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A Mulher Piedosa e a Quebra do Nono Mandamento

Simone Quaresma

© 2016, CLIRE Portugal

1.a Edição em Português — março de 2016 .

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem a


autorização por escrito do editor, exceto citações em resenhas.

EDITOR: Manoel Canuto REVISORA: Erika Monteiro DESIGNER:


Heraldo Almeida
Sumário
Capa
Créditos
Prefácio
Introdução
1 — A Língua MostraComo Está o Coração
2 — Como a Bíblia Descreve a Língua do Justo e a do Ímpio?
3 — O NonoMandamento
4 — Preservar ePromover a Reputação do Nosso Próximo
5 — Entristecer-se por Suas Fraquezas
6 — Encobrir Suas Fraquezas
7 — Defender a Inocência de Nosso Irmão
8 — Resistir às Informações Maldizentes
9 — Falar a Verdade Inoportunamente
10 — Fale com aPessoa Certa!
11 — A Medida que Uso para Mim é a Mesma que Uso para Meus
Irmãos?
12 — Se Tiverem que Saber, que Não Seja por Você
13 — Quando FingimosCom a Língua
14 — Tirem as Criançasda Sala!
15 — A Quebra do Nono Mandamento e as Redes Sociais
16 — Não Quer Errar? Cerre Seus Lábios!
17 — Usando a Línguapara Edificar
18 — E Quando FalamMal de Mim?
Nossos livros
Mídias
C AP ÍTULO 1
Prefácio

A IGREJA DE nossa era parece não dar a devida atenção


aos pecados concernentes à língua, a qual Tiago 3: 6 e
8b descreve como “...mundo de iniquidade... situada entre
os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não
só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como
também é posta ela mesma em chamas pelo inferno... é mal
incontido, carregado de veneno mortífero”.

Fofoca, difamação, mentira, dissimulação e até


mesmo bajulação têm espaço no meio do povo de Deus
como se fossem pecados de somenos importância.
Porém, no sentido oposto, as Escrituras não poupam
advertências e exortações quanto ao uso de nossas
palavras, que demonstram o que há em nosso coração
(Lc 6.45).

O nono mandamento tem total ligação com tais


orientações. Consiste em “Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo“. Mas, será que conhecemos a sua
abrangência? O povo de Deus perece e envergonha o
nome do Senhor por desconhecer Sua Palavra. Com
esse mandamento, creio que não seja diferente, pois não
compreendemos a profundidade dele, quebrando-o de
diversas formas, sem decoro nem temor.

Porém, se somos novas criaturas em Cristo,


devemos conhecer e prosseguir em conhecer ao Senhor,
procurando com diligência confirmar a nossa vocação e
eleição; procedendo assim não tropeçaremos em tempo
algum (conf. 2Pe 1.10). Apenas conhecendo a verdade e
por meio da graça do Senhor, poderemos observar a
Santa Lei e ter um reto proceder que resplandeça a
glória do nosso Rei.

Este livreto certamente lhe será muito abençoador


nesse processo de crescimento em santidade, como foi
para mim e tantas outras mulheres que já tiveram a
oportunidade de lê-lo. Através da observância e do
empenho da irmã Simone, podemos sondar nossos
corações e observar melhor nossas palavras, para que
sejam boas para edificação, conforme a necessidade, e,
assim, transmitam graça aos que ouvem (conf. Ef 4.29).

— Ana Carolina S. Oliveira1

1 Ana Carolina é casada e membro da Igreja Presbiteriana em Poá-SP. É


mãe de dois filhos e está grávida do terceiro. Na igreja, realiza
aconselhamento e discipulado com mulheres. Possui formação em
Comunicação Social e Pós graduação em MBA. Dedica-se em tempo
integral à família e ao lar.
C AP ÍTULO 1
Introdução

QUAL SERIA A extensão do estrago na sua vida e na vida


dos que te rodeiam se num dia desses, sem aviso, todas
as suas conversas particulares e as coisas que você fala
de outras pessoas, fossem expostas em alto e bom som
para quem quisesse ouvir? Esta ideia lhe parece
assustadora? Será que tudo que falamos em oculto é
lícito o suficiente para ser declarado, se necessário, em
praça pública? Será que temos atentado para o que a
Bíblia insistentemente nos alerta com relação ao nosso
falar? Se existe uma área da vida das mulheres que deve
ser constantemente vigiada, é o modo como elas
utilizam sua língua.

Muito embora não se dê atenção a esse tipo de


pecado, ele é largamente tratado na Bíblia com
admoestações severas e castigos assustadores para
aqueles que não retrocedem. Numa rápida pesquisa em
qualquer chave bíblica, podemos ver a abundância de
textos sagrados que nos advertem quanto ao uso santo
e piedoso do nosso falar. Não obstante, muito pouco se
lê ou se ouve nos púlpitos sobre o assunto. Quantas
vezes, por exemplo, você se lembra de ter presenciado
em sua igreja, algum membro ser disciplinado por não
se corrigir e permanecer na prática de pecados
relacionados à língua? Quantos fofoqueiros e
mexeriqueiros impenitentes você conhece que nunca
foram chamados ao arrependimento, nunca foram
convidados a abandonar sua prática pecaminosa e
sequer são tratados como faltosos? Seria o pecado
contra o 9º mandamento menos importante e menos
ofensivo ao Senhor do que a quebra do 6º, por exemplo?
Sabemos, conforme explicações da pergunta 151 do
Catecismo Maior de Westminster, que existem
agravantes e atenuantes para classificar os tipos de
pecado. Mas isso não quer dizer que um pecado é mais
sério do que o outro. Todo pecado é uma violação da Lei
de Deus e, como tal, merece o inferno e custa o sacrifício
expiatório de Cristo para seu povo. O texto de
Provérbios deixa essa ideia bem clara:

“Seis coisas o SENHOR aborrece, e a sétima a sua alma abomina:


olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue
inocente, coração que trama projetos iníquos, pés que se apressam a
correr para o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que
semeia contendas entre irmãos.” Provérbios 6.16-19.
Sim, você leu direitinho: Pecados normalmente
atribuídos a pessoas terríveis (derramar sangue
inocente e tramar projetos iníquos) na mesma sentença
que ter língua mentirosa e semear contendas. Talvez, a
partir desse entendimento, devêssemos nos deter mais
acuradamente a estudar esse mandamento. Será que
tenho pecado contra o Senhor nesta área da minha vida
durante anos sem nunca ter me dado conta? Tenho
minimizado a seriedade do uso das minhas palavras?
Justamente por isso esses textos estão sendo escritos,
para juntas analisarmos quando e como temos
quebrado a lei de Deus e para mudarmos, se esse for o
nosso caso! Podemos estar enganadas, achando que
temos progredido na carreira cristã, mas temos nos
aperfeiçoado em pecados que ignoramos. O romancista
americano Washington Irvin descreveu o mau uso da
língua da seguinte forma: “Uma língua afiada é o único
instrumento de corte que, quanto mais usado, mais
afiado fica.” Temos progredido e aperfeiçoado o pecado
da língua?

De minha parte, confesso que, apenas há poucos


anos, me dei conta do quanto ignorava essa prescrição
da lei de Deus. Tenho lutado contra minhas próprias
artimanhas de achar que sou cheia de justiça, a ponto
de falar de meus irmãos, como se eu estivesse muito
acima deles... com muita vergonha, sou obrigada a
confessar que durante muito tempo da minha
caminhada cristã, não me policiei suficientemente e não
coloquei como prioridade de vida uma língua que
apenas construísse e edificasse e que nunca destruísse.

Sei bem que essa é uma luta que teremos durante


toda a nossa vida. Mas, quanto mais apercebidas
estivermos, mais fácil será para nós detectarmos nosso
pecado e lutar contra ele.
C AP ÍTULO 1
A Língua Mostra
Como Está o Coração

NOSSAS PALAVRAS REFLETEM o que está no nosso coração,


nossas verdadeiras intenções. E qual o meio usado para
externar todo tipo de imundície e pecado que está
dentro de nós? A língua! É através desse pequeno órgão
que mostramos ao mundo quão contaminado está o
nosso coração. É dele que vem todo tipo de mal, como
disse Jesus:

“E dizia: O que sai do homem, isso é o que o contamina. Porque de


dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a
prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as
malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a
loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o
homem.” Marcos 7.20-23.

Tiago também nos admoesta quanto ao perigo da


nossa língua. Em seu 3º capítulo, ele argumenta que há
três coisas enormes que são guiadas por pequenos
elementos. Uma possível metáfora do poder da língua
seria: “O leme é uma parte muito pequena da estrutura do
navio, entretanto é essencial para seguir o curso que o piloto
tem em mente. Note que não é o vento forte, mas o piloto, que
determina a direção do navio. O contraste está na pequenez do
leme e no tamanho do navio.”

Os três exemplos usados por Tiago expressam a


mesma realidade: o navio guiado pelo pequeníssimo
leme, os freio nos cavalos e a insignificante fagulha na
floresta, capaz de destruí-la. Estas metáforas são
contundentes! Tiago compara a língua ao fogo no
sentido de estar fora de controle e de ser extremamente
destrutivo: “é um mundo de perversidades que nenhum
homem é capaz de domar”; “é mal incontido, carregado
de veneno mortífero”; “a imagem é de uma cobra
venenosa, cuja língua nunca descansa e cujas presas
estão cheias de veneno mortal... é um retrato horrendo
que mostra a natureza do pecado.”

A argumentação de Tiago é assustadora! Como


podemos ficar em paz, se usamos a língua para
bendizer ao Senhor e com a mesma língua maldizemos
aqueles que são feitos à sua imagem? Alguma coisa
muito errada está acontecendo quando agimos desta
forma! O texto sagrado nos confronta:
“Com ela [a língua], bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela,
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só
boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que
estas coisas sejam assim. Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o
que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira
produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água
salgada pode dar água doce.” Tiago 3.9-12.

O que Tiago quer dizer é que, se a língua tem sido


usada de forma pecaminosa, é porque tem algum
problema na fonte que origina a palavra, o coração. E
por esse motivo temos que nos examinar seriamente.
Devemos medir nossa religiosidade por parâmetros
bíblicos, não por subjetividades inventadas por homens.
E a Palavra de Deus é um medidor inexorável de nossa
pretensa piedade:

“Se alguém SUPÕE ser religioso, deixando de refrear a língua, antes,


enganando o próprio coração, a sua religião é vã.” Tiago 1.26

“O homem de Belial, o homem vil, é o que anda com a perversidade


na boca, acena com os olhos, arranha com os pés e faz sinais com os
dedos. No seu coração há perversidade; todo o tempo maquina o
mal; anda semeando contendas...” Provérbios 6.12-14.

É impressionante como muitas vezes não nos


damos conta do quanto a nossa maneira de falar mostra
ao mundo que tipo de pensamentos e sentimentos
pecaminosos acalentamos no coração. É a boca que
deixa extrapolar, jorrar para fora, pintar em tons muito
fortes e visíveis o tipo de crente que somos. Podemos até
tentar demonstrar uma piedade fingida, mas nossa boca
trairá essa intenção.

“No coração do prudente, repousa a sabedoria, mas o que há no


coração do insensato vem a lume.” Provérbios 14.33

“A língua dos sábios adorna o conhecimento, mas a boca dos


insensatos derrama a estultícia.” Provérbios 15.2

Nossa fala demonstra quem somos. Temos falado o


que vem à mente, sem nenhum tipo de avaliação
preliminar? Semeamos contendas e falamos de forma
que destrói ao invés de construir? Não somos fortes o
suficiente para domar esse pequeno órgão? Tem jorrado
águas amargas da fonte que pensamos ser boa? Então é
hora de avaliar o coração, de colocar em cheque a nossa
fé, de nos arrependermos e mudarmos os pensamentos
e as intenções para que essa mudança atinja o nosso
falar.
C AP ÍTULO 2
Como a Bíblia Descreve a
Língua do Justo e a do Ímpio?

AO MEDIRMOS NOSSA estatura cristã pelo uso da língua,


podemos ser achadas em falta. Se queremos nos avaliar,
precisamos fazê-lo pelo padrão Eterno. Será que nos
encaixamos na descrição que a Palavra de Deus dá dos
justos, ou temos nos parecido mais com os ímpios nesta
área específica? Antes de lhe mostrar os textos, no
entanto, gostaria de explicar que, no livro de
Provérbios, quando se usa a palavra ímpio, o seu
significado extrapola o senso comum. Tendemos a
achar que termos como: ímpio, injusto, perverso,
estulto, insensato, são expressões muito fortes e que
descrevem os que estão fora do arraial do povo de Deus.
Mas não é bem assim... Esses termos estão se referindo
ao ímpio de uma maneira geral, mas também àqueles
que se julgam crentes, mas andam como os ímpios.
Lembre-se que o livro de Provérbios foi escrito visando
os jovens de Israel, os crentes! Então as advertências
contidas aqui, tocam a todas nós. O perverso não é
aquele monstro horroroso que comete crimes
hediondos. Jesus faz a mesma analogia em Mateus 7.23
quando diz: “Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniquidade.”

Praticar a iniquidade significa não se adequar à lei


de Deus, transgredi-la, violá-la, não se conformar à sua
santa Palavra. Ímpio é o contrário de pio, santo,
piedoso. Portanto, não leia todas estas admoestações e
esses adjetivos tão pesados como se isso estivesse muito
distantes de nós. Quando não praticamos a justiça,
agimos como o perverso, como o ímpio, como o estulto.

Dito isso, veja como Provérbios faz a diferenciação


entre estas duas categorias: “Prata escolhida é a língua do
justo, mas o coração dos perversos vale mui pouco. Os lábios
do justo apascentam a muitos, mas, por falta de senso,
morrem os tolos.” Provérbios 10.18-21

“A boca do justo produz sabedoria, mas a língua da perversidade


será desarraigada. Os lábios do justo sabem o que agrada, mas a
boca dos perversos, somente o mal.” Provérbios 10.31-32

“A boca do justo é manancial de vida, mas na boca dos perversos


mora a violência.” Provérbios 10.11

“Os lábios do justo sabem o que agrada, mas a boca do perversos,


somente o mal.” Provérbios 10.32
“Os lábios mentirosos são abomináveis ao SENHOR, mas os que
agem fielmente são o seu prazer.” Provérbios 12.22

Agir fielmente, apascentar a outros e produzir


sabedoria com o que fala são características dos justos.
O contrário é viver como os ímpios que não conhecem a
Deus. Se não nos enquadramos numa categoria,
necessariamente estamos na outra! O uso da língua faz
uma espécie de separação muito clara entre o que é
povo e o que não é povo. Por isso, ela é o sinal de alerta,
a trombeta tocando, a fumaça que denuncia o fogo!

Nos próximos textos, usaremos o Catecismo Maior


de Westminster para entendermos o nono mandamento
e suas abrangentes exigências.
C AP ÍTULO 3
O Nono
Mandamento

O NONO MANDAMENTO é muito pouco abordado e


explicado. Muitos crentes acham que “Não dirás falso
testemunho contra o teu próximo” se refere
exclusivamente a mentir quando chamado a juízo, ou a
levantar calúnias sobre alguém. É isso também, mas o
mandamento e suas implicações vão muito além disso2.
As perguntas seguintes do Catecismo Maior explicam
com grande propriedade o que se exige nesse
mandamento: Pergunta 144. Quais são os deveres exigidos
no nono mandamento?

Resposta. Os deveres exigidos no nono mandamento são preservar e


promover a verdade entre os homens; preservar e promover a boa
reputação do nosso próximo, bem como a nossa própria; evidenciar
e defender a verdade; falar a verdade, e somente a verdade, de coração,
sincera, livre, clara e plenamente, em questões de juízo e justiça e em
todos os demais casos, sejam quais forem; estimar caridosamente
nossos semelhantes; amar, desejar e regozijar-se na sua boa reputação;
entristecer-se por suas fraquezas e encobri-las; reconhecer
desinteressadamente seus dons e graças, defendendo a sua
inocência; acolher prontamente as informações bendizentes a seu
respeito e resistir às maldizentes; desencorajar boateiros, aduladores
e difamadores; prezar pela e cuidar da nossa própria reputação e
defendê-la, quando necessário; cumprir as promessas lícitas; buscar e
praticar tudo o que for verdadeiro, honesto, amável e de boa fama.

Em contrapartida aos deveres exigidos no


mandamento, temos também a descrição dos pecados
que são proibidos: Pergunta 145. Quais são os pecados
proibidos no nono mandamento?

Resposta. Os pecados proibidos no nono mandamento são: tudo


quando prejudica a verdade e a boa reputação de nosso
próximo, bem assim a nossa, especialmente em julgamento público,
o testemunho falso, subornar testemunhas falsas; aparecer e pleitear
cientemente a favor de uma causa má; resistir e calcar à força a
verdade, dar sentença injusta, chamar o mau, bom e o bom, mau;
recompensar os maus segundo a obra dos justos e os justos segundo a
obra dos maus; falsificar firmas, suprir a verdade e silenciar
indevidamente em uma causa justa; manter-nos tranquilos quando
a iniquidade reclama a repreensão de nossa parte, ou denunciar
outrem, falar a verdade inoportunamente, ou com malícia, para
um fim errôneo; pervertê-la em sentido falso, ou proferi-la duvidosa e
equivocadamente, para prejuízo da verdade ou da justiça; falar
inverdades; mentir, caluniar, maldizer, depreciar, tagarelar, cochichar,
escarnecer, vilipendiar, censurar temerária e asperamente ou com
parcialidade, interpretar de maneira má as intenções, palavras e
atos de outrem, adular e vangloriar, elogiar ou depreciar
demasiadamente a nós mesmos ou a outros, em pensamentos ou
palavras; negar os dons e as graças de Deus; agravar as faltas
menores; encobrir, desculpar e atenuar os pecados quando chamados
a uma confissão franca; descobrir desnecessariamente as fraquezas
de outrem e levantar boatos falsos; receber e acreditar em rumores
maus e tapar os ouvidos a uma defesa justa; suspeitar mal; invejar
ou sentir tristeza pelo crédito merecido de alguém; esforçar-se ou
desejar o prejuízo de alguém; regozijar-se na desgraça ou na
infâmia de alguém; a inveja ou tristeza pelo crédito merecido de
outros; prejudicar; o desprezo escarnecedor; a admiração excessiva de
outrem; a quebra de promessas legítimas; a negligência daquelas
coisas que são de boa fama; praticar ou não evitar aquelas coisas que
trazem má fama, ou não impedir, em outras pessoas, tais coisas, até
onde pudermos.

Gostaria, a partir de agora, de tratar de algumas


questões levantadas no Catecismo.

2 Pergunta 143, CMW.


C AP ÍTULO 4
Preservar e
Promover a Reputação do Nosso
Próximo

QUANDO A QUESTÃO é preservar e promover a nossa


própria reputação, somos experts. Não gostamos de ver
nosso nome envolvido em fofocas, nos magoamos
quando têm conceitos errados sobre nossas atitudes e
pessoas. Essa é uma atitude correta, pois como vimos,
devemos também cuidar do nosso bom nome. Mas
penso que esse dever é mais fácil de ser cumprido.
Quando se trata de preservar o bom nome de outras
pessoas, aí os problemas começam. A primeira coisa
que deveríamos ter em mente é que o bom nome e a
reputação de uma pessoa são bens valiosos. Quando
abrimos os lábios para, maliciosamente, denegrir a sua
imagem, estamos golpeando-lhe e roubando-lhe esse
bem. Salomão sabia disso e escreveu:

“Mais vale o bom nome do que as muitas riquezas; e o ser estimado é


melhor do que a prata e o ouro.” Provérbios 22.1

Leva-se muito tempo para construir uma boa


reputação e um bom nome, e apenas algumas estultas
palavras para destruí-los. Negue-se a fazê-lo! Todas as
vezes que vier em seu coração o desejo de criticar a vida
e as atitudes de um irmão, prefira exaltar suas
qualidades, pois ele certamente as tem! Quando estiver
numa roda de amigos e o “prato principal” estiver
sendo devorado, seja aquela voz que destoa e que
prefere promover a boa reputação da pessoa, que é o
alvo dos comentários, a destruí-la!

Você conhece pessoas que, ao invés de se alegrarem


com o progresso e as vitórias de alguém, sempre têm
algo negativo a dizer sobre ela? Simplesmente não
conseguem se alegrar por verem o bom nome de um
irmão ser promovido, mas invejosamente arrumam um
jeito de denegrir a imagem alheia: “É verdade, fulano
tem sido um bom crente, mas a vida pregressa dele
também, né? Você não faz ideia de tudo que ele já
aprontou...”. Afaste-se de pessoas assim, se não quer ser
contaminada por esse vírus. Elas não conseguem
elogiar alegremente seus irmãos, não ficam felizes por
verem seus bons nomes e virtudes sendo proclamadas.
Quanto a isso, o salmista nos adverte:
“Refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente” Salmos
34.13
C AP ÍTULO 5
Entristecer-se por Suas Fraquezas

TALVEZ ESSA SEJA uma das nossas grandes dificuldades


nesta área: nos entristecermos com nosso irmão e
encobrir seu pecado. Nem nos apercebemos do quanto
essa dificuldade é feia, de como isso nos torna
mesquinhas! Ao vermos nossos irmãos caírem em
pecado somos, por vezes, tão soberbas, tão arrogantes
que nem parece que fomos alcançadas por uma
maravilhosa graça perdoadora. Parece que nunca
pecamos ou que nunca precisamos correr
envergonhadas para a cruz de Cristo em busca de
arrependimento e de perdão. Muitas vezes temos um
desejo secreto e sombrio de ouvir uma história bem feia,
e, mesmo sem percebermos, nos alegramos por ver
nosso irmão na lama do pecado. Talvez essa sensação
venha do desejo de nos sentirmos limpas. “Quanto pior
ele for, melhor eu sou. Ele faz isso, eu não. Olha como
sou boa crente, como ele pôde fazer isso?”

Por vezes esse pecado pode se manifestar quando


vemos o resultado desastroso na vida de uma irmã que
por exemplo, estávamos aconselhando. Mostramos o
que a bíblia diz, damos algumas opções sobre a forma
de o problema ser resolvido, mas a irmã insiste em fazer
o que lhe veio à mente. Quando vem a notícia de que a
consequência do pecado se abateu sobre ela, muitas
vezes temos, lá no fundinho, aquela sensação: “eu não
disse? Eu estava certa! Eu avisei!”. Talvez nossas
palavras não demonstrem, mas a intenção do coração
vem à tona: Comentamos o acontecido com as pessoas,
fazemos questão de exaltar o quanto fomos sábias e a
irmã imprudente. Quão boas conselheiras somos e quão
péssima ouvinte ela foi. Muitas vezes quase dá para ver
um sorrisinho discreto. O que é isso, se não alegrar-se
com a fraqueza de minha irmã? Quando agimos assim,
fazemos exatamente o que Salomão descreve aqui:

“As palavras do maldizente são comida fina, que desce para o mais
interior do ventre.” Provérbios 26.22

Comentando a pergunta 146 do Catecismo Maior,


Johannes Geerhardus Vos descreve como é que os
crentes em Cristo cometem o pecado de se alegrarem
com o pecado alheio:

“Muitos dos crentes que certamente ficariam envergonhados de se


regozijar abertamente pela iniquidade praticada por outros, não
obstante cometeriam esse pecado de outras maneiras. Uma
maledicenciazinha sobre os pecados dos outros, mais a alegação de
estarem muito escandalizados pelo mal feito, tendo, contudo, a grande
e óbvia satisfação de comentá-los. Outros que se envergonhariam de
fazer isso abertamente terão em seus corações o secreto contentamento
de se regozijarem na ignomínia e na desonra dos outros.”3

3 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos, p. 458.
C AP ÍTULO 6
Encobrir Suas Fraquezas

“O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto


à baila separa os maiores amigos.” Provérbios 17.9

AATITUDE EXIGIDA DE nós no 9º mandamento é bem


diferente daquela descrita no tópico acima, que se
alegra, mesmo que muito secretamente, com a queda de
alguém! Além de me contristar com o pecado de meu
irmão, sabendo que bem poderia ter sido eu a cair, o 9º
mandamento me ensina também a encobrir
amorosamente suas faltas.

“A glória de Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é


esquadrinhá-las.” Provérbios 25.2

É óbvio que o Catecismo não está defendendo que


os pecados não devam ser tratados. São duas coisas
diferentes. Talvez você deva estar pensando: “Bem, se
preciso encobrir a fraqueza de meu irmão, o que devo
fazer quando descobrir que ele está vivendo uma vida
de pecado?”
J. G. Vos define assim essa questão:

“A ocultação da verdade é sempre um pecado? Não. Às vezes temos o


dever de ocultar algo daqueles que não têm o direito de o conhecer.
Ocultar a verdade é um pecado quando escondemos algo daqueles que
têm o direito de o conhecer...”4

Essa é a grande questão! Quem são as pessoas que


têm o direito de saber sobre o pecado daquele irmão?
Seu pastor, seu conselho, as pessoas diretamente
envolvidas... O fato é que expor o pecado de um irmão
para alguém que não tem nada a ver com o assunto, que
não foi ofendido por aquele pecado e que não é líder
sobre o faltoso, é pecar contra Deus e contra esse irmão.
É meter-me onde não fui chamada:

“Quem se mete em questão alheia é como aquele que toma pelas


orelhas um cão que passa.” Provérbios 26.17.

Mas... “há quem tenha por dever de ofício a


obrigação de receber informações perniciosas.”5 O
comentarista do Catecismo deixa essa questão ainda
mais clara:

“É sempre errado falar o que sabemos dos malfeitos dos outros? Não.
Temos o dever de reportar os malfeitos à autoridade devida. Se
sabemos que uma criança está roubando ou destruindo uma
propriedade temos o dever de informar aos pais da criança. No caso de
delitos graves cometidos por membros da igreja devemos levar o caso
aos oficiais da igreja que têm autoridade para tratar com o
transgressor. Se a lei do país for quebrada e for um caso de certa
gravidade (como o cometimento de um crime), temos o dever de levá-lo
ao conhecimento das autoridades constituídas do governo. Relatar um
assunto às pessoas com autoridade sobre o caso não é considerado
como “espalhar boatos ou rumores”. Em tais casos, o motivo envolvido
não é a fofoca nem o deleite pecaminoso em espalhar os erros de
outrem, mas o desejo legítimo de que a malfeitoria seja estancada e a
justiça realizada.”6

O Catecismo nos ensina a manter o equilíbrio na


questão de tratar o pecado de nossos irmãos.
Descobrimos a falta dele? Como nosso coração reage a
isso? Com tristeza ou contentamento? O que fazer
depois de avaliar minha intenção? Devo calar-me e
esquivar-me de comentar o ocorrido, sob qualquer
pretexto, com pessoas não envolvidas, e ter muito temor
e respeito ao levar o assunto a quem de direito. Em
todas estas situações, porém, devo cuidar para não cair
na tentação de expor desnecessariamente meu irmão
que pecou.

A exigência de se encobrir as fraquezas de nossos


irmãos visa também tratar o nosso senso de justiça e
mérito próprio. Além disso, há a precaução de evitar
que os boatos sejam acrescentados quando o assunto é
contado de um para o outro:

“Descobrir desnecessariamente as fraquezas é como o Catecismo


descreve aquilo a que denominamos comumente de fofocar das falhas e
defeitos dos outros. As pessoas transigem com esses boatos porque eles
lhes dão a sensação de justiça própria e de consolo com os deslizes dos
outros. Esse é um hábito errado, primeiro, porque procede de um
orgulho que justifica a si mesmo; segundo, porque é contrário ao
verdadeiro amor pelo nosso próximo, o amor que deveria nos deixar
tristes por ele fazer alguma coisa errada; terceiro, porque inclina-se a
cometer uma injustiça para com a pessoa que errou, pois na medida
em que é repassado de uma pessoa para outra o boato cresce e sofre
exageros até que o malfeito é descrito de maneira totalmente
desproporcionada aos fatos reais que o causaram.”7

4 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos, p. 449.
5 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:
Editora Os Puritanos,, p. 456.
6 Idem, p. 452.
7 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:
Editora Os Puritanos, p. 455.
C AP ÍTULO 7
Defender a Inocência de Nosso Irmão

ALÉM DE NOS chamar a não espalhar boatos nem


descobrir desnecessariamente os pecados e as falhas de
nossos irmãos, o 9º mandamento também exige de nós
que defendamos a inocência deles quando isto for
preciso. Essa é uma questão de responsabilidade moral
para com Deus e de dever para com o nosso próximo. E
o motivo está no âmago desse mandamento: estabelecer
a verdade!

“O alcance geral dos pecados proibidos pelo nono mandamento é tudo


o que for contrário à verdade e ao bom nome de qualquer pessoa. Isto é,
o nono mandamento proíbe toda a conduta que de alguma maneira,
seja por palavra, por ação ou pelo silêncio pecaminoso, interfira na
manutenção da verdade entre o homem e o homem e na preservação
do bom nome adquirido justamente por qualquer um.”8

Portanto, quando estamos numa roda de amigas


onde se fala sobre a vida de alguém que não está
presente e algo é dito sobre a conduta ou a moral desta
pessoa e nós notamos que há exageros ou inverdades e
não nos pronunciamos para defender sua inocência,
fazemo-nos tão pecadoras quanto aqueles que estão
espalhando boatos. Nosso silêncio, em tais casos, é
pecaminoso.

Não é apenas em casos cruciais que pecamos não


defendendo nossos irmãos. Talvez essa situação seja
mais corriqueira do que você imagina. Pense que suas
amigas podem estar falando que a irmã Suzana não é
uma boa cozinheira e estejam comparando-a a você.
Suas amigas estão te elogiando e colocando seus
quitutes acima dos de Suzana. Embora você saiba que
Suzana cozinha bem e tem se esforçado para se
desempenhar cada vez melhor na cozinha, você deixa
de expor essa verdade, fazendo com que todas tenham
a certeza que você é melhor do que ela nesse ponto. Está
vendo? Não é apenas quando se trata de defender
verdades gravíssimas que o nosso silêncio pode ser
pecaminoso. Muitas vezes em pequenas e irrelevantes
situações podemos impedir que a verdade venha à tona,
simplesmente por orgulho!

“O temor do senhor consiste em aborrecer o mal; a soberba, a


arrogância, o mau caminho e a boca perversa, eu os aborreço”
Provérbios 8.13

Em outras circunstâncias, porém, podemos nos


silenciar pecaminosamente não defendendo a inocência
do nosso irmão por razões ainda menos nobres. Talvez
eu possa me prejudicar de alguma forma se eu
manifestar a verdade para defendê-lo. Talvez eu tenha
lá os meus motivos para deixar que a honra do meu
irmão seja injustamente atacada. Talvez essa seja uma
forma de me vingar de alguma mágoa que guardo dele.
Seja qual for a razão particular que me leve a silenciar
indevidamente a verdade ao invés de defender a justiça,
estou pecando contra o 9º mandamento.

“Desvia de ti a falsidade da boca e afasta de ti a perversidade dos


lábios.” Provérbios 4.24

8 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos, p. 446.
C AP ÍTULO 8
Resistir às Informações Maldizentes

ÉDEVER DE TODAS nós, além de não divulgar as falhas e


pecados de nossos irmãos, não receber fofocas. Aliás,
quanto mais à vontade as pessoas se sentirem para falar
mal dos irmãos para você, mais apavorada você deve
ficar! Isso pode significar que durante muito tempo você
recebeu e alimentou informações pecaminosas sobre os
outros, de modo que as pessoas te veem como alguém
que gosta de tratar da vida alheia. Algumas mulheres se
deliciam em receber e repassar informações,
verdadeiras ou não, da vida dos outros. São
maledicentes de plantão, esperando apenas um ouvido
disposto para colocar todo o seu veneno em ação.

Os significados atribuídos à palavra maldizente não


são nada bonitos: murmurar, sussurrar, falar mal,
caluniar, fofocar, ser mexeriqueiro. O livro de
Provérbios tem muito a nos ensinar sobre isso:

“As palavras do maldizente são doces bocados que descem para o mais
interior do ventre.” Provérbios 18.8

“O mexeriqueiro revela o segredo; portanto, não te metas com quem


muito abre os lábios.” Provérbios 20.19

“O homem perverso espalha contendas, e o difamador separa os


maiores amigos.” Provérbios16.28

“Sem lenha, o fogo se apaga; e, não havendo maldizente, cessa a


contenda.” Provérbios 26.20

Como podemos não nos envergonhar de receber,


alimentar e passar adiante informações maldosas, que
denigrem e mancham a reputação de nossos irmãos
sem sequer titubearmos? Mesmo quando não fomos
nós que começamos com os rumores, a partir do
momento que concordamos em ouvir as maledicências,
já fazemos parte do processo de destruir a vida daquele
irmão. Por isso, devemos ser criteriosas em todas as
nossas conversas e não permitir que nos envolvam de
forma ativa ou passiva na quebra do 9º mandamento.

O comentarista do Catecismo Maior comentado


nos aconselha sobre como devemos proceder a fim de
que evitemos nos envolver com o pecado de levantar
falsos rumores contra nossos irmãos ou dar ouvidos a
esses rumores:

“Dar início deliberadamente a um falso rumor com o objetivo de


prejudicar alguém ou de levar a cabo algum propósito injusto é tão
mau e francamente maligno que quase não deveria ser necessário
advertir os crentes em Cristo contra isso; mas, uma vez começado por
alguém, é muito fácil ajudar um boato a ir adiante. O pecado de
ajudar um falso rumor a prevalecer pode ser cometido tanto
consciente quanto inconscientemente; podemos ou não perceber que
o rumor é falso. Antes de ajudar a circular uma história que pode
prejudicar ou privar alguém da justiça, deveríamos ter o cuidado de
descobrir se é mesmo verdade (e mesmo sendo verdadeiro não
deveríamos repeti-lo desnecessariamente). Muitos e grandes males têm
sido causados por pessoas bem-intencionadas prontas a acreditar e a
repetir qualquer coisa que lhes chegue aos ouvidos depreciando
alguém. Esse hábito desleixado é contrário à justiça e ao amor pelo
nosso próximo.”9

Note que o autor ressalta que não devemos receber


rumores falsos, mas nos alerta também quanto aos
verdadeiros. Não é porque um fato é real que temos
autorização para falar dele para quem quisermos!
Lembre-se: se não temos autoridade sobre o assunto, ou
se ele não nos compete e não nos diz respeito, devemos
nos calar e nos eximir de receber informações.

“O errado é quando as pessoas isentas da responsabilidade


profissional para com essas questões dão avidamente as boas vindas e
se prontificam a ouvir relatos malignos sobre outras pessoas. Essa é
uma das formas do pecado de alegrar-se com a injustiça, o qual o
apóstolo Paulo declara ser contrário ao amor cristão.”10

Talvez essa seja uma grande dificuldade nossa: não


receber fofocas e mexericos, não nos envolvermos em
conversas sobre a vida de nossos irmãos, não permitir
que falem mal de terceiros em nossa presença.
Conforme formos nos exercitando em não receber e em
não dar ouvidos aos maledicentes, esses,
automaticamente, deixarão de nos procurar para dar
vazão ao seu pecado. Saberão que não estamos
interessadas em fuxicar a vida alheia e, portanto,
deixarão de nos tentar a esse pecado. Logo no começo
pode ser difícil, mas você não precisa ser grosseira
quando, por exemplo, uma irmã começar a te contar
sobre os defeitos de outra. Simplesmente desconverse,
mude de assunto, não encoraje, não pergunte, não
alimente a chama. Se a insistência for grande, você pode
também dizer claramente que não gosta de se meter em
questões alheias! Seja como for, guarde-se, proteja-se,
escolha bem suas amizades, não fique perto demais de
quem gosta de alimentar o pecado que já está no seu
coração, só esperando que combustível seja jogado.
Fugir de pessoas assim é um grande começo para se
livrar do pecado da fofoca.

“Como o carvão é para a brasa, e a lenha, para o fogo, assim é o


homem contencioso para acender rixas.” Provérbios 26.21

9 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos, p. 456.
10 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:
Editora Os Puritanos, p. 456.
C AP ÍTULO 9
Falar a Verdade Inoportunamente

“O mexeriqueiro descobre o segredo, mas o fiel de espírito o encobre.”


Provérbios 11.13

ESSA É OUTRA forma de quebrarmos o 9º mandamento.


Muitas vezes, por causa da dureza do nosso coração,
mesmo diante da verdade, pecamos por expor a
verdade inoportunamente. Lembro-me de uma vez em
que conversava com um casal de nossa igreja sobre um
amigo em comum que pregava o Evangelho com
verdade e paixão. Num determinado momento,
comentei que esse irmão era divorciado e havia se
casado novamente. O casal com o qual eu conversava
arregalou os olhos, pois não sabiam desse detalhe.
Depois fiquei pensando comigo mesma: por que eu fui
dar essa informação para eles? Não havia a menor
necessidade de comunicar esse fato, que era verídico.
Não lhes acrescentou nada, embora fosse verdadeiro.
Minha intenção não havia sido denegrir a imagem do
irmão, mas, com aquele comentário desnecessário, foi
isso que fiz.

Quantas e quantas vezes podemos cair na


armadilha de achar que, por ser verdade, os fatos
precisam ser divulgados. Mais uma vez, temos que
sondar nosso coração e lembrar de zelar pela reputação
alheia. Pode ser que no ‘austero ato de dizer a verdade’
estejamos, maliciosamente, nos aproveitando da
oportunidade para desabonar a conduta do outro, o que
torna o nosso pecado ainda mais sério. Se temos má
intenção então... se falamos a verdade com malícia,
querendo obter vantagem de alguma forma, agravamos
a quebra do 9º mandamento.
Quando julgo mal as atitudes de um irmão
O nono mandamento nos proíbe interpretar mal as
intenções, palavras e ações das pessoas. Os que agem
assim, geralmente, são aqueles que vivem procurando o
mal no outro, sempre interpretando o que os outros
fazem à luz de sua própria apreciação. Além de pensar
mal do irmão, por vezes, cheias de razão, passamos
informações adiante, contaminando outros com nossas
suspeitas maldosas. J. G. Vos interpreta a proibição de
ter “suspeita maligna” desta forma:

“Essa expressão não se refere a uma suspeita lícita, baseada em


indícios plausíveis, mas a uma suspeita imprópria, não
fundamentada em provas, antes procedente do autoengano ou da
nossa ávida disposição em acreditar de pronto em alguma coisa má
sobre os outros . Por causa do nosso coração pecador estamos sempre
prontos a interpretar da pior maneira possível a conduta dos outros,
quando talvez os fatos verdadeiros sobre o caso pudessem ser
explicados de uma maneira mais caridosa.”11

Ah, quantas de nós temos caído nesse pecado!


Pense numa manhã de domingo em que ao chegar à
igreja você cumprimenta a irmã Maria e ela não lhe
responde. Temos duas posturas diante do acontecido:
ou desculpamos a irmã, pensando que ela pode não ter
nos ouvido, ou, maliciosamente, já começamos a achar
que Maria está aborrecida porque pode não ter gostado
disso ou daquilo que fizemos. Temos dificuldade em
achar que as intenções dos nossos irmãos são puras.
Sempre tendemos a julgá-lo mal. E quando, além de
alimentar essas suspeitas em nossos corações, as
passamos adiante, acrescentamos pecado sobre pecado.

Um dia desses, arrumando-me para sair de casa,


coloquei uma blusa vermelha. A cor da sombra
escolhida foi azul. Era a que estava à mão. Percebendo
que a blusa escolhida estava manchada, corri e troquei
por uma outra. Minha amiga, quando me encontrou,
fez um elogio: “Que linda! Combinando a cor da blusa
com a da sombra!”. Essa poderia sim, ter sido minha
intenção, mas foi uma escolha aleatória. Pense comigo
se essa amiga quisesse suspeitar mal de minhas
intenções e fofocar sobre o ocorrido. A conversa com as
outras pessoas poderia ser assim: “Você reparou no
quanto a Simone anda fútil? Ela não ligava para nada
disso, mas agora, não sai de casa se a cor da sombra
não combinar com a roupa.” Esse é apenas um exemplo
bobo, para nos alertar de quão distante a verdade pode
estar do que nossas palavras asseveram! Pode haver
uma distância abissal entre aquilo que pensamos que
aconteceu e aquilo que realmente aconteceu. O
Catecismo comentado também descreve esse pecado da
seguinte forma:
“Por que é pecado “a má interpretação de intenções, palavras e
ações?

Porque imaginar as intenções, as palavras e as atitudes dos outros


intencional ou conscientemente é o mesmo que mentir sobre eles. Esse é
um pecado bastante comum, mas os crentes em Cristo deveriam se
envergonhar de agir assim. Se alguém sobressai em alguma boa
causa, não temos o direito de acusá-lo de ambição egoísta. Se alguém
se opõe à maneira específica de se realizar um bom propósito, não
devemos tirar a conclusão de que ele se opõe àquela boa causa em
favor do mal oposto. Infelizmente, esse princípio é quase sempre
desconsiderado e crentes sinceros são acusados de serem a favor de
várias formas de mal por não concordarem totalmente com os outros
quanto aos métodos que devem ser usados no combate ao mal.”12

São muitas as situações em que pecamos por julgar


mal os nossos irmãos. Dias atrás soube que uma amiga,
que havia ficado viúva há quase um ano, estava
namorando e pretendia se casar novamente. Em dois
grupos diferentes onde ouvi essa história, houve irmãos
em Cristo que se apressaram a condená-la, mesmo sem
conhecimento de causa: “Ela já deveria estar envolvida
com esse rapaz antes de o marido morrer! Foi muito
rápido! Uma mulher que fica viúva dificilmente se
relaciona com outro homem tão facilmente.” Quanta
maldade e quanta falta de cuidado com a reputação
daquela piedosa irmã! Quanto desconhecimento da dor
que ela carregava! Quanta ignorância a respeito das
dificuldades que ela teve para se abrir a um novo
relacionamento depois que perdera o grande amor de
sua vida! Por que insistimos em dar sentença em
eventos que não conhecemos integralmente? Por que
não procuramos saber antes de falar? Por que nos
adiantamos e não damos ao irmão o benefício da
dúvida, mas o julgamos e condenamos sem sequer
ouvir sua história?

Precisamos nos lembrar que não temos todos os


esclarecimentos sobre os episódios e isso nos impede de
analisar com justiça. Mas somos rápidas em pegar as
informações parcas que temos, juntar a elas as nossas
interpretações e opiniões, formular uma teoria e
apresentá-la aos outros, como verdade incontestável.
Precisamos levar em conta que muitas vezes estamos
distantes dos fatos verídicos, e nossa perspectiva é
facilmente alterada por tantas nuances quantas possam
existir. Antes de formular uma sentença dura contra seu
irmão, tenha a certeza de que as coisas podem não ser
bem assim como você está pensando. Seus olhos e seus
sentidos podem estar enganados, podem haver mil
razões impensáveis para seu irmão agir como agiu.
Quer descobrir e estabelecer a verdade? Vá direto a ele
ao invés de ficar conjecturando e presumindo o que
pode ter acontecido. E isto é exatamente o que
trataremos no próximo tópico!
11 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:
Editora Os Puritanos, p. 458.
12 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:
Editora Os Puritanos, p. 453.
C AP ÍTULO 10
Fale com a
Pessoa Certa!

VOCÊ ACHA QUE fulana está de cara virada para você?


Não gostou da resposta que foi dada e gostaria de saber
se há algo a mais por trás? Pensa que tal ou tal atitude
de seu irmão é pecaminosa, pelo que se vê? Suspeita
que tem algo errado? Você tem duas opções: Não se
abalar com as suspeitas que você sabe que podem estar
equivocadas e preferir pensar sempre o melhor do seu
próximo, ou, se a situação exigir, resolver suas
desconfianças diretamente com quem de direito.
Quantos problemas seriam evitados no seio da igreja se
perseguíssemos esse princípio bíblico!

“Se teu irmão pecar [contra ti], vai arguí-lo entre ti e ele só.” Mateus
18.15

Esse é sempre o primeiro passo, mas infelizmente,


o mais ignorado quando se trata de resolver demandas
entre irmãos. Suspeitamos mal, alimentamos mágoas
no coração, maquinamos o mal contra ele, contamos a
terceiros, espalhamos rumores e boatos sobre o
acontecido, mas não seguimos essa ordenança ensinada
por Jesus a seus discípulos. É muito mais simples
resolver os pleitos assim que eles começam... e se
iniciamos a resolução de forma correta e bíblica,
quantas chances temos de solucionar a contrariedade à
contento e sem envolver mais pessoas que o devido!

O livro de Provérbios também reforça o conceito de


que, se temos algo a dizer a alguém, que seja dito
rigorosamente a essa pessoa:

“Pleiteia a tua causa diretamente com o teu próximo e não


descubras o segredo de outrem...” Provérbios 25.9

Bem, começando pelo final do verso, se você não


tem nada a ver com o assunto, não se empenhe para
descobrir o que está acontecendo. A ética cristã nos
impõe esse limite: Você ouviu falar que alguém cometeu
esse ou aquele pecado? A primeira coisa a fazer é
responder algumas perguntas: você está envolvido no
assunto? O pecado foi contra você? Você tem jurisdição
ou autoridade sobre a pessoa ou sobre o sucedido?
Não? Então lhe cabe a segunda sentença do verso: “não
descubras o segredo de outrem”. Se, no entanto, a
resposta for sim, pleiteie a tua causa diretamente com o
teu próximo! Vá a ele antes de qualquer coisa. Se você
tem alguma coisa a dizer sobre alguém, ir diretamente a
ele é uma questão de lealdade a seu irmão e de
obediência à Palavra de Deus! Não tenha medo de
perder a amizade dele. Amigos precisam desse
exercício. Salomão nos assevera essa verdade de modo
brilhante:

“O que repreende ao homem achará, depois, mais favor do que aquele


que lisonjeia com a língua.” Provérbios 28.23

“Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as


feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são
enganosos.” Provérbios 27.5-6

“Como o ferro com o ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo.”


Provérbios 27.17

Esse é o caminho excelente! Essa é a recomendação


da sabedoria de Deus! Tem alguma coisa a dizer sobre
alguém? Diga a ele!
C AP ÍTULO 11
A Medida que Uso para Mim é a
Mesma que Uso para Meus Irmãos?

“Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão
ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se julgas a lei,
não és observador da lei, mas juiz. Um só é Legislador e Juiz, aquele
que pode salvar e fazer perecer; tu, porém, quem és, que julgas o
próximo?” Tiago 4.11 e 12

REPARE SE ISSO não acontece facilmente com você


também: Se eu me atraso para o culto, tive razões
plausíveis; se foi o meu irmão, ele não sabe administrar
seu tempo. Se me enrolo financeiramente, é porque o
país está em crise; se meu irmão se endivida, é
descontrolado. Se eu me irrito e perco o controle, é
porque estava numa fase difícil; se meu irmão altera a
voz é porque não tem domínio próprio. Deveríamos ser
tão misericordiosos e complacentes com nosso próximo
como somos conosco. Deveríamos julgá-lo pela mesma
régua que nos medimos, com severidade para com o
nosso pecado, com compaixão para com o pecado de
meu irmão! O Catecismo chama esse pecado de agravar
as pequenas faltas e J.G.Vos comenta:

“O que significa ‘agravar as pequenas faltas’ e por que isso é errado?


Significa considerar as pequenas falhas ou faltas dos outros como
mais sérias e mais importantes do que são de fato. Não devemos
chamar o branco de preto, nem o preto de branco; não devemos falar
das faltas das pessoas como se fossem virtudes, ou como se não fossem
faltas nenhuma, contudo é errado considerar as pequenas faltas das
pessoas como se fossem questões grandes e sérias. As palavras do nosso
Senhor em Mateus 7.3-5 deveriam servir para nos lembrar que temos
graves falhas em nós mesmos, que deveriam ter a nossa atenção antes
de nos aplicarmos à tarefa de corrigir as menores faltas na vida dos
outros.”13

13 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos, p. 455.
C AP ÍTULO 12
Se Tiverem que Saber, que Não Seja
por Você

AINTENÇÃO DE PROTEGER um irmão dos malfeitos de outro,


em princípio, pode até parecer uma boa ideia. Mas, se
formos analisar friamente, podemos errar feio,
enquanto tentamos acertar. Por vezes, também fazemos
isso com o intuito secreto e malicioso, embora nem
sempre percebido por nós, de depreciar alguém. Talvez
por causa de orgulho encoberto, temamos que outras
pessoas sejam mais respeitadas do que nós, daí, logo
queremos ‘advertir’ aos outros sobre quem aquela
pessoa realmente é. O Catecismo chama isso de detrair.
“Significa falar mal de alguém com o objetivo de
detratar (maldizer) ou aviltar (depreciar) a sua
influência ou boa reputação; é desabonar ou
desqualificar alguém.”14 Seja por quais motivos
façamos isso, seja com ou sem razão, quando agimos
assim quebramos o 9º mandamento.
Durante muitos anos eu e Orebe moramos em
várias cidades diferentes e congregamos em igrejas
diferentes. Era interessante notar que, em cada uma que
chegávamos, rapidamente éramos informados da “ficha
corrida” dos irmãos. Não nego que algumas
informações eram verdadeiras e que alguns irmãos
desejavam mesmo nos proteger de perigos reais. Mas,
na grande maioria dos casos, as pessoas se apressavam
em passar para nós as experiências dolorosas que
haviam tido com fulano ou beltrano, sempre, é claro,
mostrando o seu ponto de vista e o seu lado da história.
Lembro-me que diversas vezes, ao chegar em uma nova
igreja, evitei me relacionar com algumas pessoas por
causa de rumores que havia ouvido sobre elas.

O nono mandamento me ensina a estabelecer a


verdade, e não a definir uma pessoa com base em um
ou dois acontecimentos duvidosos. Todo acontecimento
tem detalhes que desconhecemos. As pessoas têm
razões que muitas vezes não são expostas. Precisamos
dar o benefício da dúvida aos nossos irmãos. E, se esse
benefício foi dado e foi provado que o irmão tem
mesmo esse defeito que precisa ser concertado, não
cabe a mim alertar o planeta disso!

Certamente, em alguns casos, como já foi falado, é


importante e até necessário que informações sejam
dadas sobre pecadores incontinentes. No entanto, é
bom pensar bastante antes. Essa informação é
verdadeira? Preciso mesmo proteger um irmão desse
outro? Tenho permissão e autoridade para falar sobre o
assunto?

Você tem se apressado em informar às pessoas


sobre os defeitos de outrem? Tem se colocado em
situações difíceis por isso? A falta de sabedoria expressa
por palavras tem metido muitas de nós em situações
dolorosas. Necessitamos urgentemente aprender com
as Escrituras a nos colocar a salvo de armadilhas
embaraçosas que a língua nos arma!

14 Geerhardus Vos, Johannes. Catecismo Maior de Westminster comentado:


Editora Os Puritanos p. 452.
C AP ÍTULO 13
Quando Fingimos
Com a Língua

HÁ MUITAS DE nós que temos quebrado o 9º mandamento


por falta de controle da língua. Mas será que temos feito
pior do que isso? Será que temos nos entregado à
bajulação na frente das pessoas, e à maledicência em
suas costas? Certamente esse é um agravante severo
para o pecado da língua e, contra ele, as Escrituras nos
advertem:

“A língua falsa aborrece [odeia] a quem feriu, e a boca lisonjeira é


causa de ruína.” Provérbios 26.28

“Como vaso de barro coberto de escórias de prata, assim são os lábios


amorosos e o coração maligno.” Provérbios 26.23

“Aquele que aborrece [odeia] dissimula com os lábios, mas no íntimo


encobre o engano; quando te falar suavemente, não te fies nele, porque
sete abominações há no seu coração.” Provérbios 26.24-25

“O que retém o ódio é de lábios falsos, e o que difama é insensato.”


Provérbios 10.18
Dizem que as mulheres são catedráticas na arte de
elogiar na presença e, assim que a pessoa vira as costas,
apontar mil defeitos, até aqueles que não existem.
Quero crer que entre as mulheres cristãs esse é um
pecado que tem sido abominado e abandonado. Quero
crer que temos buscado ser leais aos nossos irmãos a
ponto de, tudo que falarmos dele, se necessário, possa
ser repetido em sua presença. Se assim não tem sido,
necessitamos mudar e clamar pelas misericórdias de
Deus para que não sejamos parecidas com os insensatos
e para que a ruína prevista para esses não nos assole:

“A boca do insensato é a sua própria destruição, e os seus lábios, um


laço para a sua alma.” Provérbios 18.7

“O perverso de coração jamais achará o bem; e o que tem a língua


dobre vem a cair no mal.” Provérbios 17.20
C AP ÍTULO 14
Tirem as Crianças
da Sala!

COMO FOI VISTO no nono mandamento, muitas vezes, por


estarmos diretamente envolvidas numa situação ou por
causa da posição de autoridade que nossos maridos
ocupam, precisamos falar sobre fatos e acontecimentos
que envolvem terceiros. Se seu esposo é pastor ou
presbítero, por exemplo, ele saberá de pormenores da
vida dos membros da igreja que são desconhecidos da
maioria dos outros membros. Você, como auxiliadora,
será, por vezes, chamada a ajudá-lo a pensar sobre o
assunto, a aconselhá-lo quanto a melhor forma de
abordar o problema. Vamos usar como exemplo um
caso de adultério. Houve a denúncia, e agora o pastor
daquela família precisa lidar com todos os
desdobramentos que esse pecado trará. O cuidado em
resguardar os episódios e os envolvidos deve ser
descomunal. Lidar com pecados tão destruidores de
nossos irmãos deve gerar em nós um senso de
integridade e lealdade, tanto a eles, quanto ao Senhor.
Portanto, o cuidado que precisamos ter ao falar sobre o
ocorrido deve ser proporcional ao amor que temos pelo
Reino de Deus. Lembre-se, o que está em jogo é a alma
de seus irmãos faltosos.

Dos cuidados que temos que tomar nestas


circunstâncias, talvez o maior deles seja o mais
negligenciado: falar sobre o ocorrido na frente dos
filhos. Por vezes pensamos que as crianças estão
desligadas, fazendo outras coisas, mas suas antenas
estão ligadas e tudo que vocês disserem na frente delas
será devidamente armazenado. O perigo não é apenas
de as crianças abrirem a boca num momento
inoportuno, com as pessoas erradas. Nossos filhos não
são líderes da igreja. Eles não têm maturidade para
aguentar o tranco de tantas histórias complicadas e com
finais tão dramáticos. Eles ainda não conhecem a
malignidade do coração humano como você, e ser
constantemente alimentado de informações adversas
sobre os irmãos da igreja pode gerar neles uma
desconfiança quanto à fé. Poupe seus filhos, o quanto
puder, de se decepcionarem com os irmãos da igreja.
Muitas vezes isso não será possível, pois o pecado terá
sido público. Mas isso é diferente de sua criança passar
a infância inteira ouvido diariamente sobre as fraquezas
dos crentes. Aos poucos ela saberá como as coisas
funcionam e aprenderá que crentes pecam, e que
também existem falsos crentes e que precisará lidar com
isso, mas vá com calma! Tudo tem seu tempo.

Mesmo quando os filhos já são crescidos, esse


princípio deve ser observado. Segredos que são
confidenciados a você e a seu esposo devem
permanecer entre vocês. Quantos e quantos casos de
adultério, de fornicação, de roubos e mentiras foram
tratados no ministério pastoral de meu esposo, que
nossos quatro filhos nem sonham... E por que eles
deveriam saber e participar? Muitas dessas situações
foram resolvidas e os membros faltosos arrependidos
foram restaurados sem que sua integridade fosse
aviltada. Cuidado! Os problemas dos membros da sua
igreja não são assuntos de família! Quando muito, e se
necessário for, devem ser abordados pelo casal,
reservadamente.

Se seu esposo não é líder da igreja, o conselho é o


mesmo. Vocês podem estar descontentes com os rumos
que a igreja está tomando, com essa ou aquela conduta
do pastor e do conselho. Conversem apenas entre vocês
de forma piedosa e cuidadosa, longe dos ouvidos das
crianças, e depois procurem o pastor ou o conselho e
diga a eles o que lhe aflige! Conheço famílias que,
durante anos, no almoço de domingo, ao invés de
reforçarem ou expandirem os preceitos expostos no
sermão da manhã, usam suas palavras para reclamar
da liderança, falar mal do pastor, maldizer os irmãos.
Esse não é um bom ensino para seus filhos,
principalmente no Dia do Senhor, logo após sair do
culto. O Catecismo Maior de Westminster, na pergunta
151, nos adverte quanto a isso:

“Que fatores agravantes tornam alguns pecados mais detestáveis que


outros?

O pecado torna-se mais grave… em razão das circunstâncias de


tempo e de lugar: se for no Dia do Senhor, ou em outras ocasiões de
culto divino; ou imediatamente antes ou depois delas ou de outros
auxílios para a prevenção ou tratamento desses desvios; se forem
público ou na presença de outros passíveis de serem por isso
estimulados a tais transgressões ou contaminados por elas.”

Nossas crianças são muito suscetíveis e propensas


a seguir nosso exemplo e nossos hábitos, sejam esses
bons ou ruins. Esse é outro argumento significativo, que
deve nos fazer pensar duas vezes no modo como temos
usado nosso falar. Nossos filhos verão e reproduzirão a
conduta que aprendem em casa. A forma benevolente e
terna que falamos dos irmãos ou nosso jeito
desapiedado, empedernido e cruel ao nos referirmos as
imperfeições deles, marcarão nossos filhos por toda a
vida. Eles tenderão a seguir nossos ensinamentos,
mesmo que esses não tenham sido dados
objetivamente.

Portanto, muito cuidado com o que fala, quando


fala e perto de quem fala!
C AP ÍTULO 15
A Quebra do Nono Mandamento e as
Redes Sociais

COMO SE NÃO tivéssemos combustível suficiente em nós


mesmas para “detonar” toda espécie de pecados da
língua, podemos também contar com a ajuda externa,
de meios que facilitam o alastramento de pecados desse
tipo. Refiro-me especificamente ao uso inadequado das
redes sociais. Como tem se proliferado os escândalos
em nosso meio! Como temos demonstrado mais
notoriamente nossa falta de habilidade com as palavras
e nossa falta de cortesia e delicadeza com o próximo.

Para não cairmos em pecado, também


virtualmente, com o uso das palavras, gostaria de
sugerir algumas medidas de precaução quando nos
pusermos a digitar:

1. Aquilo que vai para a internet sai do nosso controle. Portanto,


antes de publicar qualquer coisa, pense bem.

2. Nunca comente como anônimo. Se responsabilize por suas


opiniões e posicionamentos.

3. Não use as redes sociais para desafogar as mágoas que tem de


alguém. Não mande indiretas. Não fique dando ‘bronquinhas’.
Seja madura e adulta e, se tiver alguma coisa para dizer a
alguém, faça isso diretamente com esta pessoa.

4. Quando tiver de resolver algum problema com alguém, fale


pessoalmente com esta pessoa! Não se resolve assuntos
importantes por e-mails, mensagens de texto ou Whatsapp. Olho
no olho, tom de voz, postura corporal demonstram o espírito
manso que você dispõe para a resolução de um conflito. Palavras
escritas são frias e não raramente, passam uma impressão
errada.

5. Nunca, nunca, nunca use a rede para fomentar inimizade entre


irmãos. Existem pessoas que vivem pesquisando o que uma irmã
disse de outra e passando estas informações para a ‘ofendida’,
fazendo ‘prints’ das fotos ou das atualizações do facebook. Isto se
enquadra em “semear contenda entre os irmãos” e é descrito em
Provérbios como um pecado que Deus abomina!

6. Evite repassar notícias destrutivas nas redes sociais. Um dia


desses fui surpreendida, logo pela manhã, ao abrir meu facebook,
com vários amigos compartilhando e comentando sobre um
famoso pastor que havia caído em pecado. Isso não deveria ser
‘notícia’ em nosso meio. Não conhecemos as circunstâncias, não
somos seus líderes, não sabemos se houve arrependimento. As
pessoas se esquecem que, mesmo que tudo que foi dito naquela
matéria seja verdade, ao divulgarmos isso publicamente, estamos
tornando um fato mundialmente conhecido, quando, na verdade,
apenas as pessoas envolvidas deveriam saber e tomar as
providências cabíveis. Por causa da internet os acontecimentos
tomam proporções inimagináveis. Será que ninguém se lembrou
que aquele pastor tinha esposa e filhos? Será que não
consideraram que, o fato de o pecado ter sido descoberto e tratado,
já era algo doloroso o suficiente para aquela família? Por que
agravarmos a vergonha e a angústia do culpado, divulgando e
comentando publicamente o que deveria ser tratado
reservadamente?

7. Tenha muito cuidado com os ‘desabafos’ que você escreve para as


pessoas. Estas palavras podem servir como documentos contra
você. Talvez num dia em que você não esteja bem, resolva
escrever a uma irmã e colocar para fora pecados que deveriam ser
tratados com seu marido ou com seu pastor. Você corre o risco de
abrir o seu coração e deixar isso documentado com uma pessoa
que pode se mostrar desleal. Ou corre o risco de que os filhos de
sua amiga mexam no telemóvel dela e encontrem ali confissões
que deveriam ser resguardadas.

8. Por fim, gostaria de alertá-las a ter cuidado quanto ao uso de


suas palavras em debates na internet. Esse é um hábito que
sempre floresceu entre os cristãos, em todas as eras: o debate
teológico. Ele é sadio, e ajuda o povo de Deus a fugir das
heresias, e a ter sua curiosidade por grandes temas aguçada. Por
outro lado, o imediatismo das redes sociais deixa pouco tempo
para a reflexão antes de discordarmos e publicarmos o que
pensamos! Todo o cuidado ainda é pouco. Ao debatermos uma
ideia, carecemos de bom senso nos argumentos, mas
especialmente de doçura, mansidão, brandura e palavras
amenas e respeitosas. Lembremo-nos sempre de que, por trás
daquela tela, está um irmão em Cristo. Sim, ele pode estar
redondamente equivocado, mas, ainda assim, merece nosso
apreço. Palavras debochadas, irônicas, sarcásticas, ofensivas e
que ataquem a pessoa ao invés de argumentos, demonstram
destempero e falta de polidez de nossa parte. Podemos sim,
discordar veementemente, mas com todo o respeito que nossos
irmãos na fé merecem. Muito cuidado também quando vai
escrever algum comentário sobre um texto de algum Ministro do
Evangelho! Tenho visto mulheres discordarem, discutirem,
ofenderem e desdenharem de homens que foram chamados para o
sagrado ministério e que são representantes do próprio Cristo!
Elas não temem desacatar uma autoridade em público,
quebrando assim o 5º mandamento. Lembre-se que os pastores
estudaram e estudam por anos a fio, e certamente têm uma
bagagem muito maior que a nossa. Lembre-se também, que os
pastores são pastores do rebanho de Cristo e não apenas de uma
igreja local. Então, mesmo que aquele pastor não seja o ‘seu’
pastor, merece tanta consideração quanto o seu. Se em algum
momento você achar que é necessário discordar de algo que
algum pastor sério postou, faça isso em privado. É contra toda
prudência uma mulher arguir e chamar a atenção de um
Ministro do Evangelho em público! Cuidado!
C AP ÍTULO 16
Não Quer Errar? Cerre Seus Lábios!

“No muito falar não falta transgressão, mas o que modera os lábios
é prudente.” Provérbios 10.19

QUANTO MAIS FALAMOS, mais riscos estamos correndo.


Essa é uma verdade bíblica irrefutável. Se temos alguma
dúvida sobre estarmos ou não agradando ao Senhor
com o que vamos dizer, melhor nos calar e avaliar se
devemos ou não continuar. Se já temos certeza que
aquele tipo de conversa tem quebrado a lei de Deus, se
não tenho o objetivo de construir, de ajudar, de
abençoar, de erguer, então posso parar antes de
começar... O livro de Provérbios nos previne largamente
sobre os perigos de falar muito: “Alguém há cuja
tagarelice é como pontas de espada, mas a língua do sábio é
medicina.” Provérbios 11.18

“O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias.”


Provérbios 21.23

“Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios,
por sábio.” Provérbios 17.28
“O que guarda a boca conserva a sua alma, mas o que muito abre os
lábios a si mesmo se arruína.” Provérbios 13.3

Pense comigo no quanto você já sofreu por ter sido


precipitada em suas palavras, por ter se metido em
assunto que não lhe tocava, por emitir opiniões
desnecessárias ou por dar palpites que não lhe foram
pedidos. Quantas e quantas vezes eu já fui dormir com
a incômoda sensação de que deveria ter me calado em
determinado assunto. Quantas vezes falei demais com
as pessoas erradas, e estas, falaram demais com outras
pessoas erradas sobre o que eu disse. Por vezes um
desabafo fora de hora, uma situação que me aborreceu e
que eu emiti juízos contra meus irmãos porque estava
irada. Tanta dor poderia ter sido evitada se ao menos eu
tivesse pensado biblicamente naquela hora... se ao
menos eu tivesse me dedicado a estudar e decorar esses
versículos, que demonstram a sabedoria de Deus,
ensinando-me a moderar os meus lábios! Mas palavras
ditas não voltam atrás... depois de pronunciadas, só nos
resta catar os cacos.

“Está na boca do insensato a vara para a sua própria soberba, mas os


lábios do prudente o preservarão.” Provérbios 14.3

“Honroso é para o homem o desviar-se de contendas, mas todo o


insensato se mete em rixas.” Provérbios 20.3
Se dermos ouvidos aos santos mandamentos,
entretanto, poderemos deixar de causar destruição com
a nossa boca e usá-la apenas para a edificação.
Deixaremos de comer do amargo fruto de uma língua
inconsequente, e poderemos provar a doçura que
palavras ponderadas e comedidas trazem. Viver dessa
forma é viver prudentemente, sabiamente. Aliás, o livro
de Provérbios associa de maneira muito contundente a
sabedoria à moderação da língua. Veja comigo: “Como
maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu
tempo.” Provérbios 25.11

“Quem retém as palavras possui o conhecimento, e o sereno de espírito


é homem de inteligência.” Provérbios 17.27

“O coração do sábio é mestre de sua boca e aumenta a persuasão nos


seus lábios.” Provérbios 16.23
C AP ÍTULO 17
Usando a Língua
para Edificar

FAÇA UM COMPROMISSO com você mesma: vigie suas


palavras e as tenha em alta conta, de maneira que sejam
joias preciosas que, quando chegam, acrescentam
bênçãos, acalentam, consolam e edificam! Suas palavras
devem trazer paz, reconciliação, harmonia. Essa deve
ser uma meta de vida da mulher virtuosa, que busca
viver para a glória de Deus! Como lemos em Provérbios
anteriormente, nossas palavras, ao invés de ferir, devem
ser medicina, trazendo cura!

“Os lábios do justo apascentam a muitos, mas, por falta de senso,


morrem os tolos.” Provérbios 10. 21

“A boca do justo produz sabedoria, mas a língua da perversidade


será desarraigada.” Provérbios 10.32

“Palavras agradáveis são como favo de mel: doces para a alma e


medicina para o corpo.” Provérbios 16.24

“Prata escolhida é a língua do justo, mas o coração dos perversos vale


mui pouco.” Provérbios 10.20

Paulo também nos exorta em Efésios a não permitir


que palavras torpes saiam de nossa boca, mas
“unicamente a que for boa para edificação, conforme a
necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem.”
Perceba que a Palavra de Deus não apenas ensina o que
não devemos fazer, mas a religião verdadeira substitui
os velhos hábitos pecaminosos por condutas santas!
Não apenas descartamos palavreados chulos, impuros,
mas também usamos nossas palavras para o que é bom
para edificação, ou simplesmente para o que é útil
“transmitindo graça aos que ouvem”, significando pelo
termo ‘graça’, conforto, admoestação e tudo quanto
coopera na salvação. Não se trata aqui de uma
linguagem bajuladora, mas, como vimos, inclusive, uma
linguagem que repreende quando necessário. Mas,
tanto no caso de trazer conforto, quanto no de Corrigir
o faltoso, o objetivo é um só: coadjuvar para que a vida
espiritual de meus irmãos seja frutífera!

Como Paulo nos previne em Colossenses 4:6, as


nossas palavras devem ser sempre agradáveis e
temperadas com sal, para sabermos responder a cada
um. João Calvino explica detalhadamente o que isso
indica:
“Ele requer uma linguagem suave, de modo que os ouvintes se sintam
atraídos por sua utilidade, pois ele não condena meramente as
comunicações que são francamente perversas ou ímpias, mas também
as que são inúteis e ociosas. Daí ele deseja que sejam temperadas com
sal... pois ele considera insípido tudo quanto não visasse à edificação.
O termo graça é empregado no mesmo sentido, como sendo oposto à
tagarelice, ao sarcasmo e toda sorte de futilidades que são ou
injuriosas ou sem valor”15

15 João Calvino. Comentário do livro de Colossenses. Editora Fiel, pp.584-


585.
C AP ÍTULO 18
E Quando Falam
Mal de Mim?

CERTAMENTE A FOFOCA e a maledicência tomam outra


conotação quando são feitas contra nós. Enquanto nós
estamos falando de outras pessoas ou espalhando seus
defeitos aos quatro ventos, nos sentimos ‘defensores da
verdade’! Entretanto, quando nós somos o alvo das
intrigas e mexericos, aí sentimos, na pele, a força que
esses pecados têm. Gostaria de dividir esse tema em
duas partes: Quando falam de nós com razão, e quando
falam de nós sem razão.
Quando falam de nós com razão
Se a especulação e os boatos que estão sendo
ventilados sobre nós são verdadeiros, já devíamos
esperar por isso. Embora seja pecado contra o nono
mandamento fofocar sobre as falhas e pecados alheios,
quando damos motivos, estamos colaborando! O povo
já gosta de falar quando não acontece nada! Quando
acontece mesmo então... Lembro-me daquele texto de
Pedro que diz que sofrermos afrontas pelo nome de
Cristo é motivo de alegria, mas se sofremos porque
pecamos...

“Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois,


porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus. Não sofra,
porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor,
ou como quem se intromete em negócios de outrem; mas se sofrer
como cristão, não se envergonhe.” I Pedro 4.14-15

Sofrer por amor a Cristo é honroso, sofrer por que


pecamos é vergonhoso. Dessa maneira, quando
sofremos por causa do nosso pecado não podemos
sequer pensar em reclamar. Sofrer porque pecamos é
justo! Por isso as lamúrias e queixas são incabíveis.
Estamos sofrendo as consequências de nossos pecados,
mesmo que a administração desse juízo, pelas mãos dos
homens, não representem a misericórdia e juízo de
Deus. Nesse caso devemos nos resignar, entregando ao
Senhor, o Reto Juiz, e dispostos a receber a disciplina
que vem de Deus, por meio de mãos humanas,
sabedores que merecemos juízo ainda mais severo!
Quando falam de nós sem razão
Esta é uma experiência amarga que,
indubitavelmente, muitas de nós já vivemos. Se não
encararmos situações assim diante da perspectiva
bíblica, o pesar e o desgosto podem se apoderar de nós
de forma avassaladora. Ser alvo de mentiras e ver estas
mentiras sendo repetidas e recontadas, pode gerar
abatimento de alma. Essa pode ser a porta de entrada
para outros pecados. Por isso é tão importante o
entendimento bíblico sobre o sofrimento.

Davi conhecia bem esse assunto. Passou grande


parte de sua vida fugindo, se escondendo, sendo
acusado por Saul de estar querendo tomar-lhe o reino.
As fofocas não eram amenas e suas consequências
poderiam ser trágicas. Davi corria risco de vida por
causa delas! Sua aflição era tão grande que ele temia
pecar contra o Senhor ao abrir a boca indevidamente.
Por isso, e nesse contexto, ele orou:

“Põe guarda, Senhor, à minha boca; vigia a porta dos meus lábios.
Não permitas que o meu coração se incline para o mal, para a prática
da perversidade...” Salmos 141.3-4

João Calvino explica:

“Como Davi estava sujeito a ser ferido, em decorrência da fúria


desenfreada e irrestrita de seus inimigos, e por isso ser tentado a agir
de maneira injustificável, ele ora em busca de orientação divina,
não para que fosse poupado da violência física, e sim para que sua
língua fosse refreada de expressar reprimendas ou palavras de queixa.
Mesmo as pessoas de temperamento mais equilibrado, quando
injuriadas de modo ilegítimo, começarão a retaliar por ficarem
ressentidos pela conduta inconveniente de seus inimigos. De acordo
com isso, Davi orou para que sua língua fosse impedida, pelo Senhor,
de expressar qualquer palavra imprópria. Em seguida, ele pediu que
seu coração fosse guardado de todos artifícios malévolos que pudessem
resultar em vingança... Visto que nada é mais difícil às vítimas de
perseguição injusta do que o refrearem a língua e se submeterem, com
silêncio e sem queixas, às injúrias, Davi precisava rogar que sua boca
fosse fechada e guardada... imediatamente, ele explica que pretendia
dizer que não desejava intrometer-se com eles na perversidade e,
assim, igualar-se aos seus inimigos... Ao entregar-se à orientação
divina, Davi reconhece a necessidade da influência do Espírito para
refrear sua língua e sua mente, particularmente quando tentado a
exasperar-se pela insolência da oposição. Se por um lado, a língua é
passível de deslize e apressada demais a falar, a menos que seja
continuamente vigiada e guardada por Deus, há, por outro lado,
afetos íntimos desordenados que exigem restrição.

Que fábrica agitada é o coração do homem, e


quantos produtos são ali manufaturados a todo
instante! Se Deus não vigiar o nosso coração e língua,
não haverá, reconhecidamente, limites para as palavras
e pensamentos pecaminosos. O dom do espírito na
moderação do falar é tão raro, que Satanás está sempre
fazendo sugestões que serão imediata e facilmente
colocadas em prática, se Deus não intervir.”16
Numa circunstância parecida Davi reconhece a
complexidade que era manter-se puro, enquanto
pecavam contra ele. Como era difícil ter paciência em
meio a tão grande e difícil prova. Ele reconhece que,
enquanto o perseguiam e injuriavam, seu coração
também estava sendo perscrutado:

“Disse comigo mesmo: Guardarei os meus caminhos, para não pecar


com a língua; porei mordaça à minha boca, quando estiver na minha
presença o ímpio.” Salmo 39.1

João Calvino observa:

“Ainda que subjugara seu coração à paciência, e resolvera guardar


silêncio, contudo a violência de sua tristeza foi tal que o forçou a
quebrar sua resolução e arrancou dele, se assim podemos falar,
expressões que indicam que ele dera vazão a um imoderado grau de
dor... Não é sem razão que ele vivesse tão atento no exercício da
vigilância sobre si mesmo. Ele agia assim em virtude de ser consciente
de sua debilidade pessoal, e também conhecia muito bem os múltiplos
inventos de Satanás. Ele, pois, olhava para a direita e para a
esquerda, e vigiava de todos os lados para que a tentação não o
apanhasse desprevenido e encontrasse uma fresta pela qual pudesse
atingir seu coração...”

Ao dizer: Guardarei a minha boca com mordaça, a


fim de não pecar com minha língua, o salmista não deve
ser entendido como a restringir e ocultar sua tristeza...
Mas como não há nada mais enganoso e devasso do
que a língua, Davi declara haver se empenhado com a
máxima prudência para refrear suas aflições, para que
nem sequer uma palavra escapasse de seus lábios que
denunciasse nele a mínima impaciência.”17

O Salmo 139 é outro belíssimo exemplo e deve


servir para aquietar nosso coração e nos ensinar a
forma como devemos nos portar diante de acusações
inverídicas. O contexto em que esse Salmo foi escrito
nos traz luz sobre o seu desenrolar. Davi pretendia
declarar-se inocente das falsas e mentirosas acusações
que estavam sendo feitas a ele. Para isso, ele começa
declarando a onisciência absoluta e soberana de Deus
como aquele que conhece cada detalhe em toda a
criação e que o conhecia profundamente desde antes de
sua concepção. Pensar dessa forma trazia segurança ao
salmista. O Senhor o conhecia de fato! Ele pretende
deixar clara sua inocência nos pecados que estavam
atribuindo a ele, e tomava o soberano Senhor e criador
como sua testemunha! Calvino explica assim:

“...Davi insiste, em termos gerais, sobre a verdade de que nada pode


enganar a observação divina. Ele ilustra essa verdade a partir da
formação original do homem, pois aquele que nos formou no ventre de
nossa mãe e comunicou uma função específica a cada membro do
nosso corpo, é impossível que Ele seja ignorante de nossas ações... “

Davi declara, no início desse Salmo, que não se


aproxima de Deus com qualquer ideia de que é possível
alguém ser bem-sucedido em usar o engano, como os
hipócritas que tiram vantagens de esconderijos secretos
para continuarem em suas satisfações pecaminosas.
Davi, porém, expõe voluntariamente os recessos mais
recônditos de seu coração para serem inspecionados
como alguém que está convicto da impossibilidade de
enganar a Deus. Ele diz: A ti, Ó Deus, pertence o sondar
cada pensamento secreto; não existe algo que possa
escapar à tua observação. Davi insiste nos detalhes para
mostrar que toda a sua vida era plenamente conhecida
por Deus, que o vigiava em todos os seus movimentos
— quando dormia, quando se levantava ou quando
caminhava. Davi queria dizer que estava cercado de
todos os lados e, assim, sob a vigilância dos olhos de
Deus; por isso, não poderia escapar para lugar
nenhum.”18

Certo, então, de que seu Senhor o conhecia bem e


sabia que ele não era culpado das acusações que
intentavam contra ele, Davi, agora, declara que há
grande diferença entre ele e os inimigos de Deus:

“Não os aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? E não abomino os


que contra ti se levantam?” v.21

Ele faz uma clara distinção entre ele e os homens


que amam a iniquidade. Não obstante, ao comparecer
diante do Deus onisciente, que sabe de absolutamente
todas as coisas, ele O convida a sondar seu coração:
“Sonda-me, Ó Deus, e conheces o meu coração, prova-me e
conheces os meus pensamentos; vê se há em mim algum
caminho mau...” (v.23-24). Davi sabia, e tinha Deus como
testemunha, que era inocente das iniquidades que o
estavam acusando. ENTRETANTO... se conhecia o
suficiente para saber que não era inocente de outros
pecados. Naquela falha ele não havia caído, mas em
outras. Veja como Calvino explica esses versos:

“O fato de que ele se submetia com tanta ousadia ao juízo de Deus


(Sonda-me!) indica confiança incomum. Mas, estando plenamente
convicto de sinceridade em sua religião, o salmista não se colocou tão
confiantemente perante o tribunal de Deus sem a devida consideração.
Tampouco devemos imaginar que ele alegava estar isento de todo
pecado, pois gemia sob o fardo de suas transgressões. Em tudo que
dizem a respeito de sua integridade, os santos sempre dependem da
graça de Deus... ao mesmo tempo que o salmista nega que seu coração
era dúbio ou insincero, ele não professa isenção de todo pecado; apenas
diz que não se dedicava à perversidade.”19

Que maneira brilhante de enfrentar uma acusação


e difamação injustas! Que conhecimento Davi tinha de
sua própria natureza e do Deus a quem servia! Que
ensino inestimável recebemos desse Salmo!
Aprendamos com Davi a receber afrontas e injúrias!
Não somos achados culpadas diante de Deus do pecado
que nos acusam? Aleluia! Ele nos preservou desse
pecado, mas não pensemos que somos pobres coitadas,
que nossa dignidade está sendo afrontada e que
estamos sendo injustiçadas. Não cometemos esse
pecado, mas somos culpadas de tantos outros, que nem
nos lembramos, que nos tornamos impossibilitadas de
ficar requerendo justiça, ou que o nosso augusto nome
seja limpo! Lembro-me de uma história que li, já não me
lembro onde, de um servo de Deus que estava sendo
difamado. As coisas que estavam espalhando sobre ele
eram mentiras. E em certo momento alguém perguntou:
você não vai se defender? Estão falando essas coisas
terríveis sobre você! E sua resposta foi surpreendente:
Se eles me conhecessem um pouquinho melhor,
estariam falando ainda mais: sou muito pior que tudo
isso! Esse é um homem que conhece a si mesmo, que
sabe que está nu diante do Todo Poderoso e que todos
os seus mais íntimos pensamentos estão patentes diante
de Seus olhos!

Em outra ocasião Davi agiu da mesma forma!


Vocês se lembram quando Davi foi expulso do reino por
seu próprio filho Absalão? Um homem da família de
Saul, chamado Simei, começou a atirar pedras em Davi,
a amaldiçoá-lo e a acusá-lo falsamente:
“Atirava pedras contra Davi e contra todos os seus servos...
Amaldiçoando-o, dizia Simei: Fora daqui, fora, homem de sangue,
homem de Belial (imprestável, companheiro vil, destruição); o Senhor
te deu, agora, a paga de todo o sangue da casa de Saul, cujo reino
usurpaste... Então, Abisai, filho de Zeruia, disse ao rei: Por que
amaldiçoaria este cão morto ao rei, meu senhor? Deixa-me passar e
lhe tirarei a cabeça. Respondeu o rei: Que tenho eu convosco, filhos de
Zeruia? Ora, deixai-o amaldiçoar; pois, se o SENHOR lhe disse:
Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim fizeste? Disse mais
Davi a Abisai e a todos os seus servos: Eis que meu próprio filho
procura tirar-me a vida, quanto mais ainda este benjamita? Deixai-
o; que amaldiçoe, pois o SENHOR lhe ordenou. Talvez o SENHOR
olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua
maldição deste dia. Prosseguiam, pois, o seu caminho, Davi e os seus
homens; também Simei ia ao longo do monte, ao lado dele,
caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras e terra contra ele.” II
Samuel 16.6-13

Ah, como precisamos aprender com Davi! Como


necessitamos tirar nossos olhos de nosso sofrimento,
apenas, e entender que o que está em jogo no palco
desse mundo é a glória e a justiça de Deus e não a nossa
própria. Como necessitamos assimilar que o mundo
não gira em torno de nossa dor e que sempre que
estamos apanhando da mão pesada de Deus, devemos
nos submeter, nos calar e lembrar que, se não temos
culpa num detalhe, temos culpa no todo, e certamente o
Senhor quer nos disciplinar, mesmo usando a
impiedade, a maldade e as mentiras que são lançadas
sobre nós! O foco deve ser sempre o meu próprio
pecado, deve ser sempre buscar em mim a razão de meu
sofrimento e dor.

É claro que, se injustiças são feitas a você e calúnias


são espalhadas envolvendo seu nome, Deus requererá
justiça. Ele é a própria verdade e ama a justiça! Mas esta
é a tarefa dada pelo Senhor:

“... abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis... Não


torneis a ninguém mal por mal... não vos vingueis a vós mesmos, mas
daí lugar à ira (de Deus); porque está escrito: A mim me pertence a
vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu
inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber;
porque fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.”
Romanos 12. 14-20

O texto exibe de forma incontestável a premissa de


que não podemos resistir e ir contra os que nos
difamam e nos fazem mal. Essa não é a nossa função.
As atitudes pecaminosas de cada homem serão
devidamente avaliada e julgada por quem não se
engana e por Aquele que sonda razões, motivações e
intentos. Ele é o Juiz! A nós, cabe o perdão, o cuidar
quando necessário, o tornar a olhar para nós. O fato de
estarem pecando contra nós não nos dá o direito de
pecar contra eles. Não ganhamos um passe livre para
pecar contra quem está nos difamando.
Também cabe a nós sondar o coração para ver se
estamos tão aborrecidas por motivos pecaminosos.
Quem nós achamos que somos, que tanta santidade é
essa que temos, que nos faz ficar tão exasperadas
quando fazem fofocas a nosso respeito? Será que temos
nos estimado em alta conta além do limite? Será que me
tenho por tão reta e tão justa que ninguém deveria
ousar falar meu nome com maledicência? Quantas
vezes eu mesma já não fiz a mesma coisa? Por que,
então, tanta indignação?

Em todas estas circunstâncias, quer sejamos


culpadas ou inocentes, devemos cuidar de nosso
coração, entregando-nos àquele que julga retamente e
tendo uma visão acurada de quem somos e do que
merecemos. Podemos sim, chorar e lamentar, mas
nunca nos entregar às lamúrias e à autopiedade.
Precisamos tirar proveito e aprender a viver nesse
mundo, buscando a glória daquele que nos redimiu!
Quer você seja culpada ou inocente das histórias
espalhadas a seu respeito, certifique-se de que todas as
atitudes necessárias e requeridas nesta situação foram
tomadas. Seu pecado foi confessado e abandonado?
Como está sua consciência diante de Deus? Qual o seu
estado, nesta situação, diante daquele que realmente
importa? Não se preocupe tanto com o que estão
falando sobre você. Talvez pouca coisa, ou nada, você
possa fazer a respeito. Contente-se e conforte-se em
saber que Deus sabe tudo que realmente aconteceu, no
que você é culpada e no que é inocente, e que em Suas
mãos está o perdão. É na presença dele que você está o
tempo todo, e a Ele prestará contas. Isso deve aquietar e
sossegar seu pesaroso coração.

Que ao final deste pequeno ensaio você tenha sido


tão confrontada quanto eu fui. Que você tenha
aprendido a olhar mais para você mesma e seu próprio
pecado do que para seu irmão. E, principalmente, que
tenha um desejo incansável de lutar contra os desejos
que militam na nossa carne. Minha oração é que
persigamos o alvo de lutar com todas as nossas forças,
durante toda a nossa vida, contra os pecados da língua.
Que nosso coração seja mestre de nossa boca
(Provérbios 16.12), e que ouçamos atentas a repreensão:

“...Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, TARDIO PARA


FALAR, tardio para se irar.” Tiago 1.9

“A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come


do seu fruto.” Provérbios 18.21

16 João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.4, pp.


512-514).
17 João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.2, pp.
196-197.
18 João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.4, p.482.
19 João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.4, pp.449-
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• Neocalvinismo — Uma avaliação crítica (Cornelis Pronk)

• No Esplendor da Santidade (Jon Payne)

• O Catecismo de Heidelberg

• O Espírito Santo (John Owen)

• O Espírito Santo (Sinclair B. Ferguson)

• O Livro da Vida (Valter Graciano)

• O Modernismo e a Inerrância Bíblica (Brian Schwertley)

• O Que Toda a Mãe Gostaria de Saber Sobre Disciplina Bíblica (Simone


Quaresma)

• Os Cânones de Dort

• Perspectivas Sobre o Pentecostes: Estudos sobre o Ensino do Novo Testamento


Acerca dos Dons (Richard Gaffin)

• Por que Devemos Cantar os Salmos (Joel Beeke; Terry Johnson; Daniel Hyde)

• Quando o Dia Nasceu (Pieter Jongeling)

• Que é um Culto Reformado (Daniel Hyde)

• Reforma Ontem, Hoje e Amanhã (Carl Trueman)

• Todo o Conselho de Deus... (Ryan McGraw)

• Um Trabalho de Amor: Prioridades pastorais de um puritano (J. Stephen Yuille)


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