada. A mera citação dos aspectos mais
salientes de tão sinistro tema é suficiente para encher um
volume. Eles sabiam muito bem que o Centro espiritual e
administrativo da Causa que tentavam erradicar havia agora
se transferido para seus domínios, que seus líderes eram cidadãos
turcos, e que quaisquer recursos que eles pudessem conseguir
estava à sua mercê. Que por um período de setenta anos,

230
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

embora ainda na plenitude de sua inquestionável autoridade,


somada às intermináveis maquinações das autoridades civis e
eclesiásticas de uma nação vizinha, e certo do apoio daqueles
parentes de Bahá’u’lláh que se haviam rebelado contra a Sua
Causa e dela se afastado, seu despotismo falharia finalmente
em extirpar uma mera mancheia de seus condenados
seguidores, tais fatos devem permanecer, aos olhos do
observador descrente, como um dos episódios mais intrigantes
e misteriosos da história contemporânea.
A Causa cujo líder visível ainda era Bahá’u’lláh, a despeito
das maquinações de um inimigo obtuso, havia triunfado de
forma inegável. Nenhuma mente, imparcial, mesmo
analisando superficialmente as condições que envolviam o
Prisioneiro de ‘Akká, não mais poderá enganar-se ou negar.
Embora a tensão tivesse sido relaxada por algum tempo depois
da ascensão de Bahá’u’lláh, e os perigos de uma situação ainda
não superada tivessem sido renovados, tornava-se cada vez
mais evidente que as forças insidiosas da decadência, que por
longos anos vinham corroendo as vísceras de uma nação
doentia, encaminhavam-se agora a um clímax. Já irrompera a
série de convulsões internas, cada uma mais devastadora que
a anterior, destinadas a trazer em seu bojo uma das mais
catastróficas ocorrências dos tempos modernos. O assassinato
daquele arrogante déspota no ano de 1876; o conflito russo-
turco que ocorreu logo a seguir; as guerras de libertação que o
sucederam; o surgimento do movimento dos Jovens Turcos; a
Revolução Turca de 1909 que precipitou a queda de Abdu’l-
Hamid; as guerras dos Balcãs com suas calamitosas
conseqüências; a libertação da Palestina em cujo coração se
encontram as cidades de ‘Akká e Haifa, o centro mundial de
uma Fé emancipada; o desmembramento posterior decretado
pelo Tratado de Versalhes; a abolição do sultanato e a queda

231
SHOGHI EFFENDI

da Casa de ‘Uthman; a extinção do califado; a desestabilização


da Religião-Estado; a anulação da Lei Sharí’ah e a
promulgação de um Código Civil Universal; a supressão de
várias ordenanças, crenças, tradições e cerimoniais que se
acredita estarem inseparavelmente interligados com a estrutura
da Fé Muçulmana – são fatos que ocorreram com uma
facilidade e rapidez realmente imprevisíveis. Nesses
devastadores golpes, desferidos tanto por inimigos como por
amigos, por nações cristãs e muçulmanas, todo seguidor da
perseguida Fé de Bahá’u’lláh reconhece – são evidências da
Mão orientadora do falecido Fundador de sua religião, Aquele
que do Reino invisível vinha liberando um dilúvio de
calamidades bem merecidas sobre uma religião e uma nação
rebelde.
Compare-se as evidências de retribuição divina que caiu
sobre os perseguidores de Jesus Cristo com estas retribuições
históricas que, na última parte do primeiro século da era bahá’í,
lançaram ao pó o principal adversário da religião de
Bahá’u’lláh. Não foi o imperador romano, que na segunda
metade do primeiro século da Era Cristã, depois do angustiante
cerco de Jerusalém, arrasou a Cidade Sagrada, destruiu o
Templo, profanou e roubou os tesouros do Santo dos santos e
os transportou para Roma, desenvolveu uma colônia pagã no
Monte Sião, massacrou os judeus, exilou e dispersou seus
sobreviventes?
Compare-se, além disso, as palavras que o perseguido Cristo,
segundo testemunhado no Evangelho, dirigiu a Jerusalém,
àquilo que Bahá’u’lláh apostrofou a Constantinopla, revelado
enquanto estava na distante Prisão e registrado no Seu Livro
Sacratíssimo:
“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e
apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis

232
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

eu ajuntar os teus filhos como a galinha ajunta os


seus pintos debaixo das asas...”
E ainda, enquanto lamentou sobre a cidade:
“... se tu conhecesses também, ao menos neste teu
dia, o que à tua paz pertence! Mas agora isto está
encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti,
em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e
te sitiarão, e te estreitarão de todas os lados, e te
derrubarão a ti e aos teus filhos que dentro de ti
estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra,
pois que não conheceste o tempo da tua visitação.
Ó Lugar sito na orla dos dois mares! Em verdade, o
trono da tirania em ti se estabeleceu, e a chama do
ódio ateou-se em teu seio, de tal sorte que a
Assembléia no alto e aqueles que se movem ao redor
do Trono Excelso gemeram e prantearam. Em ti
vemos os néscios governando os sábios e as trevas
escarnecendo da luz. Estás, de fato, cheio de
evidente orgulho. Fez-te arrogante o teu aparente
esplendor? Por Aquele que é o Senhor da
humanidade! Ele cedo há de findar, e tuas filhas e
tuas viúvas e todas as famílias em ti residentes
lamentarão. Assim te informa o Onisciente, o
Sapientíssimo.”
Ao sultão Abdu’l-Azíz, o monarca que decretou cada um
dos três banimentos de Bahá’u’lláh, o Fundador de nossa Fé,
ainda como prisioneiro na capital do sultão, dirigiu estas
palavras:
“Ouve, ó rei, as palavras dAquele que diz a verdade,
que não te pede como remuneração as coisas que
Deus se dignou conceder, Aquele que trilha, sem
errar, a Senda reta... Põe diante de teus olhos a

233
SHOGHI EFFENDI

infalível Balança de Deus e, como se estivesses em


Sua presença, pesa nesta Balança tuas ações cada
dia, a cada momento de tua vida. Julga-te a ti mesmo
antes de seres chamado para o juízo, no dia em que
nenhum homem terá força para se manter em pé
por temor a Deus, o Dia em que os corações dos
desatentos haverão de tremer.”
Aos ministros do Estado Turco, Ele, na mesma Epístola, revelou:
“Cabe a vós, ó ministros de Estado, manter os
preceitos de Deus e abandonar vossas próprias leis e
regulamentos, e ser daqueles que são guiados de forma
correta... Descobrireis, em breve, as conseqüências
daquilo que tendes feito nesta vida vã e sereis
responsabilizados por vossos atos... Quão grande é o
número daqueles que, em tempos passados,
cometeram as coisas que cometeis, os quais, embora
superiores hierarquicamente a vós, por fim
regressaram ao pó, entregues à sua inevitável
condenação!... Seguireis no mesmo caminho, e
acabareis entrando em uma habitação onde ninguém
será encontrado para vos ajudar e apoiar... Os dias
de vossas vidas passarão rapidamente e todas as coisas
com as quais vos ocupais, e das quais vos vangloriais,
perecerão, e vós, certamente, sereis chamados por
uma companhia de Seus anjos a se apresentar no
local onde os membros da criação inteira irão tremer
e a carne de todo opressor ter calafrios... Este é o dia
que inevitavelmente virá para vós, a hora que
ninguém pode retardar.”
Aos habitantes de Constantinopla, enquanto vivia como
um exilado em seu meio, Bahá’u’lláh, ainda na mesma
Epístola, dirigiu estas palavras:

234
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

“Temei a Deus, ó habitantes da Cidade, e não


semeeis as sementes da dissensão entre os homens...
Vossos dias passarão como passaram os dias daqueles
que existiram antes de vós. Ao pó retornareis, como
retornaram vossos ancestrais.”
Ele destaca, ainda mais:
“Encontramos, ao chegarmos à Cidade, vossos
dirigentes e os idosos como crianças reunidas
brincando entre si com o lodo... Nossa visão interna
chorou por eles, e por suas transgressões e sua total
desconsideração pelas coisas para as quais foram
criados... Aproxima-se o dia em que Deus fará surgir
um povo que irá se lembrar de Nossos dias, que
relatará a história de Nossas tribulações, que irá exigir
a restituição de Nossos direitos daqueles que, sem a
mínima evidência, trataram-Nos com manifesta
injustiça. Deus seguramente tem poder sobre as vidas
daqueles que Nos afligiram e está bem consciente
de seus atos. Ele, certamente, os julgará por seus
pecados. Ele, verdadeiramente, é o mais terrível dos
vingadores.”
E benevolamente os exorta:
“Portanto, prestai atenção às Minhas palavras e
regressai a Deus, e arrependei-vos para que Ele, por
Sua graça, possa vos demonstrar Sua misericórdia e
perdoar vossos erros. A grandeza de Sua
magnanimidade supera a fúria de Sua indignação, e
Sua graça abrange todos aqueles que foram criados
e cobertos com o manto da vida, tanto do passado
como do futuro.”
E, finalmente, na Lawh-i-Ra’ís, encontramos registradas
as seguintes palavras proféticas:

235
SHOGHI EFFENDI

“Atenta, ó chefe... à Voz do Deus, o Soberano, o


Amparo no Perigo, O subsistente por Si próprio...
Tu cometeste, ó chefe, aquilo que fez Muhammad,
o Apóstolo de Deus, lamentar no Mais Excelso
Paraíso. O mundo te deixou orgulhoso, tanto que
tu te afastaste da Face de cujo brilho a Assembléia
no alto é iluminado. Em breve te verás em evidente
perdição... Aproxima-se o dia em que a Terra do
Mistério (Adrianópolis) e o que está ao seu lado serão
transformadas, e será tirada das mãos do rei, e
comoções surgirão, e a voz da lamentação se erguerá,
e as evidências da maldade serão reveladas de todos
os lados, e a confusão se espalhará por causa daquilo
que sobreveio a estes cativos nas mãos das hostes da
opressão. O curso das coisas será alterado, e as
condições serão tão dolorosas que a própria areia nas
colinas mais desoladas lamentarão e as árvores nas
montanhas chorarão, e o sangue jorrará de todas as
coisas. Então verás o povo em aflitiva condição.”
Mil e trezentos anos decorreram desde a morte do Profeta
Muhammad até que a ilegitimidade da instituição do califado,
cujos fundadores usurparam a autoridade dos sucessores legais
do Apóstolo de Deus, fosse completa e publicamente
demonstrada. Uma instituição que em seu nascimento
desrespeitara um direito tão sagrado e desencadeara as forças
de um cisma tão sério, uma instituição que, nos últimos dias,
havia cometido um mal tão grave a uma Fé cujo Precursor era
descendente dos próprios imames, cuja autoridade aquela
instituição havia repudiado, bem mereceu o castigo que selara
seu destino.
Os textos de certas tradições islâmicas, cuja autenticidade
os próprios muçulmanos reconhecem, e que foram

236
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

extensivamente citadas por eminentes eruditos e autores


bahá’ís orientais, são oportunos citar para corroborar o
argumento e esclarecer melhor o tema que tentei expor:
“Nos últimos dias uma lamentável calamidade irá
sobrevir ao Meu povo nas mãos de seu governante,
uma calamidade maior do que tudo o que já se ouviu
falar. Tão feroz será que ninguém encontrará refúgio.
Deus então enviará Um de Meus descendentes, Um
que proveio de Minha família, que irá cobrir a terra
com eqüidade e justiça, como ela tem sido coberta
de injustiça e tirania.”
E mais:
“Meu povo há de testemunhar o dia em que nada
terá permanecido do islã senão um nome, e do
Alcorão nada mais que apenas uma referência. Os
doutores daquela era serão os mais maldosos que o
mundo jamais viu. Os males que deles precederam,
sobre eles recairão.”
E ainda mais:
“Naquela hora Sua maldição descerá sobre vós, e
vossa imprecação vos afligirá, e vossa religião será
uma palavra vazia em vossas línguas. E quando esses
sinais aparecerem entre vós, prenunciarão o dia em
que um vento abrasador terá soprado sobre vós, ou
o dia em que sereis desfigurados, ou o dia em que
pedras terão chovido sobre vós.”
Bahá’u’lláh afirma de forma significativa, dirigindo-se às forças
combinadas do islã sunita e xiita:
“Ó povo do Alcorão, verdadeiramente, o Profeta de
Deus, Muhammad, derramou lágrimas ao ver vossa
crueldade. Seguistes, sem duvida, vossos desejos maus
e corruptos, e virastes a face da luz que guia. Em

237
SHOGHI EFFENDI

breve testemunhareis o resultado de vossos atos, pois


o Senhor, Meu Deus, está na expectativa e atento à
vossa conduta... Ó assembléia de sacerdotes
muçulmanos! Por vossos atos a posição exaltada do
povo foi rebaixada, o padrão do islã invertido, e seu
poderoso trono derrubado.”

DESMORONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES CRISTÃS


Tudo o que aconteceu para o islã e os golpes avassaladores
que seus líderes e instituições receberam – e podem ainda
receber – aconteceram neste primeiro século da era bahá’í.
Se adentrei mais profundamente neste tema, se em um grau
desproporcional fiz citações dos Escritos Sagrados em apoio
aos meus argumentos, foi unicamente devido à minha firme
convicção de que essas calamidades punitivas que recaíram
sobre o principal opressor da Fé de Bahá’u’lláh, devem ser
considerados não somente como uma das mais tumultuadas
ocorrências desta Era de Transição, mas como um dos mais
surpreendente e significativos eventos da história
contemporânea.
Tanto o islã sunita como o xiita, pelas convulsões que sobre
eles recaíram, contribuíram para a aceleração do processo de
ruptura ao qual me referi anteriormente – um processo que,
por sua natureza, deve preparar o caminho para a reorganização
e unificação completa que o mundo deverá alcançar em todos
os aspectos da vida. O que dizer do cristianismo e das
denominações com as quais está identificado? Pode-se dizer
que este processo de deterioração, que atacou a estrutura da
Religião de Muhammad, tenha deixado de exercer sua nociva
influência sobre as instituições associadas com a Fé de Jesus
Cristo? Tais instituições já sofreram o impacto dessas forças

238
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

ameaçadoras? Estão suas bases seguras e sua vitalidade é tão


forte que lhes possibilite resistir a este ataque violento? Irão
elas, à medida que a confusão de um mundo caótico se espalha
e se aprofunda, caírem também vítimas de sua violência? Tendo
as mais ortodoxas dentro delas já se levantado, será que as outras
se levantarão para repelir o surgimento de uma Causa, que,
tendo derrubado as barreiras da ortodoxia muçulmana, está
agora avançando no coração da cristandade, tanto no
continente europeu como no americano? Irá tal resistência
semear as sementes de mais dissensão e confusão, e
conseqüentemente servir indiretamente para apressar o
advento do Dia prometido?
A estas questões podemos responder apenas parcialmente.
Somente o tempo poderá revelar a natureza do papel que as
instituições diretamente associadas com a Fé Cristã estão
destinadas a assumir neste que é o Período Formativo da era
bahá’í, nesta obscura era de transição através da qual a
humanidade como um todo está passando. Tais eventos já
deixaram transparecer, porém, que sua natureza indica a direção
à qual essas instituições estão se movendo. Podemos, até certo
ponto, avaliar o provável efeito que as forças agora em operação,
tanto dentro como fora da Fé, irão exercer sobre elas.
Que as forças da irreligião, de uma filosofia puramente
materialista e de um paganismo flagrante tenham sido
liberadas e estão agora se espalhando e, ao se consolidarem,
estão começando a invadir algumas das mais poderosas
instituições cristãs do mundo ocidental, nenhum observador
imparcial deixará de admitir. Poucos, se é que existe algum
entre os que observam atentamente o progresso de Sua Fé,
estariam inclinados a questionar que essas instituições estão
se tornando cada vez mais inquietas, que algumas delas já estão
de alguma forma conscientes da influência crescente da Causa

239
SHOGHI EFFENDI

de Bahá’u’lláh, e que, à medida que suas estruturas se


deteriorarem e sua disciplina relaxar, irão considerar com
crescente temor o nascimento desta Nova Ordem Mundial, e
irão, pouco a pouco, atacá-la, e que tal oposição por sua vez
irá acelerar seu declínio.
Bahá’u’lláh afirma:
“A vitalidade da crença dos homens em Deus está
morrendo em todas as partes; nada a não ser seu
remédio salutar poderá restaurá-la. A corrosão da
descrença está destruindo as vísceras da sociedade
humana; o que mais a não ser o Elixir de Sua
poderosa Revelação poderá purificá-la e revivê-la?”
Ele escreveu ainda:
“O mundo está em aflição e sua condição piora dia a
dia. Sua face está voltada para a desobediência e
descrença. Tal será sua provação que revelá-la agora
não seria oportuno e apropriado.”
Esta ameaça do secularismo que atacou o islã e está
corroendo suas instituições remanescentes, que invadiu a
Pérsia, penetrou na Índia e se mostra triunfante na Turquia,
já se manifestou tanto na Europa como na América, e está,
em graus variados e sob várias formas e designações,
ameaçando as bases de toda religião estabelecida, e em
particular as instituições e comunidades identificadas com a
Fé de Jesus Cristo. Não seria exagerado dizer que estamos nos
encaminhando para um período que futuros historiadores
considerarão como o mais crítico da história da cristandade.
Alguns, dentre os protagonistas da Religião Cristã, já
admitem a gravidade da situação com a qual se confrontam.
“Uma onda de materialismo está varrendo o mundo”, é o
testemunho de missionários, conforme se depreende do texto

240
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

de seus relatórios oficiais, “a força e a pressão da industrialização


moderna, que estão penetrando até mesmo nas florestas da
África Central e nas planícies da Ásia Central, tornam o ser
humano cada vez mais dependente e preocupado com as coisas
materiais. Em seu próprio seio, a Igreja tem se referido, talvez
muito superficialmente, em púlpito ou em plataforma, à
ameaça do secularismo; embora mesmo na Inglaterra se tenha
obtido mais do que um simples lampejo de seu significado.
Mas para a Igreja além-mar essas coisas são duras realidades,
inimigos que ela enfrenta... A Igreja tem um novo perigo
ameaçando-a em todas as terras – um ataque determinado e
hostil. Da União Soviética, um comunismo definitivamente
anti-religioso está avançando para o Ocidente, adentrando a
Europa e a América; para o Oriente, adentrando a Pérsia, a
Índia, a China e o Japão. É uma teoria econômica
definitivamente voltada à descrença em Deus. É uma irreligião
religiosa... Tem um apaixonado senso de missão, e está levando
sua campanha anti-Deus na própria sede da Igreja Cristã, como
também lançando sua ofensiva contra sua linha de frente em
terras não-cristãs. Tal ataque, consciente, decidido e
organizado contra a religião em geral, e contra o cristianismo,
em particular, é algo novo na história. Igualmente determinada
em algumas terras, em sua firme hostilidade contra o
cristianismo, existe outra forma de fé política e social – o
nacionalismo. Mas o ataque nacionalista à cristandade,
diferente do comunismo, está quase sempre ligado a alguma
forma de religião nacional – como o islamismo na Pérsia e no
Egito, o budismo no Ceilão, enquanto a luta pelos direitos
comunitários na Índia está aliado ao reavivamento tanto do
hinduísmo como do islã.”
Não me parece necessário, neste sentido, fazer uma
exposição da origem e do caráter dessas teorias econômicas e

241
SHOGHI EFFENDI

filosofias políticas do período pós-guerra, que têm exercido


direta e indiretamente, e ainda estão exercendo, sua influência
perniciosa sobre as instituições e crenças relacionadas com
um dos mais amplamente espalhados e melhor organizados
sistemas religiosos do mundo. É na sua influência, mais do
que na sua origem que estou principalmente interessado. O
crescimento excessivo da industrialização e seus males
decorrentes – como acima mencionado nas citações feitas –
as diretrizes agressivas e os esforços persistentes exercidos pelos
inspiradores e organizadores do movimento comunista; a
intensificação de um nacionalismo militante, associado em
alguns países com um trabalho sistemático de difamação contra
todas as formas de influência eclesiástica, têm, sem dúvida,
contribuído para a descristianização das massas, e sido
responsável por um declínio marcante na autoridade, no
prestígio e no poder da Igreja. “Toda a concepção de Deus”,
proclamam insistentemente os que perseguem a Religião
Cristã, “é uma concepção derivada de antigos despotismos
orientais. É uma concepção inteiramente indigna de homens
livres.” “A Religião”, afirmou um de seus líderes, “é o ópio do
povo.” “A Religião”, declara o texto de suas publicações
oficiais, “é o embrutecimento do povo. A educação deve ser
dirigida de modo a erradicar da mente das pessoas esta
humilhação e estupidez.”
A filosofia hegeliana que, em outros países, insistiu em
endeusar o Estado na forma de um nacionalismo intolerante
e militante, inculcou um espírito belicoso, e incitou a
animosidade racial, conduziu, da mesma forma, a um evidente
enfraquecimento da Igreja e a uma grave diminuição de sua
influência espiritual. Diferente da ousada ofensiva que um
reconhecido movimento ateísta decidiu lançar contra ela,
tanto dentro da União Soviética como além de suas fronteiras,

242
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

esta filosofia nacionalista, que os dirigentes e governantes


cristãos têm apoiado, é um ataque direto à Igreja vindo daqueles
que anteriormente eram seus aderentes professos, uma traição
à sua causa da parte de seus próprios amigos e íntimos
colaboradores. Ela estava sendo apunhalada por um ateísmo
militante e estranho, vindo de fora, e pelos pregadores de um
doutrina herética, de dentro. Ambas essas forças, cada uma
operando em sua própria esfera e usando suas próprias armas e
métodos, foi, além disso, grandemente auxiliada e estimulada
pelo dominante espírito de modernismo, com sua ênfase em
uma filosofia puramente materialista que, ao ser difundida,
tende a divorciar a religião da vida diária do homem.
O efeito combinado dessas doutrinas estranhas e corruptas,
dessas filosofias perigosas e traiçoeiras, como era natural, foi
fortemente sentido por aqueles cujas doutrinas inculcavam
espíritos e princípios opostos e totalmente irreconciliáveis. As
conseqüências do choque que inevitavelmente ocorreu entre
estes interesses conflitantes, eram, em alguns casos, desastrosos,
e a ruína ocasionada, irreparável. A perda da estabilidade e o
desmembramento da Igreja Ortodoxa Grega na Rússia,
seguindo o impacto que a Igreja de Roma sofreu como resultado
do colapso da monarquia austro-húngara; a comoção que
subseqüentemente tomou conta da Igreja Católica e culminou
com sua separação do Estado na Espanha; a perseguição da
mesma Igreja no México; as investigações minuciosas, prisões,
intimidações e terrorismo aos quais tanto católicos como
luteranos estão sendo sujeitados no coração da Europa; o
tumulto em que outro ramo da Igreja foi envolvido em
conseqüência da campanha militar na África; o declínio que
determinou o destino das missões cristãs, tanto anglicanas
como presbiterianas, na Pérsia, Turquia e no Extremo Oriente;
os agourentos sinais que anunciaram as sérias complicações

243
SHOGHI EFFENDI

nas ambíguas e precárias relações agora existentes entre a Santa


Sé e certas nações do continente europeu – estes se destacam
como os aspectos mais marcantes dos reveses que, em
praticamente todas as partes do mundo, os membros e os
dirigentes das instituições eclesiásticas cristãs têm sofrido.
Que a unidade de algumas dessas instituições foi
irremediavelmente arrasada é um fato por demais evidente e
inegável aos olhos de qualquer observador inteligente. A
divisão ocorrida entre os fundamentalistas e os liberais dentre
seus aderentes se amplia continuamente. Seus credos e dogmas
foram abrandados, e em certos casos ignorados e descartados.
O poder que exerciam sobre a conduta humana está
diminuindo e os integrantes de seus cleros e ministérios estão
diminuindo em número e influência. A fraqueza e a
insinceridade de seus pregadores estão sendo observadas. Seus
bens, em muitos países, têm desaparecido, e a força de sua
influência religiosa, declinado. Seus templos estão ficando
parcialmente desertos e até destruídos, e o esquecimento de
Deus, de Seus ensinamentos e de Seu Propósito, enfraqueceram
e acumulam humilhações sobre eles.
Não poderá este impacto desintegrador, que atingiu tão
fortemente o islã sunita e xiita, provocar, ao atingir seu clímax,
ainda maiores calamidades às várias denominações da Igreja
cristã? De que modo e com que rapidez este processo, que já
está em ação, irá desenvolver-se, apenas o futuro poderá
revelar. Não se pode, no tempo presente, estimar qual será a
extensão dos ataques que um clero ainda poderoso, poderá
lançar contra os baluartes da Fé de Bahá’u’lláh no Ocidente,
acentuar seu declínio e ampliar a vastidão de seus desastres
inescapáveis.
Se a cristandade deseja e espera servir ao mundo em sua
crise atual, escreve um ministro da Igreja Presbiteriana na

244
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

América, ela deve “voltar através da cristandade para Cristo,


voltar através da religião milenar sobre Jesus à religião original
de Jesus.” “De outra forma”, acrescenta ele significativamente,
“o espírito de Cristo viverá em outras instituições, mas não na
nossa própria.”
Tão flagrante declínio na força e na coesão dos elementos
que constituem a sociedade cristã, acabou levando, como era
de se esperar, ao surgimento de crescente número de cultos
obscuros, de formas novas e estranhas de adoração, de filosofias
vãs, cujas doutrinas enganosas intensificaram a confusão de
uma era perturbada. Em seus princípios e objetivos, pode-se
dizer que elas refletem e dão testemunho da revolta, do
descontentamento e das confusas aspirações das massas
desiludidas que desertaram da causa das igrejas cristãs e delas
se afastaram.
Um paralelo poderia ser traçado entre esses confusos e
desconcertantes sistemas de pensamento que são o resultado
direto do desespero e da desorientação que afligem a Fé Cristã,
e a grande variedade de cultos populares, de filosofias adaptadas
e evasivas que floresceram nos primeiros séculos da era cristã,
e que tentaram absorver e perverter a religião de estado daquele
povo romano. Os adoradores pagãos que constituíam, naquele
tempo, o grosso da população do império romano ocidental,
se viram envoltos, e em certas circunstâncias ameaçados, pela
predominante seita dos neo-platônicos, pelos seguidores das
religiões da natureza, pelos filósofos gnósticos, pelo filonismo,
pelo mitraismo, pelos aderentes do culto alexandrino, e uma
multidão de seitas e crenças, de modo muito semelhantes como
os defensores da Fé Cristã, a religião preponderante no mundo
ocidental, neste primeiro século da era bahá’í, estão julgando
que sua influência está sendo solapada por uma vertente de
crenças, práticas e tendências conflitantes que sua própria

245
SHOGHI EFFENDI

falência ajudou a criar. Porém, esta mesma Religião Cristã que


agora caiu em tal condição de impotência, foi finalmente capaz
de eliminar as instituições do paganismo e de suprimir os cultos
que haviam florescido naquela época.
Tais instituições que se afastaram muito do espírito e dos
ensinamentos de Jesus Cristo, devem necessariamente, à
medida que a embrionária Ordem Mundial de Bahá’u’lláh
toma forma e se desenvolve, se retrair e dar lugar ao progresso
das instituições divinamente ordenadas que estão totalmente
interligadas com Seus ensinamentos. O Espírito de Deus que,
na era apostólica da Igreja, deu vida a seus membros, a pureza
prístina de seus ensinamentos, o brilho inicial de sua luz, irão,
sem dúvida, renascer e ser reavivados como conseqüência
inevitável desta redefinição de suas verdades fundamentais e
a clarificação de seu propósito original.
Pois a Fé de Bahá’u’lláh – se formos avaliá-la fielmente –
jamais poderá, em nenhum aspecto de seus ensinamentos, estar
em contradição, muito menos em conflito, com o propósito
que anima, ou com a autoridade com a qual está investida a
Fé de Jesus Cristo. Este entusiástico tributo que o próprio
Bahá’u’lláh foi levado a prestar ao Autor da Religião Cristã,
destacada-se como testemunho suficiente da verdade deste
princípio central da crença bahá’í:
“Sabe tu que, quando o Filho do Homem rendeu a
Deus Seu alento, a criação inteira chorou com grande
pranto. Por Ele se haver sacrificado, entretanto,
infundiu-se uma nova capacidade em todas as coisas
criadas. Suas evidências, segundo se testemunha em
todos os povos da terra, estão agora manifestas diante
de ti. A mais profunda sabedoria que os sábios têm
pronunciado, a mais completa erudição que qualquer
mente tenha desvelado, as artes produzidas pelas

246
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

mãos mais hábeis, a influência exercida pelo mais


potente dos governantes, são apenas manifestações
do poder vivificador que emana de Seu Espírito
transcendente, predominante e esplendoroso.
Damos testemunha de que Ele, quando veio ao
mundo, irradiou o esplendor de Sua glória sobre
todas as coisas criadas. Por seu intermédio, o leproso
recuperou-se da lepra da perversidade e ignorância.
Por Ele os lascivos e refratários foram curados.
Através de Seu poder, nascido de Deus Todo-
Poderoso, os olhos dos cegos se abriram e a alma do
pecador foi santificada. ... Foi Ele Quem purificou o
mundo. Bem-aventurado o homem que, com a face
irradiante de luz, a Ele se haja volvido.”

SINAIS DE DECADÊNCIA MORAL


Creio não ser necessário falar mais do declínio das
instituições religiosas, cuja desintegração constitui tão
importante aspecto do Período Formativo da era bahá’í. O
islã, tanto como resultado da onda crescente de secularismo e
em conseqüência direta de sua hostilidade declarada e
persistente contra a Fé de Bahá’u’lláh, caiu num profundo
rebaixamento raramente visto na história. O cristianismo teve,
da mesma forma, devido a causas não diferentes daquelas que
atuaram no caso de sua Fé irmã, um rápido enfraquecimento
e está contribuindo com sua parte, de forma crescente, no
processo de desintegração geral – um processo que deverá
necessariamente preceder a reconstrução fundamental da
sociedade humana.
Os sinais de decadência moral, como algo distinto das
evidências do enfraquecimento das instituições religiosas, se

247
SHOGHI EFFENDI

apresentam de forma não menos visível e significativa. O


declínio ocorrido nos destinos das instituições islâmicas e
cristãs pode ser considerado como contrapartida na vida e na
conduta dos indivíduos que as compõem. Para qualquer
direção que voltarmos nosso olhar, não importa quão
superficial seja a nossa observação das ações e das palavras da
presente geração, não poderemos deixar de notar as evidências
da decadência moral na qual, tanto individual como
coletivamente, homens e as mulheres à nossa volta estão
vivendo.
Não pode haver dúvida de que o declínio da religião como
força social, da qual a deterioração das instituições religiosas é
apenas um fenômeno externo, é o principal responsável por
tão grave, tão visível mal. Bahá’u’lláh escreve:
“A Religião é o maior de todos os meios para o
estabelecimento da ordem no mundo, para o
contentamento pacífico de todos os que nele
habitam. O enfraquecimento dos pilares da religião
tem fortalecido as mãos dos ignorantes, tornando-
os ousados e arrogantes. Em verdade, afirmo, tudo o
que diminua o elevado grau da religião faz aumentar
a desobediência dos maldosos, e o resultado somente
poderá ser a anarquia.”
Ele afirma em outra Epístola:
“A Religião é a luz radiante e uma fortaleza
inexpugnável para a proteção e o bem estar dos
povos do mundo, pois o temor a Deus impele o
homem a apegar-se a tudo o que é bom, e evitar o
mal. Se a lâmpada da religião for obscurecida,
reinarão o caos e a confusão, e as luzes da eqüidade,
da justiça, da tranqüilidade e da paz deixarão de
brilhar.”

248
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

E escreveu Ele, em ainda outra oportunidade:


“Sabei que aqueles que são verdadeiramente sábios
têm comparado o mundo ao templo humano. Como
o corpo do homem precisa vestidura, assim o corpo
da humanidade necessita ser adornado com o manto
da justiça e sabedoria. Sua vestimenta é a Revelação
que lhe é concedida por Deus.”
Não é de admirar, portanto, que quando em conseqüência
da perversidade humana, a luz da religião é extinta nos
corações humanos, e o Manto divinamente determinado para
adornar o templo humano é deliberadamente rejeitado, de
imediato ocorre um deplorável declínio nos destinos da
humanidade, trazendo em seu bojo todos os males que uma
alma perdida é capaz de demonstrar. Em tais circunstâncias, a
perversão da natureza humana, a degradação da conduta
humana, a corrupção e a dissolução das instituições humanas,
revelam-se em seus piores e mais repulsivos aspectos. O caráter
humano é degradado, a confiança abalada, as forças da
disciplina relaxadas, a voz da consciência calada, o senso de
decência e vergonha obscurecido, os conceitos de dever,
solidariedade, reciprocidade e lealdade são distorcidos, e todos
os sentimentos de paz, alegria e esperança são gradualmente
extintos.
Tal é o estado – podemos afirmar – do qual indivíduos e
instituições igualmente estão se aproximando. Escreveu
Bahá’u’lláh lamentando a triste condição de uma humanidade
em crise:
“Não se encontram dois homens que estejam, pode
se dizer, unidos exterior e interiormente. As
evidências da discórdia e malícia aparecem em toda
parte, se bem que todos fossem criados para a
harmonia e a união.”

249
SHOGHI EFFENDI

Ele exclama, na mesma Epístola:


“Por quanto tempo irá a humanidade persistir em
sua teimosia? Por quanto tempo continuará a
injustiça? Por quanto tempo o caos e a confusão
reinarão sobre os homens? Por quanto tempo
continuará a discórdia e agitar a face da sociedade?
Os ventos do desespero, infelizmente, sopram de
todas as direções, e a luta que divide e aflige a raça
humana cresce dia a dia.”
A recrudescência da intolerância religiosa, da animosidade
entre as raças e a arrogância patriótica; as crescentes evidências
do egoísmo, da suspeita, do medo e da fraude; o alastramento
do terrorismo, da anarquia, da embriaguez e do crime; a
insaciável sede de vaidades, riquezas e prazeres terrenos e sua
febril procura; o enfraquecimento da solidariedade da família;
o afrouxamento no controle paterno; o predomínio da
indulgência luxuriosa; a atitude irresponsável para com o
matrimônio e a onda crescente de divórcio em conseqüência;
a degeneração da arte e da música, a infecção da literatura, e
a corrupção da imprensa; a extensão da influência e das
atividades daqueles “profetas da decadência” que advogam o
matrimônio por companheirismo, pregam a filosofia do
nudismo e chamam a modéstia uma ficção intelectual, que se
recusam a considerar a procriação de filhos como objetivo
sagrado e primário do casamento, que denunciam a religião
como um ópio do povo e que, se fossem completamente
desenfreados, levariam a raça humana a retrogradar ao
barbarismo, ao caos e à extinção final – parecem ser essas as
características salientes de uma sociedade em decadência –
uma sociedade que tem de atingir um renascimento ou perecer.

250
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

O DESMORONAMENTO DA ESTRUTURA POLÍTICA E ECONÔMICA


No aspecto político, um declínio similar e uma evidência
não menos aparente de desintegração e confusão pode ser
constatada em uma era como a que vivemos – uma era que os
historiadores futuros bem poderão reconhecer como tendo sido
o preâmbulo da Grande Era, cujos dias áureos podemos
visualizar apenas vagamente.
Os impetuosos e violentos acontecimentos que, nos últimos
anos, levaram ao ponto de ruptura quase total das estruturas
políticas e econômicas da sociedade, são por demais numerosos
e completos para tentarmos, dentro dos limites desta análise
geral, chegar a uma estimativa adequada de seu caráter. Tais
tribulações, por mais penosas que tenham sido, não parecem
ter chegado ao seu clímax, nem exercido toda a força de seu
poder destrutivo. O mundo inteiro, onde quer e de qualquer
modo que o examinemos, oferece-nos um espetáculo triste e
lamentável de um vasto, debilitado e moribundo organismo
que está sendo politicamente esmigalhado e economicamente
estrangulado pelas forças que deixou de controlar ou de
entender. A Grande Depressão, resultante das severas
tribulações que a humanidade jamais experimentou, a
desintegração do sistema de Versalhes, o recrudescer do
militarismo em seus aspectos mais ameaçadores, a falha das
inúmeras experiências e das recém criadas instituições para
salvaguardar a paz e a tranqüilidade dos povos, classes e nações,
desiludiram a humanidade amargamente e deixaram seu
espírito prostrado. Suas esperanças estão, em sua maior parte,
despedaçadas, sua vitalidade está se extinguindo, sua vida
estranhamente desordenada, e sua unidade severamente
comprometida.

251
SHOGHI EFFENDI

No continente europeu, ódios inveterados e rivalidades


crescentes estão mais uma vez arregimentando seus malfadados
povos e nações em blocos destinados a precipitar as mais
terríveis e implacáveis tribulações que a humanidade sofreu
em todos os seus registros de martírios. No continente norte-
americano, a derrocada econômica, a desorganização
industrial, o descontentamento geral com as desastrosas
experiências com vistas a reajustar uma economia em
desequilíbrio, e o desassossego e o temor, inspirados pela ameaça
dos problemas políticos tanto na Europa como na Ásia,
pressagiam uma situação que bem poderá ser uma das fases
mais críticas da história da República americana. A Ásia, ainda
em grau maior, passando por uma das mais severas provações
que experimentou em sua história recente, encontra-se em
perigo, nos seus confins orientais, pelo ataque das forças que
ameaçam intensificar as lutas que o nacionalismo e a
industrialização crescentes de seus povos emancipados deverão
por fim engendrar. No coração da África, queima o fogo de
uma atroz e sanguinária guerra – uma guerra que, quaisquer
que sejam suas conseqüências, está destinada a exercer, através
de suas repercussões no mundo todo, uma influência muito
perturbadora sobre as raças e nações negras da humanidade.
Com não menos de dez milhões de pessoas prontas para a
guerra, treinadas e instruídas para usar as mais abomináveis
máquinas de destruição que a ciência já criou; com três vezes
o número daqueles irritados e descontentes dominados por
raças e governos estrangeiros; com um igualmente vasto
exército de exasperados cidadãos incapazes de obter para si os
bens materiais e as necessidades que outros estão
deliberadamente destruindo; com uma massa ainda maior de
seres humanos gemendo sob o peso de armamentos cada vez
mais numerosos, e empobrecidos pelo virtual colapso do

252
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

comércio internacional – com males como esses, a humanidade


parece estar definitivamente adentrando as fronteiras mais
distantes da fase mais agonizante de sua existência.
Não é de admirar que numa recente declaração, feita por
um dos mais destacados ministros na Europa, esta advertência
tenha sido deliberadamente enfatizada: “Se a guerra irromper
novamente em uma escala maior na Europa, deverá trazer
consigo o colapso da civilização como a conhecemos. Nas
palavras do falecido Lord Bryce: “Se vocês não acabarem com
a guerra, a guerra acabará com vocês.” “Pobre Europa está em
estado de neurastenia...” é o testemunho de uma das mais
destacadas figuras dentre nossos atuais ditadores. “Ela perdeu
sua capacidade de recuperação, a força vital de coesão e síntese.
Outra guerra irá nos destruir.” “Parece que”, escreve um dos
mais eminentes e eruditos dignitários da Igreja Cristã, “precisa
ocorrer mais um grande conflito na Europa para finalmente se
estabelecer, de uma vez para sempre, uma autoridade
internacional. Este conflito será o mais horrível de todos, e
possivelmente esta geração será obrigada a sacrificar centenas
de milhares de vidas.”
O fracasso desastroso tanto das conferências de
desarmamento como econômicas; os obstáculos diante das
negociações para a limitação dos armamentos navais; a retirada
de duas das mais poderosas e fortemente armadas nações do
mundo das atividades e da participação na Liga das Nações; a
inaptidão do sistema parlamentar de governo conforme
comprovado pelos recentes acontecimentos na Europa e
América; a inabilidade dos líderes e expoentes do movimento
comunista em vindicar o alardeado princípio da ditadura do
proletariado; os perigos e as privações aos quais os governantes
dos estados totalitários submeteram seus súditos nos últimos
anos – tudo isso demonstra, acima de qualquer sombra de

253
SHOGHI EFFENDI

dúvida, a impotência das instituições atuais para evitar as


calamidades com as quais a sociedade humana está sendo cada
vez mais ameaçada. O que mais resta, bem pode perguntar
uma geração desnorteada, para reparar a fenda que se alarga
cada vez mais e que poderá, a qualquer momento, engolfá-la?
Assediados de todos os lados pelas múltiplas evidências de
desintegração, tumulto e decadência, homens e mulheres
sérios, de praticamente todas as camadas sociais, começam a
duvidar se a sociedade, tal como está hoje organizada,
conseguirá, por seus próprios esforços, libertar-se do atoleiro
em que se afunda cada vez mais. Todos os sistemas, exceto a
unificação da raça humana, foram experimentados,
repetidamente tentados, e considerados falhos. Guerras e mais
guerras foram travadas; e incontáveis conferências deliberativas
realizadas. Tratados, pactos e alianças foram arduamente
negociados, concluídos e revisados. Sistemas de governo foram
pacientemente testados, continuamente reformulados e
suplantados. Planos de reconstrução econômica foram
cuidadosamente elaborados e executados com meticulosidade.
E, ainda assim, crises se sucedem umas às outras e a rapidez
com que declina este mundo perigosamente instável se acelera
proporcionalmente. Um imenso abismo ameaça envolver
numa única catástrofe tanto as nações satisfeitas quanto as
insatisfeitas, as democracias e ditaduras, capitalistas e
assalariados, europeus e asiáticos, judeus e gentios, brancos e
negros. Uma irada Providência, diria o cínico, abandonou um
planeta desafortunado à sua própria sorte e determinou sua
irrevogável destruição. Sofrida e desiludida, a humanidade
certamente perdeu sua orientação e parece ter perdido também
sua fé e esperança. Ela cambaleia, desorientada e cega, à beira
do abismo. Uma sensação de fatalidade parece permeá-la. Um
desalento cada vez mais profundo vai cobrindo seus destinos,

254
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

à medida que ela se afasta, mais e mais, dos limites externos da


área mais sombria de sua vida agitada e penetra no íntimo de
seu coração.
E ainda assim, enquanto as nuvens continuamente se
avolumam, não poderíamos afirmar que lampejos de esperança,
brilhando intermitentemente no horizonte internacional,
aparecem de tempo em tempo para aliviar a escuridão que
envolve a humanidade? Seria inverídico afirmar que, num
mundo carente de fé e com a mente perturbada, num mundo
cada vez mais fortemente armado e com ódios e rivalidades
irreconciliáveis, o progresso das forças que trabalham em
harmonia com o espírito da época, embora vacilante, já pode
ser discernido? Embora seja cada vez maior e mais insistente o
clamor levantado pelo nacionalismo do após-guerra, a Liga
das Nações ainda se encontre em estado embrionário, e as
nuvens tempestuosas que se avolumam possam, por algum
tempo, eclipsar seus poderes e obliterar sua maquinaria, ainda
assim a direção na qual a própria instituição opera é bastante
significativa. As vozes que se ergueram desde sua criação, os
esforços feitos e o trabalho já realizado, prenunciam os triunfos
que essa instituição atualmente constituída, ou qualquer outro
corpo que venha a substituí-la, está destinado a alcançar.

O PRINCÍPIO DE SEGURANÇA COLETIVA DE BAHÁ’U’LLÁH


Um Pacto geral sobre segurança tem sido o propósito central
em cuja direção esses esforços tendem a convergir desde que
foi criada a Liga das Nações. O Tratado de Garantia que foi
considerado e discutido pelos seus membros nos estágios iniciais
de seu desenvolvimento; o debate sobre o Protocolo de
Genebra que num período posterior acendeu uma tão feroz
controvérsia entre as nações, tanto dentro da Liga como fora

255
SHOGHI EFFENDI

dela; a subseqüente proposta para a criação dos Estados Unidos


da Europa e a unificação econômica daquele continente; e
por fim, mas não menos importante, a política de sanções
iniciada por seus membros, podem ser considerados como
marcos significativos em sua tumultuada história. O fato de
que nada menos de cinqüenta nações do mundo, todas
membros da Liga das Nações, terem reconhecido, depois de
maduras deliberações, e pronunciado seu veredicto contra um
ato de agressão que, em seu julgamento, fora deliberadamente
cometido por um de seus estados-membros e um dos principais
Poderes da Europa; o fato de eles terem, na sua maioria,
concordado em impor sanções coletivas contra o agressor
condenado, e terem sido bem sucedidos em efetivar grande
parte de sua decisão, é sem dúvida algo sem paralelo na história
humana. Pela primeira vez na história da humanidade, o
sistema de segurança coletiva, previsto por Bahá’u’lláh e
explicado por ‘Abdu’l-Bahá, foi seriamente considerado,
discutido e testado. Pela primeira vez na história foi oficialmente
reconhecido e publicamente declarado que para o sistema de
segurança coletiva ser efetivamente estabelecido, são essenciais
tanto poder como flexibilidade – poder envolvendo o uso de
uma força militar para assegurar a eficácia do sistema proposto,
e flexibilidade para permitir que a maquinaria criada possa
atender às legítimas necessidades e aspirações de seus aflitos
apoiadores. Pela primeira vez na história humana, as nações do
mundo fizeram esforços experimentais para assumir
responsabilidade coletiva, e suplementar seus compro-
metimentos verbais com preparação efetiva para ação coletiva.
E, novamente, pela primeira vez na história, ocorreu um
movimento de opinião pública em apoio ao veredicto que os
líderes e representantes das nações pronunciaram e à garantia
da ação coletiva decorrente de tal decisão.

256
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Quão claras, quão proféticas devem soar as palavras


enunciadas por Bahá’u’lláh à luz dos recentes acontecimentos
internacionais:
“Sede unidos, ó assembléia de soberanos da terra,
pois assim a tempestade da discórdia se aquietará
entre vós, e vossos povos encontrarão sossego. Se
qualquer um dentre vós lançar mão de armas contra
outro, levantai-vos contra ele, pois isso nada mais é
que justiça manifesta.”
E escreveu, prevendo os tentativos esforços que estão sendo
feitos agora:
“Há de vir o tempo em que se compreenderá
universalmente a imperiosa necessidade de convocar
uma vasta assembléia que abranja todos os homens.
Os reis e governantes da terra deverão assisti-la e,
participando de suas deliberações, considerar os
meios de lançar entre os homens os alicerces da
Grande Paz Mundial... Se qualquer rei empregar
armas contra outro, todos unidos devem se levantar
e o impedi-lo.”
‘Abdu’l-Bahá, tratando desse tema, escreve:
“Os soberanos do mundo devem concluir um tratado
obrigatório e estabelecer um convênio cujas provisões
sejam sólidas, invioláveis e definidas. Eles devem
proclamá-lo ao mundo inteiro e obter para ele a
sanção de toda raça humana... Todas as forças da
humanidade devem ser mobilizadas para assegurar a
estabilidade e a permanência deste Maior
Convênio... O princípio fundamental que forma a
base deste Pacto solene deve ser tão estável que, se
qualquer governo violar posteriormente alguma de
suas provisões, todos os governos da terra devem

257
SHOGHI EFFENDI

levantar-se para reduzi-lo à absoluta submissão, mais


ainda, a raça humana como um todo deve decidir,
com todo o poder à sua disposição, destruir aquele
governo.”
Não há dúvida de que tudo o que já foi realizado, por mais
significativo e exemplar que seja na história da humanidade,
está imensuravelmente aquém das exigências essenciais do
sistema que essas palavras predizem. A Liga das Nações, dirão
seus oponentes, ainda carece da universalidade que é o pré-
requisito de um sucesso duradouro na formulação eficaz de
acordos em disputas internacionais. Os Estados Unidos da
América, um de seus criadores, repudiou-a e continua ainda
alheio a ela, enquanto a Alemanha e o Japão, considerados
dentre os seus mais fortes apoiadores, abandonaram sua causa
e deixaram de ser seus membros. As decisões tomadas e as
ações até agora iniciadas, dirão outros, devem ser consideradas
apenas como um gesto magnificente, em vez de uma evidência
conclusiva da solidariedade internacional. Ainda outros
poderão argumentar que embora tal veredicto tenha sido
pronunciado, e tais compromissos assumidos, uma ação
coletiva deverá, por fim, falhar em seu objetivo maior, e que a
própria Liga irá perecer e ser engolfada pela maré de tribulações
destinada a sobrevir a toda a raça humana. Seja como for, a
importância dos passos já tomados não pode ser ignorada.
Qualquer que seja a condição atual da Liga, ou o resultado de
seu veredicto histórico, quaisquer que sejam as dificuldades e
revezes que, num futuro imediato, ela ainda tenha que
enfrentar e superar, é preciso reconhecer o fato de que tão
importante decisão define um dos mais significativos marcos
no longo e árduo caminho que deverá levá-la à sua meta, o
estágio no qual a unicidade de todo o corpo de nações tornar-
se-á o princípio orientador da vida internacional.

258
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Este passo histórico, porém, é apenas um fraco lampejo na


escuridão que envolve uma humanidade conturbada. Bem
poderá se evidenciar como um mero lampejo, um rápido clarão,
em meio a uma confusão cada vez mais profunda. O processo
de desintegração deve continuar inexoravelmente, e sua
influência corrosiva penetrar cada vez mais fundo no próprio
cerne de uma idade em decadência. Muito sofrimento será
ainda exigido até que os conflitantes credos, classes e raças da
humanidade sejam fundidos no cadinho de uma aflição
universal, e amalgamados, pelo fogo de uma provação severa,
numa comunidade mundial orgânica, um sistema um vasto e
unificado, funcionando harmoniosamente. Adversidades
inimaginavelmente aterradoras, crises e levantes jamais
sonhados, guerra, fome e peste, bem poderão ser combinados
para gravar na alma de uma geração desatenta aquelas
verdades e princípios que desdenhou reconhecer e seguir. Uma
paralisia mais dolorosa que qualquer outra já conhecida deverá
advir e aumentar a aflição da generalidade de uma sociedade
falida, até que possa ser reconstruída e regenerada.
Bahá’u’lláh escreve:
“A civilização tão freqüentemente alardeada pelos
expoentes eruditos das ciências e letras, trará grande
mal aos homens se lhe for permitido ultrapassar os
limites da moderação... Se for levada a um excesso,
a civilização se provará ser tão prolífica fonte de mal
como o fora de bem, enquanto restrita pela
moderação... Aproxima-se o dia em que sua chama
devorará as cidades, quando a Língua da Grandeza
proclamará: ‘De Deus, o Onipotente, o Todo-
Louvado, é o Reino!’”
E Ele adiciona:
“Desde o momento em que foi revelada a Súriy-i-

259
SHOGHI EFFENDI

Ra’ís (Epístola a Ra’ís) até o dia presente, nem o


mundo se tranqüilizou, nem os corações de seus
povos encontraram sossego... Sua doença aproxima-
se da etapa do desespero completo, desde que ao
Médico verdadeiro é vedado administrar o remédio,
enquanto aqueles sem habilidade são vistos com
favor, sendo-lhes concedida plena liberdade de ação.
O pó da sedição anuviou os corações dos homens e
lhes cegou os olhos. Em breve, perceberão as
conseqüências daquilo que suas mãos perpetraram
no Dia de Deus.”
Mais uma vez escreve:
“Este é o Dia em que a terra fará ressoar suas novas.
Os obreiros da iniqüidade são sua carga... O Pregoeiro
bradou e os homens foram levados com violência,
tal foi a fúria de Sua ira. O povo da esquerda suspira
e lamenta. O povo da direita habita em moradas
nobres: sorvem do Vinho que é a vida verdadeira,
oferecido pelas mãos do Todo-Misericordioso, e eles
são, em verdade, os ditosos.”

A COMUNIDADE DO MÁXIMO NOME


Quem mais poderia sentir-se jubilosa senão a comunidade
do Máximo Nome, cujas atividades de âmbito mundial e em
contínua consolidação, constituem o único processo de
integração num mundo cujas instituições, seculares e religiosas
estão, em grande parte, dissolvendo-se? Elas, em verdade, são
“o povo da direita” cuja “nobre habitação” está fixada sobre
os alicerces da Ordem Mundial de Bahá’u’lláh – a Arca da
salvação eterna neste Dia mais penoso. De todos os povos da
terra, apenas eles podem reconhecer, em meio à confusão de

260
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

uma época tempestuosa, a Mão do Redentor Divino que traça


seu caminho e controla seus destinos. Eles somente estão
conscientes do silencioso crescimento daquele sistema mundial
cuja estrutura eles próprios estão erigindo.
Conscientes de sua elevada vocação, confiantes no poder
de construção da sociedade que a Fé possui, eles seguem avante,
de forma destemida e inabalável, em seus esforços para moldar
e aperfeiçoar os instrumentos necessários nos quais a
embrionária Ordem Mundial de Bahá’u’lláh poderá
amadurecer e se desenvolver. Este processo de crescimento,
lento e discreto, ao qual a vida da comunidade bahá’í mundial
está inteiramente consagrada, constitui a única esperança de
uma sociedade aflita. Pois este processo é estimulado pela
influência geradora do imutável Propósito de Deus, e está
evoluindo dentro da estrutura da Ordem Mundial de Sua Fé.
Num mundo em que a estrutura das instituições sociais e
políticas está debilitada, em que a visão está nublada, em que
a consciência se encontra confusa, em que os sistemas religiosos
se tornaram anêmicos e perderam sua virtude, esta Intervenção
curadora, este Poder de fermentação, esta Força coesiva,
intensamente viva e abrangente, está tomando forma,
cristalizando-se em instituições, mobilizando suas forças e está
se preparando para a conquista espiritual e para a completa
redenção da humanidade. Embora seja pequena a sociedade
que encarna seus ideais, e seus benefícios diretos e tangíveis
sejam ainda parcos, mesmo assim são incalculáveis as
potencialidades das quais está dotada, e através da qual está
destinada a regenerar o indivíduo e reconstruir um mundo
arruinado.
Por aproximadamente um século, em meio ao barulho e
tumulto de uma era perturbada, e a despeito das incessantes
perseguições às quais seus líderes, instituições e seguidores

261
SHOGHI EFFENDI

foram submetidos, ela conseguiu preservar sua identidade,


reforçar sua estabilidade e força, manter sua unidade orgânica,
preservar a integridade de suas leis e princípios, erguer suas
defesas, e ampliar e consolidar suas instituições. Numerosas e
poderosas foram as forças que, tanto interna como
externamente, em terras próximas e longínquas, tramaram
extinguir sua luz e abolir seu nome sagrado. Alguns renegaram
seus princípios e traíram sua causa de forma ignominiosa.
Outros lançaram contra ela, as mais ferozes execrações que
apenas líderes religiosos enfurecidos seriam capazes de
pronunciar. Ainda outros submeteram-na a aflições e
humilhações que somente uma autoridade soberana em pleno
exercício de seu poder é capaz de infligir.
O máximo que seus inimigos declarados e secretos podiam
esperar conseguir era retardar seu crescimento e obscurecer
momentaneamente seu propósito. O que efetivamente
conseguiram foi purgar e purificar sua vida, aprofundá-la ainda
mais, galvanizar sua alma, expurgar suas instituições e
consolidar sua unidade. Um cisma e uma ruptura permanente
no vasto corpo de seus aderentes, jamais conseguiram.
Aqueles que traíram sua causa, seus tíbios e fracos
apoiadores, murcharam e caíram como folhas mortas, incapazes
de anuviar sua luz ou ameaçar sua estrutura. Seus adversários
mais implacáveis, aqueles que a atacavam externamente, foram
destituídos do poder e, da forma mais espantosa, encontraram
sua ruína. A Pérsia havia sido a primeira a reprimir e opor-se a
ela. Seus monarcas caíram miseravelmente, sua dinastia entrara
em colapso, seus nomes foram execrados, a hierarquia que fora
sua aliada e que a tinha amparado em seu declínio, foi
totalmente desacreditada. A Turquia, que por três vezes baniu
seu Fundador e infligiu a Ele um longo e cruel aprisionamento,
passara por uma das mais severas provações e maiores

262
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

revoluções dos anais de sua história, reduzindo-se de um dos


mais poderosos impérios a uma simples república asiática, seu
sultanato fora obliterado, sua dinastia destronada, seu califado,
a mais poderosa instituição do islã, abolido.
Enquanto isto, a Fé que tinha sido objeto de tão monstruosas
traições e alvo de tão deploráveis ataques, ia passando de
dificuldade em dificuldade, sendo refinada, destemida e sem
ser dividida pelas injúrias que recebera. Em meio a tribulações,
havia inspirado em seus leais seguidores uma determinação
que nenhum obstáculo, mesmo grandioso, poderia solapar.
Havia acendido em seus corações uma fé que nenhum
infortúnio, por mais opressivo que fosse, poderia arrefecer.
Havia infundido em seus corações uma esperança que
nenhuma força, embora decidida, poderia destruir.

UMA RELIGIÃO MUNDIAL


Deixando de se designar como um movimento, uma
fraternidade ou algo semelhante – designações que fizeram
grave injustiça ao seu sistema em crescente desenvolvimento
– dissociando-se de tais designações como seita bábí, um ramo
do islã xiita, com o qual ignorantes e maliciosos estavam
acostumados a descrevê-la, recusando ser rotulada como uma
mera filosofia de vida, ou como um código eclético de conduta
ética, ou mesmo como uma religião, a Fé de Bahá’u’lláh está
visivelmente conseguindo demonstrar claramente sua
reivindicação e direito de ser considerada uma Religião
Mundial, destinada a alcançar, na plenitude do tempo, a
condição de uma Comunidade de âmbito mundial que será,
ao mesmo tempo, o instrumento e o guardião da Paz Máxima
anunciada por seu Autor. Longe de desejar somar-se ao número
dos sistemas religiosos, cujas lealdades conflitantes perturbaram

263
SHOGHI EFFENDI

a paz da humanidade por tantas gerações, esta Fé está instilando


em cada um de seus seguidores um novo amor pelas diversas
religiões representadas em seu seio e um genuíno
reconhecimento da unidade subjacente a elas.
Tal é o testemunho da realeza ao seu direito e posição:
“É como um grande abraço que reúne todos aqueles
que há muito buscam palavras de esperança. Ela
aceita todos os grandes Profetas do passado, não
destrói outros credos e deixa todas as portas abertas.”
Ela afirma ainda, por escrito:
“Os ensinamentos bahá’ís trazem paz à alma e
esperança ao coração. Para aqueles que buscam
certeza, as palavras do Pai são como uma fonte de
água no deserto após uma longa jornada.”
Ela testifica em outra declaração, referindo-se a Bahá’u’lláh e
a ‘Abdu’l-Bahá:
“Os Seus escritos são um grande chamado para a paz,
alcançando todos os limites das fronteiras, acima de
toda discrepância a respeito de ritos e dogmas. ... É
uma gloriosa mensagem que Bahá’u’lláh e Seu filho,
‘Abdu’l-Bahá, nos deram. Eles não a estabeleceram
de forma agressiva, sabendo que o embrião da verdade
eterna que vive em seu íntimo não terá outro caminho
a não ser enraizar-se e espalhar-se.”
E seu apelo é conclusivo:
“Se um dia o nome de Bahá’u’lláh ou ‘Abdu’l-Bahá
chegar ao seu conhecimento, não os coloquem de
lado. Saiam à procura de Seus Livros e deixem que
Suas gloriosas, pacíficas, amorosas palavras e lições,
mergulhem em seus corações assim como fizeram no
meu.”

264
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

A Fé de Bahá’u’lláh, em virtude de suas energias criativas,


reguladoras e enobrecedoras, incorporou as diferentes raças,
nacionalidades, credos e classes que buscaram abrigo à sua
sombra e confirmaram lealdade inabalável à sua causa. Ela
transformou os corações de seus seguidores, acabou com seus
preconceitos, acalmou suas paixões, elevou seus conceitos,
enobreceu seus motivos, coordenou seus esforços e transformou
sua visão. Preservando seu patriotismo e salvaguardando suas
lealdades menores, fez deles amantes da humanidade e
decididos apoiadores de seus maiores e melhores interesses.
Mantendo intacta sua fé na origem divina de suas respectivas
religiões, possibilitou-lhes visualizar o propósito subjacente
dessas religiões, descobrir seus méritos, reconhecer sua
seqüência, sua interdependência, sua integração e unidade, e
aceitar aqueles laços vitais que as une a si. Este amor
transcendente e universal que os seguidores da Fé Bahá’í
sentem por seus concidadãos, qualquer que seja sua raça, credo,
classe ou nação, não é nem misterioso nem se pode chamar
de artificialmente estimulado. É tanto espontâneo como
genuíno. Aqueles cujos corações são aquecidos pela influência
energizante do amor criativo de Deus estimam Suas criaturas
por Sua causa e reconhecem em cada face humana um sinal
refletido de Sua glória.
De tais homens e mulheres pode-se dizer realmente que para
eles “toda terra estranha é sua pátria, e toda pátria, uma terra
estranha.” Pois sua cidadania, deve ser lembrado, é o Reino de
Bahá’u’lláh. Embora dispostos a compartilhar ao máximo os
benefícios temporais e as alegrias passageiras que esta vida terrena
pode oferecer, embora ansiosos de participar em qualquer
atividade que conduza à riqueza, felicidade e paz dessa vida,
nunca podem se esquecer que ela nada mais é que um breve
período transitório de sua existência, e que os que dela

265
SHOGHI EFFENDI

participam são apenas peregrinos e andarilhos cuja meta é a


Cidade Celestial, e cujo lar é o País da alegria e brilho infalíveis.
Embora leais aos seus respectivos governos, profundamente
interessados em qualquer coisa que afete sua segurança e bem-
estar, ansiosos por compartilhar tudo o que promova seus
melhores interesses, a Fé com a qual os seguidores de
Bahá’u’lláh se identificam, acreditam eles firmemente, foi
elevada por Deus acima das tempestades, divisões e
controvérsias da arena política. Compreendem ser sua Fé não-
política, de caráter supra-nacional, rigorosamente não-
partidária e inteiramente dissociada de ambições, metas e
propósitos nacionalistas. Tal Fé não conhece divisão de classe
ou partido. Subordina, sem hesitação, todo e qualquer
interesse particular, seja pessoal, regional ou nacional, aos
interesses maiores da humanidade, firmemente convencida
de que num mundo de povos e nações interdependentes, o
proveito da parte será melhor alcançada pelo proveito do todo,
e que nenhum benefício permanente pode ser conferido às
partes componentes se os interesses gerais da própria entidade
forem ignorados ou negligenciados.
Portanto, não é de admirar que a Pena de Bahá’u’lláh tenha
escrito estas proféticas palavras prevendo o estágio atual da
humanidade:
“Que não se vanglorie quem ama seu próprio país, mas sim,
quem ama o mundo inteiro. A terra é um só país, e os seres
humanos, seus cidadãos.”
E ainda:
“É homem, verdadeiramente, quem hoje se dedica
ao serviço da humanidade inteira.”
E explica:
“Através do poder que emana destas palavras
excelsas, Ele concedeu um novo impulso e

266
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

determinou uma nova direção para as aves dos


corações humanos, e do Sagrado Livro de Deus
obliterou Ele todo vestígio de restrição e limitação.”
Sua Fé, crêem firmemente os bahá’ís, é, além disso, não-
impositiva, não-sectária, e inteiramente divorciada de qualquer
sistema eclesiástico, qualquer que seja sua forma, origem ou
atividades. Nenhum sistema eclesiástico, com seus credos,
tradições, limitações e sua visão exclusiva, (como é o caso das
atuais facções políticas, partidos, sistemas e programas) pode
ser dito correspondente, em qualquer dos seus aspectos, aos
princípios cardeais da crença bahá’í. A alguns dos princípios
e idéias que animam as instituições políticas e eclesiásticas,
qualquer seguidor consciente da Fé de Bahá’u’lláh pode, sem
dúvida, prontamente aderir. Com nenhuma dessas
instituições, porém, ele poderá se identificar, nem endossar
integralmente os credos, os princípios e os programas sobre os
quais se baseiam.
Como poderia uma Fé, deve-se também ter em mente, cujas
instituições divinamente ordenadas conseguiram se estabelecer
em nada menos de quarenta diferentes países em que as
políticas e interesses de seus governos estão continuamente
em choque e se tornando cada vez mais complexos e confusos
– como poderia uma Fé que permitindo a seus membros, seja
individualmente ou através de seus conselhos organizados,
intrometerem-se em atividades políticas – conseguir preservar
a integridade de seus ensinamentos e salvaguardar a unidade
de seus seguidores? Como poderia ela assegurar o
desenvolvimento vigoroso, pacífico e ininterrupto de suas
instituições em expansão? Como poderia uma Fé, cujas
ramificações a colocaram em contato com sistemas, seitas e
confissões religiosas incompatíveis, estar em posição de
reivindicar a obediência incondicional daqueles que está se

267
SHOGHI EFFENDI

esforçando por incorporar em seu sistema divinamente


ordenado, se permitir que seus aderentes apóiem práticas e
doutrinas obsoletas? Como poderia evitar o constante atrito,
os mal-entendidos e controvérsias que uma afiliação formal,
diferente de um companheirismo, deve inevitavelmente
engendrar?
Os apoiadores da Causa de Bahá’u’lláh se sentem
compelidos, à medida que sua Ordem Administrativa se
expande e se consolida, a afirmar e aplicar vigilantemente estes
princípios orientadores e reguladores da crença bahá’í. As
exigências de uma Fé que aos poucos vai se cristalizando impõe
a eles um dever do qual não podem se esquivar, uma
responsabilidade da qual não podem se evadir.
Nem podem esquecer da imperativa necessidade de apoiar
e executar as leis, como distintas dos princípios, ambos
ordenados por Bahá’u’lláh e que constituem as bases das
instituições sobre as quais a estrutura de Sua Ordem Mundial
deve finalmente se estabelecer. Para demonstrar sua utilidade
e eficácia, para realizá-las e aplicá-las, para salvaguardar sua
integridade, para compreender suas implicações, e para facilitar
sua propagação, as comunidades bahá’ís do Oriente, e
recentemente também no Ocidente, estão demonstrando o
máximo esforço e estão dispostos a fazer quaisquer sacrifícios
que se fizerem necessários. Pode não estar longe o dia quando,
em alguns países do Oriente, cujas comunidades religiosas têm
jurisdição sobre assuntos de nível pessoal, que as Assembléias
Bahá’ís sejam chamadas a assumir os deveres e
responsabilidades que recaem oficialmente sobre as cortes
bahá’ís constituídas. Elas terão o poder, em assuntos como
casamento, divórcio e herança, de executar e aplicar, dentro
de suas respectivas jurisdições, e com a sanção das autoridades
civis, as leis e mandamentos conforme expressamente
determinados em seu Livro Sacratíssimo.

268
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

Em adição a essas tendências e atividades que sua evolução


está agora revelando, a Fé de Bahá’u’lláh tem demonstrado,
em outras esferas, onde sua luz adentrou, a força de sua energia
coesiva, de seu poder de integração, de seu espírito invencível.
Na construção e consagração de sua Casa de Adoração no
coração do continente norte-americano; na construção e
multiplicação de suas sedes administrativas na terra de seu
nascimento e em países vizinhos; na composição dos
instrumentos legais previstos para salvaguardarem e regularem
a vida corporativa de suas instituições; na acumulação de
recursos materiais e culturais adequados em todos os
continentes do globo; nas propriedades que adquiriu nas
imediações de seus Santuários no Centro Mundial; nos esforços
que vem fazendo para colecionar, verificar e sistematizar os
Escritos de seus Fundadores; nas medidas que estão sendo
tomadas para a aquisição de importantes locais históricos
associados às vidas de seu Precursor e do Autor de sua Fé, seus
heróis e mártires; nas fundações que estão sendo montadas
para a gradual formação e estabelecimento de suas instituições
educacionais, culturais e humanitárias; nos esforços vigorosos
que estão sendo feitos para salvaguardar o caráter, estimular a
iniciativa e coordenar as atividades de seus jovens em todo o
mundo; na extraordinária vitalidade com a qual seus valiosos
defensores, seus representantes eleitos, seus instrutores
viajantes e pioneiros administradores estão servindo sua causa,
estendendo suas fronteiras, enriquecendo sua literatura e
fortalecendo a base de suas conquistas e triunfos espirituais;
no reconhecimento que as autoridades civis têm, em alguns
casos, concedido aos seus representantes locais e nacionais,
permitindo-lhes registrar oficialmente seus conselhos,
estabelecer suas instituições subsidiárias e salvaguardar suas
propriedades; nas facilidades que essas mesmas autoridades têm

269
SHOGHI EFFENDI

consentido conceder aos seus santuários, seus edifícios


consagrados, e instituições educacionais; no entusiasmo e
determinação com os quais determinadas comunidades que
foram severamente testadas e fustigadas estão reassumindo suas
atividades; nos tributos espontâneos prestados por membros
da realeza, príncipes, homens públicos e eruditos à sublimidade
de sua causa e à posição de seus Fundadores – nestes, e em
muitos outros, a Fé de Bahá’u’lláh está provando, além de
qualquer dúvida, sua virilidade e capacidade de contrapor-se
às influências desintegrantes às quais os sistemas religiosos,
padrões morais e instituições sociais e políticas estão sendo
submetidos.
Da Islândia à Tasmânia, de Vancouver ao Mar da China,
espalha-se a luz e estendem-se as ramificações deste Sistema
de abrangência mundial, esta Fraternidade multicolorida e
firmemente unida, infundindo em todos os homens e mulheres
que atraiu à sua causa uma fé, uma esperança e um vigor que
uma geração teimosa há muito perdeu e mostra-se impotente
para recuperar. Aqueles que comandam o destino imediato
deste mundo atribulado, aqueles que são responsáveis por seu
estado caótico, seus temores, dúvidas e misérias, bem fariam
se, na confusão em que se encontram, fixassem seu olhar e
ponderassem em seus corações, as evidências desta graça
salvadora do Todo-Poderoso que se encontra ao seu alcance
– uma graça que pode aliviar sua carga, resolver suas
perplexidades e iluminar seu caminho.

RETRIBUIÇÃO DIVINA
A humanidade inteira está se lamentando, desejando
ardentemente ser levada à unidade e terminar seu martírio de
longa data. E apesar disso teimosamente recusa abraçar a luz e

270
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

reconhecer a autoridade soberana do único Poder que poderá


tirá-la de seus embaraços e evitar a terrível calamidade que
ameaça engolfá-la.
Ominosa é, em verdade, a voz de Bahá’u’lláh que ressoa
através destas proféticas palavras:
“Ó vós povos do mundo! Sabei, em verdade, que
uma calamidade imprevista vos segue e severa
retribuição vos espera.”
E ainda:
“Temos um tempo marcado para vós, ó povos. Se,
na hora designada, deixardes de vos volver a Deus,
Ele, verdadeiramente, porá as mãos em vós com
violência e fará com que penosas aflições vos
acometam de todas as direções. Como é severo, em
verdade, o castigo com o qual vosso Senhor, então,
vos castigará...”
Deve a humanidade, atormentada como está agora, ser
ainda afligida por tribulações mais severas para que sua
influência purificadora a prepare para entrar no Reino celestial
que deverá ser estabelecido na terra? Deve a inauguração de
tão grandiosa, tão singular, tão iluminada era na história
humana ser introduzida por tão grande catástrofe nos assuntos
humanos que lembre, ou melhor, supere o terrível colapso da
civilização romana nos primeiros séculos da era cristã? Deve
uma série de profundas convulsões agitar e abalar a raça
humana até que Bahá’u’lláh possa ser entronizado nos
corações e nas consciências das massas, até que Sua
ascendência indiscutível seja universalmente reconhecida e
o nobre edifício de Sua Ordem Mundial seja erigido e
estabelecido?
As longas eras da infância e puberdade, através das quais a
raça humana teve de passar, ficaram no passado. A

271
SHOGHI EFFENDI

humanidade está atualmente experimentando as comoções


invariavelmente associadas ao estágio mais turbulento de sua
evolução, o estágio da adolescência quando a impetuosidade
da juventude e sua veemência atingem seu clímax, e deve
gradualmente ser superada pela calma, pela sabedoria e pela
maturidade que caracterizam o estágio adulto. Então a raça
humana irá alcançar o grau de maturidade que lhe permitirá
adquirir todos os poderes e capacidades dos quais, em última
instância, depende seu desenvolvimento.

UNIDADE MUNDIAL – A META


A unificação da humanidade inteira é o distintivo da etapa
da qual a sociedade humana atualmente se aproxima. A
unidade de família, a de tribo, a de cidade-estado e a de nação,
foram sucessivamente tentadas e completamente estabelecidas.
A unidade do mundo é agora a meta à qual a humanidade,
em sua aflição, dirige seus esforços. O processo de formar
nações já chegou ao fim. A anarquia inerente à soberania
estatal aproxima-se de um clímax. Um mundo marchando
para a maturidade deve abandonar esse ídolo, reconhecer a
unicidade e a integridade das relações humanas e estabelecer,
de uma vez por todas, os instrumentos que melhor possam
concretizar este princípio fundamental de sua vida.
Proclama Bahá’u’lláh:
“Uma nova vida nesta era, está vibrando em todos
os povos da terra; contudo, ninguém lhe descobriu
a causa nem percebeu o motivo.”
Ele, desta forma, se dirige à Sua geração:
“Ó vós filhos dos homens! O desígnio fundamental
que anima a Fé de Deus e Sua Religião é a proteção
dos interesses e a promoção da unidade da raça

272
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

humana... É este o Caminho reto, o alicerce fixo e


imóvel. Qualquer coisa que se erga nesse alicerce, as
mudanças e vicissitudes do mundo jamais lhe poderão
prejudicar a força nem a revolução de séculos
incontáveis lhe solapar a estrutura.”
E Ele declara:
“O bem-estar da humanidade, sua paz e segurança,
são irrealizáveis, a não ser que, primeiro, se estabeleça
firmemente sua unidade.”
Seu testemunho adicional é:
“Tão poderosa é a luz da unidade que pode iluminar
toda a terra. O Deus Uno e Verdadeiro, Quem
conhece todas as coisas, testifica, Ele mesmo, a
verdade destas palavras... Esta meta supera a qualquer
outra meta; esta aspiração é o monarca de todas as
aspirações.”
Ele também escreveu:
“Aquele que é vosso Senhor, o Todo-Misericordioso,
nutre em Seu coração o desejo de ver o gênero
humano inteiro como uma só alma e um só corpo.
Apressai-vos a ganhar vosso quinhão da benévola
graça e misericórdia de Deus, neste Dia que eclipsa
todos os outros Dias criados.”
A unidade do gênero humano, assim como Bahá’u’lláh a
concebeu, compreende o estabelecimento de uma comunidade
mundial em que todas as nações, raças, crenças e classes estejam
estreita e permanentemente unidas, e em que a autonomia
dos estados que a compõem, e a liberdade e iniciativa pessoal
dos seus membros individuais, sejam garantidas de um modo
definitivo e completo. Tal comunidade mundial, deve
abranger, segundo nosso conceito, uma legislatura mundial,
cujos membros, os representantes de todo o gênero humano,

273
SHOGHI EFFENDI

virão a controlar todos os recursos das respectivas nações


componentes e criar as leis que forem necessárias para regular
a vida, satisfazer as necessidades e ajustar as relações de todas
as raças e povos entre si. Um executivo mundial, apoiado por
uma força internacional, executará as decisões dessa legislatura
mundial, aplicará as leis por ela criadas, e protegerá a unidade
orgânica da inteira comunidade mundial. Um tribunal mundial
deverá adjudicar toda e qualquer disputa que surja entre os
vários elementos que constituem esse sistema universal, sendo
irrevogável a sua decisão. Um sistema de intercomunicação
mundial será adotado que abranja todo o planeta, e, livre de
qualquer embaraço ou restrição nacional, funcionará com
admirável rapidez e perfeita regularidade. Uma metrópole
mundial será o centro de uma civilização mundial, o foco para
onde convergirão as forças unificadoras da vida e da qual hão
de irradiar as suas influências vigorantes. Um idioma mundial
será criado ou escolhido dentre as línguas existentes e será
ensinado em todas as escolas de todas as nações federadas
como auxiliar à língua nativa. Uma escrita mundial, uma
literatura mundial, um sistema uniforme de moeda, de pesos e
medidas simplificarão e facilitarão o intercâmbio e
entendimento entre as nações e raças da humanidade. Em tal
sociedade mundial, a ciência e a religião, as duas forças mais
potentes da vida humana, serão reconciliadas, assim
cooperando e desenvolvendo-se harmoniosamente. Não mais
será a imprensa, sob tal sistema, perniciosamente dominada
por interesses, quer particulares, quer públicos, embora dê plena
expressão às várias opiniões e convicções do gênero humano;
e será livrada da influência de governos e povos querelantes.
Os recursos econômicos do mundo serão organizados, suas
fontes de matérias-primas serão exploradas e completamente
utilizadas, seus mercados serão coordenados e desenvolvidos

274
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

e a distribuição de seus produtos será regulada de um modo


eqüitativo.
As rivalidades entre as nações, os ódios e as intrigas cessarão,
e os preconceitos e animosidades de raça serão substituídos
por amizade, entendimento mútuo e cooperação. Não mais
existirão os motivos de contenda religiosa; abolir-se-ão as
barreiras e restrições econômicas e a desmedida distinção entre
as classes será eliminada. Desaparecerão a pobreza extrema,
por um lado e, por outro, a excessiva acumulação de bens. A
quantidade enorme de energia que se desperdiça com a guerra,
quer econômica ou política, será dedicada a fins como estes: a
extensão do alcance das invenções humanas e do
desenvolvimento técnico, o aumento da capacidade produtiva
da humanidade, o extermínio das moléstias, a ampliação das
pesquisas científicas, a adoção de mais altos padrões de saúde
física, a refinação do cérebro humano, a exploração dos
recursos do planeta que ainda não foram utilizados ou
descobertos, o prolongamento da vida do homem, a promoção
de qualquer outro meio de estimular a vida intelectual, moral
e espiritual da humanidade inteira.
A meta para qual a força unificadora da vida impele a
humanidade é um sistema federal mundial que regerá a Terra,
exercendo uma autoridade inquestionável sobre seus recursos
inimaginavelmente vastos, harmonizando e incorporando os
ideais de Leste e Oeste, liberto do flagelo da guerra e suas tristes
conseqüências, esforçando-se por aproveitar todas as fontes
de energia existentes na superfície do planeta – um sistema
em que a Força se subordina à Justiça, e cuja vida é sustentada
por seu reconhecimento universal de um só Deus e sua
lealdade a uma Revelação comum.
Afirma ‘Abdu’l-Bahá:

275
SHOGHI EFFENDI

“Um dos grandes acontecimentos a se realizarem no


dia da manifestação desse Ramo incomparável é a
elevação do Estandarte de Deus entre todas as
nações; isto é, todas as nações e raças entrarão na
sombra dessa Bandeira Divina, que não é outra senão
o próprio Ramo Senhoril, e haverão de se tornar
um só povo. O antagonismo entre seitas e religiões,
a hostilidade racial e as diferenças nacionais
desaparecerão. Todos unir-se-ão em uma só fé, uma
só raça e um mesmo povo, habitando na mesma terra
natal, no globo terrestre.”
Explicou Ele, além disso:
“Ora, no mundo da existência, a Mão do poder
divino estabeleceu firmemente as bases desta mais
sublime graça e desta maravilhosa dádiva. Tudo o
que estiver latente no âmago deste Ciclo,
gradualmente se tornará aparente e manifesto, pois
agora é apenas o começo de seu crescimento e o
alvorecer da revelação de seus sinais. Até o final
deste século e desta época, tornar-se-á claro e
evidente quão maravilhosa foi aquela torrente e quão
grande aquela dádiva.”
Não menos cativante é a visão de Isaias, o maior dos profetas
hebreus que predisse, há cerca de vinte e cinco séculos, o
destino que a humanidade iria alcançar em seu estágio de
maturidade:
“E Ele (o Senhor) julgará as nações, ele corrigirá a
muitos povos. Eles quebrarão as suas espadas,
transformando-as em relhas, e as suas lanças, a fim
de fazerem podadeiras. Uma nação não levantará a
espada contra a outra e nem se aprenderá mais a
fazer guerra... Um ramo sairá do tronco de Jessé, um

276
O DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MUNDIAL

rebento brotará das suas raízes... Ele ferirá a terra com


o bastão da sua boca, e com o sopro de seus lábios
matará o ímpio. A justiça será o cinto de seus lombos
e a fidelidade, o cinto de seus rins. Então o lobo
morará com o cordeiro e o leopardo se deitará com
o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho
andarão juntos... A criança de peito poderá brincar
junto à cova da áspide, a criança pequena porá a
mão na cova da víbora. Ninguém fará o mal nem
destruição nenhuma em todo o meu santo monte,
porque a terra ficará cheia do conhecimento do
Senhor, como as águas enchem o mar.”
O autor do Apocalipse, prevendo a glória milenar que uma
humanidade redimida e jubilosa deverá testemunhar, testificou
de modo semelhante:
“Vi então um novo céu e uma nova terra, pois o
primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já
não existe. Vi também descer do céu, de junto de
Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova, pronta
como uma esposa que se enfeitou para seu marido.
Nisto ouvi uma voz forte que, do trono dizia: ‘Eis a
tenda de Deus com os homens. Ele habitará com
eles; eles serão o seu povo. E ele, Deus-com-eles,
será o seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus
olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem
clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas
se foram!’”
Quem poderá duvidar que tal consumação – a chegada da
maturidade da raça humana – deverá sinalizar, por seu turno,
a inauguração de uma civilização mundial como jamais olho
mortal contemplou ou mente humana concebeu? Quem
poderá imaginar o elevado padrão que tal civilização, à medida

277
SHOGHI EFFENDI

que se desenvolve, está destinada a alcançar? Quem poderá


avaliar as alturas a que a inteligência humana, liberada de
seus grilhões, irá atingir? Quem poderá visualizar os reinos que
o espírito humano, vitalizado pela profusão da luz provinda
de Bahá’u’lláh, brilhando na plenitude de sua glória, irá
descobrir?
Que conclusão mais adequada para este tema do que estas
palavras de Bahá’u’lláh, escritas em antecipação à Idade Áurea
de Sua Fé – a idade em que a face da terra, de pólo a pólo, irá
refletir os esplendores inefáveis do Paraíso de Abhá?
“Este é o Dia em que nada pode ser visto a não ser
os esplendores da Luz que irradia da face de teu
Senhor, o Clemente, o Mais Generoso. Em verdade,
fizemos cada alma expirar em virtude de Nossa
soberania irresistível e predominante. Então
chamamos para a existência uma criação nova, em
sinal de Nossa graça aos homens. Sou,
verdadeiramente, o Generosíssimo, o Ancião dos
Dias. Este é o Dia em que o mundo invisível exclama:
‘Grande é tua ventura, ó terra, pois de ti foi feito o
escabelo de teu Deus, e foste escolhida para ser o
assento de Seu poderoso trono.’ O reino da glória
brada: ‘Oxalá pudesse minha vida se sacrificar por
ti, pois Aquele que é o Bem-Amado do Todo-
Misericordioso estabeleceu sobre ti Sua soberania,
através do poder de Seu Nome que foi prometido a
todas as coisas, quer do passado, quer do futuro.’”

SHOGHI

Haifa, Palestina,
11 de março de 1936

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