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Tristes trópicos pode ser lido, com proveito, como um relato de viagem, pois dialoga,
em vários níveis, com a família de obras desse gênero. No entanto, trata-se de um
enunciado que se configura em um movimento de aproximação e confronto com seu
gênero, criando novas possibilidades textuais e estabelecendo relações dialógicas com
outros gêneros, baseado na experiência urbana e nas viagens de Strauss pelo interior
Brasil. É o espetáculo do surgimento de novas cidades a partir do nada, desde o coração
mesmo da floresta, o que mais o impressiona. "A vida urbana apresenta um estranho
contraste. Embora represente a forma mais completa e requintada da civilização, em
virtude da concentração humana excepcional que realiza em espaço reduzido e da
duração de seu ciclo, precipita no seu cadinho atitudes inconscientes... Como exemplos,
o crescimento das cidades de leste para oeste e a polarização do luxo e da miséria
segundo este eixo”.
O título do livro pouco informa sobre o seu conteúdo, e pode confundir um leitor
desaviado. Parece tratar de uma história que tem os trópicos como seu assunto principal,
ou seja, a região da Terra limitada pelo Trópico de Câncer e pelo Trópico de
Capricórnio, cujo centro é a linha do Equador.
Diante de São Paulo em 1935, ou diante de Nova Iorque e Chicago em 1941, o espanto
de Lévi-Strauss não era causado pela novidade que estava à sua frente. Diante de
cenário urbano nunca visto, seu olhar verticaliza-se. O espanto do etnógrafo advém
antes da “precocidade dos estragos do tempo” nas obras do homem americano. O autor
francês avança o antigo confronto de raiz colonial: “Certas cidades da Europa
adormecem suavemente na morte; as do Novo Mundo vivem febrilmente uma doença
crônica; eternamente jovens, jamais são saudáveis, porém”. Em São Paulo, a cultura
passava ao largo das disputas propriamente intelectuais. O professor percebia que, nos
trópicos brasileiros, a cultura era “um brinquedo para os ricos”. Entre os indivíduos que
compunham a sociedade letrada paulista não havia verdadeira preocupação em
“aprofundar o campo do conhecimento”, que estava na origem de suas vocações. A
competição entre brasileiros com a mesma formação, que disputavam um cargo na
comunidade letrada, não se resolvia pela competência, ou seja, pela avaliação e
subseqüente julgamento por terceiros da qualidade do saber dos pares em contenda. A
preocupação de cada um deles era a de “destruírem-se mutuamente” e, para isso,
“demonstravam uma persistência e uma ferocidade admiráveis”.
Uma das estruturas que empresta vida à abrangência de Strauss foi à convivência com
diversos agrupamentos indígenas e florestas tropicais. Tanto as tribos indígenas quanto
a floresta amazônica nada tinham de primitivas. Encarnavam uma longa crônica de
infecção, destruição ecológica e deslocamento forçado. A dizimação da natureza e das
tribos é responsabilidade da ação do homem branco, que atua como um colonizador,
mas esta responsabilidade, entretanto, não é exclusiva. Os próprios povos primitivos,
por uma inevitável inadequação, incorporam um processo de limitação. “Os primeiros
exploradores a aqui chegarem encontraram civilizações que tinham alcançado o pleno
desenvolvimento e perfeição de que suas naturezas eram capazes.”
Pela contemporaneidade de suas ideias, facilmente deduziremos que elas eram muito
diferentes do pensamento de meados do século XX: rompiam com a ideia de que índios
são somente índios, dado que Strauss jamais concordou com a divisão entre civilizados
e selvagens, ou em seres humanos superiores e inferiores.
Lévi-Strauss descreve o Brasil, sobretudo em Tristes Trópicos com cheiro, ruído, tato,
paladar, audição e visão, operando constantemente com códigos sensoriais. Não se pode
perder de vista, porém, o perigo que estudos exclusivamente formatados por esta linha
de análise podem acarretar: o de não sair do âmbito dos contextos nativos
particularizados. Com relação ao fenômeno urbano, contudo, há que reconhecer que
nem sempre a humanidade viveu em cidades e que nem todos moram nelas; só muito
recentemente é que a urbanização tornou-se uma tendência mais geral, de forma que
princípios porventura responsáveis por sua estruturação num nível mais profundo talvez
ainda não tenham tido o tempo suficiente para decantar.
Que dizer então da realidade das metrópoles contemporâneas, circunscritas não mais no
horizonte de cada Estado nação, mas imersas em processos transnacionais descentrados
nos quais, para uma determinada visão, já mencionada, parece ter-se perdido qualquer
vínculo com referências territoriais significativas e nas quais a dinâmica se dá no
terreno da virtualidade e do "não lugar"? No entanto, já nos anos 60, Lévi-Strauss, de
certa forma, chamava atenção para o problema: a civilização ocidental, tornando-se
cada dia mais complexa, e estendendo-se a toda a terra habitada, apresenta desde já em
seu bojo esses desvios diferenciais que a antropologia tem por função estudar, mas que
até agora não lhe era possível senão comparando civilizações distintas e longínquas.
Se a antropologia, por conseguinte, não pretende abrir mão de refletir sobre essas novas
formas de ajuntamento humano com sua dinâmica, problemas e possibilidades
específicas, tem de pensar também novas linhas de enquadramento teórico e estratégias
investigativas. Como essas cidades já não apresentam um ponto de referência nítido
nem contornos definidos capazes de identificar uma centralidade e projetar uma imagem
de totalidade, é preciso reconstituí-las, sob pena de se embarcar (e perder-se) na
multiplicidade dos arranjos particularizados.
Existem várias formas de se exercer violência, uma delas está contida em algumas
abordagens no ensino, nos conteúdos curriculares dirigido por muitas instituições
educacionais quer seja na educação básica até a superior, pública ou privada. Pode-se
dizer que essa violência começou a ser reproduzida com o nascimento da ciência
moderna, como diria Lévi-Strauss em Pensamento Selvagem, quando se refere à ciência
que nasceu no Iluminismo no século XVI. A partir desse período busca-se
constantemente impor uma certa hegemonia e dominação das sociedades ocidentais
sobre o conhecimento perante as demais sociedades.
A imagem mesma do caleidoscópio, que surge no primeiro poema, remete à lógica que
Lévi-Strauss atribui ao pensamento selvagem, uma vez que os fragmentos rearranjados
atualizam novas possibilidades de relações contingentes, outras “disposições e
equilíbrios realizáveis entre corpos. O pensamento selvagem é uma ciência do concreto.
O ritual opera então uma atualização da cosmografia, atualização dos limites intensivos
e extensivos do mundo, das possibilidades de continuidade da vida. É assim, como uma
atualização da cosmografia, que pretendo na dissertação fazer uma leitura do livro em
que a imagem do pensamento se distribua de maneira autossimilar pelas diversas
camadas da poética, do corpo ao cosmos, com os poemas agindo no curso do
acontecimento. Levi Strauss faz uma comparação entre o pensamento primitivo e o
pensamento dos povos ocidentais. Enquanto estes usavam categorias abstratas, tais
como sinais matemáticos e classificações biológicas para conhecer a natureza e a
sociedade, as sociedades primitivas usavam a experiência sensitiva e fisiológica: visão,
audição, tato, paladar, etc.
Esse tipo de pensamento não é atrasado e nem primitivo, apenas opera com o
pensamento mítico. É o pensamento que opera no campo do pensamento e da linguagem
simbólicos. Ex. os membros, no totemismo, pensam com coisas e não com conceitos.
Eles usam um sistema de signos para interagir com outros do grupo.
Mito é uma narrativa de caráter simbólico, de uma dada cultura, que procura explicar a
realidade, e seus principais acontecimentos, etc. por meio de deuses, semideuses e
heróis. Já o rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do Homem - em cerimônias,
danças, orações e sacrifícios.