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Revista da Pró-Inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

ENTREVISTA

David
Rodrigues

l. 11 / Nº2
DOSSIER TEMÁTICO Vo
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Educação Inclusiva
r tu g al · D e

em tempos de pandemia…
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VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020
Palavras do Centro Formação

Caros sócios e amigos:

em torno de uma política nacional concertada FICHA TÉCNICA


Escrevo-vos estas pa-
e articulada, que suporte e apoie as escolas e os
lavras em nome do
docentes na mudança. Educação Inclusiva
Centro de Formação,
Esta oportunidade de desenvolvimento Revista da Pró-Inclusão: Associação Nacional
num momento extre-
profissional deve proporcionar aos professores de Docentes de Educação Especial
mamente difícil para Volume 11, n.º 2, dezembro de 2020
uma compreensão profunda do desafio da inclu-
todos nós, seja qual Semestral
são, bem como, da minimização das barreiras de
for a sua etnia, cultu- ISSN 1647-6735
exclusão, de segregação, de discriminação e da
ra ou religião. Difícil, Depósito Legal 312441/10
desigualdade social. A formação em serviço é um
especialmente, para a
elemento essencial para aumentar a capacidade DIRETOR:
vida social e, naturalmente para os pressupostos
do professor. Além disso, deve contribuir para David Rodrigues
de aplicação de uma escola inclusiva.
o desenvolvimento de uma atitude positiva em
Vivemos em situação de confinamentos CONSELHO REDATORIAL:
relação à diversidade e à aquisição de estratégias
sucessivos, de estados de emergência mais ou Alcinda Almeida
e ferramentas práticas, destinadas a promover a
menos severos e, no entanto, as perspetivas de Ana Rosa Trindade
mesma na sala de aula e na escola. Dídia Lourenço
futuro estão longe de ser risonhas.
Nesse contexto, a centralidade do papel dos Elvira Cristina Silva
A ação de um vírus, que a todos agride,
professores e das lideranças é decisiva para a mu- Helena Neves
sendo, todavia, os mais vulneráveis, as vítimas Olga Sá
dança de paradigma. Estes devem ter a oportuni-
preferenciais: os mais velhos, os mais doentes,
dade de se apoiar mutuamente e ter discussões
os mais debilitados e até aqueles com condições CONSELHO EDITORIAL E CIENTÍFICO:
em comunidades profissionais, que lhes permi-
socioeconómicas menos favoráveis, levando as- Angeles Parrilla – Univ. de Vigo (Espanha)
tam compartilhar conhecimentos e aprender, em António Nóvoa – Univ. de Lisboa (Portugal)
sim, de forma algo perversa, a incrementar as
conjunto, através de grupos de reflexão e partilha. David Justino – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
desigualdades sociais (expressas, desde logo, na
O Desenho Universal para a Aprendiza- David Rodrigues – Instituto Piaget Almada (Portugal)
diferença de meios de acesso tecnológico) e co- Francisco Ramos Leitão – Univ. Lusófona (Portugal)
gem, a abordagem multinível, a diferenciação
locando em causa não só a igualdade de oportu- Jack Sagot – INS-IHA (França)
pedagógica, a flexibilização curricular, a avalia-
nidades, mas, sobretudo, a equidade educativa. José Morgado – ISPA (Portugal)
ção pedagógica, a equidade e inclusão, a diversi-
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Vivemos tempos de incerteza que nos impelem Lani Florian – Univ. de Aberdeen (Reino Unido)
ficação da oferta formativa adequada ao contex- Luzia Lima-Rodrigues – ESE Jean Piaget de Almada
a mudanças rápidas de hábitos, meios, com-
to da população escolar, contribuem (todas elas) (Portugal)
portamentos e atitudes que, direta ou indireta-
para a construção de ambientes de aprendiza- Martyn Rose – Univ. de Aberdeen (Reino Unido)
mente, influenciam os contextos escolares e as
gem inclusivos onde todos os alunos podem par- Mel Ainscow – Univ. de Manchester (Reino Unido)
práticas educativas e organizacionais. Miguel Angel Verdugo – Univ. de Salamanca (Espanha)
ticipar e aprender. As tecnologias da informação
Tempos propícios à reflexão e ao ques- Philipe Perrenoud – Univ. de Geneve (Suiça)
e comunicação podem e devem apoiar e melhorar
tionamento sobre o sistema educativo, sobre a Renato Opperti – IBE - UNESCO (Suiça)
o ensino e os processos de aprendizagem, se fo- Seamus Hegarty – IAEA (Reino Unido)
Escola, sobre os recursos humanos, técnicos e
rem baseados nos princípios de equidade, diver- Sofia Santos – Univ. Técnica de Lisboa (Portugal)
tecnológicos, sobre modelos de atendimento aos
sidade e inclusão. Teresa Brandão – Univ. Técnica de Lisboa (Portugal)
alunos e, sobretudo, sobre os modelos de for-
O principal desafio do Centro de formação
mação. Manifesta-se, de alguma maneira, uma PROPRIEDADE:
da Pró-Inclusão ANDEE é, efetivamente, per-
oportunidade de reequacionar a vida profissio- Pró-Inclusão — Associação Nacional de Docentes
mitir uma formação de qualidade para o forta-
nal e o desenvolvimento profissional dos docen- de Educação Especial
lecimento profissional dos docentes, de modo a Avenida Jorge Peixinho, 30
tes, proporcionando o surgir de uma nova gra-
capacitá-los para o seu papel de agentes de mu- Quinta da Arreinela
mática escolar, cuja centralidade seja combater
dança educacional e social, sendo nossa intenção 2805-059 Almada — Portugal
todas as formas de discriminação e proporcionar
disponibilizar uma oferta formativa diversifica- Tlm.: (00351) 927 138 331 / 964 502 105 / 969 406 346
respostas de qualidade e equitatividade à diver- E-mail: proandee@gmail.com
da, que apoie docentes e escolas na construção
sidade do universo escolar. WebSite: http://proandee.weebly.com
de uma Escola, que responda com qualidade a
Para o efeito, consideramos que os mode-
todos os seus alunos. ILUSTRAÇÃO DE CAPA:
los formativos devem ser ajustados e adequados
Convidamos todos os docentes e escolas a man- Raquel Gonçalves e Carla Lobato
aos novos tempos: que respondam a necessida-
terem-se junto de nós, atentos ao plano de for- araquel.sgoncalves@gmail.com
des efetivas, sejam significantes para os pro-
mação. Consultem os nossos sítios: carlalobato20@sapo.pt
fessores e para o contexto sócio educativo onde
https://cfpinandee.weebly.com/
trabalham e contribuam, essencialmente, para FOTOS:
https://cfpinandee.weebly.com/planodeformacao.
maximizar e potenciar a mudança de paradigma Pró-Inclusão
html, onde estaremos sempre disponíveis para
das nossas escolas, assente ainda no pressuposto
colaborar convosco. LOGOTIPO PIN-ANDEE:
do aluno médio.
Roberto Borges
Os modelos de formação deverão capacitar
Fiquem bem.
os docentes para o desafio de responder a todos e PAGINAÇÃO:
Saudações inclusivas.
a cada um dos alunos. Atendendo às suas idios- três agá — strategic design studio
sincrasias, sem deixar ninguém para trás. Estes,
A Diretora do Centro de Formação da Associação © Reservados todos os direitos.
de acordo com a nossa perspetiva, devem cen-
Nacional de Docentes de Educação Especial Proibida a reprodução total ou parcial sem permissão
trar-se nas políticas, culturas e práticas de esco-
Ana Maria Lopes Ferreira do proprietário.
las, mas gizados, segundo uma lente inclusiva,
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDITORIAL

Quando escrevi o editorial da última revista mente! O nosso Centro de Formação


tinha a secreta esperança de que neste edi- reinventou-se e está cheio de ativida-
torial se poderia falar da pandemia como de. Nenhum dos nossos projetos ficou
coisa do passado. Foi um excesso muito abandonado. Estamos confiantes que
otimista... temos ainda de encontrar mui- podemos enfrentar esta pandemia com
tas estratégias para resistir com saúde, com os meios, o conhecimento e a vontade
prosperidade e justiça social a esta pande- que temos. Estamos a entrar no 13.º ano
mia que não infetou as pessoas, mas que da nossa existência e temos consciência
infetou o nosso modelo de vida. da nossa responsabilidade em procurar
Sem dúvida que um dos maiores da- levar mais longe as práticas e os valores
nos desta pandemia foi causada aos am- para a existência de uma escola efetiva-
bientes educativos. O encerramento das mente inclusiva, isto é, uma escola em
escolas e, mais tarde, a sua reabertura com que ninguém se sinta estrangeiro, ou
todas as precauções de distanciamento físico e de todos ou- pouco inteligente, ou desvalorizado. Na verdade, só perten-
tros cuidados de segurança, afetou profundamente o conví- cemos a estruturas que nos valorizam: das outras, das que
vio e a interação social que é indispensável aos ambientes nos desvalorizam, fugimos a sete pés. Nós todos!
inclusivos. E digo indispensável porque neste ambiente de Este número da Revista Educação Inclusiva prossegue
extrema precaução e mesmo receio mútuo, é muito difícil o modelo que temos vindo a seguir. Chamaria a atenção para
estabelecer relações de comunidade e de partilha. Tudo nos a atualidade e qualidade do dossier, para a pertinência dos
convida a ficarmos sozinhos, com as nossas famílias ou com artigos e das reportagens e para a sempre imprescindível re-
os nossos próximos. O chegar ao novo e ao “estranho” está vista de livros e recursos didáticos.
agora justificado com o perigo sanitário. Falamos ainda dos Que desejar neste princípio de ano? Parece fácil. De- 3
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alunos com Necessidades Educativas Específicas. Estes es- sejo que todos nos vejamos livres desta pandemia para de-
tão a ser também fortemente penalizados por esta situação. pois, livres do vírus, repensarmos as nossas vidas, as nossas
Muitos destes alunos dependem, ainda mais que outros, de profissões e o nosso mundo. Talvez a palavra de ordem para
uma interação próxima que os motive e que lhes proporcione 2021 seja “voltar ao novo”: voltar a não pensar no vírus, para
um feedback imediato para o seu progresso na aprendiza- podemos pensar melhor no que podemos fazer para melho-
gem. Para estes, e para todos os outros, falta ainda avaliar os rar a Vida. E melhorar a Inclusão.
efeitos (as modificações?) que estes meses que passaram (e os
que ainda temos pela frente…) irão causar. David Rodrigues
A Pró–Inclusão continuou a trabalhar. E afincada- Diretor da revista Educação Inclusiva

Sumário
04 ENTREVISTA: David Rodrigues 26 ARTIGO: Resposta à diversidade 35 RECENSÃO: A Salvação da Primavera
Cidadania e Desenvolvimento: através do diálogo aluno-professor Elvira Cristina Silva
a cidadania não é uma opção! Patrícia Palma, Dilar Martins, Maria
Daniela Pereira e Bruno Fernandes, 36 RECENSÃO: Três Tristes Tigres
08 ARTIGO: Formação inicial Teresa Vitorino e Jorge Santos Elvira Cristina Silva
de professores para a promoção
de uma educação inclusiva 32 CAMINHAM AO NOSSO LADO… 37 INSTANTES INCLUSIVOS...:
Alexandra Frias e Teresa Leite A Agência Europeia para as Necessidades Leituras em tempos conturbados
Especiais e a Educação Inclusiva — uma Elvira Cristina Silva
13 ARTIGO: Conceções e boas práticas: intervenção independente e ativa para
intervenção junto de alunos com sistemas educativos mais inclusivos DOSSIER TEMÁTICO: Educação
dislexia Filomena Pereira Inclusiva em tempos de pandemia...
Rita Simas Bonança Organização: Helena Neves e Olga Sá

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


ENTREVISTA

A Escola é um lugar
de Educação e Educação
sem Cidadania não
é Educação

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David Rodrigues é Presidente e fundador da Pró-Inclusão, Associação Nacional de


David Rodrigues Docentes de Educação Especial e diretor da Revista “Educação Inclusiva”. Professor
Diretor da revista Educação Inclusiva de Educação Especial doutorou-se na Universidade Técnica de Lisboa. Lecionou
em universidades portuguesas (Porto, Açores e Coimbra) e estrangeiras (Bélgica,
Estados Unidos, Brasil e China). Cessou a sua carreira docente em 2015 como Professor
Catedrático. Trabalhou em projetos internacionais para a UNESCO, UNICEF e Handicap
Internacional. É conferencista convidado em países da Europa, África, Ásia, América
do Norte e do Sul. Publicou 32 livros, dezenas de artigos em revistas da especialidade
e integra o Conselho Editorial de revistas científicas nacionais e internacionais.
Recebeu em 2007 o Prémio de Investigação “União Latina” e em 2017 o “Distinguished
International Leadership Award” concedido pelo Council for Exceptional Children –
DISES (EUA). É, desde junho de 2015, Conselheiro Nacional de Educação.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Durante o Verão de 2020 desenvolveu-se em Portugal uma PI: Mas então o que é da família e o que é da escola?
polémica sobre a obrigatoriedade ou não das aulas da dis-
ciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”. A nossa revista, DR: É uma pergunta difícil de responder. Como vimos, hoje
“Educação Inclusiva”, resolveu entrevistar um dos primei- em dia, muitas oportunidades de aprendizagem se passam
ros subscritores do Manifesto “Cidadania não é opção”. Este em casa. Temos pais mais cultos, habitações muito mais
Manifesto reuniu numa semana cerca de 8000 assinaturas e, apetrechadas com instrumentos simbólicos, muito maiores
desta forma, constitui-se como um movimento incontorná- oportunidades de conhecer e discutir o conhecimento do
vel da sociedade civil e da comunidade educativa. mundo. Por outro lado, a família transmite também valores
O nosso entrevistado é o Professor David Rodrigues, (sobretudo pelo exemplo). Por outro lado, a escola não pode
também Presidente da Pró–Inclusão, mas que nesta entre- ser reduzida ao conhecimento das “disciplinas”. A discus-
vista assume o papel de dinamizador deste manifesto. são e o comentário às situações do quotidiano são sempre
desafios e questionamentos aos valores dos alunos e a sua
PI: Disse num texto de escreveu que a polémica sobre as aulas aprendizagem e discussão não pode deixar de os influenciar.
de Cidadania serem consideradas optativas reaviva uma ques- Por exemplo não será possível estudar a história das dita-
tão antiga. O que quer dizer com isso? duras sem um comentário crítico que aponte as vantagens
da democracia, ou não será possível falar das modificações
DR: O que quero dizer é que nem sempre foi pacífica a sepa- do trabalho sem mencionar o estatuto da Mulher. Estes dois
ração de competências educativas entre a escola e a famí- mundos de valores interpenetram-se e, certamente, a prin-
lia. Gosto sempre de lembrar que a criação da escola laica cipal preocupação não deve ser como é que eles se separam,
e obrigatória no século XIX se deveu a exigências novas mas sim como eles se complementam e completam. De certa
de educação que a família não era capaz de prover. Numa forma, gostaria que a escola fosse sempre supletiva face a
sociedade que se tornava rapidamente mais complexa pela atitudes, valores e competências que a família não propor-
industrialização e pela urbanização, a incapacidade da fa- cionasse ou proporcionasse de forma parcial.
mília para proporcionar a educação necessária aos seus fi-
lhos ficou muito evidente. Na verdade, a educação familiar PI: A família é sempre parcial? 5
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tinha como característica fundamental a continuidade, isto


é, os pais ensinavam aos filhos aquilo que sabiam e o que DR: Quase sempre. A família transmite sobretudo o que é
eram. Assim, por exemplo, as probabilidades da filha de e os valores com que vive. Dou-lhe um exemplo: durante a
uma costureira ser costureira, ou do filho de um agricultor pandemia as crianças ficaram confinadas em casa. Ouvi-
ser agricultor eram enormes. A vida nas sociedades indus- mos opiniões a sustentar que para algumas foi um benefício
triais, bem como as alterações na vida quotidiana origina- porque as suas famílias tinham boas condições de tecnolo-
das pelas novas exigências do trabalho implicaram novas gias e de informação. Não acho que tenha sido um benefício
necessidades que a família não era capaz de prover. Assim porque o facto de o jovem ficar circunscrito à sua família é
a escola aparece, de certa forma, como um complemento à sempre um empobrecimento. É um empobrecimento no co-
educação familiar. nhecimento de outras culturas, de negociação de cedência,
Muitas vezes se diz que a escola é responsável por en- de argumentação, de procura, de equilíbrio e de inclusão. É
sinar conhecimentos, mas é a família que continua respon- por isso que considero que o “ensino doméstico” é sempre
sável pelas regras de comportamento e pela moral. Parece um empobrecimento. A “escola republicana” (que é a inspi-
uma divisão óbvia, mas está cheia de exceções. Vejamos: a radora da nossa escola atual) tem esta missão universalis-
família muitas vezes intervém nas aprendizagens (como p. ta de proporcionar aos jovens conhecimentos que vão para
ex. nos trabalhos de casa) e a escola nos aspetos do compor- além da sua comunidade, da sua família e da sua cultura.
tamento. Assim esta divisão que parecia clara está cheia de Esta é a grade riqueza da educação pública e se ela falhar em
exceções e parece muito simplista dizer que a Educação é proporcionar aos seus alunos esta riqueza, falha certamente
em casa (porque também se aprende na escola) e o Conhe- um dos seus objetivos mais importantes.
cimento é na escola (porque também se aprende em casa). Gostava ainda de realçar o importantíssimo papel da
Por isso, esta polémica acaba por ressuscitar esta divisão: o família. Sabemos que a família é determinante para a se-
que é que próprio e exclusivo da família e o que é exclusivo gurança, para o envolvimento afetivo, para a aquisição de
e próprio da escola? valores, para a criação de ambientes positivos e encoraja-

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dores para as crianças e jovens. A família será sempre uma 3) Tornar facultativa a aquisição de conteúdos funda-
mais valia e um elemento indispensável para a felicidade das mentais como estes é uma desvalorização. Seria qua-
crianças. Nós que trabalhamos em educação bem sabemos se como considerar que os conteúdos da literatura são
disso e de como a família, quando é omissa na sua presença adequados para alguns alunos. O argumento que o
e apoio, é tão prejudicial ao desenvolvimento das crianças e aluno tem “muitos livros em casa” não nos pode satis-
dos jovens. Mas não podemos esquecer que a escola alarga fazer. Precisamos que estes conhecimentos essenciais
e amplia o papel da família e tem um papel absolutamente sejam para todos e trabalhados de forma interativa e
essencial em todos os aspetos do desenvolvimento. geral.
4) Falar do funcionamento da nossa sociedade não é
PI: Por vezes diz-se que existe o perigo das escolas serem “dou- doutrinação. Doutrinação seria se uma determinada
trinadoras”… orientação política fosse valorizada em detrimento
de outras. Conhecer não é ideologia, diria até que co-
DR: É verdade. Eu vivi numa escola dessas. Quando eu fui nhecer é a melhor forma de não ficar preso e encerrado
aluno do 1.º ciclo, na minha escola (pública) rezava-se, tí- numa ideologia.
nhamos um crucifixo na parece e um retrato do Salazar e do 5) Estamos sempre a falar de famílias competentes.
Américo Tomás, lado a lado. Na minha escola, dizia-se que a Mas… e quando as famílias não o são? Quando os pais
“Emilita era boa dona de casa” e que os pobrezinhos (sic) de- não têm tempo, ou disponibilidade ou conhecimento
viam estar agradecidos ao Estado Novo pela sopinha (sic) que para falar destes assuntos? E quando as condições da
a escola lhe oferecia. Mais doutrinação do que isto, é difícil. família não permitem sequer recato, privacidade para
Eu sei o que é doutrinação e oponho-me a que a escola faça estudar ou fazer trabalhos? E quando as famílias são
esta doutrinação. Mas existe, por vezes, uma grande confu- tão perturbadas que não conseguem sequer transmitir
são sobre o que é doutrinação e não é. Na minha perspetiva, às crianças noções básicas de civilidade e de respeito?
doutrinação seria defender que uma religião é melhor que Aqui percebemos ainda mais a pertinência da obriga-
a outra ou que um governo é melhor que outro, ou que há toriedade desta disciplina.
6
8 pessoas com mais direitos que outras. Pelo contrário, fazer
a apologia do diálogo, do debate, do funcionamento demo- PI: Para si, a disciplina deve ficar como está?
crático, da participação de todos os cidadãos numa lógica de
igualdade perante a lei não pode ser considerado uma dou- DR: Nada deve ficar como está porque vivemos numa so-
trinação. Da mesma forma, considerar que falar de Direitos ciedade muito imperfeita e que, portanto, precisa de um
Humanos é uma doutrinação, é um despautério. A Demo- constante aperfeiçoamento. A disciplina “Cidadania e De-
cracia e os Direitos humanos não são uma ideologia: são as senvolvimento” poderá sim melhorar: na formação dos pro-
bases que nos permitem assumir e respeitar todas as ideolo- fessores, na relação mais orgânica com a escola, na melhoria
gias. Confundir Direitos Humanos com ideologia é confun- dos conteúdos, etc. Não vamos é confundir a melhoria da
dir o objeto com a ferramenta (seria confundir uma cadeira disciplina com a sua imprescindibilidade. A disciplina como
com um martelo…) existe é imprescindível. Uso muitas vezes uma metáfora.
Estamos em plena pandemia e esta situação ensinou-nos
PI: Mas vejamos, como se relaciona o que está a dizer com a que todos somos responsáveis por todos. Não adianta que
polémica sobre a obrigatoriedade da disciplina de Cidadania e só alguns guardem a distância física e que só alguns usem
Desenvolvimento? máscara: para dominar a pandemia todos temos de estar
preparados para a combater. Assim se passa com os Direitos
DR: Eu acho que tem muito a ver e sintetizo em 5 pontos: Humanos e com a Cidadania. O que se passaria se só alguns
1) Compete à escola proporcionar aprendizagens que se- alunos estivessem preparados para compreender, para pro-
jam essenciais. Dou o exemplo da Educação Sexual. As mover a Cidadania, a Democracia e os Direitos Humanos?
questões sobre a saúde sexual e reprodutiva vão muito Por isso é tão importante que todos os alunos tenham esta
para além do que a família pode e sabe dar. “plataforma comum” de conhecimento que é proporcionada
2) A Educação para a Cidadania abarca conteúdos que por esta disciplina.
não se encontram contemplados noutras disciplinas.
Por exemplo a igualdade de género.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
PI: E para terminar… que relação tem este assunto com a In-
clusão?

DR: Eu acho que a cidadania está intimamente ligada à In-


clusão. O Comité das Nações Unidas para os Direitos Huma-
nos afirmou, em 2019, que a Inclusão é um direito multipli-
cador. Entende-se por direito multiplicador um direito que
ao ser concretizado multiplica e amplia a possibilidade de
outros direitos de concretizarem. E a Inclusão concretiza a
possibilidade de um desenvolvimento pessoal, de um desen-
volvimento comunitário e de um desenvolvimento de toda
a sociedade. Por isso a Cidadania está tão ligada à Inclusão.
Não existiria cidadania se não tivéssemos de viver juntos, se
não aprendêssemos juntos e se não tivéssemos de aprender
a ser humanos em comunidade. Sabastian Naslund, um na-
vegador solitário, afirmou no fim de uma das suas viagens
solitárias pelos oceanos “Agora sei qual é o pior castigo que
um ser humano pode ter: é ser afastado da sua comunidade”.
Assim a Inclusão e a Cidadania são duas faces da mes-
ma moeda ou, quase diria, a moeda que compra a nossa dig-
nidade e o respeito pela nossa condição humana.

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ARTIGO

Formação inicial
de professores para
a promoção de uma
educação inclusiva

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Alexandra Frias Teresa Leite


Professora de educação especial com mestrado na área da Professora na Escola Superior de Educação do Instituto
multideficiência e problemas de cognição, doutorada em Politécnico de Lisboa, doutorada em Ciências da Educação pela
Ciências da Educação, na área de Formação de Professores, Universidade de Lisboa, especializada em Educação Especial.
pela Universidade de Lisboa. Atualmente a desempenhar Participou em projetos internacionais no âmbito da Educação
funções na Unidade de Inovação e Projetos Especiais do Inclusiva e é autora de várias publicações nesse âmbito.
Departamento de Educação da Câmara Municipal de Oeiras.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
No âmbito do Doutoramento em Educação no Instituto de mativo; conhecer medidas e recomendações apontadas por
Educação da Universidade de Lisboa, na especialidade de formadores, estudantes em formação e recém-formados para
Formação de Professores, foi realizado um trabalho de in- a conceção de um processo formativo que corresponde às
vestigação que teve como tema: Formação Inicial de profes- atuais necessidades dos nossos alunos e das nossas escolas.
sores de 1º CEB para atuar em contextos inclusivos. Para a prossecução destes objetivos, realizou-se este
Este estudo nasceu de uma crescente consciencializa- estudo através de processos inferenciais e indutivos, enqua-
ção da importância da ação docente na resposta às neces- drados no paradigma interpretativo, orientando o processo
sidades específicas de todos os alunos e no atendimento à de investigação para responder às questões de partida. Para o
heterogeneidade existente em cada sala de aula, bem como efeito, foi realizado um estudo de caso, analisando uma ins-
numa constatação das dificuldades sentidas pelos professo- tituição formadora que se mostrou disponível , confrontando
res em contexto escolar, face à complexidade da ação docen- as perspetivas dos diferentes atores e procurando compreen-
te perante os crescentes desafios da sociedade. der holisticamente o “caso”, no seu todo e na sua unicidade.
Também nos motivou para este estudo o papel deter- Foram realizadas entrevistas semiestruturadas a doze
minante que a Formação Inicial ocupa e que se pretende professores recém-formados, bem como a oito formadores
alinhada com as mais recentes medidas da tutela que enfati- de professores e dinamizados grupos focais com doze estu-
zam a necessidade de uma escola verdadeiramente inclusiva, dantes em formação.
requerendo do futuro professor a aquisição de destrezas e Relativamente aos professores recém-formados, uma
aprendizagens de foro académico e técnico, alicerçado numa amostra por conveniência, os entrevistados tinham que ter
competência reflexiva e crítica no desempenho de um con- entre 1 a 5 anos de serviço e terem sido formados pela insti-
siderável número de papéis, pois “ser professor é uma lenta tuição formadora selecionada.
e metódica metamorfose. É um movimento perpétuo entre No que respeita aos formadores de professores, foi sele-
a lagarta e o casulo. É um vaivém contínuo entre o saber e cionada uma amostra não aleatória e criterial, uma vez que
o desaprender. É a adaptação permanente à mudança: dos procurámos entrevistar formadores de todas as componentes
saberes, das metodologias, das culturas, das tecnologias...” formativas (didáticas específicas, educacional geral e prática
(Ruivo, 2015, p.171). educativa supervisionada), sendo que a opção pela entrevis- 9
11

O documento da Agência Europeia para o Desenvolvi- ta semiestruturada se deveu, essencialmente, ao seu caráter
mento da Educação Especial (TE4I, 2012), reconhece a neces- flexível e à liberdade e profundidade de respostas que suscita.
sidade de uma investigação rigorosa no âmbito da formação Os grupos focais procuraram apreender a realidade
inicial, procurando aferir “as áreas de competência necessá- através das interações grupais, promovendo o diálogo e a
rias para a prática inclusiva de qualidade que permitem jul- reflexão em grupo, recolhendo perceções e opiniões dos
gamentos consistentes sobre a eficácia da formação de pro- formandos.
fessores e sobre a prática dos novos professores e as formas Nos resultados obtidos, verificam-se algumas simi-
mais eficazes de terem impacto sobre as competências dos laridades no que respeita ao olhar dos formandos, recém-
futuros professores (valores, atitudes, capacidades, conheci- -formados e formadores. Assim, como aspetos positivos: i)
mentos e compreensão), isto é, conteúdo, pedagogia e ava- apontam perceções enquadradas e ajustadas à premissa da
liação que os prepare para a prática inclusiva.” (p. 311 e 312). Escola Inclusiva e do Perfil do Professor Inclusivo; ii) iden-
Neste sentido, procurámos perceber que formação inicial de tificam um forte investimento nas competências de reflexi-
professores poderá contribuir de modo efetivo para a inter- vidade e na consciencialização da necessidade de formação
venção dos futuros professores em contextos inclusivos? ao longo da vida.
Sendo esta a pergunta orientadora de todo o traba- Como aspetos negativos: i) ainda que reconheçam a im-
lho desenvolvido, procurámos conhecer e compreender os portância que a flexibilidade curricular e a diferenciação pe-
atuais percursos da Formação Inicial; identificar conceções dagógica assumem na resposta às necessidades específicas
de professores recém-formados e em formação acerca da in- de cada aluno, elencam uma formação muito dirigida para
clusão de alunos com necessidades específicas, bem como a homogeneidade, ou seja, para o aluno-padrão; ii) referem
as suas perceções sobre a sua preparação para a atuação em que os períodos de estágio são curtos e os contextos de es-
contextos inclusivos; identificar as perceções dos formado- tágio não tendem a promover boas práticas inclusivas, reco-
res de professores sobre a preparação dos formandos para nhecendo acentuadas dificuldades na seleção de contextos e
esta realidade e conhecer práticas letivas em contexto for- de professores cooperantes que permitam a experienciação

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de práticas pedagógicas e didáticas mais coerentes com os
princípios veiculados pela instituição formadora; iii) consi-
deram que a abordagem ao tema das NEE é incipiente, quer
devido a uma carga horária insuficiente, quer por se centrar
no défice das crianças e no modo de atendimento às proble-
máticas específicas, o que, de certo modo, perpetua o fosso
entre os “normais” e os alunos com NEE.
Nos restantes resultados, verificam-se diferenças entre
os diferentes grupos inquiridos. Assim, os formandos e os
recém-formados assinalaram um acentuado desfasamen-
to entre a teoria e a prática ao longo de toda a formação, o
que, de certo modo, se consubstancia no modelo sequencial
vivenciado pelos estudantes ao longo da formação e às re-
conhecidas dificuldades identificadas pelos formadores no
trabalho articulado e colaborativo entre as diferentes com-
ponentes de formação.
No que respeita ao Plano de Estudos, bem como ao in-
vestimento na competência científica na formação inicial, os
formadores consideram que o Plano de Estudos está relativa-
mente bem organizado e que o investimento na componen-
te científica é um aspeto bastante positivo da formação; no
entanto, formandos e recém-formados não consideram que o
Plano de Estudos vá ao encontro das necessidades formativas
e não parecem reconhecer grande importância à componente
10
12 científica, dando mais importância às competências pedagó-
gicas e didáticas – a arte e ciência do ensino (Wood, 1999).
Os formadores no seu discurso enfatizam a importân-
cia do isomorfismo em contexto formativo para o desen-
volvimento profissional dos futuros professores; porém,
no discurso dos formados e recém-formados, as práticas de
formação parecem ser pouco coerentes com o que é preconi-
zado pela entidade formadora. Importa que as “escolas que
esperam que os alunos operacionalizem a aprendizagem
cooperativa, a aprendizagem baseada na problematização,
na intervenção com a comunidade ou a aprendizagem ba-
seada em projetos devem também esperar que a formação
inicial de professores utilize as mesmas abordagens ao for-
mar professores" (Conner e Sliwka, 2014, p. 165).
No que respeita ao período de indução, os formadores
não fizeram referência a este período de acompanhamento
em início de carreira; em contrapartida, os formandos e os
recém-formados reconhecem que este acompanhamento
poderá ser determinante enquanto suporte efetivo aos re-
cém-formados, evitando mimetismos acríticos de práticas
e crenças enraizadas. Também este processo de indução
poderia aproximar os formadores das realidades das nossas
escolas, bem como as escolas das entidades formadoras e
operar como um processo avaliativo do trabalho formativo

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
que está a ser desenvolvido pela instituição formadora, re- tentadas na equidade e no respeito pela diferença.
conhecendo-lhe potencialidades e fragilidades, numa ótica É possível concluir ainda que o desenvolvimento de
de reflexão e reestruturação constante. competências de planeamento diferenciado, de gestão fle-
No que respeita a sugestões e recomendações, forman- xível e criativa do espaço, do tempo e dos recursos, a cons-
dos, recém-formados e formadores comummente referem tante avaliação e reflexão sobre a ação docente são aspetos
que: a UC de NEE deveria assumir uma carácter obrigatório ainda pouco enfatizados na formação inicial e que deveriam
e uma maior carga horária; identificam a necessidade de um assumir um importante papel na dotação de futuros profes-
maior estreitamento da relação entre a teoria e a prática; sores capazes de operacionalizar uma pedagogia inclusiva
consideram importante garantir uma maior interdisciplina- nas suas salas de aula.
ridade entre todas as componentes formativas e assegurar O acentuado afastamento verificado entre as compo-
a transversalidade da Educação Inclusiva a todas as áreas nentes de formação leva-nos a concluir que a promoção de
de formação; sugerem o aumento dos períodos de estágio e trabalho colaborativo e interdisciplinar assume um caráter
uma seleção mais criteriosa dos mesmos. Face a esta última urgente e determinante, bem como a centralização da Práti-
sugestão, Gusmão e Rodrigues (2014) alertam que “um está- ca Educativa Supervisionada, de modo a permitir uma teori-
gio desprovido de uma forte estrutura de acompanhamento zação mais consistente a partir das situações reais.
à reflexão sobre a prática e de apoio à modificação da mesma Ao longo deste estudo também concluímos que o mo-
torna-se a maior parte das vezes uma experiência frustrante delo de infusão (Loreman, 2010), isto é, a transversalida-
que pode conduzir à inversão dos valores inclusivos vincu- de do tema da escola inclusiva, que permitiria desenvolver
lados nas disciplinas teóricas do curso e ao mimetismo acrí- nos alunos uma ação metodológica e didática na resposta
tico das práticas educativas dos professores cooperantes, à diversidade, é ainda muito difícil para os formadores das
sejam elas inclusivas ou não.” (p.176). diferentes componentes de formação. Estas dificuldades
Além destas recomendações identificadas em todos os prendem-se com a evidente fragmentação dos cursos por
grupos que constituem esta amostra, referem os formados e áreas disciplinares, pela rigidez dos planos de estudos e, até
recém-formados que seria igualmente importante a promo- mesmo, pelas dificuldades no trabalho colaborativo e inter-
ção de debates e colóquios sobre o tema da Educação Inclusi- disciplinar entre formadores. 11
13

va e os formadores identificam necessidade de investimento Com este trabalho procurámos contribuir para uma
noutras áreas, nomeadamente: psicologia educacional, so- reflexão conjunta em prol de uma formação inicial promo-
ciologia, bem como no desenvolvimento de competências de tora da inclusão. Wiens (2012) considera que deverá haver
trabalho colaborativo, gestão de comportamentos e confli- exatamente este esforço concertado entre investigadores da
tos, articulação com as famílias, etc. É ainda sugerido pelos área da formação de professores para um trabalho articula-
formadores uma formação mais pausada e reflexiva e a neces- do e uma agenda comum, para que se possa construir uma
sidade de uma aposta numa Unidade Curricular no âmbito da compreensão mais abrangente da forma e natureza da for-
Pedagogia Inclusiva, dotando os futuros professores de maio- mação praticada no país, tornando possível a identificação
res competências na seleção e operacionalização de práticas das características que tornam um programa de formação
pedagógicas que promovam a inclusão de todos os alunos, realmente eficaz (p.258).
atendendo às suas características, ritmos e necessidades.
Este estudo permitiu-nos concluir a importância de Neste sentido, e com base nos resultados obtidos, apre-
uma formação holística, integrada e compreensiva, centra- sentamos algumas recomendações a serem analisadas pelas
da no desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e instituições formadoras de professores:
atitudes que potenciem a participação e aprendizagem de
todos os alunos, desmontando crenças profundas e enrai- a) Criar grupos de trabalho para a construção de uma de-
zadas sobre a educação que poderão conduzir a uma repro- finição coletiva das finalidades formativas e do perfil de
dução acrítica de modelos pedagógicos que não promovem competências do professor a formar para que todos, de
uma escola inclusiva. Neste sentido, parece determinante modo consciente, contribuam para a construção desse
que em contexto formativo se desenvolvam comportamen- perfil;
tos isomórficos que contribuirão, indubitavelmente, para a
construção do perfil de um professor inclusivo, que reflita b) Refletir acerca do currículo existente e transformá-lo
sobre as suas crenças e construa o seu saber em bases sus- num currículo de formação inclusivo e que responda

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


à necessidade de preparar os futuros professores para REFERÊNCIAS

atender à diversidade, sendo que um modelo de forma-


Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Especial (2012).
ção integrado, em que a prática educativa se encontra Perfil de Professores Inclusivos. Odense, Dinamarca: AEDEE.
no centro da formação, permitirá uma teorização mais Conner, L. e Sliwka, A. (2014). Implications of Research on Effective
consistente com a realidade vivenciada pelos forman- Learning Environments for Initial Teacher Education. European Journal
dos; of Education. Vol. 49, (2), p.165-177.

Gusmão, R. e Rodrigues, D. (2014). Impacto dos Modelos Inclusivos na


Formação Inicial de Professores do 1º Ciclo em Portugal. Revista de
c) Reconhecer a importância de dotar os futuros profes-
Docencia Universitária. Vol. 12 (2), p.167-182.
sores de competências de seleção e operacionalização
Loreman, T. (2010). A contente-infused approach to pre-service teacher
de práticas pedagógicas que promovam a inclusão preparation for inclusive education. In: C. Forlin (Ed.) Teacher Education
de todos os alunos sendo que, para tal, deveriam ser for Inclusion. London: Routledge.

elencadas transversalmente práticas potenciadoras do Roldão, M.C. (2017). Conhecimento, didática e compromisso: o triângulo
atendimento à diversidade; virtuoso de uma profissionalidade em risco. Cadernos de Pesquisa. Vol.
47, (16), p.1134-1149.

d) Promover o trabalho colaborativo, articulado e inter- Ruivo, J. (2015) Formar professores, melhorar a escola, mudar a
sociedade. Formação inicial de professores – Seminários e Colóquios.
disciplinar entre formadores, construindo um projeto Lisboa: Conselho Nacional de Educação.
global de formação para assegurar a transversalidade
Wiens, P. (2012). The Missing Link: Research on Teacher Education. Action
do tema da Educação Inclusiva; in Teacher Education. Vol. 34, (3), p.249-261.

Wood, P. (1999). Investigar a arte de ensinar. Porto: Porto Editora.


e) Desenvolver ações formativas que permitam o aprofun-
damento da dimensão investigativa nos futuros profes-
sores, para garantir o desenvolvimento de atitudes de
constante questionamento, conhecimento e aplicação
de técnicas e instrumentos que permitam a análise da
12
14 realidade com rigor;

f) Estabelecer parcerias e relações interinstitucionais que


permitam a seleção de contextos de estágio com mode-
los positivos de ensino em turmas inclusivas e garan-
tindo processos sistemáticos e rigorosos de supervisão
da qualidade.

Importa que, de modo crítico e reflexivo, se repense a


formação inicial de professores, uma formação que, cons-
tituindo ainda um início de um longo e sempre inacabado
processo, contribua para a construção de um profissional
ativo e reflexivo, que “investe, mobiliza e cria conhecimento
profissional mediante diversos dispositivos que vai ajustan-
do à sua ação – introdução do questionamento, tentativa-
-erro, verificação, alimentação com conhecimento prévio,
discussão com os pares e ainda a transposição de situações
para situações” (Roldão, 2017, p.1141).

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
ARTIGO

Conceções e boas
práticas: intervenção
junto de alunos com
dislexia
Resumo
Este artigo procura definir e enquadrar a dislexia como uma disfunção
neurológica que se manifesta em indivíduos com um QI normal ou aci-
ma da média, com dificuldades na leitura, envolvendo, igualmente, difi-
culdades na escrita. Atinge uma franja significativa da população estu-
dantil, podendo manifestar-se noutras áreas académicas, com impacto
emocional e comportamental. Neste artigo, sustentado numa revisão da 13
15

literatura mais atual, apresentamos alguns dados, com base num estudo
desenvolvido pela Federação Nacional de Educação (2019), que refletem a
insatisfação provocada pelas recentes mudanças legislativas, nas escolas
portuguesas, no que concerne à conceptualização e operacionalização
do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, no nosso país. Discute-se, ain-
da, as suas causas, tipos e sinais de alerta, apresentando sugestões de
intervenção, junto destes alunos.
PALAVRAS-CHAVE: Perturbações da Aprendizagem Específica, Dislexia e Intervenção.

Abstract
This article tries to define and contextualize dyslexia as a neurologic
dysfunction that is manifested in individuals with a normal or above-av-
erage IQ, with difficulty reading and writing. It affects a significant per-
Rita Simas Bonança centage of the student population and can also manifest itself in other
Doutoranda em Educação learning areas, with an impact on an emotional and behavioral level. In
Universidad Iberoamericana (México) this article and based on recent literature, we present facts based on a
Diretora da Associação Portuguesa study performed by National Education Federation (2019), that reflects
de Dislexia — Polo Açores this dissatisfaction of Portuguese schools regarding the latest legislative
Técnica Superior de Educação Especial changes in regards to the conceptualization and operationalization of
the Decree-Law n.º 54/2018, from July 6th in our country. Also discussed
rita.bonanca@gmail.com are the causes, types, alert signs and suggestions to intervein with these
students.
KEYWORDS: Specific Learning Disorders, Dyslexia and Intervention.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Definição e Enquadramento Legal específica, mas que é, frequentemente, usado de um modo
Dentro das perturbações da aprendizagem específica, a dis- abusivo, pois tem sido dada a ideia incorreta de que todos os
lexia é, sem dúvida, um dos temas mais investigados em de- indivíduos com problemas de leitura ou de instrução, de um
trimento das outras dificuldades, tais como a disortografia, modo geral, têm dislexia (Cruz, 2009, p. 150).
discalculia e disgrafia. Infelizmente, a dislexia é uma dificuldade de aprendi-
No que se refere à raiz etimológica da palavra dislexia, zagem que se encontra ainda adormecida nas escolas, sendo
verifica-se que tem origem no prefixo grego “dis” que quer o papel dos professores determinante para a diminuição do
dizer uma “dificuldade, perturbação" e no elemento grego insucesso dos alunos com dificuldades de leitura e escrita,
"lexia" que significa "ler" (Hennigh, 2003). nomeadamente com dislexia (Serra & Estrela, 2007).
Sobre a definição de dislexia e, apesar da investigação Sobre a formação dos docentes, Serra (2006) numa en-
acontecer desde finais do séc. XIX, podemos apontar ain- trevista à Educar recorda-nos que:
da alguns contrassensos sobre esta temática (Carvalhais
& Silva, 2007; Hennigh, 2003; Salles, Parente & Machado, são poucos os professores que obtiveram formação so-
2004; Shaywitz, 2008), entre os demais autores da literatura bre esta problemática. Não lhes tendo sido oferecida nos
da especialidade, pelo que ao longo do tempo foram sendo contextos de formação inicial e não a tendo obtido na
apresentadas diferentes propostas e definições. formação ao longo da vida, restar-lhes-ia reuni-la em
A definição que atualmente assume maior anuência autoformação. Mas há aspetos práticos, da avaliação e
pela comunidade científica é a proposta pela Associação In- intervenção, que necessitam de ser abordados na relação
ternacional de Dislexia (2002): direta. Não culpo os professores por essa falta de forma-
ção porque, pela minha experiência ao longo da última
é uma incapacidade específica da aprendizagem, de ori- década, percebi que eles se afirmam radiantes por ter tido
gem neurobiológica. É caracterizada por dificuldades na acesso a ela e dececionados porque consideram que todo
correção e/ou fluência na leitura de palavras e por baixa aquele conjunto de saberes devia ter-lhes sido ensinado
competência leitora e ortográfica. Estas dificuldades re- antes de iniciarem a sua vida profissional. E, às vezes, há
14
16 sultam de um défice fonológico, inesperado, em relação professores já com vinte e mais anos de serviço!
às outras capacidades cognitivas e às condições educati-
vas. Secundariamente podem surgir dificuldades de com- Em Portugal, o Regime Jurídico que regulamenta a
preensão leitora, experiência de leitura reduzida que pode Educação Inclusiva é o Decreto-lei n.º 54/2018, de 6 de ju-
impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conheci- lho, que revogou o Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro,
mentos gerais (cit. por Teles, 2004, pp. 714-715). alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio. Entretanto, a
Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro, procede à primeira alte-
A dislexia é uma perturbação neurológica que afeta ração do Decreto-lei n.º 54/2018, por apreciação parlamen-
a aprendizagem da leitura em crianças em idade escolar, tar do referido diploma.
sendo o défice fonológico a causa destas dificuldades. Geral- Face às recentes alterações legislativas, no nosso país,
mente, manifesta-se em concomitância com outras pertur- constata-se alguma insatisfação na conceptualização e
bações da aprendizagem específica, nomeadamente da es- operacionalização do referido Decreto. A par disso, Correia
crita (disortografia e disgrafia) e da aritmética (discalculia). (2018) no artigo de opinião, publicado no Jornal Público, in-
Em Portugal, Vale, Sucena e Viana (2011) apresentam- titulado “Educação de alunos com necessidades educativas: a
-nos um estudo sobre a prevalência da dislexia entre crian- profecia cumpre-se”, aponta que:
ças do 1.º Ciclo do Ensino Básico falantes do Português Eu-
ropeu, que envolveu 1460 alunos, dos 2.º, 3.º e 4.º anos de as NEE são ignoradas (excluídas?) como que a parecer
escolaridade, sendo que os resultados apontam para uma uma questão de preferência educativa ou, pior ainda, uma
prevalência de 5,4% crianças com dislexia.
Segundo Correia (2013) a dislexia é uma NEE2 de cará- 2
O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, abandona a categorização
ter processológico onde se incluem todos os indivíduos com de alunos, incluindo a “categoria” necessidades educativas especiais,
dificuldades na receção, organização e expressão da infor- sustentando-se no pressuposto de que não é necessário categorizar
para intervir. Por este motivo, ao longo deste artigo, optou-se por utilizar
mação. O termo dislexia refere-se “a um subgrupo de de- a designação “NEE”, como uma “necessidade educativa específica”,
sordens dentro do grupo das dificuldades da aprendizagem dado a urgência na priorização dos direitos destas crianças e jovens.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
questão em que as “diferenças significativas” são relega- exame não salvaguardam o previsto nas adaptações. O estu-
das para segundo plano, equiparando-as a uma qualquer do destaca ainda que sobre o Centro de Apoio à Aprendiza-
diferença banal, tal como a altura de um indivíduo, a cor gem (CAA), nomeadamente 82,11% não conseguem dar res-
do cabelo, as preferências gastronómicas e demais de- posta a todas as solicitações previstas no n.º 6, do art.º 13.
sigualdades triviais. (...) ignora, pura e simplesmente, a Outros 93,66% entendem que as horas da componente não
multiplicidade de características, distribuídas por catego- letiva dos docentes são insuficientes para prestar respostas
rias, que as NEE englobam, conferindo a cada uma delas inclusivas. Ainda, 90,41% responderam que as funções do
uma identidade própria e diferentes graus de severidade. professor de educação especial não estão esclarecidas de
forma clara. 58,21% recorrem a instrumentos para a identi-
O mesmo autor, Correia (2019), defende que “as ambi- ficação dos fatores que facilitam e/ou dificultam o processo
guidades contidas no diploma parecem atuar como um tra- e o desenvolvimento da aprendizagem. Por último, 78, 26%
vão ao sucesso educativo dos alunos com NEE”. entendem que as parcerias não funcionam em tempo útil.
A esse respeito, a Federação Nacional da Educação – Na verdade, são inúmeras as dúvidas que foram levan-
FNE (2019) realizou uma consulta a nível nacional, a 615 do- tadas pelos docentes neste inquérito, pelo que a FNE (2019)
centes, onde destaca uma série de aspetos, relacionados com veio a apresentar um conjunto de propostas, pois conside-
a aplicação do diploma, sendo que registamos, em seguida, ram que as alterações na Lei n.º 116/2019 foram ainda insufi-
algumas conclusões que achamos mais relevantes. Segundo cientes para assegurar mecanismos de inclusão nas escolas.
esta investigação, até à data do estudo, 29,92% das escolas Desta forma, destacam um conjunto de aspetos, dos quais
não se encontravam a implementar o diploma em pleno. passaremos a apresentar, entre eles os seguintes: a redução
Neste estudo, 83,91%, dão conta das dificuldades/dúvidas da carga burocrática do diploma; a obrigatoriedade de tur-
na aplicação do diploma. Outros 62,44% destacam a fraca/ mas reduzidas; a criação de um novo diploma, ou a alteração
pouca funcionalidade e, ainda, a excessiva burocratização do atual, acrescentando referências específicas aos alunos
(65,05%). 55,45% não concorda com a abrangência deste di- com NEE; a atribuição de horas destinadas ao trabalho co-
ploma a “todos os alunos”, sendo que a maioria está a favor laborativo (docentes e técnicos); a clarificação das funções
da referência específica aos alunos com NEE (79,35%). dos docentes de Educação Especial, na componente letiva e 15
17

Um número significativo de participantes, mais pro- não letiva; a articulação dos diplomas, como por exemplo, as
priamente 80%, aponta a necessidade da existência de re- condições no processo de avaliação do aluno, durante o seu
ferências mais específicas, no que se refere a alunos com percurso escolar, devem ser as mesmas nas provas e exames
NEE. As conclusões desta investigação ainda destacam que nacionais; a clarificação do conceito e modo de operaciona-
52,04% não compreendem as definições e nomenclaturas do lização do CAA e sua regulamentação; a atribuição de horas
diploma. No que se refere à abordagem multinível, 57,81% de componente letiva aos docentes de Educação Especial,
dos respondentes afirmam não entender ou ter dificuldades no âmbito da intervenção direta junto dos alunos; o reforço
nos pressupostos deste princípio. No que se refere à parti- do número de docentes de Educação Especial; a definição de
cipação dos pais ou encarregados de educação nas reuniões uma metodologia que integre um conjunto de instrumentos
multidisciplinares, 65,35% apontam não se reunir com es- (com uma linguagem universal) para a identificação dos fa-
tes. Outros 95,52% informam-nos que os pais não dominam tores que facilitam e/ou dificultam o processo e o desenvol-
a terminologia do referido diploma e ação proposta e, ainda, vimento das aprendizagens; a definição sobre o número de
não são informados. 59,26% dos docentes não se sentem de- horas destinado ao trabalho das equipas multidisciplinares,
vidamente esclarecidos para elucidar os pais ou encarrega- à antecipação e reforço da aprendizagem, ao apoio tutorial,
dos de educação. 91,22% dos respondentes consideram que à intervenção com foco académico ou comportamental em
o tempo que dispõem para aplicá-lo é insuficiente. Outros pequenos grupos, ao apoio psicopedagógico e ao desenvol-
79,4% referiram que não foram comtempladas horas, com vimento de competências de autonomia pessoal e social; um
vista ao trabalho colaborativo. No que se refere à definição maior investimento nas escolas, no que se refere às condi-
das medidas de suporte à aprendizagem, 33% dos inquiridos ções materiais e humanas, no âmbito dos Planos Individuais
consideram que estas devem ficar a cargo de uma “Equipa de Transição; a especificação, na lei, de medidas alternati-
Multidisciplinar” e 67% referiram que devem ser da respon- vas, no âmbito da criação de parcerias, especificamente des-
sabilidade do “Conselho de Turma/Professor Titular de Tur- tinadas às escolas localizadas no interior do país, por exem-
ma”. 81,79% dos participantes entendem que as provas de plo, de forma a compensar as dificuldades dos alunos e, por

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


último, a garantia ao direito de acesso ao ensino superior processa o reconhecimento visual das palavras, onde se rea-
dos jovens com dificuldades de apoio à aprendizagem. liza a leitura rápida e automática. É a zona para onde con-
Perante os dados percentuais apresentados, não exis- vergem todas as informações dos diferentes sistemas senso-
tem quaisquer dúvidas de que deve haver maior preocupa- riais, onde se encontra armazenado o «modelo neurológico
ção e esclarecimento na definição de conceitos e nos pro- da palavra». Este modelo contém a informação relevante so-
cedimentos explanados no referido decreto, de forma a que bre cada palavra, integra a ortografia.” (Teles, 2004, p. 715
no terreno não surjam situações que coloquem em risco o ) (Cf. Figura 1). Dadas estas dificuldades, os disléxicos, por
sucesso e o futuro de alunos com necessidades educativas, norma, recorrem mais à Área de Broca (área frontal inferior
mais propriamente com dislexia. esquerda) e a outras zonas do lado direito para acederem a
pistas visuais, do que às áreas localizadas na parte posterior
Causas da Dislexia do cérebro, daí as diferenças nas áreas do córtex cerebral
A recente investigação tem-se debruçado sobre esta área em (Coelho, 2019), em imagens, entre disléxicos e não disléxi-
busca de respostas, sendo a origem da dislexia de natureza cos (Cf. Figura 2).
multicausal. Bakker (2002) corrobora com esta teoria, salientando
No campo da genética, os demais autores da especia- que, no âmbito do Programa de Investigação Anatómica da
lidade apontam a hereditariedade como uma das principais Universidade de Harvard, foram detetadas células ectópicas
causas da dislexia (Coelho, 2019; Salles, Parente & Machado, nos cérebros de todos os disléxicos, localizadas nos lobos
2004; Teles, 2004). Estudos epidemiológicos apontam uma temporal e frontal do hemisfério esquerdo. Outros inves-
elevada taxa de prevalência desta disfunção entre membros tigadores descobriram que os tecidos do planum temporale
da mesma família (Moura 2005; Moura, 2009; Moura, 2017; apresentavam uma simetria diferente no cérebro de indiví-
Moura, 2018; Teles, 2004). Teles (2004, cit. por Pennington, duos disléxicos do que a maioria dos cérebros de indivíduos
2003) destaca os cromossomas 2p, 3p-q, 6-p, 15-q e 18 p, não disléxicos. Ainda as células do sistema magnocelular
como estando na origem destas dificuldades. Segundo Mou- parecem ser mais pequenas do que o normal.
ra (2013) algumas investigações referem que a dislexia pode
16
18 afetar mais o género masculino, alcançando um rácio de 1,5
a 3 rapazes por cada rapariga. O mesmo autor sublinha ain-
da a predisposição hereditária entre familiares, quando uma
das figuras parentais apresenta dislexia, verificando-se uma
taxa de prevalência de 30% entre irmãos e de aproximada-
mente 70% entre gémeos monozigóticos.
Na área da neurobiologia, descobertas fornecem-nos
evidências sobre o papel de várias regiões do córtex cere-
bral, que são responsáveis pelos processos de leitura e escri-
ta. Shaywitz (2008) defende que existem três áreas que in-
tervêm no processo de leitura: o giro inferior frontal, a Área
Figura 1 — Áreas do cérebro responsáveis pela linguagem
parietal-temporal e a Área occipital-temporal. A região in- Fonte: Shaywitz, 2003
ferior-frontal “é a área da linguagem oral. É a zona onde se
processa a vocalização e articulação das palavras, onde se
inicia a análise dos fonemas. A subvocalização ajuda a leitu-
ra fornecendo um modelo oral das palavras. Esta zona está
particularmente ativa nos leitores iniciantes e disléxicos.”
A região parietal-temporal “é a área onde é feita a análise
das palavras. Realiza o processamento visual da forma das
letras, a correspondência grafo-fonémica, a segmentação e
a fusão silábica e fonémica. Esta leitura analítica processa-
-se lentamente, é a via utilizada pelos leitores iniciantes e
disléxicos.” A região occipital-temporal “é a área onde se Figura 2 — Marca neurológica da dislexia
Fonte: Shaywitz, 2003

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Por último, na área psicolinguística “os maus leito- as caraterísticas principais destas dislexias. Na dislexia fo-
res mostram um vasto conjunto de défices da linguagem nológica, os indivíduos conseguem ler palavras regulares
que, frequentemente, são interdependentes e que, em ge- ou irregulares, desde que frequentes ou familiares, por via
ral, apontam para um problema comum a nível fonológico, léxica, no entanto, não conseguem ler palavras desconhe-
o qual está na base de muitas das dificuldades na leitura.” cidas ou pseudopalavras, porque não conseguem utilizar
(Cruz, 2009, p. 160). o mecanismo de conversão de grafemas em fonemas (via
subléxica). Por outro lado, a dislexia de superfície inclui
Tipos de Dislexia indivíduos que leem através do processamento fonológico
Cruz (2009) distingue dois tipos de dislexia: a dislexia ad- (via subléxica ou indireta), porém não o fazem a partir da
quirida e a dislexia evolutiva (Cruz, 2007; Citoler, 1996). A via léxica (direta), isto é, a identificação das palavras é reali-
dislexia adquirida integra indivíduos, previamente leitores zada a partir do som. Por norma, não são capazes de ler uma
competentes, que sofreram uma lesão cerebral resultante palavra como um todo. Revelam mais dificuldades com as
de um acidente (traumatismo craniano...), por exemplo. A palavras irregulares e excecionais, mostrando maior facili-
dislexia evolutiva ou de desenvolvimento engloba indiví- dade na leitura de palavras regulares, familiares ou não. Na
duos com dificuldades na aquisição inicial da leitura, sendo a dislexia profunda, os indivíduos não leem pseudopalavras,
sua causa desconhecida (Castro- Caldas, 2002; Citoler, 1996) mostram dificuldades em aceder ao significado das palavras
Segundo o autor, as dislexias fonológicas, superficiais e cometem erros visuais e derivados. Demonstram dificul-
e profundas podem integrar as dislexias adquiridas e evo- dades na leitura de palavras abstratas, verbos e palavras
lutivas, apesar de encontrarmos caraterísticas muito se- função (Cruz, 2009) (Cf. Tabela 1).
melhantes entre elas, pelo que destacaremos, em seguida,

Tabela 1 — Tipos de dislexias

Dislexia adquirida Dislexia fonológica: dificuldades no uso do procedimento subléxico por lesão cerebral. 17
19

Dislexia superficial: dificuldade no uso do procedimento léxico por lesão cerebral.

Dislexia profunda: dificuldade no uso de ambos os procedimentos por lesão cerebral.

Dislexia evolutiva Dislexia fonológica: dificuldade na aquisição do procedimento subléxico por problemas
fonológicos, perceptivo-visuais e neurológicos.

Dislexia superficial: dificuldades na aquisição do procedimento léxico por problemas fonológicos,


perceptivo-visuais e neurológicos.

Dislexia mista: dificuldade na aquisição de ambos os procedimentos por problemas fonológicos,


perceptivo-visuais e neurobiológicos.

Fonte: Cruz (2009, p. 153) — Tabela adaptada

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Sinais da Dislexia pedagógica, sendo esta da responsabilidade de uma equipa
Os professores são aqueles que, geralmente, costumam sus- multidisciplinar, com o objetivo de conhecer a natureza das
peitar que um aluno tem uma perturbação da aprendizagem dificuldades na leitura e, por conseguinte, na escrita e em
específica, dadas as suas dificuldades na leitura e, geral- outras áreas.
mente, na escrita. Quando são detetados os primeiros sinais Em seguida, categorizamos os sinais de alerta por ci-
de alerta, sugerimos a realização de uma avaliação psico- clos de ensino (Cf. Tabela 2).

Tabela 2 — Sinais de alerta

Primeira Infância e Jardim de Infância 1.º Ciclo 2.º, 3.º Ciclos e Secundário

Os primeiros sinais indicadores surgem A criança, neste ciclo de ensino, apresenta As dificuldades na leitura e na escrita
na linguagem oral, podendo a criança lentidão e, geralmente, relutância nas tarefas persistem.
apresentar um atraso na linguagem. de leitura e escrita. Leitura muito vacilante e lenta.
No jardim de infância, a criança continua Não consegue acompanhar o ritmo de Necessita ainda de tempo suplementar
a apresentar uma linguagem infantilizada, aprendizagem dos restantes alunos da para concluir as tarefas escolares.
com frases excessivamente simples, turma.
mal pronunciadas, com substituições Os seus textos continuam a apresentar
A fluência e a precisão leitora encontram-se erros de escrita.
e omissões, demonstrando ter pouco abaixo dos valores normativos.
vocabulário. Opta por utilizar palavras mais simples e
Na leitura de um texto, apresenta vacilações, familiares.
Apresenta dificuldades em memorizar omissões, repetições e pausas.
canções, poesias, lengalengas e em Apresenta ideias originais e um talento
aprender o nome de objetos, cores e Por norma, mostra falta de prazer pela especial em áreas mais especializadas e
pessoas... leitura. práticas: arquitetura, engenharia, artes,
Dificuldades em interpretar e recontar Dificuldade em manter-se concentrado e informática...
uma história. atento. Expressa-se melhor oralmente do que na
Dificuldades na divisão silábica, nas rimas, Dificuldades na compreensão de textos. escrita.
nos sons... Frustração e baixa autoestima. Insegurança em pronunciar palavras mais
18
20 complexas.
Dificuldades nas noções de espaço e Dificuldades em desenvolver as ideias de um
temporais: em cima/em baixo, à frente/ texto, em resumir, fazer apontamentos...
atrás, direita/esquerda/depois/antes ... Dificuldades em distinguir o que é o
essencial e o que é acessório num texto lido.
Na escrita, apresenta um elevado número de
erros ortográficos, gramaticais, fonológicos,
de acentuação e pontuação.
Consegue compreender melhor
os conteúdos quando são lidos e
exemplificados.
Melhores resultados nas disciplinas que não
dependem da escrita: desporto, música,
matemática...
Necessita de tempo suplementar para
concluir as tarefas/testes.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Do Diagnóstico à Intervenção das Perturbações • Certifique-se que todos os professores do seu filho es-
da Aprendizagem Específica com défice da leitura tão informados sobre o teor da avaliação e as recomen-
Caso se identifique dificuldades na leitura, escrita e, ainda, dações que nela constam. Peça para que seja entregue
défices fonológicos, sugere-se a realizada uma avaliação psi- uma cópia da avaliação a cada um dos professores;
copedagógica. Esta deve incidir no historial clínico do alu-
no, nas suas competências cognitivas e comportamentais, • Procure manter um contacto regular com os professo-
na linguagem compreensiva e expressiva, no processamen- res, esclarecendo-os sobre as caraterísticas do seu filho
to fonológico e, ainda, nas funções executivas. É elementar e elucidando-os sobre a melhor forma de o ajudar;
avaliar para diagnosticar, de forma a identificar as áreas fra-
cas e fortes, podendo esta avaliação ser realizada em qual- • Identifique os livros e materiais com cores para que o
quer idade, não existindo um único teste para o diagnóstico seu filho os reconheça instantaneamente;
da dislexia. Após os resultados desta avaliação, recomenda-
mos a criação um plano de intervenção que deve ser con- • Procure ensinar o seu filho a organizar a mochila e to-
cebido por uma equipa multidisciplinar, para garantir um dos os materiais de que necessita;
trabalho articulado entre docentes, profissionais de saúde e
família. No entanto, antes desta avaliação, deve ser realiza- • Registe o tempo que o seu filho dispensa para concluir
do um exame auditivo e da visão, para despiste de eventuais os trabalhos de casa e procure partilhar estas informa-
dificuldades relacionadas com a visão e audição. Ainda é de ções com os professores.
extrema importância conhecer o contexto sociocultural da
criança, a conjetura familiar e, ainda, aferir se as metodolo- Estratégias
gias de ensino são favoráveis.
Em seguida, apresentamos um conjunto de sugestões, • Procure ler, regularmente, ao seu filho a partir de livros
com base num trabalho teórico de investigação, de acordo ou outro material recomendado, explicando o signifi-
com pesquisas internacionais e nacionais, que estão em cado de palavras novas e discutindo o sentido global
permanente construção, sobre as perturbações da apren- dos textos; 19
21

dizagem específica. No entanto, ressalvamos que todo este


conteúdo está em permanente análise e aprofundamento, • Explique ao seu filho como se usa um dicionário con-
pelo que não se esgota apenas nestas possibilidades. Cabe, vencional e as ferramentas eletrónicas, tais como, orga-
portanto, ao professor agilizar estratégias e mecanismos de nizadores, agendas, corretores ortográficos eletrónicos;
apoio à aprendizagem destes alunos.
• Procure que o seu filho realize um trabalho autónomo.
Apoio pedagógico Se solicitar ajuda, responda de forma clara.
O apoio pedagógico deve sempre ser assegurado pelos do-
centes das disciplinas, sempre que o aluno apresente dificul- • Reserve tempo para ouvir o seu filho.
dades nos conteúdos curriculares.
• Informe-se sobre a existência de grupos de apoio à fa-
Acompanhamento familiar mília ou de organizações dedicadas à causa.
O acompanhamento familiar é elementar no sucesso aca-
démico de alunos com dislexia. Assim sendo, Davis (2002) Acompanhamento psicopedagógico
apresenta-nos algumas recomendações e estratégias cru- Este tipo de apoio ocorre com o propósito de desenvolver
ciais, que registamos em seguida: as áreas em défice, que estão relacionadas maioritariamen-
te com a leitura e escrita. Propomos que a intervenção seja
Recomendações realizada em sessões de apoio de caráter sistemático, a car-
go de um docente especializado, podendo ocorrer indivi-
• Procure ajudar o seu filho a fazer os trabalhos de casa; dualmente ou em pequenos grupos. O apoio pode também
ocorrer em interação com outros alunos em contexto de sala
• Opte por um acompanhamento especializado, caso não de aula, num período de tempo a determinar, dependendo
consiga acompanhá-lo, nos estudos em casa; das dificuldades diagnosticadas, sempre que não estejam a

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


lecionar conteúdos novos. Contudo, importa ressalvar que, docente/s da turma, outros técnicos e pais/encarregados de
dificilmente, este apoio possa ser ministrado em contexto educação.
sala, com os restantes alunos. Por último, o trabalho de in- Sugere-se que a intervenção incida nas áreas em défice,
tervenção deve ser articulado com o diretor de turma, o/os tendo em conta as habilidades básicas e instrumentais:

Tabela 3 — Áreas de Intervenção

Áreas de Intervenção Sugestões de Intervenção

Linguagem compreensiva e expressiva Ler e interpretar textos.


Jogos de vocabulário (distinguir antónimos e sinónimos; palavras da mesma família
e da mesma área vocabular).

Linguagem - Consciência fonológica Realizar rimas.


Contar palavras e frases num texto.
Segmentar silabicamente e foneticamente palavras.
Identificar sílabas iniciais, mediais e finais.
Identificar palavras a partir de sílabas e fonemas.
Substituir sílabas por outras.
Omitir sílabas e fonemas numa palavra.

Competências psicomotoras Exercícios de motricidade fina (rasgar, encaixar, manusear a plasticina, pintar, enfiamentos,
enroscar, abotoar, seguir linhas pontilhadas, desenhar, recortar, escrever...).
Exercícios de motricidade grosseira (andar de bicicleta, saltar ao pé coxinho, equilíbrio
num só pé, saltos à tesoura, cavalgar, saltar à corda, saltar obstáculos).
20
22

Leitura Ler palavras, frases ou textos para aumentar a fluência (velocidade, precisão e prosódia) e
compreensão leitora.

Escrita Realizar apontamentos, súmulas com os conteúdos da matéria.


Escolher 10 familiares/pessoas amigas e escrever um texto com a descrição de cada uma.
Escrever uma entrevista fictícia.
Escrever uma autobiografia.
Escolher uma parte de um livro e escrever com um estilo diferente.
Escrever um episódio que aconteceu na infância.
Escrever num diário.
Escrever anedotas e poesias.
Escrever receitas a computador.
Realizar um recado escrito (lista de compras).
Realizar ditado de palavras.
Realizar exercícios de acentuação e pontuação.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Áreas de Intervenção Sugestões de Intervenção

Funções executivas

Atenção (sustentação, foco, fixação, Lotos, puzzles.


seleção de dados relevantes dos Sudoku.
irrelevantes, etc..) Palavras cruzadas, dominó.
Descobrir diferenças numa imagem.
Identificar símbolos/imagens iguais.
Simetrias.

Memória de trabalho (localização, Repetir uma sequência de números por ordem direta e inversa.
recuperação, utilização da informação Recontar uma história.
relevante, manipulação, etc.) Cálculo mental/operatório.
Atividades com instruções com vários passos (aumentando o grau de complexidade).
Memorizar mnemónicas.

Planificação/organização (priorização, Realizar um horário semanal, com as tarefas a realizar.


ordenação, hierarquização de tarefas, Marcar, numa agenda contactos, datas de nascimento, datas dos testes, provas orais
tendo em vista objetivos, resultados, etc.) (por exemplo, todos os prazos importantes da vida escolar).
Realizar o planeamento de um texto numa folha de rascunho.
Escalonar as tarefas mais importantes a fazer diariamente.

Iniciação (começar uma atividade/ Criar debates, um projeto e atividades.


tarefa, criar ideias, despontar um debate, Ser porta-voz da turma na resolução de uma atividade.
conversa) Apresentar algo de improviso.

Monitorização (revisão, supervisão...) Autoavaliação.


Consultar o texto, sublinhando cada uma das partes e, só depois, ordenar
cada momento da história.
21
23
Confirmar se respondeu a todas as perguntas do teste/ficha de trabalho.
Consultar o glossário.
Reler as respostas para detetar eventuais erros morfossintáticos, ortográficos, etc.
Realizar um resumo oral, após a leitura de um texto.
No início da elaboração dos testes, folhear a extensão da prova.

Mudança (capacidade de alterar Reler as respostas para detetar eventuais erros ortográficos.
a estratégia; detetar erros)

Inibição (capacidade de resistir Afixar as regras num local visível.


a um impulso) Criar um mapa de comportamento.
Priorizar uma relação de proximidade.
Ensinar a autocontrolar-se através de jogos, atividades, desporto.
Ensinar algumas estratégias de retorno à calma (música, alongamentos...).

Controlo emocional (autorregulação Explicar as consequências dos seus atos e o impacto das suas atitudes
das emoções) e comportamento nos outros.
Reserve tempo para conversar com a criança sobre os seus sentimentos.
Encorajar a criança a falar sobre as suas emoções.
Ensinar a criança a ser capaz de reconhecer o que os outros sentem.

Organização de materiais (arrumação Organizar os materiais no cacifo, secretária...


dos materiais e espaços de trabalho)

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Tabela 1 — Medidas educativas para alunos com dislexia3

Diferenciação pedagógica Escolher textos, respeitando o nível de leitura dos alunos.


Disponibilizar material complementar e ferramentas organizacionais (agendas, calendários...)
Aplicar metodologias pedagógicas diversificadas, através de contos de histórias,
jogos lúdicos, retroprojetor, televisão, situações-problema, cartazes, PowerPoint,
canções, material manipulativo específico e de psicomotricidade.
Apostar em estratégias que promovam a leitura e o gosto pelos textos escritos,
como forma de ampliar o léxico e o conhecimento gramatical.
Adaptar, de forma mais explícita e faseada, os exercícios de acordo
com as caraterísticas de cada aluno.
Explorar a interdisciplinaridade dos temas curriculares e conceitos.
Oferecer o mesmo conteúdo em diversos suportes (texto escrito; texto áudio;
vídeos sobre o assunto; literatura; canções; gráficos; esquemas conceptuais, etc.),
por forma a atender às dificuldades específicas e a garantir o acesso à informação,
respeitando dificuldades e ritmos de aprendizagem.
Gravar em áudio os textos e obras literárias.
Colocar a informação destacada, a partir de cartazes, fotografias, gravuras, recortes, cartazes.
Complementar as instruções orais com instruções ilustrativas.
Utilizar esquemas, mapas concetuais.
Pedir o feedback sobre a leitura dos textos.
Exemplificar sempre de forma concreta antes de seguir para o abstrato.
Usar o dicionário ou glossários convencionais ou disponíveis online.
Estabelecer tarefas de conclusão rápida (inicialmente), começando a aumentar
gradualmente a complexidade e duração das mesmas.
Reduzir a quantidade e a extensão das tarefas, apostando na qualidade e não na quantidade.
Certificar-se de que o aluno compreendeu as instruções do trabalho antes de iniciar a tarefa.
Levar o aluno a verbalizar as instruções e os conteúdos apreendidos, através da verbalização.
Integrar a literatura infantojuvenil e as práticas de visionamento de vídeos ou filmes com
22
24
legendas, de grande interesse para os alunos, de forma a aumentar a fluência e precisão leitora.
Assumir uma atitude positiva, tentando valorizar e reforçando os comportamentos adequados.
Intercalar tarefas complexas com tarefas mais simples.
Intercalar tarefas mais passivas com tarefas de maior interesse.
Permitir tempo extra para a conclusão dos trabalhos, sem qualquer tipo de pressão,
no sentido de serem respeitados os ritmos individuais de cada aluno.
Dividir trabalhos longos em partes mais pequenas, para que o aluno possa perspetivar o fim
do trabalho.

Localização/organização Sentar o aluno num lugar próximo do professor, com visibilidade total para o quadro.
em sala de aula Dispor as mesas da sala em U.
Organizar trabalhos de grupo.
Ficar junto do aluno quando estão a ser realizadas explicações sobre as tarefas/atividades.
Disposição dos alunos em pequenos grupos de trabalho.
Coadjuvação em sala de aula (antecipação e reforço das aprendizagens).
Permitir que o aluno faça pequenas pausas e possa sair da sala (time out).
Sentar o aluno num lugar afastado de fatores distráteis que prejudiquem a sua atenção.
Sentar o aluno perto de um colega que sirva de modelo.
Dar a oportunidade para o aluno se levantar na sala de aula.
Afixar um calendário com as datas de testes e apresentações orais na sala.
Colocar um relógio na sala para o aluno poder estimar o tempo que dispensa em cada tarefa.

3
Observações: Sugerimos a consulta do website do Comité para as Novas Tecnologias da BDA (BDA New Technologies Comité), através do seguinte
link: http://bdatech.org/what-technology/typefaces-for-dyslexia/

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Apresentação dos conteúdos Usar letra legível (ARIAL, COMIC SANS), tamanho 12-14, espaçamento 1.5. Alguns disléxicos
(fichas de trabalho, tarefas) podem necessitar de um tamanho de letra maior. Outras opções: Century Gothics, Tahoma,
Trebuchet ou Verdana. Também sugerimos o tipo de letra Open dyslexic.4
Apresentar as informações importantes, destacadas, num tipo de letra maior.
Usar o texto justificado.
Oferecer um glossário com explicação das palavras mais difíceis usadas no enunciado.
Usar caixas de texto, para destacar alguma informação.
Assinalar as palavras-chave e verbos de comando a negrito ou com um marcador
ou lápis de cor da preferência do aluno.
Usar um tipo de papel com gramagem suficiente para que o que seja escrito não seja visível
no lado oposto.
Evitar tons verdes, vermelhos e rosas, no caso de crianças e jovens disléxicos com daltonismo.
Usar tópicos em vez de texto corrido.
Utilizar papel mate, num tom creme ou pastel, em vez de acetinado.
Evitar o sublinhado ou itálico e palavras escritas com letras maiúsculas, pois são mais difíceis de ler.
Usar no máximo 60 a 70 caracteres por linha.
Numerar do lado esquerdo do texto as linhas, por exemplo, de 5 em 5.
Simplificar as orientações escritas, reduzindo palavras e numerando os passos da tarefa.
Apresentar, sempre que possível, um modelo que sirva de exemplo aos alunos e que lhes permita
compreender a lógica do que é solicitado e realizar com sucesso a atividade na sua totalidade.
Tentar que cada tarefa tenha algo motivante na sua realização (exemplo: desenhos, mapas, incentivos).
Aplicar mnemónicas como estratégia de memorização de conhecimentos relevantes.
Acompanhar a leitura dos textos de dinâmicas que envolvam os diferentes sentidos, numa
aposta eclética, sinestésica e lúdica.

Avaliação

23
25
Aspeto formal dos testes Possibilitar que o aluno beneficie de condições especiais de avaliação na correção de provas/
exames (Ficha A).
Ler os enunciados da prova, explicando a organização geral da mesma, bem como o valor
a atribuir a cada parte que a compõe.
Beneficiar os alunos com testes diferenciados: perguntas diretas; escolha múltipla; resposta
curta; preenchimento de espaços; legendagem de imagens; questões de V e F, com uma
linguagem simples e acessível.
Evitar agrafar as folhas de teste.
Evitar a impressão dos testes escritos na frente e verso das folhas.
Numerar as páginas dos testes.
Reduzir o número de tarefas por página nos testes escritos.
Oferecer o enunciado da prova no computador para que os alunos possam beneficiar das
funcionalidades deste recurso, nomeadamente no que diz respeito à mudança do tamanho da
letra e da cor do texto, audição do texto escrito, recurso a tutores ou orientações escritas ou em
áudio, glossários, imagens complementares que ajudam na compreensão, gravar as suas respostas
às questões, usar ferramentas que possibilitem apresentar o seu saber de outra forma, etc.
Evitar colocar um x (errado) ou o uso do vermelho nos erros ortográficos. Poderão
rodeá-los, apenas, em sinal de que aqueles vocábulos exigem mais esforço ou atenção.
Evitar testes com demasiada informação ou informação visualmente condensada por página.
Colocar no final dos textos um glossário com a definição das palavras difíceis.
Permitir a releitura da prova e/ou audição do enunciado, sempre que for necessário e explicar
os vocábulos que o aluno não compreendeu.
Supervisionar se o aluno compreendeu o que é pedido, ressalvando para prestar atenção aos
enunciados das questões, bastando apontar para as palavras-chave. Ex: “Lê melhor esta palavra ou frase”
ou “A resposta encontra-se neste parágrafo” ou “Respeita o exemplo apresentado”, etc. Sugere-se que a
leitura da prova seja realizada pelo professor titular ou por um professor que lecione a mesma disciplina.

4
Poderá realizar o download da fonte a partir do seguinte link: https://opendyslexic.org

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Não contabilizar os erros ortográficos, de construção frásica, sintática e de pontuação.
Oferecer em suporte áudio o enunciado, bem como as questões e indicações da linha/parágrafo
onde encontrar a resposta, nos casos de maior dificuldade na leitura e na escrita.
Evitar frases na negativa nos enunciados.
Permitir a consulta de resumos e apontamentos.
Permitir o uso de dicionários em diferentes línguas.

Instrumentos de avaliação Permitir aos alunos que escolham o tipo de teste ou outras formas de apresentação
do seu conhecimento.
Proceder à alteração dos instrumentos de avaliação e certificação.
Modificar a graduação de avaliação ou avaliar segundo outros parâmetros.
Atribuir maior peso na avaliação a partir das atividades práticas em detrimento da avaliação
da escrita e da leitura.
Atribuir maior peso na avaliação formativa, realçando as aquisições efetuadas.
Avaliar, com bases em estratégias de auto e heteroavaliação, apenas o que foi ensinado em
profundidade e consolidado previamente em momentos significativos de prática dos conteúdos
a testar.
Avaliar o interesse e desempenho do aluno com base em diferentes tipos de leitura, oferecendo
roteiros de leitura que vão da leitura modelada pelos docentes, prosseguindo com a leitura em
coro, em grupo, aos pares, até chegar à leitura individual. Ex.: os roteiros de leitura permitem
libertar o leitor do stress e ansiedade conotados com as atividades de leitura e escrita,
desenvolvendo, assim, de forma ecológica, as competências orais e a fluência leitora.
Valorizar o desenvolvimento global do aluno, privilegiando a evolução na aquisição
e desenvolvimento de competências e capacidades relevantes para a convivência em meio
escolar e para a vida em geral.

Formas e meios de comunicação Recorrer a outros instrumentos de avaliação em contexto de sala de aula, evitando demasiada
matéria em cada teste, ou seja, realizar trabalhos de grupo, apresentações orais, questões aula, etc.
Fornecer matrizes, guias de estudo, súmulas e apontamentos com informações sobre os
24
26
conteúdos programáticos. Os mesmos devem ser, previamente, preparados e entregues aos
pais e alunos, antes dos momentos avaliativos, sendo instrumentos de apoio e um elo de ligação
entre a escola e a família. Pode ser criado um e-mail para este efeito.
Utilizar uma agenda ou outro registo escrito como canal de comunicação entre o professor,
pais e equipa multidisciplinar.
Usar como ponto de partida para a avaliação contínua, momentos bem-sucedidos de práticas
de oralidade formais e informais, associando-os ao quotidiano dos alunos e ao meio circundante,
com recurso a diferentes tipos de estratégias/atividades: conversas; comentários; debates;
entrevistas; dramatizações; gravações; realização de vídeos, explicação de conteúdos/regras, etc.
Utilizar o reforço positivo e estimular a realização de trabalho autónomo.
Proceder à valorização da oralidade.
Explicitar o significado das palavras que o aluno não compreende.

Periodicidade Evitar a realização de mais de dois testes numa semana. Realizar, no máximo, dois testes
por período, em cada disciplina. Há outras formas de avaliar.
Proporcionar, ao longo do processo de aprendizagem e de forma continuada, a recolha
de elementos de avaliação de outra natureza que não envolvam a escrita e a leitura.
Fornecer aos alunos e aos pais, no início do ano ou do período, a calendarização das provas/
testes.

Local e duração Os testes podem ser realizados dentro e fora de aula, de acordo com o perfil do aluno
e as necessidades contextuais da turma e sala.
Permitir mais tempo para a conclusão das tarefas/testes. O cumprimento rígido de horários
gera muita insegurança.
Permitir que os testes possam ser realizados faseadamente, de preferência no período da manhã.

Fonte: Adaptado de Bonança, Medeiros & Botelho (2020, pp. 88-94), citado por Bonança, revisto por Castanho (2020).

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Conclusão REFERÊNCIAS

A dislexia é uma condição hereditária que abrange um nú- Bakker, D. (2002). O cérebro e a dislexia. In Sanson, J. (Coord.s), O choque
linguístico – A dislexia nas várias culturas (pp. 14-21). Bruxelas: Dyslexia
mero significativo de alunos, com capacidades cognitivas International – Tools and Technologies.
dentro dos valores normativos ou acima da média, sendo
Bonança, R. Medeiros, T. & Botelho, T. (2020). Referencial de boas
desconhecidas as suas causas. Traduz-se numa dificuldade práticas: as perturbações da aprendizagem específicas e os princípios
neurológica, com sinais de alerta desde o jardim de infância da educação inclusiva. Guarda: Disbedo.

até à fase adulta. Coelho, D. (2019). Dificuldades de aprendizagem específicas. Porto: Areal Editores.

Nos contextos de escolarização, a dislexia é uma dificul- Correia, L. (2013). Inclusão e necessidades educativas especiais. Porto: Porto Editora.

dade que merece maior destaque, dada a falta de formação Correia, L. (2018). Educação dos alunos com necessidades educativas
especias: a profecia cumpre-se. Disponível em https://www.
de um elevado número de docentes nesta área, sendo a causa publico.pt/2018/07/16/sociedade/opiniao/educacao-de-alunos-com-
mais frequente do insucesso escolar. Na maioria dos casos, necessidades-educativas-especiais-a-profecia-cumpre-se-1837375.
Acedido em: 4/4/2020.
não é identificada precocemente, nem recebe o atendimen-
Correia, L. (2019). Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de Julho: um ano passado,
to adequado. No nosso país, o Decreto-lei n.º 54/2018, que
um ano perdido?. Disponível em: https://www.publico.pt/2019/10/09/
regulamenta a Educação Inclusiva em Portugal, aplica-se a sociedade/opiniao/decretolei-n-542018-6-julho-ano-passado-ano-
todos os alunos, porém não se vê qualquer referência neste perdido-1887854. Acedido em: 4/4/2020.

diploma sobre as medidas de diferenciação junto de alunos Cruz, V. (2009). Dificuldades de aprendizagem específicas. Lisboa: Lidel-
edições técnicas, Lda.
com dislexia, ficando as medidas universais ao encargo dos
Davis, R. (2002). O que os pais podem fazer. In Sanson, J. (Coord.s), O
professores titulares, que, por norma, não têm formação
choque linguístico – A dislexia nas várias culturas (pp. 55-57). Bruxelas:
nesta área, persistindo a ideia de que todos precisam do Dyslexia International – Tools and Technologies.
mesmo para ter sucesso. O acompanhamento psicopedagó- Decreto-Lei n.°3/2008, de 7 de janeiro de 2008. Diário da República,
gico, sendo esta uma medida seletiva, geralmente, é atribuí- 1.a Série, N.º 4 – 7 de janeiro de 2008. Lisboa: Ministério da Educação.
Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.
do a outros alunos, com dificuldades de natureza cognitiva, php?nid=1405&tabela=leis. Acesso em: 4/4/2020.
não havendo assim a devida intervenção das áreas em défice, Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Diário da República, 1.a Série, N.º
junto de alunos com dislexia. Ainda, a instabilidade sentida 129- 6 de julho de 2018. Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros.
pela maioria dos docentes, a par do estudo promovido pela Disponível em: https://dre.pt/home/-/dre/115652961/details/maximized. 25
27
Acedido em: 4/4/2020.
FNE (2019), em relação aos conceitos e operacionalização,
Federação Nacional da Educação (2019). Consulta Nacional Educação
do Decreto-lei n.º 54/2018, também não é favorável a esta Inclusiva. Disponível em https://fne.pt/uploads/documentos/
conjetura. Aliás, este estudo aponta que em algumas esco- documento_1575631457_1855.pdf. Acedido em: 4/4/2020.

las o diploma não está a ser implementado em pleno, sendo Hennigh, K. (2003). Compreender a Dislexia - Um Guia para Pais e
Professores. Porto: Porto Editora.
evidentes as dificuldades e dúvidas na aplicação do mesmo,
Lei n.º 21/2008, de 12 de maio de 2008. Diário da República, 1.a Série, N.º
quanto às definições da nomenclatura, destacando a sua
91 – 12 de maio de 2008. Lisboa: Assembleia da República. Disponível em:
pouca funcionalidade e burocracia. A maioria dos docentes http://www.ige.min-edu.pt/upload/Legisla%C3%A7%C3%A3o/Lei_21_08.
não se encontra ainda capaz de esclarecer os pais, sendo que pdf. Acesso em: 4/4/2020.

um elevado número de pais não é chamado a participar nas Lei n.º 116/1999, de 13 de setembro de 2019. Diário da República, 1.a Série, N.º
176 – 13 de setembro. Lisboa: Assembleia da República. Disponível em: https://
reuniões multidisciplinares. Apontam que não estão defini-
dre.pt/pesquisa/-/search/426747/details/maximized. Acedido em: 4/4/2020.
das as horas no âmbito do trabalho colaborativo, vindo este
Moura, O. (2013). A Problemática dos 3Ds: Dislexia, disortografia e
trabalho de articulação a ser uma mera utopia nos estabele- discalculia. Revista CRIAP Educação, 2, 34-35.
cimentos escolares, com prejuízo e um impacto crescente na Shaywitz, S. (2003). Overcaming Dyslexia: A new and complete science-
aprendizagem dos alunos com dislexia. Para além disso, as based program for overcaming reading problems at any level. Knopf.

funções do docente de Educação Especial não estão muito Serra, H. (2006). Não culpo os professores pela falta de formação.
Disponível em: https://www.educare.pt/noticias/noticia/
bem esclarecidas, sendo as horas da componente não letiva ver/?id=13143&langid=1. Acedido em: 28-09-2010.
insuficientes, com consequências no sucesso destes alunos. Serra, H. & Estrela, M. (2007). Dislexia e perturbações associadas:
Aliás, a dislexia requer uma intervenção consciente e ajus- memória e atenção. Cadernos de estudo, 5, 93-115.

tada, tendo em conta um conjunto de medidas e estratégias Shaywitz, S. (2008). Vencer a Dislexia. Porto: Porto Editora.
ajustadas ao perfil de cada aluno com estas dificuldades e Teles, P. (2004). Dislexia: Como Identificar? Como Intervir?. Rev. Port. Clin.
Geral, 20, 713- 30.
que podem estender-se a toda a população estudantil, re-
Vale, A., Sucena, A. & Viana, F. (2011). Prevalência da dislexia entre crianças
vigorando os princípios enunciados pelo Desenho Universal
do 1.º ciclo do Ensino Básico falantes do Português Europeu, Revista
da Aprendizagem. Lusófona, 16, 45-56.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


ARTIGO

Resposta à diversidade
através do diálogo
aluno-professor

Resumo
Esta publicação foi escrita conjuntamente por professores e investigado-
res que participaram no projeto ‘Reaching the hard to reach: inclusive res-
ponses to diversity through child-teacher dialogue’ (ReHaRe)1. Conta a ex-
periência da ‘escola de referência’ (hub school), em Portugal, e centra-se
26
28 particularmente na forma como utilizaram os materiais do projeto para
dar resposta à diversidade dos alunos. Pensamos que este relato pode
ser relevante para outras escolas em Portugal e noutros países onde são
Lúcia Canha encorajadas abordagens colaborativas do trabalho nas escolas e de como
anha@uwm.edu o diálogo professor-aluno pode potenciar a inclusão.
Patrícia Palma PALAVRAS-CHAVE: Colaboração; Diversidade; Educação inclusiva;
Alunos investigadores; Pesquisa Inclusiva
pmpalma@aeprosa.pt
Dilar Martins
dmmartins@aeprosa.pt Introdução
Maria Daniela Pereira A Escola hoje é um desafio permanente, é um tempo de mudança, de ques-
mdpereira@aeprosa.pt tionamento, é um crescer por dentro… Como pode a escola tornar-se mais
Bruno Fernandes inclusiva? Com pode a escola responder positivamente aos desafios que
bmfernandes@aeprosa.pt lhe são colocados pela diversidade que nela habita? Foram estas preocu-
pações que levaram um grupo de docentes do 1º ciclo do Ensino Básico
Agrupamento de Escolas (CEB), do Agrupamento de Escolas Pinheiro e Rosa (AEPROSA), de Faro a
Pinheiro e Rosa, Faro participar neste projeto de investigação-ação, em colaboração com inves-
tigadores da Universidade do Algarve. Um projeto Erasmus+ que trouxe
para primeiro plano a participação e intervenção ativas dos alunos no seu
Teresa Vitorino processo de ensino-aprendizagem. E em que as dinâmicas desenvolvidas
tvitorin@ualg.pt tomam forma fora dos circuitos comunicacionais habitualmente consti-
Jorge Santos tuídos na escola, visto que cada sala de aula se abre à observação de alu-
jsantos@ualg.pt
1
Alcançar os difíceis de alcançar: respostas inclusivas à diversidade através do diálogo
Universidade do Algarve aluno-professor.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
nos e de professores de outras turmas, numa lógica dialógica trabalho do projeto.
circular e colaborativa. Na sequência da formação realizada em cada país,
O objetivo central deste projeto de três anos (2017- crianças, professores e investigadores da universidade traba-
2020) foi desenvolver estratégias para incluir todas as crian- lharam colaborativamente, experimentando, desenvolvendo
ças nas aulas, particularmente aquelas que podem ser consi- e refletindo acerca de uma nova forma de trabalhar ao nível
deradas como ‘hard to reach’/ ‘difíceis de alcançar’. O projeto da sala de aula – a Pesquisa Inclusiva, seguindo as especifi-
ReHaRe procurou responder à seguinte questão de pesquisa: cações apresentadas no Guia do projeto 4.
Como podemos chegar a todos os alunos, especialmente aque- A primeira etapa de investigação ação – a fase piloto,
les que são vistos como ‘difíceis de alcançar’, através do uso da decorreu na sequência da constituição de trios de professo-
‘Pesquisa Inclusiva’ como modelo para o desenvolvimento da res nas cinco escolas participantes. Ao longo desta fase, cada
aprendizagem e do ensino? ‘escola de referência’ realizou atividades de auscultação das
O modelo Pesquisa Inclusiva (‘inclusive inquiry’) é uma opiniões dos alunos e de formação dos ‘alunos investigado-
abordagem estruturada e exigente para o desenvolvimento res’, para implementar o modelo Pesquisa Inclusiva.
da aprendizagem e do ensino nas escolas (Messiou & Ains- O segundo ciclo de investigação ação (setembro 2018
cow, 2020). Implica o desenvolvimento de uma metodologia - maio 2019) pretendeu aprofundar a colaboração das par-
de investigação ação colaborativa que permite a participa- cerias estabelecidas e ampliar o impacto do projeto. Foram
ção ativa de professores e alunos, enquanto parceiros de in- estabelecidas redes de escolas, cada uma envolvendo outras
vestigação, juntamente com os professores investigadores cinco escolas primárias. O modelo foi implementado em trin-
das universidades, com o objetivo comum de melhorar as ta escolas5 - seis escolas em cada um dos países parceiros, im-
práticas na sala de aula. plicando a formação de novos trios. A formação dos trios de
professores e das suas turmas nas escolas da rede baseou-se
numa proposta do Guia6, que salienta que a Pesquisa Inclusi-
va é uma abordagem que pode ser utilizada nas escolas para
reforçar as práticas de inclusão existentes. As redes de esco-
las, constituídas em cada país, foram apoiadas pela ‘escola de 27
29

referência’, que assumiu o papel de facilitadora e pelos inves-


tigadores das universidades parceiras.
No último ciclo de investigação ação (outubro 2019 - fe-
vereiro 2020), as escolas aprofundaram a Pesquisa Inclusiva
com os seus alunos e procuraram disseminar os resultados
do projeto.

2
Primary schools; em Portugal, escolas do 1º ciclo do Ensino Básico (1º
CEB). Nesta publicação é assumida a designação de ‘escola primária’.
3
Áustria: Universitaet Graz; Dinamarca: Aarhus Universitet; Espanha:
O projeto
Universidad Autoznoma de Madrid; Inglaterra: Southampton University;
O projeto ReHaRe envolveu parceiros - escolas primárias2 e Portugal: Universidade do Algarve.
universidades, de cinco países: Áustria, Dinamarca, Espa- 4
Guia da Pesquisa Inclusiva. Detalhes deste projeto, incluindo os
nha, Inglaterra e Portugal. O projeto visou experimentar a materiais desenvolvidos, em: https://reachingthehardtoreach.eu/

utilização da Pesquisa Inclusiva em escolas primárias e ve- 5


Áustria: VS Bertha von Suttner, VS Gabelsberger, VS Kalsdorf, VS
Leopoldinum, VS Schönau, VS Viktor Kaplan. Dinamarca: Flakkebjerg
rificar o impacto que esta abordagem tem no envolvimen- Skole, Kokkedal Skole, Vallerød Skole, Humlebæk Skole, Høsterkøb Skole.
to dos alunos e no pensamento e práticas dos professores. Inglaterra: Shirley Infants, Shirley Junior, Hollybrook Infants, Hollybrook
Junior, Beechwood Primary School. Espanha: Ceip Aldebaran, Ceip
Ao mesmo tempo, envolveu a preparação de crianças como
Antonio Osuna, Ceip Federico García Lorca, Ceip Ciudad de Nejapa, Ceip
alunos investigadores, para ajudar a desenvolver práticas Las Acacias, Ceip Carlos Sainz de los Terreros. Portugal: Escola do 1º CEB
inclusivas nas escolas. Com o apoio dos respetivos parceiros N.º 5 de Faro, Escola do 1º CEB da Conceição, Escola do 1º CEB de Estoi,
Escola do 1º CEB da Bordeira, Escola do 1º CEB de Santa Bárbara de Nexe,
universitários3, cinco escolas primárias – uma em cada país, Escola do 1º CEB da Lejana.
assumiram-se como ‘escolas de referência’ (‘hub schools’), 6
Guia da Pesquisa Inclusiva, em https://rehare533167368.files.wordpress.
isto é, como centros de desenvolvimento e disseminação do com/2020/07/inclusive-inquiry-guide_-rehare_finalpages_portuguese.pdf

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


A Pesquisa Inclusiva profissional, onde a confiança no outro e a opinião do colega
A Pesquisa Inclusiva implica o diálogo e o trabalho em equi- pode ajudar a fazer melhor, sem causar constrangimentos.
pa dos professores – habitualmente trios, com os seus alu- No ano piloto do projeto foram envolvidas duas turmas do 1º
nos e com outros professores, seus colegas, sobre como me- e uma do 2º ano de escolaridade, cada uma com vinte seis alunos.
lhorar as práticas de inclusão na sala de aula e responder de
forma positiva às diferenças dos alunos. No projeto ReHaRe, Os alunos investigadores
tal exigiu a participação ativa de professores e alunos, en-
quanto parceiros de aprendizagem e de investigação, bem Participação dos alunos no processo:
como de parceiros de universidades. seleção dos alunos investigadores
A Pesquisa Inclusiva envolve uma série de processos A singularidade do modelo da Pesquisa Inclusiva reside no
interligados, conforme apresentado no seguinte diagrama: envolvimento dos alunos como investigadores e no respeito
pelas opiniões dos alunos. A presente investigação sugere
que este fator faz a diferença no que respeita à adequação
de respostas dirigidas à diversidade dos alunos. Tem o po-
tencial de desafiar os professores para além da partilha de
práticas existentes, de modo a criar possibilidades para en-
volver os alunos nas suas aulas.
Constituído o trio de professores, foi preciso preparar
os alunos das suas turmas para integrarem ativamente o
processo pedagógico nas suas diferentes fases, da planifica-
ção à avaliação. Mas como podia isto ser feito?
Havia que preparar os alunos para colaborarem com os
docentes, numa construção dialógica do processo educativo,
de modo a ajudarem a perceber como se poderia melhorar a
28
30 prática pedagógica7. Pediu-se que dissessem o que os ajuda
a aprender, o que os motiva, como preferem trabalhar, o que
mais lhes agrada na escola, entre outros aspetos.
Cada professora trabalhou com a sua turma e as três
A abordagem envolve um processo de investigação-a- trabalharam em conjunto com alunos das suas turmas – os
ção que consiste em três fases: Planificar, Ensinar e Ana- ‘alunos investigadores’ e, algumas vezes, com dois investi-
lisar, exigindo todas o diálogo entre alunos e professores. gadores da universidade parceira.
Central à Pesquisa Inclusiva está o envolvimento dos alunos
como investigadores, que aprendem a usar diversas técnicas Começaram então as diligências formativas…
de investigação que lhes vão permitir recolher as opiniões Cada professora do trio realizou diversas atividades que per-
dos seus colegas sobre como aprendem melhor. Estas infor- mitiram formar os ‘alunos investigadores’8.
mações vão ajudar professores e alunos investigadores nos
processos de planificação das aulas. No fundo, sentimos que não devíamos excluir ninguém
e que, apesar do número de rondas de aulas de pesquisa
A escola de referência não possibilitar que todos os alunos participassem na ex-
Este projeto tem a sua base no diálogo aluno-professor. No modelo periência de serem alunos investigadores, consideramos
de Pesquisa Inclusiva o diálogo não se faz em exclusividade entre que a formação deveria abarcar a totalidade da turma.
o docente titular de turma e os seus alunos, mas efetiva-se através
da mediação de alunos investigadores e de trios de professores.
Em Portugal, três professoras assumiram a liderança da 7
Ver: Conjunto de Atividades “As Vozes dos Alunos”, em https://
escola parceira do projeto, designada de ‘escola de referência’ rehare533167368.files.wordpress.com/2020/07/students-voices-toolkit_
rehare_finalpages_portuguese.pdf
(hub school). Uma escola com 250 alunos, dez turmas e doze
8
Ver: Manual de preparação dos alunos para serem investigadores,
professoras. A relação pessoal deste trio de professoras foi em https://rehare533167368.files.wordpress.com/2020/07/preparing-
extrapolada para a profissional, numa lógica de crescimento students-to-be-researchers_rehare_finalpages_portuguese.pdf

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Devido à dimensão reduzida das salas, considerou-se O processo de observação
que apenas se deviam selecionar dois alunos investigadores
por turma para participarem nas aulas de pesquisa. Esta se- Criámos um primeiro guião de observação, que foi debati-
leção foi ajustada às especificidades de cada turma. Aliás, a do com os miúdos. Tínhamos um guião com escolha múlti-
autonomia e responsabilidade dos docentes e a flexibilidade pla e outro aberto. E os miúdos experimentaram cada um
do processo, foram dimensões positivas do projeto eviden- dos dois guiões nas suas turmas, como forma de treino. E
ciadas pelos professores. depois voltámos a reformular, para o guião final, que eles
aplicaram.
A formação dos alunos investigadores divergiu na for-
ma, mas não no conteúdo. “No fundo, elaborámos ati- Os alunos propuseram alteração da linguagem e eliminação
vidades que permitiram aos alunos refletir e identificar de uma das questões. Como forma de os desinibir, aplicaram
quais os fatores potenciadores da sua aprendizagem e o guião de recolha de dados primeiramente no seu contexto,
quais os que eram um obstáculo ao processo”. onde se sentiam à vontade. Só depois é que foram aplicá-lo
noutra turma, de forma rotativa. Cada par de alunos inves-
Após a seleção dos alunos investigadores, e como forma tigadores foi a uma das outras turmas. Os professores não
de preparação para a observação das aulas de pesquisa, estes foram.
auscultaram os pares da sua própria turma e das outras duas
turmas do trio, sobre o que os ajudava a aprender, o que os
fazia felizes na escola, como preferiam trabalhar e, na posse
desta informação, colaboraram ativamente na planificação
das aulas dos diferentes ciclos investigativos.
Tal como na fase piloto, o trio de professoras optou por
manter dois alunos investigadores por turma. No entan-
to, da primeira para a segunda fase do projeto escolheram
crianças diferentes para que outras tivessem oportunidade 29
31

de assumir essa tarefa. As crianças aceitaram muito bem


esta decisão, como referiram nas entrevistas focais realiza-
das no final do segundo ciclo do projeto.

O diálogo entre professores e alunos atravessa


todo o processo As reuniões com os alunos investigadores:
Cada trio de professores planificou uma ‘aula de pesquisa’ “Como na prática, tudo foi tão simples…”
(‘research lesson’), tendo em consideração as opiniões dos Foi necessário escolher o tema das aulas de pesquisa, co-
alunos da turma a quem iria ser lecionada acerca da apren- mum às três turmas. Como se completaram três rondas de
dizagem e do ensino. Os alunos investigadores, que reco- aulas de pesquisa, foram três os temas selecionados. Numa
lheram e analisaram os pontos de vista dos seus colegas de primeira ronda foi concretizada uma investigação matemá-
turma, também estiveram envolvidos na planificação desta tica, na segunda, uma aula de expressão dramática e, por
aula. Então, um dos professores lecionou a aula à sua turma, fim, uma atividade interdisciplinar de recriação de uma pin-
enquanto os outros dois professores e os alunos investiga- tura a partir da leitura de um texto descritivo. Essas rondas
dores observaram e registaram as evidências. Seguiu-se um de três aulas de pesquisa foram planificadas em conjunto
debate entre o trio de professores e os alunos investigadores pelas três docentes e pelos seis alunos investigadores, in-
das três turmas, para melhorar a ‘aula de pesquisa’, à luz das corporando reformulações resultantes da avaliação da sua
observações efetuadas. Este processo foi repetido três vezes, aplicação em cada turma. As alterações introduzidas na pla-
correspondendo a uma ‘ronda’ de três ‘aulas de pesquisa’, nificação inicial resultaram normalmente de tentativas de
numa dinâmica de planificação, lecionação/observação, de- envolver ativamente na tarefa todos os alunos.
bate/reflexão. Assim, através de diálogos entre as crianças e
os professores, foi incentivado o desenvolvimento de práti-
cas de ensino e de aprendizagem mais inclusivas.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


disponibilizado para a execução da tarefa, adotando as su-
gestões dos alunos, revelou-se suficiente e adequado, o que
veio demonstrar claramente às docentes envolvidas que os
alunos têm muitas opiniões válidas e que podem ajudar a
individualizar a aprendizagem até chegar a todos, incluindo
“àqueles que são mais difíceis de alcançar”.

A voz dos alunos…


Aquela que verdadeiramente importa
O que foi extraordinário verificar foi a forma como os alunos
investigadores facilmente se apropriaram da linguagem do
projeto, como souberam ser perspicazes nas suas observa-
ções e como as usaram na transformação da sua própria pos-
tura em sala de aula. Rapidamente, os alunos identificaram
Para situar quem possa pensar que se está a falar de fatores facilitadores que permitiam que todos participassem
algo muito difícil de operacionalizar, aqui se deixa o exem- e aprendessem na aula e outros que pareciam impedir que
plo resultante da experiência, com alunos de 1º e 2º anos. tal aprendizagem se concretizasse. Na posse desses dados
Para a primeira aula de pesquisa, com a turma do 1º concretos, foram sendo feitas pequenas reformulações na
ano, pensou-se trabalhar a resolução de problemas e a comu- planificação inicial, de modo a que o envolvimento de todos
nicação matemática, em grupos de três alunos. No momento fosse possível nas aulas subsequentes.
da planificação, os alunos investigadores discordaram da es- Findas três rondas de aulas de pesquisa, ficou claro
tratégia que se tinha proposto, visto que nos questionários para as docentes o benefício em dar voz aos alunos:
realizados anteriormente na sala de aula os colegas tinham
referido que preferiam trabalhar a pares. • Os alunos tomavam uma clara consciência dos objeti-
30
32 Quando as docentes reuniram para reformular a plani- vos traçados para a aula e compreendiam o que deles
ficação da aula, adequando-a à segunda turma (do 1º ano), era esperado;
os alunos investigadores referiram que o tempo que se ti-
nha programado para a execução da tarefa era claramente • Habituaram-se a refletir sobre o desenvolvimento de
insuficiente. Na sua opinião, para além de delinear uma todo o processo de aprendizagem, ao invés de se foca-
estratégia de resolução do problema proposto, tinham tam- rem exclusivamente no resultado e no que ‘ficou bem’,
bém de a desenhar. Algo que, numa fase em que as crianças ou ‘não foi conseguido’;
têm dificuldade em passar para o desenho simbólico, exigia
muito tempo, devido aos pormenores que pretendiam incor- • Houve tempo e espaço para os alunos darem a sua opi-
porar na apresentação da estratégia delineada. As docentes nião e sentirem que a mesma era ouvida pelos docen-
seguiram as suas sugestões e, na aula seguinte, forneceram tes, o que fez com que se sentissem mais envolvidos em
desenhos que pretendiam facilitar a resolução do problema. todo o processo de aprendizagem. Ao observar os cole-
Mais uma vez, os alunos investigadores verificaram que o gas, alguns alunos com problemas de comportamento
facto de os colegas sentirem dificuldade em apoiar-se num mudaram a sua atitude, interiorizando que isso era um
conjunto de materiais muito estruturados, tinha levantado entrave à sua aprendizagem.
mais dúvidas e que o melhor era utilizar, como material de
apoio, material não estruturado. Compreende-se, assim, que dar voz aos alunos é per-
E assim foi. Verificou-se que, no final da ronda de três mitir que adquiram um conjunto de competências que lhes
aulas de pesquisa, se tinha melhorado a participação e a permita refletir sobre a sua aprendizagem e sobre o que ne-
aprendizagem de todos os alunos. Os que tinham maior fa- cessitam para aprender melhor. Estas são ferramentas fun-
cilidade no raciocínio abstrato, conseguiram resolver a tare- damentais para o seu sucesso.
fa proposta, sem necessidade de se socorrerem do material
disponibilizado; quem dele precisou, teve um suporte que o
fez sentir motivado para a concretização da tarefa. O tempo

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Sementes de curiosidade disseminadas responsável da parceria escola e os dois investigadores da
pelacomunidade escolar universidade. Este processo culminou na realização de um
O impacto positivo deste projeto foi imenso e alguns cole- seminário online aberto, com a participação de muitos pro-
gas questionavam, informalmente, se os alunos teriam ma- fessores e estudantes de cursos de formação de professores
turidade para perceber o que deles era esperado num projeto de todo o país. Neste seminário os professores que partici-
deste tipo. O trio inicial de professoras, que entrou no proje- param no projeto tiveram a oportunidade de partilhar as
to com duas turmas de 1º e uma de 2º ano, tinha suplantado suas experiências e o modo como estas contribuíram para o
todas essas incertezas e exortaram os colegas a entrar na envolvimento dos alunos na aprendizagem e no desenvolvi-
‘aventura’, permitindo que outros olhos observassem o que mento profissional dos professores.
se passava na sua sala de aula, de forma a torná-la o mais
inclusiva possível. A surpresa com os resultados alcançados
foi tal que, no terceiro ano de implementação da metodolo-
gia de Pesquisa Inclusiva, apenas uma das docentes titulares
de turma não se mostrou interessada em participar. Todos
os outros professores da escola se organizaram em duos ou
em trios, pois sentiram que lhes permitiria um verdadeiro
diálogo aluno-professor, orientado para as grandes questões
da aprendizagem, auscultando desejos, opiniões e também
constrangimentos que os alunos sentiam no seu percurso
escolar e, deste modo, incorporar as suas sugestões na prá-
tica pedagógica. As sugestões que as crianças forneceram
na planificação da aula estavam a torná-la mais exequível e
mais motivante, pois correspondia aos desejos e aspirações
dos alunos.
31
33

Conclusões REFERÊNCIAS

O projeto ReHaRe em Portugal teve diversas particularida-


Messiou, K. & Ainscow, M. (2020). Inclusive Inquiry: Student-teacher
des que concorreram positivamente para o seu desenvolvi- dialogue as a means of promoting inclusion in schools. British
mento, nomeadamente o comprometimento com o projeto Educational Research Journal, 46, 3, 670-687, https://doi.org/10.1002/
berj.3602
da direção do AEPROSA que se envolveu não apenas nas
(muitas e complexas) questões organizacionais, como acom-
panhou todos os encontros inerentes ao projeto.
Uma das dimensões mais notórias e enriquecedoras neste
projeto de investigação ação colaborativa foi a parceria de-
senvolvida entre a generalidade dos professores do agrupa-
mento e os investigadores da universidade. Concomitante-
mente, o envolvimento da totalidade das escolas do 1º CEB
do AEPROSA criou a oportunidade de, ora na universidade
ora numa das escolas, se realizarem encontros muito enri-
quecedores de partilha de práticas.
No segundo ciclo do projeto, a formação sobre a utilização
da Pesquisa Inclusiva foi dinamizada colaborativamente pe-
las professoras do 1º trio e pelos investigadores da univer-
sidade.
Outro aspeto diferenciador sucedeu a pedido dos professo-
res: a transformação do terceiro ciclo de investigação ação
numa Oficina de Formação. Como formadores tivemos uma
das professoras do trio inicial da escola de referência, o

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


CAMINHAM AO NOSSO LADO...

Agência Europeia
para as Necessidades
Especiais e a
Educação Inclusiva
Uma intervenção independente e ativa
para sistemas educativos mais inclusivos

32
34

Filomena Pereira Mestre em Educação Especial pela Faculdade de Motricidade Humana, Universidade
Técnica de Lisboa, é Directora da Direcção de Serviços de Educação Especial e de
Direção-Geral da Educação
Apoio Sócio-Educativo da Direcção-Geral de Educação do Ministério da Educação.
Com experiência docente nos ensinos básico e superior e de coordenação de cursos
de formação contínua tem participado em projetos de âmbito nacional e internacional
no domínio das necessidades especiais e da educação inclusiva, área onde se inserem
a maior parte das publicações por si produzidas ou em co-autoria. Tem desenvolvido
atividades de colaboração com instituições de ensino superior público na organização
de cursos de formação especializada de professores. Colabora com o World Bank e a
UNICEF para a área da Educação Inclusiva. É representante do Ministério da Educação
em diversos Grupos de Trabalho da União Europeia que estudam a temática das
necessidades especiais e é membro do Conselho de Representantes da European
Agency for Special Needs and Inclusive Education, em representação da Direção-Geral
da Educação.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da
Educação Inclusiva (Agência) https://european-agency.org/ União Europeia, bem como com outras estruturas de âmbito
é uma organização independente que atua como plataforma internacional como o Cedefop, Eurostat, Eurydice, UNESCO,
de colaboração entre os Ministérios da Educação dos países UNICEF, OCDE e outras.
membros. Um dos trabalhos sobre os quais a Agência se foca, é o
Criada em 1996, este é também o ano em que Portu- de revisão e análise da política de cada país membro1 (CPRA).
gal, representado pela Direção-Geral da Educação, se torna Os resultados dessa análise e revisão fornecem a cada estado
membro da Agência. Através desta participação, existem membro uma reflexão sobre as suas políticas no âmbito da
oportunidades diversas de trabalho em rede, de aprendi- educação inclusiva. A Agência elabora também recomenda-
zagem entre pares, de autoavaliação de políticas e práticas ções individualizadas quanto às prioridades a estabelecer.
assim como de pesquisa e investigação. A recolha de dados relativos à educação inclusiva em
Originalmente, recebeu o nome de Agência Europeia cada país membro é outra das tarefas da Agência. O objetivo
para o Desenvolvimento em Necessidades Educativas Espe- é o de informar o trabalho dos países segundo os princípios
ciais. A um de janeiro de 2014, contudo, verifica-se uma al- da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pes-
teração para a atual designação, no sentido de ir ao encontro soas com Deficiência e com os objetivos da União Europeia
das atuais e futuras atividades da Agência. para a educação e formação. Os dados fornecem informação
O foco do trabalho incide no apoio ao desenvolvimen- sobre as populações com necessidades específicas segundo
to de sistemas educativos inclusivos de forma a assegurar o uma perspetiva inclusiva, informando o discurso quanto ao
direito de cada criança e jovem a oportunidades educativas acesso e participação em educação inclusiva.
inclusivas e equitativas. A Agência desenvolve, em simultâneo, vários projetos
O Conselho da União Europeia, na sua Recomendação que cobrem diferentes, mas relevantes tópicos, que vão desde
de 22 de maio de 2018, relativa à promoção de valores co- a Intervenção Precoce na Infância à Formação de Professores
muns, da educação inclusiva e da dimensão europeia do en- ou ao Financiamento de Sistemas Educativos Inclusivos.
sino, encoraja os estados membros a promover uma educação Atualmente, tem em desenvolvimento, entre outros,
inclusiva para todos os alunos e a utilizar eficazmente a Agência projetos como: Formação de Professores para a Inclusão – 33
35

Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva, TPL4I2 (2018-2020); Prevenção do Insucesso Escolar: análise
numa base voluntária, para implementar e acompanhar aborda- ao potencial das políticas da educação inclusiva em relação ao
gens inclusivas eficazes nos respetivos sistemas de educação. sistema e indivíduos3 — PSF (2018-2020); Apoio a Lideranças
O trabalho em rede, permanente e contínuo, entre os Escolares Inclusivas4 — SISL (2017-2020) e Alteração do Papel
representantes ministeriais, permite definir as prioridades do Provisionamento Especial no Apoio à Educação Inclusiva5 —
concretas dos programas de trabalho anuais e plurianuais, o CROSP (2017-2020).
que assegura que as atividades estão alinhadas com as prio- Salienta-se que todos os produtos das atividades6 da
ridades dos ministérios da educação dos países membros. Agência são traduzidos para a língua de cada um dos paí-
Tratando-se de uma plataforma que reúne represen- ses participantes, tornando acessível toda a informação não
tantes de 31 países, seria difícil que todos se encontrassem apenas aos ministérios da educação como também a todos
no mesmo ponto quanto a políticas, práticas e contextos os envolvidos na promoção de escolas mais inclusivas.
educativos. Daí que a Agência assuma como objetivos es- Portugal tem estado, desde sempre, ativamente en-
tratégicos: (i) promover a qualidade no âmbito nas neces- volvido nos projetos da Agência. Alguns destes projetos
sidades especiais e da educação inclusiva através de uma realizaram estudos de caso no nosso país, designadamen-
estrutura duradoura de colaboração europeia; (ii) facilitar te, (i) Políticas de Financiamento para Sistemas de Educação
uma partilha eficaz de experiências e conhecimentos entre
e nos países membros; (iii) identificar fatores chave que di- 1
https://www.european-agency.org/projects/country-policy-review-and-
ficultem ou apoiem o progresso, fornecendo informação e analysis
orientação aos países membros; (iv) analisar e rever políti- 2
https://www.european-agency.org/projects/TPL4I
cas de cada país apoiando o desenvolvimento de sistemas 3
https://www.european-agency.org/projects/PSF
educativos inclusivos eficazes e sustentáveis. 4
https://www.european-agency.org/projects/SISL
Sendo uma organização que advoga a inclusão e a di- 5
https://www.european-agency.org/projects/CROSP

versidade, a Agência coopera com outras entidades como a 6


https://www.european-agency.org/Portugu%C3%AAs/publications

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Inclusiva (2016-2018); (ii) Revisão e Análise da Política do País
(2016-2017); (iii) Educação Pré-Escolar Inclusiva (2015-2017);
(iv) Ensino e Formação Profissionais (2010-2012); (v) Forma-
ção de Professores para a Inclusão (2009-2012); e (vi) Inter-
venção Precoce na Infância (2003-2005).
O Ministério da Educação português acolheu três reu-
niões bianuais da Agência (em 2017, 2010 e 1997), cujo foco
recai sobre relatórios de progresso, planeamento do traba-
lho da Agência e gestão de questões organizacionais.
Salienta-se, ainda, a participação de vinte e dois repre-
sentantes de Portugal nas quatro Audições Europeias que a
Agência organizou para jovens sem e com incapacidades.
Em 2007, no âmbito da Presidência Portuguesa do Con-
selho da União Europeia, o Ministério da Educação português
e a Agência organizaram, conjuntamente, uma Audição com
a participação de jovens dos ensinos secundário, profissional
e superior. Desta Audição resultou a Declaração de Lisboa.7
A Direção-Geral da Educação foi por tês vezes eleita pe-
los membros do Conselho Representativo da Agência para o
Conselho de Administração da Agência.
Presentemente, a Agência está a trabalhar muito dire-
tamente com Portugal através de apoio técnico no âmbito do
Programa de Apoio à Reforma Estrutural da Comissão Eu-
ropeia. Com início em junho deste ano, e término previsto
34
36 para 2022, esta ação8 tem em vista o desenho de um sistema
de monitorização da implementação do regime jurídico da
educação inclusiva em Portugal.
Enquanto organização europeia independente, autó-
noma e sem fins lucrativos, a Agência continua a desenvol-
ver o seu trabalho em prol da educação inclusiva, para que
todos os alunos de qualquer idade recebam oportunidades
educativas significativas e de alta qualidade na sua comuni-
dade local, junto dos seus pares.

7
https://www.european-agency.org/sites/default/files/lisbon-
declaration-young-people2019s-views-on-inclusive-education_
declaration_pt.pdf
8
https://www.european-agency.org/news/new-agency-collaboration-
portugal-within-eu-structural-reform-support-programmehttps://www.
european-agency.org/news/new-agency-collaboration-portugal-within-
eu-structural-reform-support-programme

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
RECENSÃO

A Salvação
da Primavera
Texto & ilustração Filipe Keil
Edição de autor (2020)

Filipe Keil, autor das letras que canta e de textos que vai escrevendo no
seu blogue http://filipekeil.blogspot.com/, homenageia, nesta publicação,
alguns desses poemas escritos no referido blogue ao longo de oito anos.
Poemas, que porventura refletem, talvez a maturidade e a visão do mun-
do pessoal e coletivo numa passagem individual pela vida.
Num tempo conturbado, mediaticamente afastado dos tempos pró-
ximos de envolvimento são visíveis dúvidas atuais (como o caso do poe-
ma Rua, onde se “visualiza” as ausências vividas durante uma pande-
mia), contrastando com um tempo passado (como o poema Cor onde são
notáveis as metáforas de serenidade e de esperança). 35
37
As “cores” das relações e as narrativas ficionais ou não, permitem viajar
numa linha cinematográfica da vida de um jovem, cujos poemas, embora não
apresentados de forma cronológica da sua criação, constantemente se cru-
zam com a justificação da reescrita de sentimentos numa viagem pessoal.
As ilustrações, também da autoria de Filipe Keil, de composição to-
talmente digital, iluminam o texto, extrapolando-o para outra leitura
expressiva, alargando os significantes textuais.
Este pequeno livro, de capa mole, termina com um poema intitula-
do A minha verdade, onde o autor escreve, questionando: “quem serei eu
nesta terra em que habito?”.
Questões e memórias de uma verdade que se manifesta e possibilita
em muitas interpretações e argumentações, dando-nos esta capacidade
ficional, embora porventura, com relevân-cia para dados autobiográfi-
cos, (afinal somos reflexo do que vivemos e os poemas, obviamente são
também simbólicamente um retrato do autor), mas na sua versão existe,
como é óbvio, a margem para que o leitor possa construir outra narra-
tiva pessoal, disseminando o deleite e a riqueza da poesia peculiar, jus-
tificando e remendando alguns sentimentos da realidade de que somos
feitos enquanto seres humanos.
O livro fisico, e-book ou audiobook (com declamações do autor) podem ser adquiridos
no seu site http://www.filipekeil.com/ ou em https://www.amazon.com/

Elvira Cristina Silva

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020
RECENSÃO

Três Tristes Tigres


Trava-línguas, Piadas e Adivinhas

Textos Luísa Ducla Soares


lustrações Paulo Galindro
Edição Livros Horizonte (2020)

No ano em que se celebra os 50 anos da obra literária de Luísa Ducla


Soares, incontornável escritora infantojuvenil, a editora Livros Horizon-
te, reuniu nesta obra, um conjunto de textos intemporais, recolhidos e
selecionados pela autora. Num convite permanente ao jogo das palavras,
há lugar para o humor, o non sense, os enigmas, a par da perspicácia e o
raciocínio, abrangendo conceitos e aprendizagens transversais. Textos
divertidos e hilariantes que associamos facilmente à diversão contagian-
te dos textos e poemas da referida autora.
Sem narrativa de fio condutor, visto ser uma coletânea de trava-lín-
36
38 guas, piadas e adivinhas, a ilustração, a cargo do igualmente incontorná-
vel Paulo Galindro, remete-nos para narrativas ilustradas sub-reptícias,
com elementos e personagens que viajam ao longo de páginas com sepa-
radores entre as três temáticas. A ideia da planificação ou storyboard que
compõe as guardas, (depois convertido digitalmente ao longo das pági-
nas), antecipam o trabalho hercúleo do ilustrador, (responsável também
pelo design da capa e paginação) evidenciando a organização temática
dos textos e resolução estética para os mesmos.
Pormenores visuais que se interligam entre páginas e convergem
numa amálgama de personagens e narrativas paralelas.
Na verdade, um olhar atento, permite a mediação deste livro a par-
tir da contracapa. Aí se inicia uma das possíveis “tramas” visuais, po-
dendo encontrar-se inúmeras outras narrativas e diferentes explorações
deste livro. Trocadilhos visuais completam as ideias textuais subjacentes
com analogias, num universo fantástico de criatividade e infindáveis lei-
turas. Um livro a não perder, que mistura a sábia poesia de brincar com
as palavras a par de uma ilustração que ultrapassa o simbólico e o alarga
em ínfimas possibilidades de leitura.

Elvira Cristina Silva

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
INSTANTES INCLUSIVOS...

Leituras
em tempos
conturbados
Elvira Cristina Silva

37
39

Em tempos de confinamento e sua consequência, devido à pandemia


por Covid 19, muitas foram as publicações sobre a temática.
Aliar a atividade da leitura, na promoção do conhecimento, promovendo
o caracter lúdico como fonte de aprendizagem, constituíram-se como
premissa na transmissão de inúmeras narrativas sobre o novo vírus, de modo
a possibilitar a informação de novos tempos e consequências pandémicas.
Contados na primeira pessoa ou experienciando vivências, as narrativas
proliferaram, predominantemente em formato digital, compreensivelmente.
Porém, algumas delas encontram-se também já em formato fisico.
São algumas dessas publicações que partilho nesta rubrica, dando ainda
continuidade a novas publicações relacionadas com a prática do yoga.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Dicas Coronavirus — Vamos vencer a Covid-19
Texto: Miguel Correia e Joana Gomes
Ilustração: Beatriz Braga
Editora: Ideias com História (2020)

Na coleção intitulada Tudo vai ficar bem, muitos foram os títulos desta editora
dedicados a esta temática. Editados em março 2020, foram partilhados online,
durante o período de estado de emergência devido à pandemia por Covid-19.
Neste título, a narrativa de carater lúdico visa informar sobre os sintomas
do víruss, cuidados preventivos a ter em consideração, bem como ideias (dicas)
de combater o isolamento que a todos desafiou. A importância da alimentação, o
estudo e a saúde não são esquecidas nesta publicação.

Dias de uma família fechada em casa


Texto: Marta Correia e Miguel Correia
Ilustração: Daniela Leal
Editora: Ideias com História (2020)

No seguimento da coleção, neste livro a personagem principal, uma jovem de 12


anos descreve o confinamento passado em família e como o mesmo fez realçar
o valor de pequenas coisas, alertando também para pormenores de proteção em
relação ao vírus. Uma ilustração cuidada e em harmonia com o texto, mantendo a
38
40 mesma paleta de cores usada ao longo da coleção, permite abordar a temática que
decerta forma mudou a sociedade atual, olhando para a família como personagem
destas vivências. Versão em PDF disponível gratuitamente, no link: https://bit.ly/2yEtbUg

A minha avó tem coronavírus!


Texto: Susana Amorim, Miguel Correia e Marta Correia
Ilustração: Beatriz Braga
Editora: Ideias com História (2020)

Nesta edição, com a colaboração da Direção-Geral da Saúde (DGS), a narrativa


contada por uma criança realça o impacto do vírus na sua transmissão após uma
viagem realizada pela avó. De carácter didático alerta para novas rotinas diá-
rias, assim como a gestão de novas situações e sua compreensão, como é o caso
da vivência no hospital com o novo virús. De um modo subtil, o realce dos pro-
fissionais de saúde, a par dos cuidados sempre necessários como prevenção são
também elencados.
A ilustração desta publicação mantem a coerência gráfica do livro anterior,
destacando-se do primeiro publicado nesta coleção.
Versão em PDF disponível gratuitamente, no link: https://bit.ly/3dgsHnk

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A minha mãe é médica e já tenho saudades dela
Texto: Susana Amorim e Miguel Correia
Ilustração: Beatriz Braga
Editora: Ideias com História (2020)

Mais um livro recomendado pela DGS, onde a protagonista destaca a importân-


cia e relevância dos profissionais de saúde, a par do sentimento de ausência que
muitos sentiram em relação aos seus progenitores profissionais que asseguraram
a continuidade de serviços essenciais.
Versão em PDF disponível gratuitamente, no link: https://bit.ly/34uxfCu

Quando a minha escola abrir...


Texto: Susana Amorim e Miguel Correia
Ilustração: Beatriz Braga
Editora: Ideias com História (2020)

Numa mudança de paradigma, o enfrentar de uma nova realidade é aqui destaca-


do numa narrativa a sete vozes. Emoções, pensamentos e dúvidas surgem a par de
estratégias para enfrentar os novos tempos.
Versão em PDF disponível gratuitamente, no link: https://bit.ly/3arcuJZ
Pós confinamento outros títulos foram publicados por esta editora, podendo ser adquiridos no site
https://ideiascomhistoria.pt/. Neste site encontram ainda a versão em PDF de alguns dos títulos
disponíveis gratuitamente.
39
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O meu herói és tu
Roteiro e ilustração: Helen Patuck
Editora: IASC (2020)

Publicado em março de 2020, esta publicação fruto de um projeto desenvolvido


pelo Grupo de Referência do Comité Permanente Interinstitucional sobre Saúde
Mental e apoio Psicossocial em Situações de Emergência. Colaboração de mais de
50 organizações que trabalham no setor humanitário, incluindo a Organização
Mundial de Saúde, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados, Federação Internacional das Sociedades
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e Save the Children.
Com a premissa inclusiva de que as mensagens ecoassem em todas as crian-
ças de diferentes continentes, mais de 1700 crianças, famílias, cuidadores e pro-
fessores de todo o globo deram o seu contributo partilhando a experiência vivida
durante a pandemia. Partindo desses testemunhos a equipa do projeto e a ilustra-
dora criaram a narrativa que conta com Sara, personagem principal e seu amigo
Ario, uma criatura fantástica, que viajando pelo mundo explica os cuidados de
prevenção e como enfrentar situações e emoções de uma nova realidade.
Na coerência inclusiva de chegar ao maior número de crianças, o livro foi par-
tilhado online, traduzido em mais de trinta línguas e numa opção de livro áudio.
Livro áudio disponível no link: https://interagencystandingcommittee.org/iasc-reference-group-
-mental-health-and-psychosocial-support-emergency-settings/my-hero-you

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Também em março de 2020, a editora Betwein partilhou uma versão online de-
dicada a esta temática, que podem encontrar nas edições do site: https://www.
betweien.com/
Livro que visa fornecer alguma resiliência ao tempo de confinamento en-
quanto de modo didático e despretensioso explica a batalha perante a pandemia
na metáfora do confinamente como escudo perante tal ameaça.
O livro encontra-se disponível para download em todas as páginas oficiais da Betweien, no Face-
book, Instagram e Linkedin, e também através do website. Pode também ser solicitado o envio por
WhatsApp: 912017440.

O outono do Yoga — Uma viagem pelos sentidos


Texto: Márcia Viana
Ilustração: Um coletivo de duas
Editora: Casa Capaz (2020)

Terceiro livro da coleção Yoga das estações, (já referida na anterior revista), desta
vez dedicado ao outono, mantendo, como expetável a sua coerência tanto ao nível
do texto, como no aspeto gráfico.
Remetendo para o método Montessouri, em que se inspira esta coleção, a
narrativa em torno dos sentidos, desta feita, numa aventura em clima outonal,
reforça a conexão com a natureza e a referência à família como suporte afetivo e
elemento de segurança.
40 A ilustração muito arejada em cada página, mantem a simplicidade e beleza
42
de aguarelas, a par de desenho a lápis e composição digital, harmonizando a dis-
tribuição equilibrada da mensagem gráfica pretendida. Os elementos da estação
são o mote para as diversificadas posturas que vão surgindo a par da narrativa
que apela para as descobertas do tempo, numa ligação à familia alargada como
fonte de passagem de transmissão de conhecimentos. Mantendo a linha editorial
dos livros anteriores, no término da narrativa são apresentadas todas as posturas
e ainda conselhos a experimentar de exercícios de respiração e de relaxamento.
No final da narrativa uma proposta de expressão livre deixa em aberto a pos-
sibilidade individual de outras narrativas. Mais um excelente livro desta coleção
para a prática de yoga e mindfulness.
Aquisição do livro em: https://casacapaz.myshopify.com/collections/yoga-das-estacoes/

Água da Vida
Texto: Raquel Gonçalves
Ilustração: Isa Silva
(2020)

Raquel Gonçalves é a autora deste texto e responsável pela capa da revista que te-
mos em mão. Já mencionada na publicação anterior, esta autora, surge agora com
outro livro, onde de modo lúdico e recorrendo uma vez mais à escrita em versos,
apresenta-nos Manuel, o protagonista do enredo, segundo a autora, “inspirado

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
no ciclo da água, na preservação de algumas espécies marinhas, tendo subjacente
o imaginário dos Açores”, apelando, deste modo, para a consciencialização da
proteção do mar e da água.
Com base nesta premissa, a narrativa acumula a pertinência terapêutica da
água numa relação com o yoga, evidenciando um olhar inclusivo, tanto a nível
gráfico como a nível textual. Apresenta-nos a molécula do sal (existente no mar e
no nosso coração), vinculando a pertinência do respeito pela natureza mas tam-
bém a ligação ao outro, evidenciado na postura a pares.
As ilustrações, de Isa Silva, de recurso à composição digital, acompanham
em cada página as respetivas posturas indicadas, revelando fielmente o texto e em
alguns casos prolongando-o, evidenciando-se em cada página dupla muito preen-
chimento de detalhes e cenários em vários planos, com imagens sobrepostas.
Com base nos pressupostos do yoga referidos nesta aventura, no final da
narrativa, o livro possui 16 cartas de yoga, com as posturas que surgem ao longo
da narrativa. Cartas que podem ser destacadas do livro para a prática das postu-
ras. No verso de cada carta, existem explicações detalhadas sobre as respetivas
posturas e curiosidades sobre as mesmas, oferecendo diversificadas potencialida-
des a ser exploradas individualmente.
No final do livro existe ainda uma caixa para montar e guardar as cartas. Ao
contrário das ilustrações do livro, nas cartas o enfoque é nas posturas, resultando
numa ilustração mais arejada e objetiva.
Um livro que se constitui como um manual para a prática do Yoga e dos seus
benefícios, na pertinência da utilização dos nossos recursos internos para conhe-
cer o nosso corpo e criar resiliências.
Sendo uma edição de autor podem adquirir este livro em: https://raquelgoncalves.com/livros/. 41
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VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


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44

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO Dossier

INCLUSIVA Entrevista “Ensino


Remoto de Emergência”

EM TEMPOS
Neuza Pedro

DE PANDEMIA…
"A escola somos nós"
Álvaro Almeida dos Santos

“A tecnologia em tempos
de pandemia: desafio ou
oportunidade?”
ORGANIZADO POR: Marco Bento

Helena Abreu Patrão Neves #EstudoEmCasa,


uma forma de garantir
Docente de Educação alguma equidade
Especial – ELI Cascais Paulo Almeida
Agrupamento de Escolas
de Alapraia, Cascais
Quando a distância
não se VÊ!
Dídia Lourenço

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Olga Margarida Paulo de Sá
(Re)pensar o CRI APPC...
em tempos de confinamento
Docente de Educação Especial
Diana Lisboa – CRI APPC
Coordenadora do Departamento
de Educação Especial
De volta à rotina
Agrupamento de Escolas
Rómulo Neves
Infante D. Henrique, Porto

“Ouvir os alunos e
envolvê-los na Escola”
Paula Cleto
Filipa Rafael
Ana Vila
Diana Moreira
SPO AEIDH

PRÓ-INCLUSÃO
Associação Nacional
de Docentes de
Educação Especial

Parte integrante da revista


Educação Inclusiva,
Vol. 11 Nº2 — Dezembro 2020

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


Introdução

Foi no ano letivo de 2019-2020 que vivemos umas das expe- do chamado ensino à distância ou ensino remoto de emergên-
II46 riências mais impactantes quer da nossa vida pessoal, quer cia, nomeadamente aqueles sem acesso à Internet ou computa-
profissional. Decorriam as dinâmicas próprias da Escola, até dor, outros ainda, viram ampliadas as assimetrias, os atrasos e
que surgiu a notícia de uma Pandemia – Covid 19 que se es- alguma impreparação do nosso sistema educativo e formativo.
palhava à escala mundial. A Escola, que era preenchida pela Foi um período de transformação e adaptação, por isso,
vivacidade das vozes e sorrisos, movimentação nos corredo- neste dossier convidamos o leitor(a) a submergir nas dife-
res, organização própria, no que concerne às rotinas e pro- rentes perspetivas e conceptualizações sobre a Educação In-
cedimentos educativos, vê a sua realidade transformada a clusiva neste contexto de Ensino Remoto de Emergência. Des-
partir do dia 16 de março de 2020. Os portões das escolas fo- tacamos o olhar, a opinião e a experiência de Investigadores,
ram encerrados e dar-se-ia início a um período em que quase Diretores de Agrupamentos de Escolas, Docentes, Família,
dois milhões de alunos iniciaram um processo de aprendiza- Centro de Recursos para a Inclusão, Serviços de Psicologia
gem à distância. e Orientação e Alunos, sobre uma visão holística do perío-
As Direções continuaram na linha da frente na organi- do de confinamento e o regresso à escola. Que constrangi-
zação, na planificação e execução de orientações emanadas mentos? Que sentimentos? Que conclusões e aprendizagens
pela Direção Geral de Saúde e Ministério de Educação. retirámos? Como podemos melhorar? Foram questões como
A Escola alicerçou a sua ação no corpo docente, téc- estas, que conduziram a estrutura deste Dossier. E tal como
nicos especializados, técnicos administrativos, assistentes na missão Apollo 13, enunciada pelo Dr. Álvaro Santos, está
operacionais, não esquecendo um conjunto de parceiros neste dossier refletida a premência de um trabalho colabo-
primordiais: Famílias, Câmaras Municipais, Entidades Pú- rativo por parte de toda a comunidade educativa, para lidar
blicas, Comissões de Proteção a Crianças e Jovens em Risco, com a adversidade e agir com precisão na busca de soluções
Centros de Recursos para a Inclusão, Equipas Locais de In- para o problema: garantir a qualidade e o caráter inclusivo do
tervenção Precoce, Centros de Recursos de Tecnologias de ensino em tempos de pandemia!
Informação e Comunicação (CRTIC) para a Educação Espe-
cial, Empresas e tantos outros. “Houston, we have a problem!” ou será antes “We have
O caminho não foi fácil, muitos alunos ficaram à margem a mission!”.

DOSSIER
EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO
INCLUSIVAINCLUSIVA
Entrevista a Neuza Pedro

1. Com o encerramento das escolas a 16 de março, devido à pan-


demia Covid-19, as escolas tiveram que se reinventar e delinear um
plano de Ensino à Distância (E@D) de forma a garantir que todas
as crianças e alunos continuassem a aprender. Na sua opinião o que
foi implementado corresponde efetivamente a um E@D? Porquê?

NP: Não, na minha opinião não o foi. E a minha opinião in-


tegra a da comunidade científica que investiga na área. O
termo adequado será Ensino Remoto de Emergência (ERE).
Não é um conceito novo na literatura, o mesmo havia já sido
utilizado para referir-se ao encerramento das atividades
presenciais por exemplo na sequência do furacão Katrina
em Nova Orleans, em 2005, mas igualmente em países em
situação de guerra como o Afeganistão ou a Bósnia-Herze-
govina. Estes conceitos são distintos.
Neuza Pedro
Professora Auxiliar no IE-ULisboa, 2. O que distingue um Ensino Remoto de Emergência de um III
47

— unidades curriculares Ensino à Distância?


de ensino com tecnologias,
educação à distância, e-learning NP: Em E@D o processo de criação de cursos envolve proces-
e metodologias de investigação; sos cuidados de planificação, design e produção de conteú-
Coordenação do e-Learning Lab dos e atividades em formato digital para uma bem-sucedida
da Universidade de Lisboa experiência educativa mediada por um ambiente virtual de
aprendizagem, normalmente envolvendo equipas multidisci-
nspedro@ie.ulisboa.pt plinares. O ERE não dispõe do tempo ou recursos equivalen-
tes, estabelece-se como um processo de resposta a uma dada
crise onde o modelo de ensino privilegiadamente presencial é
substituído, temporariamente, por sistema remoto ou online.
Apresenta-se como um modelo de resposta rápida, temporá-
ria e orientada à satisfação dos requisitos mínimos; centra-
-se no ensino, alicerça-se maioritariamente em soluções de
comunicação síncrona, nem sempre baseadas na web, envol-
vendo também soluções não digitais, como a distribuição de
material impresso e o uso de serviços de rádio ou televisão.

3. Há na literatura estudos sobre o efeito a longo prazo do En-


sino Remoto de Emergência? Houve impactos significativos nas
práticas dos docentes?

NP: Lamentavelmente não. A longo prazo não se identificam

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


mudanças substanciais nem nos sistemas nem nos agentes. NP: Não, nem para uma, nem para as outras. Em várias esco-
A longo prazo, verifica-se que as escolas tendem a reescrever las identificaram-se cenários organizados, onde plataformas
as suas práticas de um modo semelhante ao anteriormente virtuais de aprendizagem se encontravam já difundidas, onde
estabelecido e os agentes retornam igualmente aos seus ve- sistemas de gestão de emails institucionais vigoravam e onde
lhos hábitos e contextos. Do ponto de vista social e educa- a mobilização de outros serviços web-based, e mesmo aplica-
tivo, os que se encontravam em situações mais vulneráveis ções móveis, estavam já explorados e seguramente estabele-
e desfavorecidas antes de tais cataclismos, encontram-se cidos. Mas isso não se verificou na maioria das instituições
igualmente no seio das mesmas após vários anos passados. educativas e formativas, nomeadamente dos níveis escolares
mais iniciais. Logo, os professores tiveram que fazer escolhas
4. A resposta que foi dada em Portugal correspondeu aos re- e explorar soluções para fazer face à situação pandémica vi-
quisitos necessários para garantir um ensino de qualidade? vida com base em duas premissas muito perversas: i) a falta
de conhecimento e de competências digitais para o efeito; ii)
NP: A preocupação de Portugal, tal como do mundo, foi ga- a urgência de decisão, o que certamente os poderá ter levado
rantir a manutenção do acesso, do direito à educação. A qua- a optar por soluções pouco apropriadas para as crianças e jo-
lidade não estava entre as ambições dos governos e nós não vens que lecionavam, nomeadamente para a sua faixa etária,
somos exceção. Procurou-se manter o sistema educativo a para as condições tecnológicas que tinham ou não em casa e
funcionar e claro que o que se conseguiu ficou longe da per- para os níveis de competência digitais dos mesmos. Acredito
feição. Mas tal como o era antes. Os momentos vividos em que alguns professores incorreram e levaram os estudantes a
E@D não fabricaram novos problemas, somente colocaram incorrer em práticas de utilização de tecnologia inapropriadas
luzes intensas e muito brilhantes sobre as assimetrias, os e não-seguras. Muito fruto do sentido de missão já referido.
atrasos e a impreparação do nosso sistema educativo, não
para responder a uma pandemia, mas sim para fazer face a 7. A utilização da tecnologia, no Ensino Remoto de Emergên-
2020, à década em que vivemos e ao que a sociedade e o setor cia, foi garantia de uma educação mais equitativa ou foi pro-
empresarial esperam da escola. motora de maior desigualdade e exclusão?
IV
48

5. Houve comprometimento profissional e motivacional por NP: A tecnologia em si não foi promotora de exclusão. As tecno-
parte dos docentes? logias são artefactos e não têm esse poder. As diferenças socioe-
conómicas das famílias, essas sim, levam ao acesso ou ao não
NP: Diria que sim, que houve um grande sentido-de-missão acesso, à utilização regular ou incipiente das tecnologias e dos
entre a classe docente nacional, tal como junto dos profis- serviços de conectividade (ambos caríssimos na realidade na-
sionais de saúde, da ordem pública… A meu ver a pandemia cional!) e, isso sim, intensificou as desigualdades e a exclusão.
trouxe ao de cima, coisas muito positivas na sociedade civil A E@D por si, é e tem sido, há muitos anos apontada
portuguesa. A escola, na figura dos seus profissionais, direto- como mais uma via de acesso ao conhecimento contribuindo
res, professores, assistentes operacionais adotou uma atitude para aumentar a equidade. Nomeadamente porque permite
muito responsiva e, mesmo na ausência de meios e na falta eliminar deslocações, quebrar barreiras geográficas, flexibi-
de formação e informação adequada, procurou responder lizar a gestão de recursos temporais e financeiros e mesmo
prontamente ao desafio que lhe foi lançado: ensinar remota- por dar acesso ao processo formativo a quem, por limitações
mente. E note-se que na vida dos nossos professores, nada os de natureza motora ou sensorial, não consegue aceder ao
preparou para o cenário estranho que tiveram que viver, nem formato clássico de oferta formativa. Contudo, aquilo que
a sua formação inicial, nem contínua, nem os anos de expe- vivemos em si, por não se ter revelado efetiva E@D e por
riência acumulada. Nenhum professor estava capaz de pensar não termos conseguido garantir a todos os meios de aces-
a ‘sala de aula’ sem alunos… Conceptualmente, e depois pro- so que um ERE realmente exigia, acabou por intensificar as
cedimentalmente isto foi um choque. Se para os alunos o foi, desigualdades de que o nosso sistema educativo e formativo
não se ache o contrário em relação aos professores. já padecia.

6. As proliferações de ferramentas tecnológicas foram adequa- 8. Que aprendizagem retirámos deste Ensino Remoto de Emergência?
das para a proficiência digital dos professores e para as neces-
sidades das crianças e alunos? NP: Muitas, assim queiramos aceitar isso. Poucas, se qui-

DOSSIER
EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO
INCLUSIVAINCLUSIVA
sermos somente achar que, apesar dos pesares, até correu NP: Completamente, a atividade profissional hoje na gran-
tudo muito bem. Salientando três, diria que a primeira será de parte das profissões é realmente híbrida, há atividades
a tomada de consciência de que não tínhamos uma escola feitas presencialmente e atividades feitas online. De igual
preparada para 2020. As infraestruturas, a mobilização das modo, a própria formação que as empresas proporcionam
soluções que a ciência e a tecnologia colocaram ao nosso aos seus trabalhadores também ela é total ou parcialmen-
serviço (que outros setores públicos têm vindo a utilizar te realizada online ou mediada por plataformas virtuais.
produtivamente, como por exemplo, a saúde e as finanças) Mantendo-se à margem deste hibridismo, a escola está a
não estavam ainda conseguidos. A segunda, seria a dispo- preparar os estudantes para um mundo profissional que
nibilidade, apesar da impreparação do corpo docente para não existe. Continuemos o raciocínio a pensar no próprio
cumprir dois propósitos fundamentais da escola atual: i) dia-a-dia do cidadão: parte das nossas atividades diárias de
tornar realmente a escola inclusiva e perceber o benefício comunicação e gestão familiar são feitas em meio presencial
disso (não só os custos!), ii) tirar partido dos meios digitais e em meio digital, é tão natural que assim seja que nem se-
que temos ao dispor para melhorar o processo de ensino, quer conseguimos muito bem definir a fronteira entre um e
aprendizagem e de avaliação. A terceira, diria que se prende outro. Logo, a escola teria vantagem em trazer mais destas
com o valor inestimável que tem para os nossos alunos (para verdades naturais do dia-a-dia para o seu interior.
todos nós em geral), independente do ciclo de ensino, o es- Costumo dizer a brincar que a pior mentira que a escola
tar-uns-com-os-outros e o quanto desvalorizamos isso no me contou foi dizer-me que eu deveria aprender a concentrar-
processo diário de ensino-aprendizagem. Acho que muitas -me e a fazer uma coisa de cada vez. Procurei especializar-me
escolas reabriram esquecendo-se que realmente o período nisso e, hoje, há tão pouco tempo que não posso fazer uma
‘março-julho’ foi primordialmente isso que nos ensinou… coisa de cada vez. Na nossa rotina atual, a regra é fazermos
várias coisas em simultâneo (ou intercaladamente, será o
9. Tem referido a necessidade de se pensar menos em salas de mais correto do ponto de vista cognitivo), logo a escola tam-
aula e mais em espaços de aprendizagem. Qual o significado bém tem que nos preparar para isso. O mundo de hoje é híbri-
desta afirmação? Que espaços de aprendizagem? do e complexo. A escola também deveria experimentar sê-lo.
V
49

NP: A sala de aula é um cenário demasiado estático. Ao lon- 11. No sentido do desenvolvimento profissional docente, como
go de muitas décadas e transversalmente a muitas culturas, devem os professores de hoje estar preparados no que concerne
a sala de aula tem-se mantido igual. É aquela área quadrada ao uso de ferramentas digitais? Qual a formação mais adequada?
composta de cadeiras e mesas enfileiradas de fronte para um
quadro, ponha-se-lhe a cor que se quiser, preto, verde, branco, NP: A investigação na área da integração educativa das tec-
dependerá da época... Esta imagem e a falta de mudança nela nologias tem recorrentemente sinalizado a ideia de que, neste
é sintomática do pouco que temos atualizado as práticas esco- domínio, pode não ser muito aprazível para as nossas institui-
lares. Mas, em oposição, nas últimas décadas, as nossas casas ções de formação de professores e para o modelo formal que
mudaram, os nossos espaços de trabalho mudaram, os locais temos estabelecido. Ainda assim, pensar sobre ela: a formação
de lazer mudaram, todos procuraram tornar-se mais adapta- informal, em contexto, entre pares, não estratificada no tem-
tivos, confortáveis, atraentes e multifacetados. É isso mesmo po, bem como a autoformação ou a exploração (des)orientada
que se reclama para a sala de aula, que ela se torne menos um em tempo propositadamente criado pelo próprio professor
espaço de ensino e mais um espaço de aprendizagem, de traba- para o efeito, tem demonstrado revelar efeitos mais favoráveis
lho, de movimentação, de interação, de modelação, fabricação e perduráveis no desenvolvimento profissional docente.
etc. E que além disso, há necessidade de se começar a entender Assim sendo, acho que temos de conjugar aquilo que são
outros espaços, por exemplo os virtuais, os informais, como as soluções formais de formação docente existentes na área
também eles sendo espaços de aprendizagem. Só mesmo ar- e fazê-las articular em torno de objetivos comuns de atuali-
tificialmente é que hoje se pode pensar a aprendizagem como zação profissional docente. Ao mesmo tempo, temos de criar
acontecendo de forma estanque entre quatro paredes. TEMPO e condições (sendo que a maior delas é realmente o
TEMPO!) para que nas escolas os professores se possam or-
10. Concorda que aprender em ambientes híbridos prepara ganizar em sentido individual, a pares, em grupos disciplinar
para o mundo laboral? Porquê? ou interdisciplinarmente orientados para responder aos de-
safios que atualmente se lhes levantam.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


A escola somos nós

Em direção a uma cultura de inclusão


No dia em que escrevo este artigo decorre a campanha eleito-
ral para a associação de estudantes da nossa escola. Um traço
comum às cinco listas a concurso é a referência, nos respe-
tivos manifestos eleitorais, ao caráter inclusivo que sentem
existir e que pretendem ajudar a preservar e fortalecer.
Ao longo de anos, repensar a escola e torná-la mais in-
clusiva implicou que se promovessem dispositivos de ação
que permitiram a implementação gradual de dispositivos de
trabalho de recuperação e reforço de aprendizagens, o desen-
VI
50 volvimento de uma cultura de implicação e de pertença, para
além da implementação de processos de formação de profis-
sionais baseados em resolução de problemas diagnosticados
e, preferencialmente, centrados nas práticas de sala de aula.
A promoção da equidade teve como suporte os seguin-
tes aspetos: acreditar nas potencialidades de cada aluno,
Álvaro Almeida dos Santos independentemente da origem sociocultural ou económi-
Diretor da Escola Secundária ca; conhecer e compreender os alunos; desenhar sistemas
Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, e processos de aprendizagem não seletivos; criar estruturas
Valadares, Vila Nova de Gaia de suporte e acompanhamento aos alunos (curto, médio e
longo prazos). Tal implica a alocação de recursos de forma
diretor@esdjgfa.org judiciosa, a identificação e a eliminação de práticas que pos-
sam contribuir para o fracasso dos alunos.

As primeiras semanas tripuladas em modo de emergência


O dia 16 de março de 2020, segunda-feira, fora antecedido
de um fim de semana em que a inquietação se apoderou dos
professores e das direções das escolas. Havia, ainda, duas
semanas até à pausa letiva da Páscoa e as atividades letivas
teriam de decorrer em modo remoto. Sentimo-nos tripulan-
tes de uma Apollo 13 (“Houston, we have a problem!”), em que
cada um procurou dar sentido e orientação a uma transição
sem aviso ou preparação prévios. A constatação da impossi-
bilidade de interpelação pessoal imediata, ditada pelo dis-

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tanciamento físico, alimentava a angústia face aos riscos de Cada diretor de turma, coordenador do desenvolvimento
diminuição significativa da qualidade da interação relacio- curricular dos seus alunos, reuniu em cada final de semana,
nal, sustentada ao longo de anos por um clima em que o “cui- “online”, com os seus alunos, para avaliar o trabalho reali-
dado” constituía um dos principais pilares da ação educativa. zado, identificar necessidades, convidar à reflexão sobre a
Em tempo de emergência, um dos principais problemas aprendizagem e apresentar o plano de trabalho para a sema-
em análise era o de procurar proporcionar o acesso univer- na seguinte. Tratava-se, afinal, de transpor uma prática que
sal à educação em condições de equidade. A constituição vinha sendo realizada no modelo presencial, em programa
imediata de uma equipa de apoio E@D, diversificada na sua de “reunião de turma” há alguns anos.
constituição disciplinar, mas ligada nas competências e no Havia, naturalmente, uma especial atenção aos alunos
suporte tecnológico e pedagógico a desenvolver junto dos com medidas seletivas e adicionais, designadamente aos da
colegas, terá sido um dos eixos fundamentais para que pu- sala de ensino estruturado. O envolvimento de todos os pro-
déssemos desenvolver ações de forma inclusiva. Apesar da fessores, terapeutas e parceiros institucionais, entre outros,
urgência, este foi um período para “dar tempo ao tempo”, contou com a colaboração dos alunos e das famílias. Estabe-
refletir, estabelecer novas lideranças, desenhar processos de leceu-se como prioridade o acompanhamento das lideranças
formação urgente para o período de interrupção letiva e ga- intermédias, de forma persistente, para que os alunos fossem
rantir que não deixaríamos alunos por contatar. capazes de gerir as ferramentas de aprendizagem à sua dis-
posição. Foram constituídas, em várias turmas, sob super-
A nitidez da caricatura e a colegialidade como visão do(a) respetivo(a) diretor(a), mentores que auxiliaram
prática natural colegas. O programa de mentoria entre alunos do ensino se-
De entre as revelações desse período, a possibilidade de cundário e do básico manteve-se, embora agora à distância.
vislumbrarmos com maior nitidez traços de personalidade Ao longo do período de trabalho não presencial, o di-
pedagógica de cada professor/indivíduo constitui uma das retor comunicou com os professores, através de “briefings”
mais relevantes. Como numa caricatura, as marcas de per- diários, remetidos em cada manhã, contendo incentivos,
sonalidade ficaram mais acentuadas e visíveis. Esta era a pistas de resolução de problemas e de formação, convites à
constatação de que um professor se revela não por aquilo reflexão, disponibilização de materiais e conselhos para que VII
51

que faz ou que diz, mas por aquilo que é. Os bons professores pudesse ser garantida a necessária estabilidade emocional.
no regime presencial continuaram a merecer elogios pela
forma como desempenhavam a sua prática no novo modelo, A normalidade possível
pela capacidade de adequação pedagógica, flexibilidade de Embora todos prefiramos o desenvolvimento da ação peda-
raciocínio, recorrendo a um amplo e diversificado reportório gógica de modo presencial, há um conjunto de fatores que
de estratégias e de ações pedagógicas. representam obstáculos organizativos e pessoais ao desen-
Com o estabelecimento de redes de apoio, de geometria volvimento de processos de ensino e de aprendizagem com
variável, a colegialidade passou a ser considerada como uma os níveis de qualidade mais elevada: a limitação de horá-
prática natural, não forçada, que permitiram processos de rios para trabalho colaborativo; a sua extensão promotora
auto e de heteroformação intensiva, apoio e trabalho coo- de desencontros; o distanciamento físico em sala de aula; a
perativo. Muito embora tenha existido, por algum tempo, a dificuldade de leitura de expressões faciais; o convite à des-
centralidade dos instrumentos tecnológicos, não demorou confiança de tudo e de todos.
a que a integração de novas ferramentas nos processos de Seja qual for o modelo de trabalho, a ligação aos alu-
ensino e de aprendizagem convidasse à reflexão sobre o que nos pelos professores é absolutamente essencial. A inter-
é ensinar, aprender e avaliar. mitência do trabalho presencial, por razões conhecidas de
A mobilização de recursos da escola e o desenvolvi- imposição sanitária, constitui uma ameaça adicional, que
mento de um programa de oferta material tecnológico por nos mobiliza a um trabalho acrescido para evitarmos a frag-
parceiros na comunidade auxiliaram a combater isolamento mentação e a fragilização de práticas inclusivas.
e a incluir alunos de famílias sem recursos disponíveis. Teremos ainda reservas de humanidade para evitarmos
que a acidez relacional destes dias corroa o que ainda resta
A comunicação como fator de inclusão de tolerância, compaixão e solidariedade?
O estabelecimento de redes e a regularidade da comunicação
constituíram um dos mais importantes fatores de inclusão.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


A tecnologia em tempos de pandemia:
desafio ou oportunidade?

Um dos imensos desafios para a Educação deste século, é


compreendermos que os alunos já não aprendem da mesma
forma como nós fomos ensinados. Esta constatação trans-
porta o ato de ensinar e de quem ensina para um processo de
ressignificação e redefinição da profissão. Também sabemos
que desenhar um ambiente de aprendizagem envolvente é,
simultaneamente, um problema e um estímulo que se apre-
senta aos professores de hoje. Não deixa de ser curioso, que
há 23 anos, com a publicação do Livro Verde para a Socie-
dade da Informação em Portugal (1997), se fazia referência
para a implementação de uma escola informada e informa-
VIII
52 tizada para o século XXI, referindo que a escola tinha de
passar a ser encarada como um espaço de aprendizagem ao
invés de ser um lugar onde o professor se limitava a transmi-
tir o saber ao aluno, mas estávamos longe de pensar que esta
mudança seria tão difícil de acontecer.
Marco Bento Se atentarmos na sociedade contemporânea, verifi-
Professor na Escola Superior camos que esta se encontra num processo de rápidas mu-
de Educação de Coimbra danças, onde a tecnologia assume um papel determinante e
Investigador no CIEd na fulcral, nas mais diversas áreas da mesma. Desde logo, por
Universidade do Minho gerarem múltiplas potencialidades, criarem novos cenários
e promoverem ambientes extremamente ricos e promoto-
res de uma multiplicidade de experiências pedagógicas im-
www.marcobento.com pulsionando as pessoas a conviverem com a ideia de que a
aprendizagem é um processo que se desenvolve ao longo de
toda a vida. Porém, reiteramos a ideia de que esta integra-
ção natural e intuitiva da tecnologia na Educação, se afigura
muito lenta, artificial, sem sentido e com um peso dema-
siado no aspeto técnico da sua implementação, embora, re-
conheçamos que os docentes percebem que esta introdução
é uma condição fundamental para enfrentar os problemas
colocados pela sociedade do conhecimento.
Uma das grandes contribuições da tecnologia é dar a
oportunidade para as crianças experimentarem a excita-
ção de se empenharem em perseguir os conhecimentos que

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realmente desejam obter. São basilares para as crianças de- passou para a resolução do mesmo questionário, mas com
senvolverem as capacidades de observação, de reflexão e de o uso de uma aplicação digital, do tipo quizz, mantendo o
coordenação psicomotora. Aliás, a introdução de recursos modelo pedagógico e apenas alterando o formato.
multimédia, adaptados e adequados aos contextos da apren- Por outro lado, também temos tido as escolas a solici-
dizagem, evidenciado por múltiplos estudos e investiga- tar acessos rápidos e constantes à internet, equipamentos
ções, são instrumentos quase insuperáveis numa dinâmica 1:1 para alunos e professores, software educativo e platafor-
de sala de aula envolvente, catapultando os alunos para um ma de gestão da aprendizagem seguras e fidedignas. A esta
estado de predisposição para a aprendizagem, mas sobretu- questão fica sempre a dúvida entre uma escola que deses-
do, potenciando uma aprendizagem mais rápida, profunda e pera por igualdade nas oportunidades para os seus alunos
proficiente, com uma ligação muito importante ao quotidia- e professores. Todavia, as escolas precisam de compreender
no, numa ajuda ímpar de construção de conceitos estrutu- o conceito de equidade, porque quantas foram as escolas e
rantes, que tornam o abstrato em concreto. turmas que tiveram acessos a tablets, computadores e pla-
Com o confinamento provocado pela pandemia do CO- taforma digitais de comunicação e interação, e estes, nunca
VID-19, pelo impacto que teve o fecho das escolas, foi por chegaram a sair das Sedes dos Agrupamentos de Escolas ou
demais visível e sentida a constatação de que as experiên- das embalagens que chegavam às casas de cada aluno? Nes-
cias de ambientes digitais em contexto educativo fizeram tas situações, os alunos podem ter acessos, máquinas e os
falta e continuam a fazer. Tornou-se ainda mais evidente, professores não terem condições e conhecimentos, acima de
que foram as escolas, os professores e os alunos, que já esta- tudo, pedagógicos para potenciar essas aprendizagens ou a
vam com hábitos naturais de inclusão da tecnologia em ati- realidade em casa de cada aluno não permitia existir tempo
vidades pedagógicas presenciais, que ultrapassaram melhor e acompanhamento de um adulto para aprender, devido a
toda a fase de confinamento. Por outro lado, a implementa- questões de teletrabalho dos pais.
ção abrupta de aulas com tecnologia, aulas online, deixou Estes pequenos exemplos não seriam problemáticos
evidente que experiências sem contexto, sem planeamento, para aqueles alunos que nós sabemos que, independente-
sem visão de um conceito de escola, sem formação real e mente das condições, vão naturalmente aprender, porque
adequada à realidade da escola e dos alunos de hoje, se tor- existem muitos alunos que sem qualquer apoio aprendem IX
53

nou um enorme e complexo erro. por si. Por outro lado, são muitos os alunos que sem um pro-
Não podemos deixar de salientar, e que nos parece mui- fessor, sem um orientador e guia de aprendizagem, não dão
to preocupante, o retrocesso pedagógico nas nossas esco- o passo seguinte. O processo de aprendizagem deve acima
las, e até uma certa aversão ou diabolização da utilização de tudo preocupar-se com estes alunos, que aguardam por
da tecnologia em atividade educativas, referindo-se às más uma diferenciação pedagógica que tarda em acontecer. Des-
experiências do chamado ensino “online”. Estas perceções se ponto de vista, a tecnologia permite essa diferenciação
devem-se muito a algumas dificuldades sentidas no “contro- pedagógica numa turma, por permitir a autoaprendizagem
lo da turma” e das ações dos alunos no “digital”. Ora, talvez, dos alunos que querem e vão progredindo, deixando o pro-
inicialmente os alunos quererão experimentar os jogos e fessor mais liberto para apoiar estes alunos. O investimento
outras possibilidades de um equipamento digital, as poten- digital tem e deve passar por um suporte ao corpo docente,
cialidades de plataformas e aplicações digitais, e, por isso, o dando competências pedagógicas com utilização de tecno-
professor deve dar esse tempo aos alunos, essa experiência logia, que implica com alteração dos processos formativos
e garantir também com essas atividades exploratórias o de- do seu desenvolvimento profissional. Mas também, numa
senvolvimento da autonomia. Com o passar do tempo, esse dedicação local, nomeadamente, ao nível dos municípios,
aspeto vai sendo ultrapassado, desde que não se encetem para reconhecerem os alunos, as famílias que necessitam de
mecanismos de trabalho semelhantes aos que executam em apoios, de modo a assegurar a participação de todos. Não
papel ou com o manual escolar. esquecendo, que é a experiência pedagógica em tempo real
Porém, também importará esclarecer, que não existiu e presencial, que vai ajudar a dissipar eventuais problemas
um verdadeiro ensino online, mas sim, atividades analó- para quando se passa para um ambiente à distância.
gicas, dentro de um mesmo espaço temporal, num planea- Não fará sentido continuar constantemente e em di-
mento maioritariamente expositivo, com a utilização de versos contextos e em diversas entidades, a debater sobre a
plataformas digitais. A título de exemplo, a realização de um inclusão das tecnologias na educação, quando já chegámos
questionário, que antes era em papel na sala de aula física, ao consenso de que esta inclusão não precisa de ser mais

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discutida, mas sim norteada através de uma conceção pe- todo, aplicar as mesmas atividades com o uso de tecnologia.
dagógica, que possa gerar mudança de comportamentos na Uma atividade com o digital terá de ser concebida pro-
aprendizagem, em que a transformação da escola deverá ser positadamente para ser utilizado em situações educativas
enfatizada no papel do corpo docente e na alteração das suas com esse fim, poder-se-á tornar num meio simples e prático
práticas correntes. para motivar e despertar interesses, desenvolvendo a criati-
Atualmente discute-se o Plano de Transição Digital vidade da criança, a concentração e a memória, com a dupla
que já está a ser implementado, mas importa relembrar que missão de ajudar a aprender e de ajudar a brincar. Este dese-
tivemos uma oportunidade enorme, quando o Ministério da nho de atividades deve colocar os alunos a produzir, mais do
Educação apetrechou as escolas do 1.º CEB com material in- que colocar alunos a ouvir, porque para aprender é preciso
formático, nomeadamente, computadores, quadros interati- explorar, manusear e centrar-se no conteúdo. Depois de o
vos e outros, para além de efetuar uma ligação à Internet, o conhecer e explorar, mais fácil se tornará ultrapassar méto-
permitiu aos alunos do 1.º CEB um maior, e para alguns, um dos de ensino clássicos, para entrar em autênticas viagens
primeiro contacto com esta forma de comunicar e pesquisar. de estudos virtuais, em que o ensino e a aprendizagem se
O programa e-escolinhas, lançado durante a incrementação tornarão momentos de lazer, mas, ao mesmo tempo, uma
do Plano Tecnológico na Educação (2007), abriu-nos a pos- resposta educativa contextualizada, com respeito pelas es-
sibilidade de, por um lado, cada aluno ter um computador pecificidades e identidade de cada aluno.
na sala de aula, e, por outro, poder encetar um processo de Outro aspeto fundamental é a falsa perceção de que os
mudança no modo como se aprende, nas formas de intera- alunos têm facilidade em usar a tecnologia, ou seja, que os
ção entre quem aprende e quem ensina, bem como no modo alunos possuem as competências digitais necessárias para
como se reflete sobre a natureza do conhecimento. A verda- as utilizar. Na realidade, os alunos precisam de ajuda nesse
de é que, numa fase de planeamento e implementação de um manuseamento, embora tenham maior intuição para essa
novo Plano Digital, devemos aprender com os erros cometi- utilização.
dos, lembrando que os recursos humanos e a sua capacita- A tecnologia pode proporcionar um ensino individua-
ção, o seu envolvimento na participação ativa do desenho lizado, facilitador da aprendizagem dos alunos. A escola de-
X54 e operacionalização nos seus contextos é essencial, ouvir verá criar condições para acolher todas as crianças com o
os professores, as escolas torna-se premente num processo duplo objetivo de educar socializando e habilitar ensinando.
desta ordem, reiterando a necessidade de dar formação aos É a tecnologia a ferramenta ideal a permitir que cada aluno
professores no intuito dos mesmos poderem utilizar com su- possa aprender ao seu ritmo, a resposta para uma sala de
cesso os meios ao seu dispor nas escolas. aula inclusiva pode estar mesmo no uso da tecnologia, que
Lembremos ainda que o apelo visual é muito forte, pela sua interatividade, animação e possibilidade de lidar
sendo o primeiro critério que uma criança usa para aprovar com questões de controlo e de domínio, intervém realmente
alguma coisa. O facto de poder lidar com uma máquina ima- tanto no desenvolvimento cognitivo como no emocional e
ginada para os adultos, também a atrai muito, para além das na aprendizagem da autonomia do aluno.
cores, movimento, música, animação e imagens fantásticas. Seria erróneo e pouco sensato pensar-se que o simples
Sabemos que, quando uma atividade é divertida e envolven- facto do professor se disponibilizar para utilizar tecnologia
te, a criança demonstra prazer em praticá-la e fica ansiosa na sala de aula vai, por si, resolver os problemas de motiva-
por repeti-la. Assim, neste sentido, podemos assumir que ção e interesse e, pelo que se torna fundamental uma meto-
os recursos multimédia, ao integrar diferentes media na dologia ativa, atribuindo a importância da vertente afetiva
representação da informação, capta a atenção dos sentidos da aprendizagem, porque se aprende, efetivamente, melhor,
do utilizador, sobretudo da visão e da audição, e, ao exigir quando se está verdadeiramente interessado no assunto.
interação física e intelectual dos alunos. Este deverá ser o Nesse sentido, o modelo de aprendizagem invertida
cenário ideal para se usar a tecnologia como ferramenta de assume-se como o mais indicado para o que significado
ensino/aprendizagem. de aprender e ensinar hoje em dia, desde logo, pelo reco-
Enquanto docentes, não podemos descurar toda uma nhecimento de que aprendemos a qualquer hora em qual-
fase de preparação e planeamento das atividades que são me- quer lugar através do acesso à informação online, e que o
diadas por tecnologia, porque o tempo das tarefas é outro, o aluno desenvolve competências relacionadas com o pensa-
espaço virtual assume características próprias, a comunica- mento crítico, trabalhando individualmente ou em grupo.
ção digital pressupõe um cuidado distinto e não podemos, de A aprendizagem invertida caracteriza-se essencialmente

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por ser uma abordagem pedagógica que move o processo de refas ao aluno, informando-o sempre dos tempos médios de
ensino para o controlo do próprio aluno, uma vez que num execução de cada uma.
momento prévio, o aluno interage com o conteúdo: vídeo, A utilização da tecnologia só fará sentido quando inte-
áudios, software, textos ou outros recursos online, enviados grada por modelos pedagógicos ativos, em que a aprendiza-
ou propostos pelo professor, que tem o papel de determinar gem invertida é exemplo e pode, assim, inaugurar uma nova
quais os materiais que o aluno deve explorar por conta pró- visão de organização dentro da sala de aula. O que está em
pria (garantindo a fidedignidade dos mesmos). Isso permite causa não é uma simples atualização pedagógica da escola,
que o tempo em sala de aula possa ser gasto em atividades mas a sua organização em função de novas necessidades e
que exercitam o pensamento crítico, com o professor a orien- de novos objetivos sociais, pelo que introduzir a tecnologia
tar os alunos na exploração criativa dos conteúdos que es- em contexto educativo não deve ser perspetivado à margem
tão a estudar, ou seja, permite reconhecer que os alunos que do processo educativo em geral. Proporcionar aos alunos um
previamente desenvolveram conhecimento possam avançar ambiente motivador, de descoberta, de construção ativa do
para atividades mais detalhadas, aprofundadas e concretiza- desenvolvimento intelectual, torna-se possível colocando
ção de pequenos projetos de aplicação dos conceitos aprendi- as crianças perante o desafio que lhes podem proporcionar
dos, libertando o professor para trabalhar com os alunos que certos recursos multimédia com a utilização de dispositivos
precisam de apoio na concretização dessas aprendizagens. móveis, por exemplo.
O professor deve reorganizar fisicamente o espaço de Acreditamos que a utilização pedagógica da tecnologia,
aprendizagem para apoiar tanto o trabalho de grupo como vai ajudar os professores a perspetivar formas diferentes de
individual, criando espaços flexíveis para que o aluno possa ensinar e de construir um currículo inovador e mais adap-
escolher quando e onde aprende, de acordo como o seu estilo tado às necessidades específicas dos alunos e às exigências
de aprendizagem. Além disso, o professor também é flexível de uma sociedade em contínua e rápida evolução. É indis-
nos tempos para a aprendizagem, porque nem todos os alu- pensável que os professores, para além de tomarem decisões
nos aprendem ao mesmo ritmo, e na avaliação da aprendiza- quanto a metodologias, estratégias e recursos a utilizar de
gem que promove, permitindo que cada aluno possa eviden- acordo com os objetivos curriculares que se propõem atin-
ciar os seus conhecimentos de formas distintas. gir, reflitam, igualmente, sobre as potencialidades pedagó- XI
55

Durante a aula, o professor deve observar constante- gicas de uma utilização da tecnologia no desenho de uma
mente os seus alunos, proporcionando-lhes feedback cons- atividade, ou seja, vantagens, limitações e riscos inerentes à
tante, e ir fazendo aferições aos seus trabalhos. O professor sua utilização na aprendizagem.
precisa tolerar o “caos” controlado na sala de aula, uma vez
que o ritmo e as atividades dos alunos são diferentes. Sugestões/ferramentas digitais:
Muitos professores podem construir uma aprendi- https://new.edmodo.com/
zagem invertida em que colocam os alunos a ler, a assistir https://classflow.com/pt-pt/
a vídeos ou a resolver problemas em casa, mas sem que a https://edpuzzle.com
verdadeira aprendizagem aconteça. O valor deste modelo de
flipped learning está na redefinição do tempo de aula presen-
cial que passa a ser um espaço dinâmico onde o aluno pode
testar-se na aplicação do conhecimento e interagir com os
outros colegas em atividades práticas significativas. Duran-
te as sessões presenciais é possível ao professor funcionar
como orientador e facilitador, incentivando os alunos a usar
os conhecimentos, quer do ponto de vista individual quer de
esforço colaborativo. O modelo de aprendizagem invertida
permite diferenciar para que todos aprendam, e nesse senti-
do, podemos criar grupos de trabalho segundo os interesses
e capacidades dos alunos, entregar um guia exploratório de
conteúdos passo a passo, fornecer a mesma informação em
formatos e recursos diferenciados (vídeo, texto, esquema,
imagem, áudio,…) e adequar o tempo de realização das ta-

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#EstudoEmCasa, uma forma
de garantir alguma equidade

Paulo Almeida 1. Um desafio inesperado


Diretor do Agrupamento O convite chegou ao Agrupamento de Escolas Fernando Ca-
de Escolas Fernando Casimiro simiro Pereira da Silva, no dia 1 de abril, através de telefone-
Pereira da Silva ma do senhor Secretário de Estado da Educação, João Costa.
O repto era simples, contribuir para encontrar uma solução
pauloalmeida@aefcps.pt para os alunos que não tinham ao seu dispor os meios de co-
municação que os ligassem aos seus professores. Apesar de
XII
56 simples, o desafio lançado foi imenso. Num espaço de pouco
mais de duas semanas estávamos em estúdio a gravar as pri-
meiras aulas, sem formação, cortes, edições ou tempo para
adaptação.
Dadas as circunstâncias extraordinárias que se viviam
à altura, a decisão era urgente para poder dar início aos tra-
balhos com um calendário muito apertado. Nesse sentido
foram convocados os docentes do agrupamento para uma
reunião geral no sentido de se tomar uma decisão partilha-
da. Os docentes aceitaram prontamente o desafio proposto,
naturalmente com receios e dúvidas, aos quais se juntavam
o medo de falhar, da exposição mediática, do desconhecido,
do formato e até das câmaras, associados à falta de expe-
riência em ambientes televisivos ou de referenciais que per-
mitissem uma orientação em termos de gestão curricular.
Tudo teria que ser criado de novo.
Contudo, a equipa foi fabulosa e entendeu a missão,
percebeu que Portugal chamava por cada um e que era pre-
ciso arriscar a bem de algo maior, os alunos. A melhor forma
de lidar com os anseios, medos e novidades era sem dúvida
o trabalho em equipa.
O agrupamento teve a seu cargo 14 disciplinas do 3.º,
4.º e 9.º ano de escolaridade, assim como, a oferta de Espa-
nhol como segunda língua para todo o 3.º ciclo.

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A possibilidade de incorporar nos diferentes blocos pe-
dagógicos resoluções, reflexões e formas de abordagem pela
voz dos alunos tornou a abordagem mais próxima da reali-
dade vivenciada em tempos ditos normais.

2. As dificuldades iniciais
O desconhecimento e a falta de experiência de um mode-
O passo seguinte foi o de criar as equipas responsáveis lo de aula sem alunos foi o maior obstáculo. Planificar uma
por cada disciplina, o que em alguns casos passou por inte- aula num tempo mais restrito, gerir tempos sem pausas e
grar docentes de outras escolas para enriquecer o projeto. Foi propostas de atividades sem expectativa de feedback era
ainda necessário mobilizar alguns professores com outras uma realidade nova para todos e a solução foi experimentar,
valências, nomeadamente ao nível da edição de som e vídeo refletir e (tentar) melhorar.
para apoiar as diferentes equipas na produção de materiais. A organização das sessões de preparação das aulas, foi
A equipa do agrupamento que abraçou este projeto teve a única dificuldade completamente ultrapassada. Depois da XIII
57

perto de 70 elementos, entre professores, educadores e até fase inicial de alguma desorganização do trabalho, foram sen-
alunos. Nem todos foram pivôs, mas foram muitos os que do criadas rotinas, ajustadas as tarefas assumidas por cada
estiveram na retaguarda a produzir materiais e a preparar elemento numa lógica de complementaridade e no final este
em conjunto os trinta minutos que se apresentavam em cada processo de organização do trabalho funcionava muito bem.
sessão do #EstudoEmCasa. A gestão do tempo televisivo foi outra dificuldade que
A introdução nas equipas de docentes de outras áreas tivemos de ultrapassar. O tempo limite era estanque e não
disciplinares trouxe valor acrescentado. Por um lado, per- podíamos, de forma alguma, ultrapassar os trinta minutos
mitiu a elaboração de materiais diversificados e ricos em di- definidos para cada bloco pedagógico. No nosso entendi-
ferentes experiências, por outro lado permitiu estabelecer mento, não seria sensato terminar uma aula deixando al-
pontes entre as diferentes áreas trazendo aos grupos o saber gum dos assuntos sem uma abordagem completa. A forma
instrumental de cada um destes elementos. de ultrapassar esta adversidade passou muito pelo treino,
A inserção nos grupos de trabalho de alunos do agrupa- simulação e a experiência da prática. As sessões eram simu-
mento foi um ponto chave neste trabalho. ladas por forma a averiguar se o tempo disponível era sufi-
ciente para o planificado em cada aula.
A gestão do currículo trouxe dificuldades muito seme-
lhantes à planificação de qualquer aula. Selecionar as me-
lhores tarefas, definir a ordem de encadeamento das ideias e
a intencionalidade de cada elemento na aula, incluir o grau
de formalismo adequado a cada situação e usar uma lingua-
gem rigorosa e clara ao mesmo tempo foram dificuldades
comuns a todos os professores, embora agravadas pela cons-
ciência da visibilidade deste trabalho.

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3. A experiência do grupo de matemática do 9.º ano
O grupo de docentes de matemática do 9.º ano continua, em
2020/2021 a levar a dinamizar os blocos pedagógicos neste
novo ano letivo. A experiência acumulada pelo grupo permi-
te-lhes estabelecer algumas comparações entre os modelos
de organização nestes dois períodos distintos de experiência.
A gestão do tempo e a sua influência nas propostas
trazidas em cada bloco continua a merecer atenção espe-
cial. A questão da duração dos blocos teve e tem um efei-
to paradoxal. Por um lado, os cerca de 30 minutos parecia
um tempo limitado para o que se pretendia, mas por outro
lado a ausência de tempos destinados ao trabalho dos alunos
(para não gerar tempos “mortos” em televisão) e a ausência
de dúvidas e comentários dos alunos, aceleravam o ritmo,
o que obrigou a estruturar as aulas de forma radicalmente
diferente ao que estávamos acostumados.

A apresentação dos registos pelos professores também foi


feita sob vários formatos para permitir criar algum dinamismo e
a adequação a diferentes situações. Sistematizações com recurso a
esquemas ou frases longas dependiam normalmente de apresenta-
ções digitais em que eram “desocultados” os registos previamente
feitos, o preenchimento de tabelas ou explicitação dos raciocínios
XIV
58 foram quase sempre realizados em tempo real no quadro interati-
vo e a inclusão de outros elementos multimédia assentaram quase
sempre em vídeos breves produzidos pelos elementos da equipa.

Ficou claro desde cedo que 30 minutos num formato


expositivo seria uma abordagem muito pouco envolvente
para os alunos. Assim, fomos ensaiando elementos que se
articulassem na criação de “espaços” diferentes dentro da
aula. A utilização de vídeos breves e de animações construí-
das com recurso ao GeoGebra foram elementos que conside-
ramos adequados para criar algum dinamismo numa expo-
sição contínua.

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Com o evoluir do projeto passamos a incluir partici-
pações especiais para acrescentar elementos de interesse às
aulas e ajudar a promover atitudes positivas em relação à
disciplina.

4. A importância da flexibilidade
A experiência acumulada do Agrupamento de Escolas Fer-
nando Casimiro Pereira da Silva, de Rio Maior, na gestão
flexível do currículo foi determinante na assunção da au-
tonomia na gestão curricular, assumindo o grupo a res-
ponsabilidade das opções tomadas, de forma consciente e
refletida. No atual cenário em que vários documentos orien-
tadores do currículo concorrem sem a desejável compatibi-
lidade, a necessidade de fazer escolhas e assumir opções na
gestão curricular é um imperativo. Mesmo com um cenário
mais favorável ao nível dos documentos curriculares será
sempre necessário fazer escolhas. Os professores são artí-
fices do currículo, na medida em que o interpretam, lhe dão
corpo e consistência. Esta experiência tornou-nos bem mais XV
59

confiantes neste processo, mais corajosos para assumir as


opções e mais capazes de explicitar e justificar as decisões.
As dificuldades com o grau adequado de formalismo O espírito de equipa e o trabalho complementar de cada
nos registos escritos e com o equilíbrio difícil entre rigor e elemento fez emergir as vantagens de trabalhar colaborati-
clareza do discurso verbal nunca deixaram de ser uma difi- vamente e a existência de espaços de discussão e partilha de
culdade. Com o passar do tempo fomos ganhando alguma decisões, materiais e posicionamentos veio relembrar expe-
confiança com as decisões que eram necessárias tomar, mas riências gratificantes de trabalho e estreitar laços pessoais.
estas preocupações continuaram a ser um elemento central A experiência perdurará de dois pontos de vista distin-
nas sessões de preparação até à última aula. tos. Por um lado, a amizade criada em momentos únicos, por
vezes até altas horas da madrugada, por outro lado a convic-
ção que todos podemos ganhar ao trabalhar desta forma, na
certeza que a distância não será, depois de todas as expe-
riências pessoais de cada docente, um impeditivo para que o
trabalho colaborativo se realize.
As dinâmicas criadas tiveram a preocupação de marcar
posição em relação à necessidade de fazer emergir, no con-
texto educativo, a diferenciação pedagógica. A construção
coletiva teve por base a experiência pessoal de cada envol-
vido e a imperiosa vontade de incluir experiências diversi-
ficada, com diferentes abordagens em relação aos distintos
estilos de aprendizagem.
Uma escola que se quer com todos e para todos teria de,
na medida do possível, colocar à disposição de cada uma das

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comunidades educativas recursos e formas de trabalho que
permitissem ultrapassar um período complexo da nossa vida
em sociedade.

5. A inclusão
A forma como as escolas lidaram com este tempo que não
tem tempo foi extraordinário. O #EstudoEmCasa foi apenas
mais uma resposta às adversidades com que todos nos de-
parámos. Contudo, foi uma resposta essencial que permitiu
incluir, nas práticas dos docentes de todas as escolas, res-
postas determinantes para alunos que não tinham outros
meios de comunicação com a escola e com a aprendizagem.
Desta forma, foram muitos os docentes que aproveitaram,
sempre que o entendiam, os blocos pedagógicos na sua pla-
nificação articulando desta forma o trabalho a desenvolver
com os blocos pedagógicos transmitidos diariamente.
Numa escola inclusiva que procura incluir todos e ex-
ponenciar as capacidades individuais de cada aluno, a res-
posta dada, não sendo a ideal, foi determinante para manter
os alunos ligados à escola.
O período de suspensão da atividade letiva realçou al-
guns aspetos que pareciam mais disfarçados quando a res-
posta escolar tinha caracter presencial. Por um lado, a he-
terogeneidade de acesso a ferramentas básicas que, numa
XVI
60 sociedade cada vez mais global, são essenciais para a cons-
trução de cidadãos devidamente preparados para a cons-
trução de um projeto de vida de sucesso. Por outro lado, a
importância da escola para um conjunto alargado de alunos
vulneráveis, cuja escola se apresenta como porto de abrigo e
refúgio, como lugar de conforto e de proteção.
A classe docente demonstrou a força de uma missão de
serviço publico de qualidade, que em tempos nunca vividos
se adaptou de forma rápida e flexível encontrando soluções
e respostas, mesmo quando as mesmas pareciam não existir.
Os professores do #EstudoEmCasa desempenharam o seu
papel contribuindo, à sua maneira e na medida do possível,
para mais um trabalho com o máximo de qualidade possível.
Enfim, este período difícil demonstrou a importância
e o valor da escola e dos seus agentes, mas também deixou
claro a urgência da metamorfose da escola, da forma como a
escola de repensa, como se incorpora nas dinâmicas da co-
munidade e na forma como a comunidade assume a escola
e os seus profissionais como um polo de desenvolvimento.

DOSSIER
EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO
INCLUSIVAINCLUSIVA
Quando a distância não se VÊ!

Sou mãe de uma criança cega atualmente com 5 anos de ida-


de que frequenta o Pré-escolar da escola pública na sua área
de residência. Há cerca de um ano atrás, enquanto mãe e en-
carregada de educação, ainda me debatia pela colocação de
um docente de educação especial, especializado no domínio
da visão que pudesse apoiar as aprendizagens e a inclusão
do meu filho no contexto educativo. Esse profissional, uma
docente do grupo 930, foi finalmente colocado em meados
de janeiro com um horário semanal de 11h. Por essa altura
já se falava do “bicharoco” que nos obrigou ao isolamento,
mas ainda não se previa que o cenário fosse aquele que todos
vivenciámos a partir de março. Com a colocação da docente XVII
61

especializada, finalmente o meu filho estava a ter o acom-


panhamento adequado e a sua educadora o devido apoio na
sala de atividades. Mas… mais ou menos dois meses após
a colocação da docente, o cenário alterou-se. O meu filho,
Dídia Lourenço Pedro, tal como praticamente todas as crianças, passaram a
Mãe do Pedro ter a escola em casa: o denominado ensino à distância. Ini-
cialmente desconfiei de como é que isto iria ser possível com
uma criança de 4 anos (na altura) que devido à sua especifi-
cidade (cegueira) necessita de “ver com as mãos”, que é como
quem diz utilizar todos os outros sentidos para receber a in-
formação que não lhe chega pela via visual e que, quando
pensamos na distância, parece impossível de se conseguir.
Após um momento inicial em que todos tivemos que
nos adaptar a esta nova realidade, eu e o pai a trabalhar-
mos cada um na sua casa, os apoios do Pedro interrompi-
dos, as ajudas (ama, avós) suspensas, foi da escola que veio
a orientação para que o tempo passado em casa pudesse ser
rentabilizado, aproveitado e acima de tudo transformado em
tempo de qualidade para o Pedro. Para tal, foi determinante
a sensibilidade de toda a equipa educativa, desde a coorde-
nadora da escola à educadora e auxiliar de sala que, desde
logo prepararam todos os materiais do Pedro e também al-
guns materiais da sala para que os mesmos pudessem vir

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


para casa e ser colocados à disposição do Pedro. Porém, o Pedro), o sentimento foi o de missão cumprida. Sim, foi di-
que mais me surpreendeu foi a capacidade que a docente de fícil. Especialmente porque houve necessidade de redefinir
educação especial, ainda em fase de integração na escola, a nossa forma de viver, de nos voltarmos a readaptar a uma
teve para fazer da “distância” um pormenor ultrapassável, nova realidade e, pacificamente, a aceitarmos. Algo que eu,
fazendo chegar ao meu filho “o ensino” que na escola (pre- enquanto mãe de uma criança que não é exatamente o que
sencialmente) durante o 1º período lhe foi, em parte, vedado eu idealizei (hoje sei que é muito melhor), já tinha experien-
(refiro-me às áreas específicas da cegueira). ciado antes. A imprevisibilidade da vida traz-nos grandes
desafios, mas é no intervalo entre o desafio e a sua supera-
A docente de educação especial, foi em todo este pro- ção que todos podemos crescer.
cesso, a mediadora das aprendizagens do Pedro articulan-
do quer connosco (pais), quer com a educadora responsável
pelo grupo:

• Ajustou os planos semanais da educadora da sala,


adaptando as atividades desenvolvidas de forma a que
ficassem acessíveis ao Pedro.

• Elaborou planos de trabalho mensais, divididos por se-


mana, com propostas de atividades nas áreas especí-
ficas: Pré-Braille, Atividades sensoriais e Orientação e
Figura 1 — Utilização
mobilidade. da máquina Perkins

Para que estas atividades se pudessem concretizar de forma


adequada tendo em conta o que era proposto:
XVIII
62

• Construiu materiais (livros, jogos) que enviou por cor-


reio através de cecograma (envio gratuito de materiais
em braille para pessoas cegas).

• Fez vídeos explicativos dando indicações concretas de


como se deveriam desenrolar algumas atividades e de
como poderíamos utilizar os materiais que ia enviando.

• Fez-se sentir presente através de telefonemas e video-


chamadas de forma a incentivar a concretização das Figura 2 — Livro das estradas

atividades e obter feedback relativamente à execução


das mesmas.

Em todo este processo foi necessária muita disciplina


e muita persistência. Houve dias mais difíceis em que não
conseguíamos fazer nada com o Pedro, outros em que tanto
ele como nós (pais) estávamos mais disponíveis. Houve sem-
pre a preocupação de ir fazendo alguma coisa e de ir devol-
vendo esse trabalho à equipa educativa. Houve também, do
outro lado, a sensibilidade de propor sem impor, de respeitar
tempos, de orientar sem direcionar.
Figura 3 — Cartões com
Após as várias e longas semanas de confinamento, em números em braille e a negro
que todos já acusávamos muito cansaço (pais, profissionais, e a respetiva quantidade

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EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO
INCLUSIVAINCLUSIVA
Repensar o CRI…
em tempos de confinamento

Equipa CRI Março de 2020… Em Portugal, este foi o mês que mudou, por XIX
63

Associação do Porto completo, a forma de aprender e ensinar nas nossas escolas.


de Paralisia Cerebral Os portões fecharam-se, as salas de aula ficaram va-
zias, o som dos alunos no recreio deixou de se ouvir nas re-
cri@appc.pt dondezas das escolas... Mas “a escola continuou aberta”!
O desafio estava lançado... Cada aluno, família, docen-
te, técnico, cada interveniente que constrói a escola teve que
encontrar, para si e para os outros, uma nova forma de fazer
que permitisse honrar o direito à educação para todo e qual-
quer aluno.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


No Centro de Recursos para a Inclusão da Associação Ainda que não tenhamos começado do “zero”, foi im-
do Porto de Paralisia Cerebral (CRI APPC) não tivemos dú- portante fazermos um “stand-by” para nos alinharmos en-
vidas quanto à dimensão deste desafio, mas a dimensão do quanto equipa, para conhecer a nova realidade de vida de
desafio trouxe-nos muitas dúvidas. A nossa grande missão cada aluno, para conhecermos a nova dinâmica de trabalho
continuava em cima da mesa – ser um suporte às escolas no de cada agrupamento e para descobrirmos e apoiarmos cada
seu caminho de inclusão de TODOS os alunos. Só que com docente com que trabalhamos. Se a realidade mudou então
a migração da escola para casa havia uma multiplicidade de temos de mudar com ela, suportando-a.
novos fatores a ter em conta, uma multiplicidade de barrei- Se a escola e os alunos transitaram para outro contex-
ras a contornar: o acesso das famílias a recursos tecnológi- to, era premente (re)avaliar, (re)planear e (re)começar.
cos; a disponibilidade e suporte dos encarregados de educa- Sabíamos que era também importante focar nas neces-
ção; a responsividade dos alunos à distância; entre outros. sidades daquele momento e libertar o acessório ou exigên-
Para nós era claro que não poderíamos “desvirtuar” os cias desfasadas deste novo contexto de aprendizagem.
princípios orientadores da educação inclusiva e, consequen- E, por isso, reforçamos uma cultura de colaboração,
temente, do Centro de Recursos para a Inclusão. Sabíamos orientada para as famílias e para o aluno.
que em tempos de reclusão a exclusão poderia ser mais de- Tivemos como princípio (re) avaliar o aluno num novo
liberada, e, portanto, encaramos este momento como uma ambiente de aprendizagem:
oportunidade para reforçar valores inclusivos, para os traba-
lhar de forma sistémica, e para os fazer valer com mais força:
Fatores pessoais

educabilidade
equidade inclusão personalização
universal • novas necessidades
• novos interesses

auto- envolvimento interferência • novas potencialidades


flexibilidade
-determinação parental mínima • bem-estar emocional
XX
64 • ...

A inclusão dos alunos não se faz só no trabalho direto


com os mesmos, mas também na inclusão de todos os in-
Participação
tervenientes, na articulação constante entre profissionais
e outros significativos, na construção de uma visão e ação
• que oportunidades lhe estão/vão ser dadas para que aprenda
conjuntas. Assim, o 3º período do ano letivo passado seria
• que oportunidades lhe estão/vão ser dadas para que
uma oportunidade marcante para o trabalho colaborativo. expresse o que sabe
• que oportunidades lhe estão/vão ser dadas para que
esteja envolvido
• qual o seu desempenho nas diversas atividades
• ...
família

Ambiente

outros
aluno docentes • Familiar — necessidades levantadas pela família relacionadas
envolvidos
com o quotidiano em casa, centradas nas aprendizagens
funcionais e/ou académicas; suporte dado ou passível de
ser dado; recursos tecnológicos disponiveis, rotinas; fatores
promotores de bem-estar
• Escolar — atitudes facilitadoras e/ou barreiras no acesso
à aprendizagem e participação do aluno, à distância
técnicos • ...
CRI

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E em seguida, e de forma mais ou menos formal, mas Infelizmente nem sempre conseguimos ser bem-suce-
sempre em conjunto com docentes e família, (re)definimos e didos neste suporte à distância. Nem sempre conseguimos
implementamos novas estratégias: chegar a todos os alunos e nem sempre se atingiu um tra-
balho colaborativo entre todos conforme urgia... Mas traba-
lhamos com respeito pela diversidade humana e na certeza
• objetivos e estratégias a manter
que, naquela altura, cada um estava a dar o seu melhor face
e respetivas adaptações; ao que estava a acontecer. Fomos escutando e fomos ten-
• objetivos e estratégias que, neste tando. Tentamos até esgotarmos todas as possibilidades que
novo contexto, não eram significativos
ou passíveis de continuidade; nos ocorriam.
O quê
• novos objetivos e estratégias face às Regra geral tivemos, também, uma articulação estreita
novas necessidades.
com as Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação In-
clusiva, principalmente nestes maiores desafios, mas tam-
bém como ponto de situação do trabalho desenvolvido.
• momentos assíncronos – ex.: partilha No final do ano letivo foi altura de avaliar as aprendi-
de atividades e materiais de aprendizagem;
articulação e partilha de estratégias;
zagens (não só alcançadas pelos alunos, mas também por
feedback/comentário de registos enviados todos os intervenientes e serviços). É verdade que nem tudo
pelas famílias, etc. (ex.: vídeos);
foi fácil e que nem tudo foram sucessos. Mas também é ver-
• momentos síncronos – ex.:
Como videochamadas/conferências, de forma dade, por todos reconhecida, que, como nunca, trabalhamos
colaborativa (ex.: com os docentes e a em equipa, que enaltecemos e estreitamos a relação com os
turma/grupo de referência) ou diretamente
ao aluno. alunos e famílias, que demos um suporte mais flexível, di-
nâmico e com maior foco na capacitação e que reafirmamos
uma cultura de compromisso com cada aluno, família e com
• privilegiamos a figura de gestor de caso cada Agrupamento de Escola parceiro.
para comunicação direta com a família Ficou assim provado, pela experiência (e adaptações)
e com a equipa educativa (de forma a
criar um canal de comunicação) e um deste 3º período e dos últimos meses que, apesar de todas XXI
65

Quem responsável por aquele aluno (que ativava as dificuldades, continuamos a ser um efetivo recurso para a
os outros recursos, sempre que necessário).
inclusão, aprendizagem e participação. E fundamentalmen-
te escrevemos através da prática, que inclusão rima mesmo
com união.
• identificamos a ferramenta de Vai ficar tudo bem.
comunicação a usar, privilegiando a
plataforma escolar eleita bem como as
preferências do aluno e família, como por
Onde exemplo WhatsApp, Facebook, Zoom,
Teams, email, contacto telefónico.

• a frequência e intensidade de suporte


definida, podendo assumir regularidade
semanal ou flexível, em função das
necessidades;
• foi possível flexibilizar, ao máximo, os
contactos, sair do conceito de “horário”
Quando do aluno para nos adaptarmos às
necessidades das famílias, intensificando,
quando necessário, e dando espaço
quando era sentida essa necessidade.

VOL. 11 Nº2 — DEZEMBRO 2020


De volta à rotina

XXII
66 Em setembro, quando voltámos presencialmente à escola,
todos partilhávamos a vontade imensa de voltarmos à roti-
na. O E@D ensinou-nos tantas coisas, fez-nos crescer tanto
e colocou-nos desafios que tão bem ultrapassámos. De re-
pente, fomos forçados a implementar planos de aula à dis-
tância, a partilhar ferramentas e competências, a dominar
plataformas de aprendizagem e a incluir todos num mesmo
ecrã, pois tínhamos consciência que a aprendizagem tinha
de acontecer, na medida do possível, para cada uma das
crianças e jovens deste país. Nada nos parou!
Neste ano letivo, num misto de ensino presencial
e E@D, mantemos a nossa missão, retirando o melhor do
E@D, recuperando conhecimentos e, em simultâneo, traba-
lhando e consolidando novas aprendizagens.
Por conseguinte, partilhamos aqui quatro ideias-chave
que devem estar presentes na nossa rotina e que favorecem
Rómulo Neves a operacionalização de uma escola cada vez mais inclusiva.
Professor do Ensino Básico,
Secundário e Superior / Membro Planificação
dirigente do Grupo de Investigação A planificação é a base de trabalho de qualquer professor e,
Inclusive Practices & Special em pleno século XXI, este instrumento ganha primazia na
Educational Needs ação docente, pois, na sala de aula, a função do professor é
de orientador e facilitador da aprendizagem.
romulosoton@hotmail.com Partindo dos diferentes referenciais para a ação (Perfil

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dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória; Aprendiza- fluorescente) ou o colega que está junto de si. A supervisão
gens Essenciais; Estratégia Nacional de Educação para a Ci- do docente ou o posicionamento do aluno de costas para ou-
dadania e as orientações para a operacionalização da Edu- tros alunos podem também ser estratégias a considerar.
cação Inclusiva) é fundamental que os professores apostem O material escolar também deve ser algo que merece a
em momentos de aprendizagem formais diversificados, nas orientação do professor, pois por vezes uma régua de leitu-
quais os alunos possam desenvolver as diferentes com- ra, um caderno em tom pastel ou um apoio para a pega do
petências hoje exigidas pelo mundo empresarial. Glasser material de escrita pode fazer toda a diferença (https://www.
(2001) recorda-nos que aprendemos menos apenas a ouvir, thedyslexiashop.co.uk/).
numa aula expositiva por exemplo, do que se se tivermos a
oportunidade de praticar, de fazer. Logo, apesar de todo o Gestão de informação
distanciamento social necessário, é indispensável combater O registo de informação é fundamental para um bom estu-
a probabilidade de regressarmos a modelos de ensino assen- do, no entanto, não poderemos assumir que todos os alunos
tes maioritariamente na exposição e transmissão de conteú- gerem a informação da mesma maneira. Há alunos que são
dos. É assim fundamental que sejam criados momentos para auditivos daí, a atenção e concentração na aula facilitam a
os alunos questionarem, colaborarem entre si, partilharem concretização da mesma. Para estes, incentivar o desenho
a sua criatividade e comunicarem ativamente em prol da de mapas conceptuais pode ser fundamental para sintetizar
construção holística do conhecimento. ideias-chave (https://tobloef.com/text2mindmap/) ou mesmo
Não obstante, a planificação docente deve obedecer ao os resumos orais com recurso a um gravador de voz (https://
Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), o qual con- vocaroo.com/).
siste numa abordagem curricular que favorece a eliminação Outros são visuais e precisam de ver e de ler a infor-
do maior número possível de barreiras, assentando numa mação para a consolidar. Por conseguinte, a escolha de um
planificação intencional, proactiva e flexível da prática, con- tipo de letra ‘friendly’ pode ser determinante. Sugerimos a
templando a diversidade dos alunos na sala de aula. fonte ‘Open Dyslexic’ (https://opendyslexic.org/), totalmente
Consequentemente, a noção de que todos os alunos gratuita, e facilitadora de leitura dado o desenho da própria
são iguais perde validade e impera a verdade de que todos letra diminuir a probabilidade de rotação ou sobreposição XXIII
67

os alunos são diferentes e aprendem de formas diferentes. das letras. O uso duma aplicação que passa a texto o discur-
Logo, é primordial que o professor deixe claro qual o obje- so oral pode também ser um organizador de ideias e uma
tivo da sua aula (learning goal), assim como o porquê (why), alavanca para um exercício de expressão escrita (https://
o quê (what) e o como (how) é que se desenvolverá o conhe- speechnotes.co/pt).
cimento. Sabendo onde queremos chegar, vamos desafiar os Acima de tudo, o professor deve dar a conhecer a im-
alunos a escolherem o(s) método(s) e os materiais que pode- portância da gestão da informação e competirá ao aluno a
rão utilizar para concretizar o objetivo da aula. escolha da melhor forma de o fazer, sabendo, antecipada-
mente, o ponto de chegada de cada aula.
Sala de aula
A sala de aula é, para muitos, o espaço privilegiado para Avaliação
contactar com o saber curricular. Por esse motivo, todos os Uma vez mais alinhada com o Desenho Universal para a
detalhes são relevantes e devemos atender à planta da sala Aprendizagem, a avaliação deve ser flexível e sempre rigoro-
de aula, a fim de proporcionar ao aluno o melhor local para sa sem que isso constitua uma infindável e complexa ativi-
a aprendizagem. dade de preenchimento de grelhas para o professor. Devem
Por um lado, para alguns, estar sentado num local com privilegiar-se diferentes instrumentos de recolha de infor-
menos distratores (o placard, a porta ou uma janela) é es- mação, rentabilizando diferentes suportes e enaltecendo as
sencial para que estes prestem menos atenção a tudo o que potencialidades de cada aluno. Não deve ser facilitista, nem
os rodeia e assim se foquem no que realmente importa. Por o processo de avaliação deve ser infantilizado. Permitam
outro, há alunos que apresentam stress visual e, consequen- que os alunos demonstrem o domínio de conteúdos através
temente, maiores dificuldades de leitura. Para estes alunos de um vídeo, ou de uma apresentação oral, ou de uma ques-
importa um maior cuidado com a visibilidade para o quadro/ tão-aula ou de um teste de avaliação ou de uma represen-
projeção, o reflexo que poderá ser incómodo, o local onde o tação… O mais importante é combater a ideia de que isto é
aluno se senta (evitar sentar por baixo de uma luz branca importante, porque sai no teste. A relevância dos conteúdos

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tem a ver com a sua aplicação e utilidade para o mundo fora
da sala de aula, por isso, abram a vossa sala de aula ao mun-
do e convidem-no a entrar!
Em suma, é inegável o destaque do termo ‘qualidade’
associado à educação. Faz, de facto, todo o sentido traba-
lharmos a favor de uma escola com cada vez mais qualidade,
orientada para o sucesso educativo e garantindo a melhor
resposta educativa a todos os alunos independentemente
das suas características. Seja no ensino presencial, seja no
E@D importa definir metas equiparadas a um degrau que se
vai gradualmente subindo até alcançarmos o topo da esca-
daria. Se almejarmos o topo da escadaria logo desde o início,
provavelmente enfrentaremos a frustração com mais facili-
dade e perdemos, gradualmente, a vontade de sonhar com
uma Escola para todos.
Em jeito de conclusão, importa sublinhar a importân-
cia de apoiar e envolver as Famílias no processo de ensino-
-aprendizagem. Há pessoas que vivem momentos verdadei-
ramente complexos por tantos motivos e não raras vezes as
crianças/alunos são implicadas. Importa manter o contac-
to com estes Encarregados de Educação, fazê-los sentir-se
bem-vindos à Escola através de um contacto online, telefó-
nico ou, se possível, presencial. As Famílias são indispensá-
veis ao sucesso educativo e compete-nos reforçar a necessi-
XXIV
68 dade de partilharem connosco o sonho com final feliz para
a sua criança/aluno.
Seja qual for a rotina que desejamos, vamos unir os
nossos esforços, capacidades e potencialidade, rentabilizar
as aprendizagens decorrentes do E@D e beneficiar a escola
atual numa perspetiva de educação inclusiva. Pois, na ver-
dade, nem poderá ser de outra forma!

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Ouvir os alunos e envolvê-los na Escola

XXV
69

Esta é uma intervenção iniciada em setembro do presente


ano letivo, com todos os alunos do AE Infante D. Henrique,
Porto (AEIDH) desde o pré-escolar até ao 12º ano de esco-
laridade. O objetivo primordial foi ouvi-los e dar-lhes voz
em relação a várias questões que começaram a ganhar mais
expressão com a pandemia e o confinamento. A interven-
ção surgiu da necessidade que a Direção do Agrupamento
Agrupamento de Escolas e o Serviço de Psicologia e Orientação (SPO) sentiram em
Infante D. Henrique, Porto proporcionar a todos os alunos, acompanhamento psicoló-
gico para o desenvolvimento de competências individuais e
Paula Marianela Cleto sociais, durante as 5 primeiras semanas de aulas, à seme-
Psicóloga/Coordenadora do SPO lhança do preconizado para a recuperação e consolidação
das aprendizagens essenciais (AE). Foi nossa preocupação
Filipa Rafael compreender os alunos e dotá-los de recursos internos, com
Psicóloga o intuito de conseguirem alguma estabilização psicosso-
cial, o que para além de propiciar o seu bem-estar, possibi-
Ana Rodrigues de Vila lita, ainda, aumentar a disponibilidade mental para melhor
Psicóloga aprender e viver. Com efeito, o equilíbrio psicossocial é uma
das condições essenciais para a aquisição de aprendizagens
Diana Moreira académicas e outras, bem como para o envolvimento dos
Psicóloga alunos na escola.

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Introdução 1.2. Transições de vida
Apresentamos as linhas orientadoras de uma intervenção, Mesmo os acontecimentos de vida normativos implicam
flexível e adaptável às diferentes faixas etárias e contextos sempre a adaptação a uma nova transição, beneficiando
de vida de cada aluno. Não são propostas atividades estrutu- da preparação e da mobilização de recursos pessoais e
radas, cabendo a cada psicóloga, em colaboração com os pro- interpessoais, e da vivência de transições análogas.
fessores, configurá-las, em função da especificidade de cada
faixa etária, turma e aluno. Na sua elaboração tivemos em 1.3. A qualidade dos contextos de vida
conta normativos legais emanados do Ministério da Educa- Os contextos de vida em que nos movemos entrecru-
ção e da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), artigos de zam-se, são interdependentes e devem ser intervencio-
autores neste domínio da Psicologia, bem como do saber téc- nados para promoção do seu desenvolvimento. Para os
nico-científico da ciência Psicológica e da experiência profis- alunos, a escola é um contexto de vida privilegiado de
sional das psicólogas que integram o SPO do agrupamento. desenvolvimento e de socialização, em articulação com
Valorizamos as abordagens ecológico desenvolvimentais a família, o grupo de pares, as atividades de lazer e a
(as pessoas e os processos psicológicos são indissociáveis sociedade. Devido à diversidade destes contextos e à do
dos seus contextos sendo a mudança encarada em termos ser humano, os alunos têm opiniões, crenças e perce-
dialéticos), sobre as transições de vida (qualquer mudan- ções muito diferentes uns dos outros, tornando-se ne-
ça envolve componentes de stresse, tendo o indivíduo que cessário em primeiro lugar ouvi-los e, possivelmente,
negociar um novo nível de adaptação), a orientação em re- desmistificar algumas crenças irracionais, elucidando-
lação à rede social de apoio (saber pedir ajuda a outros sig- -os em termos concretos e científicos sobre as diferen-
nificativos), as perspetivas que consideram o envolvimento tes medidas sanitárias em vigor, assim como sobre ou-
escolar dos alunos, como constructo multidimensional (com- tros assuntos, utilizando uma comunicação adequada
portamentos, cognições e afetos), e a conceção do psicólogo a todos e a cada um, de modo a que possam incorporar
como um profissional que articula o seu trabalho com ou- comportamentos saudáveis, não só no contexto escolar
tros profissionais, neste caso professores, possibilitando a como nos outros contextos em que vivem.
XXVI
70 implementação da consultadoria triádica, organizacional e
comunitária. 2. Intervenção psicossocial junto de todos os alunos nas 5
primeiras semanas de aulas
1. Contextualização Esta intervenção teve como objetivo primordial estabilizar
No momento presente, a humanidade vive sob um clima psicológica e socialmente os alunos, envolvendo as famílias
de medo e de imprevisibilidade nunca antes sentidos nes- e os professores. (Infelizmente e dadas as circunstâncias
te século A pandemia atinge todos: crianças, adolescentes, atuais, não foi possível o envolvimento das famílias neste
jovens, adultos, idosos, independentemente de credos, po- projeto, embora esse seja um dos objetivos a atingir, poste-
sição social, contexto cultural... Urge, assim, proporcionar riormente).
aos alunos um ambiente escolar saudável e seguro, promo-
tor das aprendizagens e do bem-estar psicológico e social. 1º Momento (1ª semana): Promover a exploração do impacto
da situação pandémica em cada um dos alunos, enquanto
1.1. A Pandemia cidadãos, e das turmas. Tópicos: (1) partilha de experiências
Se é certo que os acontecimentos de vida normativos durante o confinamento, o ano letivo de 2019/2020 e as fé-
são aqueles que por norma a grande maioria das pes- rias; (2) comportamentos, atividades, resultados escolares
soas experiencia (ex. tarefas desenvolvimentais e al- e relacionamento com pares e adultos significativos, inter-
gumas transições de vida), neste momento assistimos rupção de atividades extraescolares; (3) constrangimentos/
a uma espécie de paradoxo: a norma passou a ser o dificuldades com que se confrontaram, como os ultrapassa-
não-normativo. Embora a pandemia “toque” todas as ram ou não, que apoios tiveram ou não.
pessoas, não deixa por isso de ser considerado como
não-normativa, pelo seu impacto negativo súbito e im- 2º Momento (2ª semana): Promover a exploração do que sig-
previsível. nifica para os alunos voltar presencialmente à escola. Tópi-
cos: (1) o que mudou na escola e qual a opinião acerca dessa
mudança; (2) o que sentem, receiam, o que os preocupa; (3)

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o que acham que poderia ser feito para melhorar a situação intervenção temas que não tínhamos pensado abordar,
atual. mas que os alunos pediram.

3º Momento (3ª semana): Ajudar os alunos a mobilizarem os 2.1.1. O que nos disseram alunos
seus recursos pessoais e interpessoais para lidar com a si- Na educação pré-escolar, nos 1.º e 2.º ciclos, as crianças
tuação atual. Tópicos: (1) a socialização, a empatia e a cola- relataram medo e preocupação relativamente à pande-
boração; (2) como estão a pensar atuar, o que aprenderam mia, mas referiram que se sentem seguras e protegi-
com experiências anteriores; (3) a importância de pertença das na escola e que as sessões ajudaram a diminuir as
à turma e à escola. preocupações e a sentirem-se mais felizes. Participa-
ram bastante na intervenção, demonstrando curiosida-
4º Momento (4ª semana): Preparar os alunos para a incerte- de em aprender “coisas” novas. Os constrangimentos
za futura. Tópicos: (1) eventual interrupção das aulas pre- verificados relacionaram-se com a articulação dos ho-
senciais, se as autoridades assim o preconizarem; (2) como rários da intervenção, assim como com algumas tur-
lidar com a situação, tendo em conta o que anteriormente mas mais indisciplinadas. No 3º ciclo, o sentimento de
aprenderam com a experiência do ano letivo anterior; (3) a medo foi, também, verbalizado pelos adolescentes, que
importância da ligação aos outros – diferença entre distân- consideraram a intervenção importante para relembrar
cia física e social. os cuidados a ter para prevenir a doença e, ajudou a ter,
também, mais cuidados em casa, “estivemos atentos
5º Momento (5ª semana): Promover a integração dos momen- nas sessões, discutimos sobre o Covid, e ficamos
tos anteriores. Tópicos: (1) algumas conclusões a que chega- mais tranquilos e mais conscientes”. Para os alunos
ram; (2) assuntos que gostariam de aprofundar e/ou abor- do ensino secundário, os problemas mais apontados
dar; (3) críticas, comentários, sugestões e avaliação final da relacionaram-se com a interrupção das atividades leti-
intervenção. vas no ano letivo anterior e na dificuldade em aprender
através das aulas online, referindo, mesmo, que preju-
Monitorização da intervenção: presença dos alunos, dicou bastante a componente prática nos cursos pro- XXVII
71

participação, avaliação qualitativa e/ou quantitativa de fissionais. Dado, eventualmente, as suas idades e por
cada sessão. vezes inibição, os alunos não referiram ter medo.
Ainda ao nível do ensino secundário, de uma ma-
2.1. Como decorreu a intervenção neira geral, podemos afirmar que para alguns alunos,
A intervenção decorreu em grupo turma, envolvendo a os menos envolvidos na escola, a interrupção das ati-
educação pré-escolar, os 1º, 2º e 3º ciclos, os percursos vidades letivas presenciais foi um momento apreciado
de dupla certificação de nível básico - cursos de educa- (dormir até tarde, estar com a família, não ser obrigado
ção e formação (CEF) – e de nível secundário - cursos a ir para a escola…), embora, a maioria deles tenha con-
profissionais - em articulação com os professores titu- siderado que foi uma experiência negativa, em que se
lares de turma, diretores de turma e outros docentes, sentiram condicionados, presos, com medo, com sau-
assim como professores de educação especial, quando dades dos amigos, namorados/as, das rotinas da escola,
justificável. Sempre que possível, privilegiaram-se os de estar sempre em casa com a família. Acima de tudo
espaços curriculares de “Assembleia de Turma”, “Cida- foi sentida como uma situação inesperada: “foi estra-
dania e Mundo Atual” e “Área de Integração”, discipli- nho - julgávamos que seriam para aí duas semanas
nas habitualmente ministradas pelos diretores de tur- sem ter de ir à escola, rimo-nos sobre a situação,
ma; contudo, por motivos de conciliação de horários, mas depois…”. Disseram, ainda, que estar na escola,
a intervenção ocorreu, por vezes, em aulas de outros frente a frente com o professor é mais vantajoso do
professores. Enquanto que para os alunos mais novos que as aulas online; “é difícil aprender, é confuso…”.
foram utilizadas atividades mais lúdicas, mas também Acrescente-se que, para alguns alunos, não existem,
mais estruturadas, para os adolescentes privilegiamos em casa, condições favoráveis a este tipo de estudo. A
um equilíbrio entre o diálogo e atividades mais apela- interrupção de atividades de lazer, tais como praticar
tivas e, com os mais velhos privilegiamos o diálogo en- futebol, canoagem, box, futsal, e outras foi péssima
tre os envolvidos. Em todos os casos, introduzimos na para os alunos, sendo até mesmo o que mais os afe-

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tou. Não é de admirar, pois trata-se de atividades que de a intervenção ser em grupo turma, alguns alunos
os alunos gostam de realizar, onde se sentem motiva- não se sentem à vontade para partilhar dificuldades e
dos a prosseguir objetivos, a investir, no contexto do situações menos positivas, algo que desde o início tí-
relacionamento interpessoal e grupal. Relativamen- nhamos previsto e que nos alertou para a necessidade
te a como os alunos se podem ajudar a si próprios e a de intervir posteriormente com grupos restritos e/ou
quem podem recorrer em situações de necessidade, foi individualmente, em alguns casos.
acentuado por eles que “ajudar os outros, ajuda-nos
a nós próprios”, fazer o que gostam e em que são bons Discussão
aumenta a sua autoestima, fazer novos amigos e ir à A intervenção ultrapassou, em grande medida, o que ha-
escola, enquanto selecionaram como recursos a que se víamos preconizado. Assim (1) alertou os alunos para novos
podem dirigir: os pais, as psicólogas, os professores, os cuidados a ter durante a situação da pandemia, bem como
amigos, os animais de estimação e o “amigo imaginá- para outras problemáticas que disseram querer ser aborda-
rio”. A pertença a uma turma /escola foi vista como po- das e aprofundadas; (2) propiciou um melhor conhecimen-
sitiva pela maioria dos alunos, à exceção daqueles que to entre colegas; (3) levou-os a solicitarem a abordagem
não gostam da turma a que pertencem. de outras problemáticas e temas a desenvolver num futuro
De uma forma geral, os alunos consideraram que próximo (questões de saúde mental, gestão de amizades; to-
falar na empatia e na entreajuda ajudou a compreen- lerância à frustração; escuta ativa e atenção; bullying); (4)
der que o convívio com colegas é salutar, onde se po- aumentou a sensação de apoio e de equidade nas turmas;
dem partilhar alegrias e preocupações, fazer amigos, (5) ajudou a amplificar o sentimento de pertença ao grupo
“apaixonarmo-nos”, aprendermos a viver todos com turma; (6) proporcionou oportunidades de pedidos de acom-
menos recursos e experimentar coisas novas, “estamos panhamento psicológico individual; (7) “abriu portas” para
todos a adaptarmo-nos a um modo de vida diferente” uma relação mais próxima entre os alunos e as psicólogas e
e pertencer a um grupo ajuda, pois “…estamos todos a professores; (8) permitiu, através da consultadoria e do tra-
viver uma situação idêntica; fiquei a saber que a maio- balho cooperativo, criar sinergias – com efeito, visões dife-
XXVIII
72 ria dos meus colegas não tiveram uma boa experiência rentes de diferentes profissionais gera um valor qualitativo
com o confinamento”; “pertencer a uma turma ajuda acrescentado.
a aprender”. Alguns deles consideraram que estas ses- Pretende-se que a intervenção aqui delineada se pro-
sões deveriam ser individuais para puderem falar sobre longue ao longo do tempo (eventualmente em sessões de
assuntos privados, tendo sido uma boa oportunidade dois tempos letivos), dada a importância do bem-estar psi-
para explicar a distinção entre intervenção individual cossocial como condição primária para toda e qualquer (re)
e grupal. adaptação a um contexto de vida e a recuperação de apren-
dizagens. Por fim, salientamos que toda a comunidade edu-
2.1.2. Avaliação da intervenção cativa deve contribuir para desenvolver os princípios, as
Na sua maioria, os alunos valorizaram o Projeto aqui áreas de competência e os valores consignados no Perfil dos
apresentado, referindo que nunca tinham experien- Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, valorizando a In-
ciado na escola esta forma de abordagem/intervenção. clusão efetiva de todos.
Gostaram da linguagem utilizada pelas psicólogas, por
ser clara e compreensível, alertaram para que deveriam
existir mais momentos para falarem da situação atual
de saúde pública e de outros assuntos da atualidade que
os preocupa, “gostávamos de continuar com mais ses-
sões assim”; alguns alunos mais novos pensaram que
a intervenção apenas se iria debruçar sobre a pande-
mia: “estamos cansados de ouvir falar do covid”. Para
alguns professores envolvidos, a intervenção permitiu
aos alunos partilharem as suas dúvidas/medos/vivên-
cias/expectativas e as turmas refletiram sobre temas
do seu interesse. Consideraram, ainda, que pelo facto

DOSSIER
EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO
INCLUSIVAINCLUSIVA
A PRÓ INCLUSÃO — ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE DOCENTES DE
EDUCAÇÃO ESPECIAL, FOI CRIADA
EM JULHO DE 2008 POR UM GRUPO
DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL.

COMO ADERIR?

Preencher a Ficha de Adesão e juntar


uma foto tipo passe (p.e. digitalizada)
para emissão do Cartão de Sócio
ou preencher o Formulário de Adesão
no website da associação.
SÃO OBJETIVOS DA ASSOCIAÇÃO:

Efetuar o pagamento de adesão no valor de


a) Valorizar a profissão, promovendo os valores da inclusão, o conhecimento e o 35,00€ (inclui cotas do ano em curso, revista
desenvolvimento profissional dos docentes; profissional e desconto nas iniciativas da
b) Promover a comunicação e a cooperação entre os docentes de Educação Especial, associação) através de transferência bancária
favorecendo a identidade associativa e o sentimento de pertença; (IBAN: PT50.0036.0106.99100042329.74
Montepio) ou subscrever a anuidade através
c) Promover a formação, a informação, o conhecimento e a troca de saberes de todos os do PayPal.
docentes e em especial os docentes de Educação Especial através de ações de formação,
publicações, reuniões científicas e divulgação de todo o tipo de iniciativas neste âmbito;
Enviar comprovativo de transferência,
d) Estimular a inovação nas práticas educativas e a investigação no âmbito da Educação devidamente identificado, para o e-mail
Inclusiva, assim como a sua divulgação; proandee@gmail.com.
e) Desenvolver projetos e ações conjuntas com associações similares, nacionais
e internacionais; Para renovar a Cota anual, deve enviar
o comprovativo de transferência bancária
f) Promover a colaboração com outros grupos profissionais, bem como com outras do valor da cota ou, na data devida, autorizar
organizações da comunidade, nomeadamente escolas e associações de pais;
o pagamento da subscrição (Paypal).
g) Colaborar com organismos públicos e privados, no âmbito da consultadoria,
da informação técnica e científica, participando como parceiros sociais na política
Contactos: 73
nacional de educação;
Avenida Jorge Peixinho, 30
h) Defender os interesses dos associados, no âmbito da atividade profissional, Quinta da Arreinela
2805-059 Almada — Portugal
com exceção dos assuntos de natureza sindical.
Tm: (00351) 927138331 / (00351) 964502105
proandee@gmail.com
www.proandee.weebly.com

Ficha de Adesão Formulário de adesão on-line disponível em: https://proandee.weebly.com/formulariodeadesao.html

Nome: Data de Nascimento: / /

Morada: Localidade:

Código Postal: – Tf./Tm: E-mail:

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IBAN: Formação Académica:

Formação Especializada:

Grupo de Recrutamento (caso não seja docente, escreva 'n/a'): Área de docência: DEE Docente de outra áera disciplinar:

Situação Profissional/Atividade:

DQA DQZP DContratado DAposentado Técnico Enc. de Ed. Desempregado

Outra situação:
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

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