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DIREITOS INTERNACIONAL – 1º SEMESTRE DE 2020

Prof. André Luiz Siciliano

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


• O direito internacional privado se refere a regência de fatos sociais que se relacionam com mais de uma
comunidade humana.
• Esses fato sociais são plurilocalizados, podendo ser regulados por mais de um ordenamento jurídico.
• Na fase inicial, o DIPr ficou restrito a regras sobre o tratamento dado a estrangeiros e seus direitos, bem
como a algumas regras para determinar qual a lei aplicável no caso de colisão de leis no espaço. (Séc. XII a
XIX)
• Fica delineado um direito conflitual marcado pelo direcionamento ao estudo da escolha da lei diante de
fatos de direito privado vinculados a dois ou mais ordenamentos jurídicos.
• No século XX surge uma fase de transição na qual outras alternativas ao direito conflitual são testadas para
a regência de fatos transnacionais, como i) o direito uniforme; ii) o direito internacional privado
uniformizado; iii) o direito internacional privado em processo de integração; e iv) normas materiais ou
normas de extensão, que são aquelas que diretamente regulam os fatos transnacionais.
• No século XXI o DIPR consiste em um conjunto de normas (nacionais ou internacionais) que rege i) a escolha
de uma regra de regência sobre fatos transnacionais (também chamados de “fatos mistos”, “fatos
interjurisdicionais” ou “fatos anormais”), ii) bem como a fixação de uma jurisdição para solucionar eventuais
litígios sobre tais fatos, iii) além de estudar as fórmulas de cooperação jurídica internacional entre Estados.
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• Escola Italiana - A partir de estudos realizados em Bolonha no século XI a escola italiana
inclui escritos de estudiosos dos textos romanos, glosadores e pós-glosadores
(comentadores). O ponto de partida é a primeira lei do Código Justiniano “Cuntos populos
quos clementiae nos trae regit actum” – a todos os povos rege o império de nossa clemência.
Em outras palavras, o povo está sujeito apenas à sua própria lei (a lei só vincula seus súditos)
• Entre os expentes dessa escola estão Bártolo de Sassoferrato(1314-1357) e Baldo (1324-1400). Bártolo afirmava que
as leis que regem os bens (estatutos reais) e a lei que rege a conduta das pessoas (estatuto pessoais). Os estatutos
reais são territoriais. Já os estatutos pessoais são extraterritoriais, pois se aplicam aos súditos onde quer que eles se
encontrem.
• Além disso, Bártolo estabeleceu que i) a lei do local da celebração do contrato rege sua forma e os direitos que
nascem no momento da formação do acordo (locus regit actum); ii) a lei do local da execução rege as consequências
do inadimplemento; iii) não eram aplicáveis estatutos estrangeiros proibitivos tidos como odiosos pelo foro (origem
do instituto da ordem pública); iv) o testamento tem suas formalidades estipuladas pela lei do local de celebração.
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• Escola Francesa - A chamada escola francesa é fruto do destaque econômico e político da França nos séc. XVI e
XVII, que culminaram na sua vitória na Guerra dos Trinta Anos. O DIPr floresceu sob a certeza da existência de
vários ordenamentos jurídicos que entravam em contato por meio dos fatos transnacionais.
• Entre os expentes dessa escola estão Charles Dumoulin(1500-1566) e D’Argentré (1519-1590). Dumoulin ficou
conhecido pela sua defesa da ‘autonomia da vontade’ como princípio de escolha do regime jurídico de uma relação
plurilocalizada. Sustentou que as partes ao escolherem um local para celebrarem um contrato ou mesmo um
casamento implicitamente se submetem às leis do local da celebração.
• D’Argentré foi um autor inserido no movimento autonomista bretão (defendeu a independência da Bretanha) e
sustentou o territorialismo, afirmando que as leis estrangeiras não deveriam ser aplicadas na Bretanha. Defendeu a
distinção entre os estatutos reais e os estatutos pessoais, tal como na Escola Italiana, mas afirmava que, a princípio,
todos os estatutos são reais (consequentemente territoriais). Os estatutos pessoais somente seriam aplicáveis às
regras que afetem diretamente uma pessoa, seu estado e sua capacidade. Por isso, D’Argentré defendeu que na
sucessão de bens localizados em diversos territórios, cada lei regeria os bens situados em seu território. Suas ideias
foram em seguidas apropriadas pela Escola Holandesa.
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• Escola Holandesa - As lutas pela independência da Holanda contra o império Habsburgp no século XVI
favoreceram a difusão das ideias de D’Argentré naquele país. No século XVI, Ulrich Huber (1636-1694) foi seu
principal nome.
• Huber apontou 3 princípios da disciplina:
(i) as leis de um Estado são aplicadas somente nos limites do seu território (territorialismo);
(ii) os súditos de cada Estado são todos os que se encontram em seu território; e
(iii) (iii) depois de serem aplicadas, as leis de cada país conservam sua força além das fronteiras (origem da
teoria dos direitos adquiridos), por cortesia (comitas gentium).

Assim, o autor é o primeiro a vincular o DIPr ao próprio Direito Internacional Público.


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• Escola Alemã - A chamada Escola Alemã é um conjunto de autores que, apesar de influenciados
pelas escolas anteriores, buscaram desenvolver com autonomia o DIPr no ambiente do decadente
Sacro Império Romano-Germânico. O fundamento da aceitação do direito estrangeiro para reger
os fatos transfronteiriços oscilou entre a cortesia internacional (escola holandesa) e a invocação
do direito natural. Destacam-se Heinrich Freiherrr von Cocceji (1644-1719) e Johann Nikolaus
Hert (1651-1710).
• Para Cocceji, as pessoas devem ser regidas pelas suas leis nacionais e as coisas pela lei do
local de sua situação.
• Para Hebert, é possível distinguir três diferentes princípios que incidem sobre os fatos
transfronteiriços: a) as pessoas são regidas pelas leis de sua origem; b) as coisas são regidas
pelo local de sua situação; c) a forma dos atos jurídicos é regida pela lei do local de sua
celebração.
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A FASE CLÁSSICA – CONSOLIDAÇÃO DO DIPr
O DIPr se consolidou e ganhou força no século XIX graças à forte expansão capitalista industrial
europeia. O ambiente do cientificismo da época assumiu, no Direito, o formato de codificações que
introduzem também regras de regência dos fatos transnacionais.
A crise da abordagem estatutária deu-se pela limitação evidente de sua metodologia, que era
baseada na interpretação dos estatutos, pela qual seria possível classifica-los em (i) pessoais ou (ii)
territoriais. Esse método gerava insegurança pois dependia do olhar do intérprete, que poderia
varia conforme as pressões políticas. Esses interesses conflitantes ficam evidentes no debate entre
Dumoulin e D’Argentré.
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A FASE CLÁSSICA – CONSOLIDAÇÃO DO DIPr
O positivismo jurídico do século XIX, fruto do racionalismo e cientificismo da época, substituiu a
visão estatutária da matéria. Esse positivismo exigia a observação da prática social para, então,
inseri-la em normas jurídicas, No plano internacional, a sedimentação dos Estados soberanos e o
apelo à igualdade formal entre os Estados independentes redundaram na separação entre o
domínio da normatividade interna e internacional.
Essa divisão entre o internacional e o nacional influenciou o desenvolvimento da “nacionalização”
do DIPr, pois passou a regular fatos transfronteiriços realizados por indivíduos. Surgem normas
nacionais de Direito Internacional Privado, consagrando a ambiguidade da matéria, que regula a
gestão da diversidade normativa e jurisdicional por intermédio de normas nacionais.
Na doutrina se destacam três nomes: Story, Savigny e Mancini.
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A FASE CLÁSSICA – CONSOLIDAÇÃO DO DIPr
Joseph Story (1779-1845), um dos fundadores da escola norte-americana de DIPr. Para Story, a lei do domicílio
seria a lei básica para fixar as regras de capacidade, sendo possível, contudo, a utilização da lei do local da
celebração dos contratos, como forma de obtenção de justiça. Também é retomado por Story, sob clara
influência de Huber, o conceito de cortesia (comity). A comity de Story justifica o cumprimento de uma lei
estrangeira, com o argumento de que isso é fazer justiça e não de mera cortesia do DIPR.
Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) afirmava que é possível identificar a priori o direito mais pertinente a
cada relação jurídica, por meio da localização de seu centro ou sede. Na visão de Savigny a questão não é
“territorial x extraterritorial”, mas o foco deve ser a relação jurídica transnacional, cujas características e
natureza apontariam à sua sede, sendo a lei da ses o direito mais adequado para reger tal relação.
O aspecto central do modelo proposto por Savigny, portanto, é a identificação da relação jurídica, com a
consequente indicação da lei do seu centro (ou sede) para regula-la.
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A FASE CLÁSSICA – CONSOLIDAÇÃO DO DIPr
Pasquale Stanislao Mancini (1817-1888), ficou célebre pela defesa do uso da nacionalidade como
fundamento de Direito Internacional Público e também do DIPrivado. Na linha de Savigny, Mancini
reconheceu a existência de uma comunidade de nações, fundada nas conexões pessoais entre os
integrantes do povo (por isso a importância da nacionalidade), fugindo ao apelo tradicional da
soberania territorialista.
Mancini protagonizou uma corrente , cada vez mais internacionalista, que defendeu aceitação –
como dever do Estado – da aplicação de norma estrangeira. Em 1874, defendeu que os Estados
celebrasse tratados para uniformizar as regras de solução dos conflitos de leis civis e criminais. Essa
corrente advogada três princípios: nacionalidade, liberdade e soberania.
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O DIPr CONTEMPORÂNEO: A MATRIZ INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, a nova globalização reinante deixou
evidente que a temática do DIPr (concurso de leis e jurisdição, bem como a cooperação jurídica
internacional) é, em si, transfronteiriça e, consequentemente, internacional, não podendo ser
regulada nacionalmente. A edição local de normas de DIPr consiste em uma solução temporária, à
espera de uma regulamentação internacional que, progressivamente, é aceita pelos Estados.
Assim, o conteúdo das normas de DIPr é variado: (i) há tratados que unificam as regras indicativas
do direito ou determinam a jurisdição, evitando colisões das regras de conflito entre os Estados-
Partes do tratado, na uniformização do tradicional método indireto do DIPr; (ii) há ainda os tratados
que regulam diretamente os fatos transnacionais, consagrando o método direto da disciplina.

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