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XIX CURSO DE EMERGÊNCIAS

Liga Acadêmica do Trauma

Hospital do Trabalhador

Universidade Federal do Paraná


Liga Acadêmica do Trauma HT-UFPR

Orientadores:
Dr. Adonis Nasr
Dr. Flavio Daniel Saavedra Tomasich
Dr. Iwan Augusto Collaço

Diretoria 2017:

Coordenadoras
Ana Luísa Bettega – 11o Período UFPR
Camila Guetter – 10o Período UFPR

Secretário
Breno Lopes Porto - 10º Período UFPR

Tesoureira
Geovanna Labbres de Souza - 10º Período PUCPR

Diretor Científico
Thamyle Moda - 8º Período UFPR

Diretor de Comunicação e Marketing


Marcelo Yamane - 8º Período FPP

Chefe dos VTs


Maria Alice Zarate - 10º Período UFPR

Chefe dos Acadêmicos do PS


Camila Guetter - 10º Período UFPR
MATERIAL DE APOIO DO XV CURSO DE EMERGÊNCIAS DA
LIGA ACADÊMICA DO TRAUMA HT-UFPR

ÍNDICE:

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 4
2. BIOMECÂNICA DO TRAUMA. ....................................................................5
3. ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE TRAUMATIZADO ......................... 8
4. ABORDAGEM DAS VIAS AÉREAS E APARELHO RESPIRATÓRIO ......13
5. CHOQUE. ..................................................................................................17
6. REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR ....................................................... 23
7. TRAUMA TORÁCICO E DRENO DE TÓRAX. .......................................... 26
8. TRAUMA ABDOMINAL .............................................................................. 35
9. TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO .............................................................. 40
10. TRAUMA RAQUIMEDULAR .................................................................... 46
11. TRAUMA MUSCULOESQUELÉTICO .....................................................52
12. ATENDIMENTO AO PACIENTE QUEIMADO ......................................... 56
13. TRAUMA PEDIÁTRICO ........................................................................... 60
14. TRAUMA NA GESTANTE E NO IDOSO ................................................. 65
15. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS I - IAM, EAP E EP. ...................................... 72
16. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS II - AVE E CRISE CONVULSIVA. ............... 79
17. TABELA PARA ATENDIMENTO INICIAL AO TRAUMATIZADO ............ 86
1. INTRODUÇÃO

A Liga Acadêmica do Trauma, da Universidade Federal do Paraná - Hospital do


Trabalhador (LiAT HT-UFPR) foi fundada em 29 de maio de 1999, sob a orientação do Dr. Iwan
Collaço, professor Coordenador da Disciplina do Trauma e chefe do serviço de Cirurgia Geral do
Hospital do Trabalhador (HT). Acadêmicos do curso de Medicina da UFPR e Cirurgiões Gerais
do HT iniciaram as atividades da Liga com reuniões e palestras sobre diversos tópicos em
Trauma. Em 2009 foi implantado um projeto de Extensão, que funciona paralelamente às demais
atividades. Nesses 14 anos mais de 600 acadêmicos tiveram a oportunidade de participar
ativamente da liga. Em 2014, a apostila da LiAT, a qual você tem em mãos, foi totalmente
reformulada, a partir das mais recentes publicações científicas.
A LiAT organiza e certifica os acadêmicos dentro de dois estágios voluntários. O estágio
de acadêmicos do Pronto Socorro (PS) é voltado para atividades de urgência e emergência em
cirurgia geral e ortopedia. Para ingressar neste estágio, o acadêmico deve estar cursando ou ter
cursado o 5º período do curso de medicina, além de ter realizado o curso preparatório e atingido
meta pré-determinada em prova classificatória. O segundo estágio do qual a Liga dispõe é o
Acadêmico Voluntário do Trauma (VT). O VT realiza atendimento no
S.A.V. (Suporte Avançado à Vida), procedimentos de maior complexidade no PS, auxilia em
cirurgias da Cirurgia Geral, além de adquirir mais experiência neste serviço. A entrada dos
acadêmicos no VT se dá através de uma prova classificatória, somada a 2 pré-requisitos: o
acadêmico deve estar cursando ou ter cursado a disciplina do Trauma e possuir certificado de
pelo menos 500 horas de PS cirúrgico, das quais no mínimo 250 horas realizadas no HT.

1.1 Atividades realizadas pela Liga:


• Organização de cursos e congressos;
• Programas e campanhas de orientação junto à comunidade;
• Publicação de trabalhos científicos em revistas, periódicos e congressos;
• Aulas quinzenais sobre diversos assuntos relacionados ao trauma

1.2 Objetivos da Liga:


• Complementar o aprendizado dando suporte teórico e prático aos acadêmicos em atividades
de pronto socorro;
• Vivência em pronto-socorro (relação médico-paciente, seguimento do paciente, realização de
procedimentos, prescrição)

Para fazer parte da LiAT basta participar do Curso Anual de Emergências e ser aprovado na
prova de admissão.
2. BIOMECÂNICA DO TRAUMA

As características do evento traumático podem oferecer pistas para a identificação de


90% das lesões sofridas pela vítima.
Deve-se dar atenção ao que pode tê-lo precedido, como uma convulsão, uso de drogas /
álcool, perda da consciência antes do impacto, etc. A história sobre essa fase deve conter:
• O tipo de evento traumático, por exemplo, colisão entre veículos, quedas, ferimentos
penetrantes, etc.
• Estimativa da quantidade de transferência de energia que ocorreu, por exemplo,
velocidade do veículo no instante do impacto, altura da queda, calibre da arma.
• Tipo de colisão ou impacto do paciente com o objeto, por exemplo, automóvel, árvore, faca,
projétil.
Os mecanismos de trauma podem ser classificados como contusões, lesões
penetrantes, queimaduras e explosões. Em todos estes casos existe uma transferência de
energia para os tecidos.

COLISÃO AUTOMOBILÍSTICA:

Podem ser subdivididas em:


1) colisões entre a vítima e o veículo ou entre a vítima e algum objeto fora do veículo quando
a vítima é ejetada, e
2) colisões entre os órgãos da vítima e a estrutura externa do seu corpo (compressão dos
órgãos).

Impacto Frontal
É a colisão contra um objeto que se encontra em frente ao veículo. Ocorre redução súbita
da velocidade, e o ocupante que não esteja devidamente contido continua a se movimentar para
frente. Caso se choque contra alguma parte da cabine, sua velocidade irá ser reduzida; caso
contrário ele poderá ser ejetado do veículo. Dentre as causas de lesão que podem ocorrer, as
mais comuns são: colisão da cabeça contra o pára-brisa, do tórax anterior contra o volante, dos
joelhos contra o painel inferior e dos pés contra o fundo do painel. O paciente pode apresentar,
então, feridas de partes moles em face e tórax, compressão de caixa torácica com contusão
pulmonar ou até mesmo pneumotórax, fratura de arcos costais e esterno, contusão abdominal e
compressão de vísceras, fratura de fêmur, luxações, etc. É o tipo de impacto que mais causa
lesões e mortes em acidentes de trânsito.

Impacto Lateral
Este tipo de colisão só perde para impactos frontais em causa de morte e lesões. Deve-
se dar importância ao lado do veículo que recebeu a colisão e à posição que o paciente ocupava,
além do grau de deformidade do veículo. A maioria das lesões ocorre por compressão de pelve
e tronco, do lado acometido (direito pulmão e fígado e esquerdo pulmão e baço).

Impacto Traseiro
Esse tipo de colisão geralmente ocorre quando um veículo está parado e outro o atinge
por trás. Os ocupantes são arremessados para frente e, pela posição dos assentos, o tronco
sofre aceleração para adiante. A cabeça dos ocupantes frequentemente não acompanha essa
aceleração, pois o encosto da cabeça não está devidamente posicionado. Como resultado, o
corpo acelera e a cabeça não acompanha, ficando o pescoço hiperextendido para trás. Tal
mecanismo estira as estruturas de sustentação do pescoço, produzindo lesão por mecanismo de
chicote (whiplash). Podem ocorrer fraturas de lâminas, dos pedículos e dos processos
espinhosos das vértebras e fraturas em vários outros locais, devido ao contato direto entre os
ossos.
Capotamento
Nesse caso, o ocupante que não esteja contido pode chocar-se contra qualquer parte do
interior da cabine. As lesões podem ser deduzidas a partir da observação das áreas de impacto
na pele do paciente. Admite-se que esse tipo de colisão produza lesões mais graves por causa
dos deslocamentos múltiplos que ocorrem durante a capotagem.
Ejeção de dentro do veículo
As lesões decorrentes da ejeção de dentro do veículo podem ser maiores do que aquelas
devidas ao impacto com o solo, em si. A probabilidade de lesões nessa forma de acidente
aumenta em 300%. Deve-se estar atento às lesões ocultas.

2.1.6. Lesões de órgãos

A. Lesões por compressão


Ocorrem quando a parte do anterior do tronco deixa de se deslocar para frente e a parte
posterior continua o deslocamento. As vísceras ficam aprisionadas entre a parede tóraco-
abdominal e a coluna vertebral. São exemplos as contusões miocárdicas, pulmonares e de
vísceras abdominais. Em uma situação de colisão, é instintivo que a vítima puxe e segure o
fôlego, fechando a glote. A compressão da caixa torácica produz, então, a ruptura dos alvéolos
que resulta em pneumotórax simples ou hipertensivo.
Na cavidade abdominal, o mesmo mecanismo leva à ruptura de diafragma e o deslocamento de
seu conteúdo para a caixa torácica. A compressão do conteúdo craniano pode sofrer efeito de
ossos fraturados penetrando-o ou ser devida à compressão das porções anteriores do
parênquima contra a parede do crânio pelas porções posteriores do próprio cérebro.

B. Lesões por desaceleração


Essas lesões ocorrem quando a parte responsável pela estabilização do órgão, por
exemplo, o pedículo renal ou a aorta descendente cessam seu deslocamento anterior
acompanhando o tronco, ao mesmo tempo em que a parte móvel de seu corpo, por exemplo o
rim, ou o coração com o arco aórtico, continuam deslocando-se para a frente. As lesões nesses
dois órgãos são as mais comuns de ocorrer por ação das forças de cisalhamento.

C. Lesões por meios de contenção


Os cintos de segurança de três pontos, se usados de forma apropriada, resultam em
redução das mortes em 65 a 70%, além de reduzirem em cerca de 10 vezes a ocorrência de
lesões traumáticas graves. A disponibilidade crescente do air bag pode reduzir, de forma
significativa, algumas lesões que resultam de impactos frontais. Entretanto, os air bags
funcionam somente em 70% das colisões, não devendo, portanto, ser encarados como
substitutos do cinto de segurança mas apenas como dispositivos complementares de proteção.
O uso incorreto do cinto de segurança – por exemplo, quando este está colocado acima
das cristas ilíacas ântero-superiores – causa a movimentação para frente da parede abdominal
posterior e da coluna vertebral, comprimindo o pâncreas, o fígado, o baço, o intestino delgado, o
duodeno e o rim contra o cinto frontal. Ruptura e lacerações destes órgãos podem ocorrer. A
hiperflexão contra um cinto mal posicionado pode ocasionar fraturas por compressão anterior da
coluna lombar (fratura de Chance).

2.2 ATROPELAMENTO:

Entre as lesões sofridas por pedestres vítimas de atropelamento, as mais comuns são:
torácicas,
cranioencefálicas e de extremidades inferiores (nesta ordem). O atropelamento segue três
fases de impacto:
1) Impacto contra o pára-choque dianteiro, geralmente atingindo pernas e pelve no adulto e
lesões
torácicas e abdominais nas crianças;
2) Impacto contra o capô e o pára-brisa, geralmente afetando tronco e cabeça;
3) Impacto contra o solo, geralmente afetando cabeça, coluna e vísceras.

2.3 COLISÃO DE MOTOCICLETA E DE BICICLETA:


As lesões do condutor e eventuais passageiros devem-se por aceleração/desaceleração,
compressão e cisalhamento. A forma como sofrem as lesões é diferente, pois tais vítimas não
são protegidas pela estrutura dos veículos, nem por dispositivos de segurança. Eles são
protegidos apenas pela roupa, o capacete e as botas, sendo de fundamental importância a
observação da indumentária dessas vítimas.
Somente o capacete tem a capacidade de redistribuir a transmissão de energia e reduzir
sua intensidade, e mesmo esta capacidade é limitada. A maior parte das lesões ocorre por:
impacto frontal/ejeção, impacto lateral/ejeção e derrapada lateral.

2.4. QUEDA:

As lesões devidas às quedas ocorrem por desaceleração. A gravidade é determinada


pela cinemática da desaceleração vertical, combinada com a propriedade coesiva do corpo e a
consistência da superfície de impacto. A gravidade aumenta à medida que se eleva a velocidade
de desaceleração e diminui a distância ao longo da qual o corpo é desacelerado. No impacto, o
deslocamento diferenciado dos tecidos dentro do organismo causa sua laceração.

2.5. EXPLOSÕES:

São resultados da transformação química rápida de produtos sólidos, semi-sólidos,


líquidos e gasosos em produtos gasosos que ocupam volumes maiores do que os ocupados
antes da detonação. À medida que a onda avança, o meio por onde ela passa sofre oscilação.
As lesões pelo mecanismo de explosão podem ser:
• Primárias: pelo efeito direto da onda de pressão, sendo mais nocivas aos órgãos que contém
gás. Ocorrem lesões como rotura de tímpano, contusão pulmonar, pneumotórax, rotura de
alvéolos podendo formar embolia gasosa, hemorragia intra-ocular, descolamento de retina e
roturas intestinais.
• Secundárias: Resultam de objetos arremessados à distância que atingem indivíduos
circunstantes.
• Terciárias: Quando o indivíduo é arremessado contra objeto sólido ou solo.
• Quaternárias: Incluem queimadura, esmagamento, problemas respiratórios decorrentes da
inalação de pó, fumaça, gases tóxicos e exacerbações ou complicações de doenças
preexistentes (p. ex. angina, hipertensão).

2.6. FERIMENTOS PENETRANTES:

Nessa classificação estão os ferimentos por arma de fogo e os ferimentos por arma
branca. O trauma penetrante produz solução de continuidade entre o meio externo e o meio
interno do corpo. Produzem cavitação, que é o resultado da permuta de energia entre o objeto
em movimento e os tecidos. A identificação dos orifícios de entrada e de saída (quando existir)
são importantes para o reconhecimento de estruturas anatômicas que possam ter sido lesadas
nesse trajeto.
3. ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE TRAUMATIZADO
Bruno Bertoni Ferraz

No ano de 1976, o ortopedista James Styner, juntamente com sua esposa e seus 4 filhos,
caiu com seu avião em uma plantação de milho na zona rural de Nebraska. Sua esposa faleceu
instantaneamente, três de seus filhos sofreram traumatismos graves e o próprio Styner também
se feriu. Reconhecendo que o atendimento de emergência recebido por ele e sua família no
acidente fora inadequado, o ortopedista afirmou: "a partir do momento em que o atendimento
oferecido no local do acidente e com recursos limitados é melhor do que aquele que eu e minhas
crianças recebemos no hospital de atendimento primário, existe alguma coisa errada com o
sistema, e este deve ser modificado". Surgia, então, a iniciativa para desenvolver o Advanced
Trauma Life Support (ATLS) ou Suporte de Vida Avançado no Trauma (SAV).
Estatisticamente, as mortes no trauma ocorrem em 3 momentos (picos), os quais
também representam, de maneira decrescente, a quantidade de óbitos:

1. Segundos a minutos após o trauma: são causadas por apneia, devido a lesões cerebrais
ou medulares graves, ou por lacerações cardíacas, aórticas e de outros grandes vasos. Poucas
vítimas podem ser salvas nesse momento, o que torna esse período o principal responsável pelas
mortes no trauma. A única forma de reduzir a mortalidade é a prevenção;

2. Minutos a horas após o trauma: os óbitos decorrem de hematomas subdural/epidural,


hemo/pneumotórax e, principalmente, fenômenos hemorrágicos (ruptura de baço, laceração de
fígado, fraturas de pelve). É fundamentalmente nesse momento em que os preceitos do ATLS
tornam-se ativos, pois há grande chance de evitar as denominadas mortes precoces. Por isso, a
primeira hora de atendimento ao politraumatizado é chamada de "hora de ouro";

3. Dias a semanas após o trauma: as mortes ocorrem por sepse e falência de múltiplos órgãos
ou sistemas, e têm ligação direta com as condutas tomadas nas fases anteriores. Sendo assim,
tanto a primeira quanto a última pessoa responsável pelo atendimento à vítima influenciam nessa
mortalidade, que pode ser reduzida pelo bom exercício da medicina.

O atendimento inicial ao trauma inicia-se ainda no local do acidente, a denominada fase


pré-hospitalar, que deve priorizar a manutenção das vias aéreas, estabilização de coluna
cervical, controle de hemorragias externas e imobilização do paciente em tábua rígida. Então,
deve ser feito o contato com a equipe hospitalar, preferencialmente do centro especializado em
trauma mais próximo, repassando informações a respeito da vítima, mecanismo do trauma e
ambiente, para otimizar o atendimento médico.
A triagem é responsabilidade da equipe pré-hospitalar, e envolve aspectos como análise
do tipo de acidente, classificação dos pacientes no local e escolha do hospital apropriado para
encaminhamento. Classicamente, há duas situações da triagem:

a) Múltiplas vítimas: refere-se a situações em que o número de doentes e a gravidade de suas


lesões NÃO EXCEDEM a capacidade de atendimento do hospital, como um atropelamento
ou uma colisão entre um automóvel e um anteparo. Assim, é priorizado o atendimento de
vítimas com risco de morte iminente e traumatismos multissistêmicos;

b) Vítimas em massa: também denominada catástrofe, é a situação em que o número de


doentes e a gravidade das lesões EXCEDEM a capacidade de atendimento da equipe e da
instituição, como acidentes de avião e colisão entre dois ônibus. Ao contrário do que ocorre
com múltiplas vítimas, é priorizado o atendimento de vítimas com maior possibilidade de
sobrevida, os quais exigirão menor tempo e recursos.
Avaliação Primária

Na abordagem inicial do politraumatizado, uma sequência rápida de atendimento, que


vise ao reconhecimento e tratamento concomitantes de lesões com risco imediato de morte, é
essencial. A avaliação primária pode ser realizada em segundos, caso o paciente encontre-se
alerta, comunicativo, lúcido e orientado; ou em minutos, se houver necessidade de medidas
intervencionistas como o estabelecimento de uma via aérea definitiva ou uma drenagem torácica,
por exemplo.
O ATLS recomenda a clássica escala mnemônica ABCDE, que avalia os sistemas de
maneira seriada e decrescente em relação ao potencial risco de morte gerado por uma lesão.
Pacientes admitidos em centros de trauma, como o Hospital do Trabalhador, têm seus
parâmetros avaliados de forma simultânea. O ABCDE do trauma é uma abreviatura de:

Como será abordado em outros capítulos, a abordagem ao trauma em crianças,


gestantes e idosos segue o mesmo protocolo para os adultos.

A - Manutenção da via aérea com proteção da coluna cervical

Em todo paciente vítima de trauma, a via aérea (VA) é a prioridade absoluta e sua
avaliação deve ser a primeira a ser realizada, buscando manter sua permeabilidade. A avaliação
rápida permite identificar obstruções, presença de corpos estranhos, fraturas mandibulares ou
traqueolaríngeas. É importante frisar que todas as manobras para permeabilizar a VA devem ser
realizadas com a estabilização da coluna cervical, seja por meio do colar cervical ou pela
imobilização manual. Tais manobras serão melhor explicadas no capítulo de Abordagem de Vias
Aéreas e Aparelho Respiratório.
Pacientes capazes de comunicação verbal dificilmente apresentarão obstrução de VA,
mas mesmo assim é fundamental sua avaliação. Por outro lado, vítimas de trauma
cranioencefálico (TCE) grave com rebaixamento de nível de consciência ou Glasgow inferior a
8 exigem o estabelecimento de uma via aérea definitiva, ou seja, um tubo localizado na traqueia,
com balonete insuflado abaixo das pregas vocais, conectado a uma fonte de O 2 e fixada ao
paciente.
Todos os pacientes politraumatizados, até prova contrária, devem ser considerados
portadores de lesão cervical, principalmente aqueles que apresentam rebaixamento do nível de
consciência e traumatismo acima das clavículas. Caso os pacientes cheguem ao Pronto- Socorro
com esse tipo de história sem imobilização, estes devem ser prontamente imobilizados.
Sendo assim, a cabeça e o pescoço do doente não devem ser hiperestendidos,
hiperflexionados ou rodados até que se exclua uma lesão cervical. A proteção da medula espinhal
é feita por meio de dispositivos próprios (colar cervical) ou da imobilização manual. Se for
necessário, o colar cervical pode ser retirado para que se acesse a VA do paciente, desde que
mantenha-se a imobilização manual.

B - Ventilação e respiração

Uma via aérea permeável não é sinônimo de ventilação adequada, a qual exige um bom
funcionamento de pulmões, parede torácica e diafragma. Dessa forma, o tórax do paciente
deve ser exposto para que seja feita a inspeção e a avaliação dos movimentos respiratórios,
buscando uma provável assimetria da parede.
Logo após é feita a palpação ativa do tórax, a qual busca fraturas de arcos costais e
crepitação da pele, um sinal sugestivo de pneumotórax (escape de ar na cavidade pleural) e
subsequente enfisema subcutâneo. A percussão torácica segue o padrão normal da semiologia,
porém geralmente não é realizada em dorso. A ausculta é feita em bases, polos médios e ápices
de ambos os pulmões, também na face anterior. De maneira geral, há dois padrões de lesão que
podem e devem ser identificados nessa fase:

• Hemotórax: é a presença de sangue em cavidade torácica, geralmente proveniente de


lesões penetrantes. De maneira geral, costuma manifestar-se como choque hipovolêmico.
No exame pulmonar, há macicez à percussão de base pulmonar e diminuição do
murmúrio vesicular. Em alguns casos pode haver estertores;

• Pneumotórax: extravasamento de ar, por mecanismo de válvula unidirecional, para a


cavidade pleural. Manifesta-se clássicamente por crepitação à palpação, indicando
enfisema subcutâneo, hipertimpanismo em ápice pulmonar e diminuição do murmúrio
vesicular.

O diagnóstico semiológico e radiográfico, bem como os demais padrões destas e de


outras lesões torácicas e seus tratamentos serão abordados em capítulos específicos.

C - Circulação com controle de hemorragia

Estatisticamente falando, a hemorragia é a principal causa de mortes pós-


traumáticas evitáveis. Sendo assim, a hipotensão em vítimas de trauma deve ser considerada
hipovolêmica até prova contrária. A avaliação rápida do estado hemodinâmico em um paciente
politraumatizado é feita por observação do nível de consciência, que costuma estar rebaixado;
cor da pele, que apresenta-se acinzentada em face e esbranquiçada em extremidades; e pulso,
frequentemente rápido e filiforme.
A medida inicial na reposição volêmica dos politraumatizados é a obtenção de dois
acessos venosos periféricos calibrosos, utilizando-se um Abbocath 14 ou 16 (quanto menor o
número, maior o calibre), e a infusão rápida de 1 a 2 litros de solução fisiológica isotônica
aquecida. Opta-se preferencialmente por acessos periféricos em veias do membro superior, mas
também pode-se recorrer a acessos venosos centrais, dissecções venosas e acessos
intraósseos (mais utilizados em crianças). Nessa etapa, é feita a coleta de sangue para tipagem,
avaliação dos níveis de hemoglobina, hematócrito, prova cruzada e dosagem de β- hCG em
mulheres.
De maneira simplificada, a avaliação da circulação obedece uma ordem crânio-caudal.
A ausculta cardíaca é realizada de maneira ágil em suas 4 áreas (pulmonar, aórtica, tricúspide e
mitral), identificando a frequência cardíaca e a fonese das bulhas. Os pulsos periféricos e centrais
também são avaliados nessa fase. Embora altere-se tardiamente com a hipovolemia (perda de
cerca de 30% do volume), a pressão arterial deve ser aferida. É importante ressaltar que a
taquicardia e a vasoconstrição periférica, representada por tempo de enchimento capilar
prolongado (superior a 2 segundos), são os sinais mais precoces do choque hipovolêmico.
O exame do abdome faz parte dessa etapa da avaliação inicial, seguindo basicamente a
mesma ordem do tórax. A inspeção fornece pistas para o tipo de lesão subjacente, como
ferimentos penetrantes ou "tatuagens" de cinto de segurança. A palpação abdominal costuma
ser difusamente dolorosa em pacientes politraumatizados, porém se houver sinais de irritação
peritoneal, como dor à descompressão brusca, rigidez e defesa abdominal, a laparotomia
exploratória está indicada, sem a necessidade de exames de imagem. A ausculta abdominal tem
pouco valor diagnóstico no trauma.
O próximo passo é o exame da pelve do paciente, que consiste basicamente de inspeção
e palpação. Com uma mão em cada crista ilíaca do paciente, é feita uma pressão leve,
empurrando a pelve no sentido ântero-posterior. Com isso, busca-se identificar instabilidade ou
crepitação em pelve. Se for diagnosticada uma fratura pélvica, sua imobilização deve ser
instituída rapidamente, pois, apesar de geralmente possuir padrão venoso, sangramentos
pélvicos podem corresponder a toda a volemia do paciente.
Por fim, deve-se buscar alguma fonte de sangramento ativo externo no paciente.
Independente do local, se ocorrer uma hemorragia em atividade, esta deverá ser solucionada
ainda na fase C do atendimento inicial. A principal maneira de se controlar uma hemorragia é a
compressão direta do ferimento. Torniquetes e pinças hemostáticas "às cegas" não são
indicados nesse momento.

D - Disfunção Neurológica

A avaliação neurológica é realizada rápida e diretamente, buscando principalmente


estabelecer o nível de consciência, o tamanho e a reação das pupilas do paciente, e
eventualmente sinais de lateralização e o nível uma lesão em medula espinhal. O nível de
consciência é objetivamente avaliado pela Escala de Coma de Glasgow (ECG ou GCS), que
baseia-se nas respostas motora (6 pontos), verbal (5 pontos) e ocular (4 pontos), tendo
resultados sempre entre 3 e 15 pontos. É importante lembrar que um trauma cranioencefálico
grave, caracterizado por um Glasgow < 8, é indicação absoluta de via aérea definitiva. O
rebaixamento do nível de consciência pode ser tanto devido à diminuição em oxigenação e/ou
perfusão cerebral quanto a um trauma direto ao cérebro. Se forem excluídas situações como
hipoglicemia, etilismo e uso de drogas, qualquer alteração do nível de consciência deve ser
atribuída a um trauma no sistema nervoso central.
O exame das pupilas avalia os reflexos fotomotor e consensual, além de sua dilatação.
A anisocoria (diferença de dilatação das pupilas) é um dos sinais da síndrome da herniação da
tenda do cerebelo, juntamente com a midríase (dilatação pupilar) ipsilateral à lesão, indicando
compressão do nervo óculo-motor.

E - Exposição com controle do ambiente

É fundamental, após a avaliação dos quatro itens anteriores, despir completamente o


doente buscando outras lesões não diagnosticadas. As roupas geralmente são cortadas e é
mandatório realizar o rolamento em bloco de todo paciente politraumatizado. Tal técnica é feita
com auxílio de 3 ou mais pessoas, devendo haver imobilização de coluna cervical, tórax/abdome
e membros inferiores, permitindo a rotação do paciente para avaliação do dorso. Essa manobra
é especialmente recomendada em vítimas de ferimentos penetrantes, seja por arma branca
(FAB) ou arma de fogo (FAF).

Nessa etapa, é fundamental proteger o paciente da hipotermia, por meio da infusão de


líquidos aquecidos, uso de cobertores e dispositivos de aquecimento externo. A prioridade é
manter a temperatura corporal do paciente, e não o conforto da equipe.

Medidas Auxiliares

Fazem parte da avaliação primária algumas medidas terapêuticas e diagnósticas, que


auxiliam no acompanhamento do paciente. São exemplos:

Monitorização eletrocardiográfica Sondagem urinária


Frequência respiratória Sondagem gástrica
Gasometria arterial Oximetria de pulso

Dentre os procedimentos diagnósticos da avaliação primária, devem sempre ser


realizadas, em todo paciente politraumatizado, radiografias de cervical em perfil, tórax ântero-
posterior e pelve ântero-posterior, denominada sequência do trauma, além de radiografias
específicas de acordo com cada caso. Em caso de suspeita de sangramento
oculto em abdome, o lavado peritoneal diagnóstico (LPD) e a ultrassonografia abdominal
(Focus Assessment with Sonography in Trauma - FAST) são exames que podem ser realizados
mesmo em um paciente em instabilidade hemodinâmica.
Em alguns casos, será necessária a realização de uma tomografia computadorizada
(crânio, tórax, abdome, pelve), a qual só pode ser realizada em pacientes que obtiveram
estabilização hemodinâmica. Se forem considerados essenciais, os estudos radiológicos não
devem ser evitados em gestantes.

Exame Secundário

Após adequadamente realizada a avaliação primária e tendência normalização das


funções vitais do paciente após as medidas de reanimação, deve ser iniciada a avaliação
secundária, a qual é mais completa do que o ABCDE do trauma.
De maneira didática, a investigação da história do paciente é feito por um outro
mnemônico, a denominada anamnese AMPLA:

O exame físico deve ser completo e abrangente, investigando cabeça, pescoço, tórax,
abdome, pelve, períneo, sistema musculoesquelético, nervoso e vascular, sempre em busca de
lesões ainda não diagnosticadas. Instituiu-se a frase "dedos e tubos em todos os orifícios" para
explicitar a complexidade da avaliação secundária.
Após a estabilização do paciente e tratamento definitivo de suas lesões, é feita a sua
reavaliação seriada e, se assim ficar estabelecido, o paciente pode ser liberado do hospital.
4. ABORDAGEM DAS VIAS AÉREAS E APARELHO RESPIRATÓRIO
Guilherme Amando de Carvalho

A oferta inadequada de sangue oxigenada ao cérebro e outros órgãos vitais é a causa


de morte mais rápida em politraumatizados. A proteção da hipoxemia requer uma via aérea
protegida, desobstruída e com ventilação adequada, o que tem prioridade sobre as demais
condições, logo após a estabilização da coluna cervical.
Dessa forma, ao iniciar o exame primário, devemos inicialmente garantir a estabilidade
da coluna cervical através do uso de colar cervical e, logo em seguida, as vias aéreas devem ser
abordadas. Durante essa abordagem inicial, o simples fato de o paciente conseguir falar garante,
pelo menos momentaneamente, que a via aérea está pérvia, a ventilação está intacta e a
perfusão cerebral é adequada. Pacientes que não falam ou apresentam uma fonação
inadequada, sugerem um rebaixamento de consciência, comprometimento da via aérea e
ventilação ou ambos. Pacientes com rebaixamento do nível de consciência estão sob risco de
comprometimento da via aérea, sendo muitas vezes necessário garantir uma via aérea definitiva.
Os sinais objetivos de comprometimento da via aérea e ventilação são:
• Agitação (sugere hipóxia)
• Torpor (sugere hipercapnia)
• Cianose (observada através dos leitos ungueais, pele e mucosas)
• Alteração da saturação de O 2 (verificada através da oximetria de pulso)
• Tiragem e uso de musculatura respiratória acessória
• Presença de roncos, gorgolejos e estridores durante a respiração
• Rouquidão (indica obstrução funcional da laringe)
• Desvio da traqueia da linha média
• Assimetria torácica (sugere fraturas ou tórax instável)
• Murmúrio vesicular abolido ou diminuído uni ou bilateral (lesão torácica)
• Hipertimpanismo ou macicez à percussão dos espaços intercostais
• Taquipneia

Se algum problema for identificado ou suspeitado durante essa avaliação inicial, medidas
devem ser tomadas imediatamente. Essas medidas incluem técnicas de manutenção de vias
aéreas, obtenção de vias aéreas definitivas e instituição de ventilação suplementar. Como todas
essas medidas envolvem a movimentação cervical, a estabilidade da coluna cervical deve ser
garantida antes do início dessas manobras. Um alto fluxo de oxigênio é importante antes e depois
dessas medidas de manutenção das vias aéreas, assim como um dispositivo de sucção deve
estar disponível com facilidade.

Técnicas de manutenção das vias aéreas:


• Elevação do mento: os dedos de uma das mãos são
colocados abaixo da mandíbula, que é então
suavemente elevada para trazer o mento anteriormente. O
1º dedo da mesma mão pode ser usado para abaixar o
lábio inferior e abrir a boca. Não se deve fazer
hiperextensão cervical.

• Tração da mandíbula:
Cada mão deve ser colocada em um dos ângulos da
mandíbula, deslocando-a para frente.
• Cânula Nasofaríngea: Uma cânula é inserida através de uma narina e passa através da
orofaringe posterior. Essa técnica não pode ser usada em pacientes com suspeita de
fraturas de lâmina cribriforme (trauma facial extenso, suspeita de fratura de base de
crânio)
• Dispositivos supra ou extra glóticos: Esses dispositivos, como o Combitubo ou a Máscara
Laríngea, podem ser usados em pacientes que necessitam de uma via aérea definitiva,
porém ela não foi bem sucedida.

Obtenção de Via Aérea Definitiva:

As indicações para obtenção de uma via aérea definitiva são:


• Inabilidade em manter a via aérea pérvia através de outros métodos (incluindo as
manobras descritas acima), com comprometimento potencial ou iminente da via aérea
• Inabilidade em manter uma oxigenação adequada com suplementação de oxigênio por
máscara facial
• Presença de apneia
• Rebaixamento de nível do consciência com pontuação na Escala de Coma de Glasgow
menor ou igual a 8
• Comprometimento iminente ou potencial da via aérea, como por exemplo, em lesões
por inalação, fraturas faciais, hematoma retrofaríngeo ou convulsões persistentes
• Necessidade de proteger a via aérea inferior contra a aspiração de sangue ou de
vômitos

Existem três tipos de via aérea definitiva: intubação orotraqueal, intubação


nasotraqueal e via aérea cirúrgica (cricotireoidostomia ou traqueostomia). A urgência da
situação e as circunstâncias envolvendo a necessidade de intervenção determinam a via e o
método a serem adotados.
Durante a obtenção de uma via aérea definitiva não-cirúrgica, o uso de sedação
suplementar, analgésicos e relaxantes musculares tem um importante papel ao facilitar e tornar
o processo mais rápido.

Uma Sequência Rápida da Intubação inclui:


• Estar preparado para cirurgia de emergência
• Hiperventilar com oxigênio a 100%
• Comprimir cartilagem cricóide (manobra de
Sellick)
• Administrar um sedativo (como Etomidato 0,3
mg/Kg EV)
• Administrar um bloqueador neuromuscular
(como Succinilcolina 1 a 2 mg/Kg EV)
• Fazer a laringoscopia e intubar
• Insuflar balonete e auscultar tórax e abdome
para conferir posicionamento da cânula
• Interromper a manobra de Sellick
• Ventilar
Algumas situações são emergências identificadas na avaliação do aparelho respiratório e da
ventilação e devem ser conhecidas:

Pneumotórax aberto: causado por uma lesão da parede


torácica com o diâmetro de cerca de 2/3 do diâmetro da
traqueia ou mais. Nesse caso, o ar tende a entrar pelo ferimento
durante a inspiração pois há menor resistência, impedindo uma
ventilação efetiva e causando hipóxia e hipercapnia. O
tratamento é feito com curativo quadrangular estéril preso em
apenas 3 pontas e drenagem torácica fechada em selo d’água
com sutura do ferimento assim que possível.

Pneumotórax hipertensivo: pneumotórax hipertensivo é uma verdadeira emergência cirúrgica


que requer diagnóstico e tratamento imediatos. Ele se desenvolve quando o ar entra no espaço
pleural por mecanismo de válvula unidirecional que
impede sua saída. Dessa forma, a pressão intrapleural
aumenta, causando colapso pulmonar total e balanço do
mediastino para o lado oposto com consequente redução
do retorno venoso e queda do débito cardíaco. O
diagnóstico é clínico e se baseia na presença de dor
torácica, dispneia importante, desconforto respiratório
agudo, enfisema subcutâneo, taquicardia, hipotensão,
desvio da traqueia, murmúrio vesicular ausente,
ingurgitamento jugular e tardiamente cianose. Faz
diagnóstico diferencial com tamponamento cardíaco. O
tratamento deve ser instituído imediatamente com a
toracocentese feita com a inserção de agulha de grosso
calibre no 2º espaço intercostal (EIC), na linha hemiclavicular, o que o transforma em um
pneumotórax aberto. Em seguida, deve-se proceder a toracostomia com drenagem fechada em
selo d’água em 5º EIC, entre as linhas anterior e média.

Tórax instável e Contusão pulmonar: tórax instável é a lesão causada pela fratura de duas ou
mais costelas consecutivas em dois ou mais pontos, fazendo com que esse segmento da parede
torácica não tenha continuidade óssea com o resto da parede torácica. Dessa forma, ocorre
movimento paradoxal da parede torácica acometida, o que não causa hipóxia isoladamente. No
entanto, a
contusão pulmonar subjacente e a
dor durante a respiração podem
levar a um quadro de hipóxia. O
tratamento inicial deve ser feito
com ventilação adequada,
administração de oxigênio úmido e
reposição volêmica (cuidado com
hiperidratação). Pode-se utilizar no
tratamento analgesia, tanto com
narcóticos quanto com bloqueio
dos nervos intercostais. Em casos
de hipóxia grave, intubação e
ventilação mecânica deve ser
considerada.
Hemotórax maçico: acúmulo de mais de 1500
mL de sangue (ou mais de 1/3 da volemia) na
cavidade torácica, o que compromete a
respiração por comprimir o pulmão e impedir
ventilação adequada. É usualmente causado por
ferimentos penetrantes que atingem vasos
sistêmicos ou hilares. Podem ser encontradas
jugulares baixas, causadas pela hipovolemia
severa. Dificilmente ocorre balanço mediastinal
capaz de gerar diminuição do retorno venoso e
ingurgitamento jugular. O quadro clínico é
caracterizado por choque associado ausência de
murmúrios vesiculares e macicez à percussão de
um hemitórax. O tratamento deve ser feito imediatamente com reposição volêmica e
descompressão do hemitórax por toracostomia com drenagem fechada em selo d’água. A
toracotomia de emergência é indicada se houver drenagem inicial de 1500 mL ou mais de
sangue ou de 200 mL/h nas primeiras 2 a 4 horas, queda do estado geral, necessidade de
muitas bolsas de sangue ou se houver ferimento penetrante anterior medial à linha dos
mamilos ou posterior medial às escápulas.

Tamponamento cardíaco: lesão que pode ser


causada por ferimentos penetrantes em região
medial do tórax ou por trauma contuso e que faz
diagnóstico diferencial com pneumotórax
hipertensivo. O tamponamento cardíaco ocorre
pela compressão do coração devido ao acúmulo
de sangue no saco pericárdico, proveniente do
próprio coração, dos grandes vasos ou dos vasos
pericárdicos. Como o saco pericárdico é uma
estrutura fibrosa fixa, um pequeno volume de
líquido pode restringir e impedir o enchimento
cardíaco. O diagnóstico é baseado na presença
da Tríade de Beck (elevação da pressão venosa -
ingurgitamento jugular-, queda da pressão arterial
e abafamento de bulhas cardíacas), além de pulso
paradoxal, sinal de Kussmaul (aumento da
pressão venosa na inspiração durante respiração espontânea). O tratamento emergencial
inicial deve ser feito com pericardiocentese sub-xifoidiana.
5. CHOQUE
Mariane Christina Savio

Choque hipovolêmico é uma anormalidade do sistema circulatório que resulta em


perfusão orgânica e oxigenação tecidual inadequadas. É causado por perdas sanguíneas,
sangramentos internos ou externos e constitui a principal forma de choque no paciente
traumatizado. Sendo assim, todo paciente politraumatizado em choque, até que se prove o
contrário, é considerado em choque hipovolêmico.
Hemorragia é também a principal causa de morte evitável após o trauma. Por isso, no
atendimento inicial, é responsabilidade do médico reconhecer o estado de choque e iniciar o
tratamento simultaneamente ao diagnóstico. A resposta ao tratamento inicial, os achados dos
exames primário e secundário fornecerão informações para determinar a etiologia do choque.
Outros tipos de choque que podem ocorrer no trauma são: cardiogênico, obstrutivo,
neurogênico e séptico.

Outros tipos de choque que podem ocorrer no trauma:


Choque cardiogênico: pode ocorrer por contusão cardíaca em traumas frontais, nos casos de
tamponamento cardíaco, dissecções de aorta, tromboembolismo pulmonar e doença isquêmica
cardíaca (infarto associado ao trauma). A conduta deve
ser monitorização com ECG contínuo para verificar
arritmias, monitorização precoce da pressão venosa
central - PVC (orienta reposição volêmica),
ecocardiografia (pode diagnosticar tamponamento e
ruptura de válvulas) e pericardiocentese de alívio nos
casos de tamponamento cardíaco (manobra de alívio, a
definitiva é uma toracotomia). O “FAST” pode ser usado
na sala de emergência para identificar líquido no
pericárdio.

Obstrutivo: causado por pneumotórax hipertensivo,


que é aquele que impede o retorno venoso por
comprimir estruturas mediastinais. O pneumotórax hipertensivo advém de um mecanismo
valvular, que permite a entrada de ar no espaço pleural e não permite sua saída. Assim, o pulmão
ipsilateral colaba e há desvio do mediastino para o lado oposto. Clinicamente, veremos redução
do MV, timpanismo à percussão do lado afetado, possível presença de enfisema subcutâneo,
desvio da traquéia, além da clínica de choque. É uma emergência cirúrgica, que deve ser
imediatamente tratada com inserção de abocath no 2ºEIC para descompressão torácica (é uma
manobra de alívio, a definitiva é uma toracostomia, drenagem de tórax fechada).

Neurogênico: decorrente de lesão extensa do sistema nervoso central ou da medula. Deve-se


suspeitar nos casos de TCE isolado com clínica de choque, pois uma lesão intracraniana isolada
não tem como causar choque hipovolêmico. Ocorre por perda do tônus vagal, ou seja, uma plegia
vascular por lesão simpática. Há uma vasodilatação e hipovolemia relativa. Portanto o doente
fica hipotenso, mas com pele quente, pois não ocorre vasoconstrição cutânea (no hemorrágico a
pele fica fria). Pode ou não ocorrer taquicardia e esse doente não responde à reposição volêmica.
Deve-se monitorar a PVC, que auxilia no reestabelecimento da perfusão orgânica.

Séptico: trata-se de um tipo de choque infrequente no atendimento inicial do politrauma, mas


deve ser considerado em pacientes com traumas penetrantes que demoraram muito para chegar
à sala de emergência. Gera a mesma clínica de um choque hipovolêmico devido à vasodilatação
periférica e central. A febre pode estar ausente, dificultando o diagnóstico.

O diagnóstico diferencial entre choque hemorrágico e não hemorrágico será feito a partir
de uma história clínica, exame físico e exames complementares. Além disso, a resposta à
reposição volêmica pode dar pistas sobre a etiologia. E mesmo que haja suspeita de que o
choque não seja hipovolêmico, deve iniciar repondo volemia (lembrando que a maioria dos
choques não-hemorrágicos respondem parcial ou transitoriamente à reposição volêmica).
Fisiologia cardíaca básica
O débito cardíaco é o volume de sangue bombeado pelo coração por minuto.
DC = FC x Volume Sistólico
O volume sistólico, por sua vez, está
diretamente relacionado à pré-carga,
contratilidade miocárdica e pós-carga. Ou
seja, quanto sangue chega ao coração,
quanto o coração consegue bombear e a
resistência vascular periférica.
Na perda sanguínea reduz-se o débito
cardíaco, pois cai o volume sistólico
(menos sangue circulante, menos pré-
carga).

Perda sanguínea
Em um estado de hipovolemia, o
organismo tenta realizar uma compensação, preservando os órgãos essenciais do nosso corpo.
Portanto, ocorre uma ativação dos sistemas nervoso simpático e parassimpático levando à
vasoconstrição da pele, músculos lisos e trato gastrointestinal (esplâncnica) e
preservação do fluxo em rins, coração e cérebro.
A frequência cardíaca também aumenta na tentativa de manter o débito cardíaco (pela
fórmula, há menos volume sistólico, então teremos que aumentar a FC para tentar manter o DC).
Ocorre liberação de catecolaminas endógenas que aumentam a resistência vascular
periférica. Isso gera uma maior pressão diastólica e redução da pressão de pulso (que é a
diferença entre pressão arterial sistótila e diastólica). Histamina, bradicinina, beta-endorfinas,
citocinas e outros hormônios com propriedades vasoativas são liberados e geram alterações na
permeabilidade vascular e na microcirculação.
Em nível celular, passa a ocorrer metabolismo anaeróbio, que forma ácido lático e
predispõe à acidose metabólica. A hipóxia celular gera lesão progressiva, edema tecidual e
morte. Esse processo é combatido pela administração de soluções eletrolíticas isotônicas.

Reconhecendo os sinais de choque:


O atendimento deve sempre respeitar a sequência ABCDE. Com A e B controlados, no
C avaliaremos sinais de choque. O primeiro passo é reconhecer o choque pelos sinais clínicos.
São eles:
• Taquicardia, vasoconstrição cutânea: são os sinais mais precoces de choque. O
doente se apresenta frio e taquicárdico. Considera-se taquicardia uma frequência
cardíaca superior a 160 no lactente, a 140 na criança em idade pré-escolar, a 120 até a
puberdade e acima de 100 no adulto.
• Taquipnéia
• Queda da pressão de pulso.
• Alteração da pressão sistólica (PAS): ocorre apenas quando ocorre perda igual ou
superior a 30% da volemia, devido aos mecanismos de compensação do sistema
circulatório. Confiar exclusivamente na pressão sistólica resulta em reconhecimento
tardio do estado de choque.
• Enchimento capilar deficiente: deve ser avaliado nas extremidades, que devem voltar à
coloração normal no máximo 2 segundos após a sua compressão.
• Alteração do nível de consciência: é avaliado no D do ATLS e no choque não implica
necessariamente em lesão intracraniana, podendo refletir apenas perfusão inadequada
do cérebro.
O exame clínico do abdome e a verificação da estabilidade da pelve entram no C do ATLS,
pois podem indicar fontes ocultas de sangramento em um paciente em choque.
ATENÇÃO: pacientes idosos, usuários de beta-bloqueadores, atletas, gestantes, pacientes
hipotérmicos e usuários de marca-passo podem não ter taquicardia, mascarando o choque (pois
tem reduzida capacidade em aumentar sua FC).

O volume globular (VG) e a concentração de hemoglobina (Hb) não são confiáveis para
diagnosticar choque ou estimar a perda sanguínea aguda, pois demoram a se alterar. Os
parâmetros utilizados para diagnosticar o choque devem ser clínicos.

Medidas auxiliares à avaliação primária:


No atendimento inicial ao paciente politraumatizado, devem ser usadas medidas auxiliares, que
serão:
• Acesso EV: deve ser obtido rapidamente, com a inserção de dois cateteres intravenosos
periféricos abocath 14 ou 16, preferencialmente em veias do antebraço ou antecubitais
(veia cefálica). O objetivo desses cateteres será infundir líquidos para repor a volemia.
Pela lei de Poiseuille sabemos que a velocidade do fluxo é maior quando o comprimento
do cateter é menor e o diâmetro maior, por isso queremos um cateter curto e calibroso,
que infunde muito volume rapidamente.

• Amostras de sangue: devem ser obtidas assim que tenha sido obtido o acesso venoso.
Os exames a serem solicitados são a tipagem sanguínea e a prova cruzada e teste de
gravidez para mulheres entre 10 e 50 anos (beta-HCG).
• Sonda nasogástrica: permite a descompressão gástrica, que ocorre devido ao ar
engolido. A distensão gástrica pode causar hipotensão, arritmias cardíacas e até
bradicardia pelo estímulo vagal. Além disso, acarreta risco de aspiração e dificulta o
tratamento do choque.
• Sonda vesical: essencial no paciente com sinais de choque, pois permite monitorar a
reposição volêmica (fornece uma estimativa fiel da perfusão renal) e ainda avalia a
presença de hematúria. Não deve ser utilizada em caso de suspeita de lesão de uretra.
• Monitorização cardíaca e oximetria de pulso.

Classificação do choque
A classificação do choque a partir de parâmetros clínicos permite estimar a perda
sanguínea. A classificação também é útil para determinar o tipo de reposição volêmica a ser feita
inicialmente. Entretanto, a reposição volêmica subsequente deve ser mais orientada pela
resposta individual ao tratamento inicial do que simplesmente pela classificação.
Para cálculo da porcentagem da volemia perdida, é útil saber que a volemia corresponde
a aproximadamente 7% do peso ideal de um adulto (não do peso real, no caso de obesos) e 8-
9% do peso de crianças.
Classe I Classe II Classe III Classe IV
Perda sanguínea Até 750ml 750-1500ml 1500-2000ml >2000ml
% de volume Até 15% 15-30% 30-40% >40%
sanguíneo
perdida

FC <100 100-120 120-140 >140


PA Normal Normal Diminuída Diminuída
Pressão de pulso Normal Diminuída Diminuída Diminuída
FR 14-20 20-30 30-40 >35
Diurese >30ml/h 20-30ml/h 5-15ml Desprezível
Estado mental Levemente Moderadamente Ansioso, Confuso, letárgico
ansioso/Normal ansioso confuso
Reposição Cristalóide Cristalóide Cristalóide e Cristalóide e
volêmica sangue* sangue
necessariamente

*No choque classe III a decisão de transfusão sanguínea vai se basear na resposta à reposição
líquida inicial e no estado de perfusão e oxigenação tecidual. A tendência atual é indicar
hemotransfusão mais precocemente.

Outra forma de estimar perdas sanguíneas em um paciente politraumatizado é avaliando


as lesões presentes e considerando perdas de sangue na forma de hematomas. Por exemplo:
• Fratura fechada de úmero/tíbia – pode sangrar até 750ml
• Fratura fechada de fêmur – pode sangrar até 1500ml
• Fraturas de pelve – podem sangrar toda a volemia para o retroperitôneo.

É importante lembrar que o edema das partes moles traumatizadas também gera perda
adicional de líquido, depletando ainda mais o volume intravascular.

Manejo do paciente em choque


Após o diagnóstico do estado de choque pelos sinais clínicos, teremos duas prioridades:
parar o sangramento e repor a volemia. Essas medidas serão realizadas dentro do C do ATLS.
Devemos primeiramente atentar para a etiologia do choque, ou seja, identificar a fonte
do sangramento. A prioridade deve ser parar o sangramento. O paciente deve ser completamente
exposto e qualquer ferimento externo deve ser imediatamente comprimido (os torniquetes nunca
deve ser utilizados). Deve-se procurar, além de sangramentos externos, hemorragias ocultas em
tórax, pelve, abdome e membros (especialmente na coxa). Se houver instabilidade na pelve, ela
deve ser estabilizada utilizando um lençol apertado em torno do quadril (reduz a perda volêmica
até a fixação cirúrgica). Se necessário, lançar mão de ferramentas diagnósticas como o FAST,
LPD, RX e TAC ou exploração cirúrgica imediata (dependendo das condições clínicas).
A reposição volêmica deve ser iniciada imediatamente como se o doente estivesse hipovolêmico,
visando restaurar a perfusão orgânica. É hora de instalar os 2 acessos venosos calibrosos
Abbocath 14 ou 16 infundindo Ringer Lactato. No manejo do paciente, é importantíssima a
prevenção da hipotermia (estado que agrava o quadro de choque). Todos os fluidos infundidos
devem ser aquecidos a 39ºC.
Resposta à reposição volêmica:
A resposta do doente à reposição volêmica inicial é a chave para determinar a terapêutica
subseqüente. Para essa avaliação, precisamos entender que hemodinamicamente estável é
diferente de hemodinamicamente normal. O doente estável persiste com o quadro prévio (se
permanecer estável em choque, então a reposição volêmica não está efetiva!), enquanto o
doente hemodinamicamente normal é aquele que não tem sinais de perfusão orgânica
inadequada, está com sinais vitais normais. Queremos que nosso paciente fique normal, não
estável!
Neste contexto deve-se monitorar fluidoterapia com controle dos dados vitais, débito
urinário (o principal parâmetro, pois reflete com fidelidade a perfusão renal), nível de consciência
(escala de coma de Glasgow) e perfusão periférica. Além disso, oximetria de pulso e cateter de
Swan-Ganz (afere a pressão venosa central – reflete a função das câmaras cardíacas direitas e
deve ser instalado em casos complexos, pois gera riscos ao paciente) também são úteis na
monitorização.

Débito urinário: A reposição será considerada efetiva se o débito urinário for de:
• ADULTO – 50 ml/h ou (0,5ml/kg/h)
• CRIANÇA – 1ml/kg/h
• BEBÊ - 2ml/kg/h
Débito urinário insuficiente indica ressuscitação inadequada.

Equilíbrio ácido-básico: o paciente em choque apresenta inicialmente alcalose respiratória pela


taquipnéia, seguida acidose metabólica (pela produção de ácido lático pelo metabolismo
anaeróbio). A persistência de acidose indica reposição volêmica inadequada ou perdas
sanguíneas continuadas. Na gasometria teremos: déficit de bases e lactato elevado. O
tratamento é a correção da hipovolemia repondo perdas e parando o sangramento.
Deve-se atentar que o paciente hemodiluído e politransfundido terá mais acidose.

Classificação da resposta volêmica:


A reposta à reposição pode ser dividida em 3 categorias
• Resposta rápida/mantida: os sinais vitais voltam ao normal com a reposição de fluidos,
indicando que houve perda sanguínea <20% da volemia. Deve continuar monitorando o
doente, mas é baixa a necessidade de mais cristaloides ou de sangue. Mesmo assim o
sangue com tipagem e prova cruzada (esta última demora 1 hora) deve estar disponível.
Ainda é considerada possível a necessidade de cirurgia.
• Resposta transitória: há melhora transitória dos sinais vitais, mas há recidiva de
hipotensão e taquicardia. Indica que houve perda de 20-40% da volemia. A conduta é
continuar fluidos e iniciar transfusão de sangue tipo-específico (tipagem sanguínea
demora em torno de 10 minutos no laboratório). É provável a necessidade de cirurgia.
• Resposta mínima: não há melhora dos sinais vitais com a reposição, indicando
hemorragia exsanguinante (>40% de perda volêmica). Há necessidade de intervenção
definitiva imediata (ou seja, que controle a hemorragia), infusão de mais cristaloides e
sangue (sem tipagem, utiliza-se O- para mulheres em idade fértil e O+ para os demais).
Nestes casos, deve também ser realizado diagnóstico diferencial com outros tipos de
choque.

Resposta rápida Resposta Resposta mínima


transitória
Sinais vitais Retorno ao normal Melhora transitória Sem melhora
Perda sanguínea Mínima – 10-20% Moderada– 20 – 40% Grave - >40%
Necessidade de Baixa Alta Alta
mais cristaloides
Necessidade de Baixa Moderada ou alta Imediata
sangue
Preparo do sangue Tipado e com prova Tipo-específico Liberado em caráter
cruzada de emergência
Necessidade de Possível Provável Muito provável
cirurgia
Presença precoce Sim Sim Sim
do cirurgião

6. REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR
Guilherme Damaceno Pereira

A reanimação cardiopulmonar consiste de medidas para identificar o paciente em


parada cardiorrespiratória (PCR) e reestabelecer a vida e consciência. O primeiro passo é a
identificação das primeiras manifestações de PCR no paciente. O operador deve perguntar sobre
a capacidade de resposta da vítima, se a vítima está respirando e se a respiração está normal,
para diferenciar a vítima que está com “gasp” agônico (necessita de RCP) daquela que respira
normalmente. A RCP é indicada quando a vítima não estiver respirando ou com respiração
anormal. Logo, é de suma importância a rápida verificação do padrão respiratório para saber se
há uma PCR, para que o serviço de emergência/urgência seja acionado e para que o desfibrilador
(DAE/DEA) seja levado para o local onde está a vítima.

A RCP pode ser resumida em 8 passos:


1. Determinar a inconsciência da vítima
- tocando nos ombros
- chamando a vítima (“Você está bem?”)
- chamar ajuda (SAMU 192)
- ficar ao lado da vítima

2. Verificar se a vítima respira


- se não respira ou respiração ineficaz à considera parada cardíaca
- SAMU 192
- procurar por desfibrilador (DAE/DEA)

3. Posicionar a vítima
- evitar dano à coluna cervical (se suspeita de trauma)
- colocar vítima em decúbito dorsal em superfície dura

4. Detectar pulso
- palpar o pulso carotídeo (o coração está batendo?)
- em até 10 segundos decidir se há pulso ou não

5. Compressão torácica externa


- 100 compressões/min
- movimentos com força e rapidez
- interromper por no máximo 10 segundos

6. Desfibrilação com DEA


- buscar DEA (se em local próximo)
- ligar e colocar eletrodos
- retomar compressões após choque
- ritmos chocáveis (FV/TVSP)
- checar ritmo e repetir a cada 2 minutos

7. Abrir as vias aéreas


- extensão do pescoço
- elevação do mento
- levantamento da mandíbula (se suspeita de trauma)

8. Respiração artificial
- 2 ventilações para ver tórax da vítima elevar
- cada ventilação em 1 segundo

Enquanto o desfibrilador não chega ou caso não esteja disponível no local, a reanimação deve
iniciar o mais rápido possível. A American Heart Association (AHA) criou um algoritmo para
facilitar o manejo desses pacientes. Ele consiste em C-A-B.
• C = compressão torácica externa
• A = abertura das vias aéreas
• B = respiração artificial
COMPRESSÃO TORÁCICA

Essas três medidas estão organizadas em ordem de prioridade. Portanto, inicia-se a RCP
com as compressões torácicas. Elas devem ser feitas com força e rapidez, com uma frequência
mínima de 100 compressões por minuto. Deve ser permitido o retorno total da parede torácica
entre as compressões, minimizar interrupções entre as compressões e alternar as pessoas que
aplicam a RCP a cada dois minutos. Interrupções podem ocorrer por no máximo 10 segundos,
para verificar pulso ou desfibrilar.
Crianças e adultos possuem manejos diferentes em certos pontos da compressão.

Compressão torácica no adulto


O paciente deve estar em posição supina sobre uma superfície firme. A compressão
deve ser realizada com a região hipotênar de uma das mãos a aproximadamente dois dedos
acima do processo xifoide, com os braços estendidos projetando o peso do corpo sobre a mão
através de movimentos de flexão do quadril. A pressão deve ser suficiente para abaixar o esterno
no mínimo em 2 polegadas (5 centímetros) em movimentos rítmicos e suaves, nos quais o tempo
de compressão deverá ser igual ao de descompressão. A frequência deve ser de pelo menos
100/min.

Compressão torácica no lactente e na criança


No lactente como o coração está mais alto que no adulto, a compressão deve ser
realizada no cruzamento entre a linha mamilar e o esterno da criança, utilizando de 2 a 3 polpas
digitais de uma única mão. A profundidade deve ser no mínimo de 1/3 do diâmetro AP do tórax,
ou cerca de ½ polegada (4 centímetros).
Na criança a massagem deve ser realizada com apenas uma das mãos. O esterno deve ser
comprimido por 1/3 do diâmetro AP do tórax, ou 2 polegadas (5 centímetros).

Abertura das vias aéreas


A via aérea deve ser aberta com inclinação da cabeça associada à elevação do mento.
Se houver suspeita de trauma em região em cervical, realizar anteriorização da mandíbula.

RESPIRAÇÃO ARTIFICIAL
Após a abertura das vias aéreas, deve-se dar início à respiração artificial. A relação
compressão ventilação-ventilação deve ser na proporção de 30 compressões para cada 2
ventilações (30:2) até a colocação de via aérea avançada.

Respiração artificial no adulto


Obtida a abertura da via aérea, deve ser feito o pinçamento das asas do nariz e
posteriormente duas insuflações seguidas (chamadas “ventilações de resgate”, que expandem
os pulmões). Após esse procedimento, passa-se a realizar movimentos de inspiração. Cada
movimento deve durar 1 segundo. Cuidar com ventilações rápidas, já que podem fazer distensão
gástrica. Também evitar ventilações superpostas.

Para verificar eficiência da respiração deve-se observar:


• Elevação e abaixamento do tórax
• Sentir na sua própria via aérea a resistência e elasticidade dos pulmões da vítima
quando se expandem
• Ouvir e sentir a exalação do ar na expiração

Respiração artificial em crianças e lactentes


Fazer duas insuflações iniciais o suficiente para expandir os pulmões. Usar respirações
mais curtas que as usadas em adultos. Em recém-natos e crianças pré-escolares pode ser feita
a respiração boca a boca e nariz.

7. TRAUMA TORÁCICO E DRENO DE TÓRAX


Ana Cláudia Marchi Barros e Karla Schoen
O trauma torácico é uma importante causa de mortalidade, sendo que muitas destas
podem ser evitadas com medidas diagnósticas e terapêuticas imediatas. Menos de 10% dos
traumas contusos e somente 15 a 30% dos penetrantes exigem a realização de toracotomia, a
maioria dos casos necessita somente de procedimentos técnicos simples para a resolução do
quadro.
O paciente vítima deste tipo de trauma, frequentemente, apresenta alterações
metabólicas: hipóxia, que ocorre como consequência da alteração na ventilação/perfusão
pulmonar por lesões diretas no pulmão (contusão, hematoma, colapso alveolar, etc), por
alterações pressóricas intratorácicas (pneumotórax aberto, pneumotórax hipertensivo) e por
hipovolemia; hipercapnia, que decorre de ventilação inadequada e rebaixamento do nível de
consciência; e também acidose metabólica, que tem como causa a hipoperfusão tecidual
(choque).
O atendimento inicial do paciente com trauma em tórax consiste em:

• Avaliação primária
• Normalização dos sinais vitais
• Avaliação secundária pormenorizada
• Tratamento definitivo

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA: LESÕES TORÁCICAS COM RISCO DE MORTE:

O exame do paciente com trauma torácico segue a ordem normal de atendimento ao paciente
politraumatizado, e os problemas críticos devem ser corrigidos à medida que são identificados.
As lesões que devem ser tratadas neste momento são:

1) Obstrução de vias aéreas 4) Tórax instável e contusão


pulmonar
2) Pneumotórax hipertensivo
5) Hemotórax maciço
3) Pneumotórax aberto 6) Tamponamento cardíaco

OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS

Para analisar a permeabilidade da via aérea e o fluxo de ar, deve-se ouvir os


movimentos do ar do nariz, da boca e dos campos pulmonares, inspecionar a orofaringe à
procura de corpos estranhos e observar a presença de tiragem intercostal e/ou supraclavicular.
Grandes traumas de tórax podem ocasionar lesões de laringe, o que pode levar à
obstrução aguda de vias aéreas, quadro este potencialmente fatal. Lesões traumáticas na parte
superior do tórax, algumas vezes, ocasionam luxação posterior da cabeça da clavícula,
causando obstrução de via aérea superior, tal situação deve ser suspeitada quando o paciente
apresenta estridor ou pela modificação acentuada de sua voz (quando este é capaz de
verbalizar). O tratamento consiste em reestabelecer a permeabilidade da via aérea, através da
intubação orotraqueal ou, quando esta não é possível de imediato por compressão importante
da traquéia, redução incruenta da luxação que está ocasionando o quadro obstrutivo.
Para a avaliação da ventilação, deve-se expor completamente pescoço e tórax do
paciente para que se avalie a respiração, as veias do pescoço e a posição da traquéia. Os
movimentos respiratórios e a ventilação devem ser avaliados por observação, palpação e
ausculta. Alterações no padrão respiratório como aumento da frequência e superficialidade são
evidências de lesões torácicas ou de hipóxia. A cianose é um sinal tardio, portanto, não é um
bom parâmetro a ser seguido no exame imediato do paciente.

PNEUMOTORAX HIPERTENSIVO
O pneumotórax hipertensivo ocorre quando existe um vazamento de ar, por
mecanismo de “válvula unidirecional”, para o espaço pleural, tanto do pulmão como da parede
torácica. O ar entra, mas não consegue sair, aumentando cada vez mais a pressão
intratorácica. Assim, o pulmão do lado acometido acaba colapsando e o mediastino é
deslocado para o lado oposto, o que diminui o retorno venoso e comprime o pulmão
contralateral.
A causa mais comum de pneumotórax hipertensivo é a ventilação mecânica com
pressão positiva em pacientes com lesão de pleura visceral. Além disso, pode ocorrer: como
complicação de um pneumotórax simples decorrente de lesão torácica no qual não ocorreu o
fechamento da lesão do parênquima pulmonar; após tentativas mal direcionadas de obtenção
de acesso venoso central; em conseqüência de lesões traumáticas de parede torácica ou
fraturas com grande desvio da coluna torácica.
O diagnóstico de pneumotórax hipertensivo é clínico e seu tratamento deve ser
imediato, não se deve esperar a confirmação radiológica. Os sinais clínicos são dor torácica,
dispnéia importante, taquicardia, hipotensão, desvio da traquéia, ausência unilateral de
murmúrio vesicular, distensão das veias do pescoço e cianose como manifestação tardia.
O pneumotórax hipertensivo pode ser confundido com o tamponamento cardíaco pela
semelhança entre os quadros clínicos. Para diferenciá-los há o hipertimpanismo à percussão
e a ausência do murmúrio vesicular no hemitórax afetado, presentes no pneumotórax
hipertensivo.
O tratamento é a descompressão imediata por meio da inserção de uma agulha de
grosso calibre no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular do hemitórax afetado
(toracocentese com agulha). Tal manobra transforma o pneumotórax hipertensivo em
pneumotórax simples. O tratamento definitivo geralmente consiste apenas na inserção de um
dreno de tórax.

Fonte: http://nonaenfermaria.blogspot.com/2009_05_01_archive.html

PNEUMOTÓRAX ABERTO (FERIDA TORÁCICA ASPIRATIVA)

Ferimentos penetrantes em tórax, principalmente aqueles em que o calibre da ferida é


de aproximadamente dois terços do calibre da traquéia, ocasionam um equilíbrio da pressão
intratorácica com a pressão atmosférica, com isto, o ar passa preferencialmente pela lesão na
parede torácica pois há menor resistência, prejudicando a ventilação efetiva e resultando em
hipóxia e hipercapnia.
O tratamento inicial deste tipo de lesão deve ser feito de imediato, com o uso de um
curativo quadrangular estéril, grande o suficiente, que cubra toda a extensão do ferimento
fixado por fita adesiva em três dos seus lados. Quando o paciente inspirar o curativo ocluirá
o ferimento e quando expirar o ar da cavidade pleural sairá pelo lado aberto do curativo fazendo
assim um mecanismo de válvula unidirecional. O curativo não deve ser ocluído nas 4 pontas,
pois causará um pneumotórax hipertensivo. Assim que possível, deve ser realizada a
drenagem de tórax deste paciente inserindo o tubo longe do ferimento, o qual deve ser fechado
cirurgicamente.

TÓRAX INSTÁVEL
O tórax instável, retalho costal móvel, ocorre quando há múltiplas fraturas de costelas
(duas ou mais em dois ou mais lugares) e consequente perda da continuidade óssea deste
segmento com o resto do tórax. As maiores repercussões do tórax instável decorrem da
contusão pulmonar subjacente. A hipóxia ocorre pela dor associada à lesão do parênquima
pulmonar e à restrição dos movimentos da caixa torácica.
Suspeita-se de tórax instável quando o paciente apresenta dificuldade respiratória,
movimentos torácicos assimétricos e descoordenados e crepitação em costelas. Uma
radiografia de tórax e uma gasometria arterial podem ajudar no diagnóstico.
O tratamento inicial consiste em: correção da hipoventilação, administração de
oxigênio umidificado e reposição volêmica. A terapia definitiva consiste em reexpandir o
pulmão, garantir uma boa oxigenação, administração de líquido cautelosa para evitar hiper-
hidratação e analgesia para melhorar a ventilação. O alívio da dor pode ser conseguido
utilizando-se analgésicos potentes ou vários métodos de administração de anestésicos locais
que incluem bloqueio intermitente do nervo intercostal, intra e extrapleurais ou anestesia
peridural. Uma boa analgesia pode evitar a necessidade de intubação. Em alguns casos, no
entanto, pode ser necessário intubação e ventilação, num primeiro momento, até que se
complete o diagnóstico de todas as lesões.

HEMOTÓRAX MACIÇO

O hemotórax maciço resulta de um rápido acúmulo de grande quantidade de sangue


livre, 1500 ml ou mais que 1/3 da volemia do paciente, na cavidade torácica. Os ferimentos
penetrantes constituem a principal causa de hemotórax maciço pois lesionam vasos sistêmicos
e/ou hílares. Traumas fechados também podem ser a causa, mas menos comumente.
Em alguns casos, ao exame inicial do paciente, as veias do pescoço se encontram
colapsadas decorrente da hipovolemia, porém, se houver um pneumotórax hipertensivo
concomitante podem estar distendidas. O quadro clínico do hemotórax maciço consiste na
presença de uma história compatível, presença de choque associado à ausência de
murmúrio vesicular e/ou macicez à percussão do hemitórax afetado.
O tratamento inicial é a reposição volêmica associada à descompressão da cavidade
torácica através da realização da drenagem de tórax. Quando há disponibilidade no serviço, a
coleta deste sangue retirado da cavidade pleural pode ser levada a um dispositivo que faça a
autotransfusão para este paciente. Nos casos em que, imediatamente após a inserção do
dreno, ocorrer a saída de aproximadamente 1500ml, muito provavelmente este doente
necessitará de uma toracotomia de urgência. A decisão não é baseada no volume de sangue
que continua drenando por hora (200ml/h nas primeiras 2 a 4 horas), mas sim no estado
hemodinâmico do paciente. Os pacientes que tiverem necessidade de transfusões sanguíneas
consecutivas também possuem indicação de toracotomia de urgência. A coloração do sangue
que sai pelo dreno de tórax (arterial ou venoso) não é um bom parâmetro para indicar ou não
a realização da toracotomia.
Os ferimentos penetrantes anteriores e mediais às linhas dos mamilos ou posteriores
e mediais às escápulas devem alertar o médico para a eventual necessidade de toracotomia,
pela possível lesão dos grandes vasos, estruturas hilares e do coração, com risco potencial de
tamponamento cardíaco.

TAMPONAMENTO CARDÍACO

O tamponamento cardíaco é o acúmulo de líquido (no caso do trauma, sangue) dentro


do saco pericárdico que, por ser de consistência fibrosa inelástica, restringe a atividade
cardíaca e interfere no enchimento cardíaco. É decorrente, mais comumente, de traumas
penetrantes, mas também pode ser consequencia de um trauma fechado.
O paciente com tamponamento cardíaco tem como sinal clínico clássico a Tríade de
Beck que consiste em: elevação da pressão venosa (ingurgitamento de jugulares), queda da
pressão arterial e abafamento de bulhas cardíacas. Pulso paradoxal e Sinal de Kussmaul
(aumento da pressão venosa na inspiração durante a respiração espontânea) também podem
sugerir tamponamento cardíaco. Os métodos diagnósticos incluem o ecocardiograma, o FAST
e a janela pericárdica (pericadiotomia após toracotomia de
emergência). O FAST (Focused assesment sonography in trauma) pode ser útil, quando feito
por profissional com bom treinamento, para o diagnóstico da presença de líquido no saco
pericárdico, mas só pode ser feito se não for implicar em atraso na reanimação do paciente.
Quando não é possível realizar a toracotomia de emergência, a pericardiocentese é
útil tanto para o diagnóstico quanto para estabilizar temporariamente estes pacientes antes do
tratamento definitivo no centro cirúrgico. No entanto, ela perde seu valor quando o sangue no
saco pericárdico estiver coagulado. Nos casos em que há suspeita de tamponamento cardíaco
não é contraindicação a reposição volêmica, visto que tal medida melhora o débito cardíaco do
paciente.

TORACOTOMIA DE REANIMAÇÃO

A massagem externa convencional em caso de parada cardíaca ou atividade elétrica


sem pulso não é eficiente em doentes hipovolêmicos. Por isso, nos casos em que o paciente
é vítima de traumatismo penetrante em tórax, está sem pulso, porém ainda mantém atividade
elétrica miocárdica (AESP – atividade elétrica sem pulso), deve-se considerar a toracotomia
na sala de emergência. O acesso usado para tal procedimento é anterior esquerdo. A
restauração do volume intravascular deve ser continuada e é essencial que se proceda à
intubação endotraqueal e à ventilação mecânica.
Não se deve realizar qualquer esforço para a reanimação de pacientes que não
apresentem nenhum sinal de vida e sem nenhuma atividade elétrica cardíaca. Pacientes
vítimas de trauma fechado, que chegam sem pulso, mas com atividade elétrica miocárdica não
são candidatos à toracotomia de reanimação. As manobras terapêuticas que podem ser
efetuadas durante esse procedimento são:

• Evacuação do sangue no saco pericárdico (causador do tamponamento cardíaco);


• Controle de hemorragia intratorácica exsanguinante;
• Massagem cardíaca aberta;
• Clampeamento da aorta descendente para controle de sangramentos baixos.

Raramente a toracorotomia na sala de emergência é eficiente em pacientes que sofreram


trauma contuso e parada cardíaca.

AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA: LESÕES COM RISCO DE VIDA

Após a avaliação primária e realização das medidas necessárias para o tratamento


das lesões previamente descritas ou de outras que impliquem em risco imediato para a vida,
deve-se iniciar a avaliação secundária do paciente vítima de trauma torácico.
A avaliação secundária inclui: exame físico adicional mais completo, radiografia de
tórax antero-posterior (AP), gasometria arterial, oximetria de pulso e eletrocardiograma. Neste
momento do atendimento ao paciente com trauma de tórax, deve-se ficar atento para lesões
que frequentemente não são óbvias ao exame físico no exame primário, o diagnóstico requer
alto índice de suspeita e a utilização de exames complementares. São elas:

1. Pneumotórax simples 5. Traumatismo cardíaco contuso


2. Hemotórax 6. Ruptura traumática da aorta
3. Contusão pulmonar 7. Lesão traumática do diafragma
4. Lesões da árvore 8. Ruptura esofágica no
traqueobrônquica traumatismo fechado

Pneumotórax simples

O pneumotórax simples resulta do acúmulo de ar entre a pleura visceral e parietal, isso


faz com que a adesão entre as pleuras visceral e parietal deixe de existir, permitindo o colapso
pulmonar, o que resulta em alterações na ventilação/perfusão. Ele pode ser decorrente tanto
de trauma fechado quanto penetrante. A laceração pulmonar e a fratura- luxação de coluna
torácica podem desencadear tal quadro.
Suspeita-se de pneumotórax quando o paciente possui história condizente, diminuição
de murmúrio vesicular no lado afetado e hipertimpanismo à percussão. A radiografia de tórax
AP pode auxiliar no diagnóstico.
O tratamento é feito com drenagem torácica fechada em selo d’água do lado
acometido. Feito o dreno, deve-se repetir o exame radiográfico de tórax para confirmar a
posição do dreno e a reexpansão pulmonar.
Deve-se sempre estar atento para que um pneumotórax simples não venha a se
transformar em pneumotórax hipertensivo. Os doentes que necessitem de transporte e os que
necessitam ser submetidos à anestesia geral ou ventilação com pressão positiva devem ser
drenados previamente, pelo risco que apresentam de ocorrer esta transformação do quadro.

Hemotórax

O acúmulo de sangue na cavidade pleural (menos de 1500ml) pode ser causado por
laceração pulmonar, ruptura de vaso intercostal ou ruptura da artéria mamária interna, os
mecanismos podem ser tanto contuso quanto penetrante. As fraturas/luxações de coluna
torácica também podem levar a hemotórax.
Normalmente, esse tipo de sangramento tende a ser autolimitado e não necessita de
tratamento cirúrgico, porém quando este é visível na radiografia de tórax deve ser tratado com
drenagem torácica. Este dreno além de remover o sangue retido no espaço pleural e diminuir
o risco de formação de coágulos, também serve para monitorar a hemorragia torácica. A
exploração cirúrgica deve ser considerada sempre que a drenagem inicial for maior que 1500
ml de sangue, ocorra drenagem de mais de 200 ml/hora durante 2 a 4 horas ou quando se
torne necessária a transfusão contínua de sangue. Deve-se atentar que um hemotórax simples,
se não for evacuado adequadamente, pode se transformar em um hemotórax coagulado e
retido resultando em encarceramento pulmonar ou, se infectado, em empiema.

Contusão Pulmonar

Dentre as lesões torácicas potencialmente letais, esta é a mais comum. Em jovens


com as costelas completamente ossificadas, pode ocorrer contusão pulmonar sem fratura de
costelas ou tórax instável.
A insuficiência respiratória pode ocorrer progressivamente, por isso os doentes com
contusão pulmonar apresentando hipóxia significativa (SaO2 <90% ou PaO2<65mmHg) ou
com comorbidades associadas (DPOC, insuficiência renal, etc.) devem ser intubados e
ventilados já na primeira hora após o trauma. Todos os doentes com este tipo de injúria devem
ser monitorados com oximetria de pulso, gasometria arterial e eletrocardiograma.

Lesão da árvore traqueobrônquica

É a lesão da traquéia ou de um brônquio principal. É pouco comum, mas apresenta


alta mortalidade e frequentemente não é diagnosticada no exame inicial. Grande parte das
vítimas deste tipo de traumatismo morre logo após o acidente, antes de haver o socorro. Nos
traumas fechados, o local mais comum de acometimento é próximo à carina.
As manifestações clínicas são: hemoptise, enfisema subcutâneo, pneumotórax com
grande escape de ar pelo dreno e pneumotórax hipertensivo com desvio do mediastino. O
diagnóstico destas lesões é confirmado com a broncoscopia.
Em alguns casos, faz-se necessário mais de um dreno de tórax para vencer o débito
da fístula gerada pela lesão. Outra manobra que em alguns casos pode ser utilizada é a
intubação seletiva do brônquio-fonte do lado oposto à lesão. A indicação de quando corrigir a
lesão cirurgicamente varia de acordo com o estado do paciente, quando possível pode ser
postergado até a resolução do processo inflamatório agudo e do edema local.

Contusão cardíaca
O trauma cardíaco contuso pode resultar em contusão do miocárdio, ruptura de
câmaras cardíacas, dissecção e/ou trombose das artérias coronárias ou laceração valvular.
Quando há ruptura de câmara, o paciente apresentará um quadro de tamponamento cardíaco,
que deve ser reconhecido durante a avaliação primária. Esse quadro pode ser de evolução
mais lenta quando se trata de ruptura atrial, o FAST pode facilitar o diagnóstico.
Os pacientes se queixam de desconforto torácico. Anormalidades de condução, de
motilidade e queda na pressão arterial são consequências comuns da contusão miocárdica,
que só pode ter seu diagnóstico confirmado através da inspeção direta do miocárdio.
Os doentes com trauma cardíaco devem ser monitorados pelo menos nas primeiras
24 horas após o trauma, pelo risco que apresentam de desenvolver arritmias. O tratamento da
ruptura das câmaras cardíacas é a sutura do local afetado com acesso por toracotomia.
Sempre se deve atentar para o fato de que a lesão cardíaca pode ter sido a causadora do
traumatismo e não ocasionada por este.
Ruptura traumática da aorta
Nas colisões automobilísticas e nas quedas de grandes alturas, a ruptura de aorta é a
causa mais comum de morte súbita. Os doentes com lesão aórtica passíveis de tratamento
geralmente apresentam ruptura incompleta próxima ao ligamento arterioso. Alguns doentes
tendem a manter, mesmo que temporariamente, uma estabilidade hemodinâmica decorrente
do hematoma mediastinal gerado pela lesão ou pela manutenção da integridade da camada
adventícia, pois estes impedem um maior escape de sangue.
As lesões da aorta na porção de dentro do hemitórax esquerdo causam hipotensão
importante e geralmente evoluem para óbito, exceto nos casos em que ocorra prontamente a
exploração cirúrgica e a identificação da lesão. Os sinais clínicos dos pacientes com ruptura
de aorta geralmente são inespecíficos. Portanto, os principais meios para se chegar ao
diagnóstico são a história sugestiva de um trauma por desaceleração e os achados
característicos na radiografia simples de tórax e na arteriografia. Abaixo, estão os 12 principais
achados radiológicos sugestivos de lesões em grandes vasos do tórax:

• Alargamento do mediastino; • Desvio do esôfago (visualizado


pela sonda nasogástrica) para a
• Cajado aórtico apagado; direita;
• Desvio da traquéia para a direita; • Alargamento da faixa
paratraqueal;
• Apagamento do espaço entre a
artéria pulmonar e a aorta • Alargamento das interfaces para-
(apagamento da janela da artéria espinhais;
pulmonar);
• Presença de um derrame
• Rebaixamento do brônquio-fonte extrapleural, apical ou não;
principal esquerdo;
• Hemotórax à esquerda;
• Elevação do brônquio-fonte
principal direito; • Fratura do primeiro e segundo
arcos costais ou da escápula.

Raramente, não é identificado nenhum achado radiográfico quando há lesão de


grandes vasos (ocorre em 1 a 2% dos casos somente). A tomografia computadorizada
helicoidal é considerada o método diagnóstico padrão-ouro, quando o paciente está
hemodinamicamente estável e os achados radiológicos não são confiáveis. Quando os
resultados são equivocados, deve ser realizada uma aortografia. A ecocardiografia
transesofágica também é bastante útil e menos invasiva. O tratamento é a sutura primária da
aorta ou a colocação de enxerto pós-ressecção do seguimento afetado, técnicas de reparo
endovascular estão se tornando rapidamente uma alternativa na abordagem para reparo
cirúrgico nas lesões contusas da aorta.

Ruptura traumática do diafragma


As rupturas traumáticas do diafragma podem ocorrer tanto por trauma contuso quanto
por penetrante, a diferença entre elas é que, no primeiro caso, a laceração é geralmente grande
e radial, ocorrendo de imediato herniação de estômago e/ou intestino e, na segunda a lesão,
é uma perfuração pequena, podendo levar até anos para acarretar hérnias diafragmáticas.
As rupturas no lado direito são menos comuns e de diagnóstico mais difícil pela
presença do fígado, sendo a elevação da hemicúpula diafragmática direita um achado
sugestivo no estudo radiográfico. As lesões à esquerda são facilmente diagnosticadas pela
presença de estômago, alças ou pela identificação da sonda nasogástrica na cavidade torácica
na radiografia de tórax. Se o diagnóstico não estiver claro, deve-se realizar um estudo
contrastado do trato gastrointestinal. A toracoscopia e a laparoscopia podem ser úteis na
avaliação do diafragma quando persiste a dúvida diagnóstica.
Frequentemente, as lesões diafragmáticas são diagnosticadas durante o ato cirúrgico
para corrigir outra lesão associada e o tratamento é a sutura primária.

Ruptura do esôfago por traumatismo fechado

Embora o mais comum seja a ruptura esofágica por trauma penetrante, pode ocorrer
também por lesão contusa, uma situação potencialmente fatal. A principal causa é a expulsão
forçada de conteúdo gástrico, por golpe forte em abdome superior, para o esôfago, o que gera
lacerações lineares em esôfago inferior com extravasamento de conteúdo para o mediastino
gerando uma mediastinite que pode evoluir para empiema, se esta invadir o espaço pleural.
Deve-se considerar uma possível lesão esofágica quando o doente: apresentar
pneumotórax ou hemotórax à esquerda sem fraturas de costela; for vítima de golpe em região
esternal inferior ou no epigástrio e eliminar material suspeito através do dreno de tórax. A
presença de ar no mediastino também sugere o diagnóstico que, frequentemente, pode ser
confirmado por estudos contrastados e/ou esofagoscopia.
O tratamento dessas lesões é a drenagem do espaço pleural e do mediastino seguido
de sutura primária da lesão por toracotomia.

OUTRAS MANIFESTAÇÕES DE LESÕES TORÁCICAS:

As lesões discutidas abaixo não implicam em risco imediato ao paciente que as possui,
porém podem causar prejuízos à saúde do doente ou podem sinalizar para outras lesões mais
graves associadas.

Enfisema subcutâneo

Algumas lesões de vias aéreas, pulmonares ou até mesmo explosões, podem gerar
um acúmulo de ar no tecido subcutâneo do paciente, este acúmulo é chamado de enfisema
subcutâneo. Este achado não necessita de tratamento, porém as lesões associadas devem
ser investigadas.

Lesões torácicas por esmagamento

As lesões associadas incluem: pletora em tórax, face e membros superiores e


petéquias secundárias à compressão aguda e transitória da veia cava superior. Podem estar
presentes edema maciço e até mesmo edema cerebral. As lesões subjacentes devem ser
tratadas.

Fraturas de costelas, esterno e escápulas

As lesões de costelas são clinicamente significantes, uma vez que a dor que geram
causa restrição dos movimentos respiratórios prejudicando a ventilação, a oxigenação e a
tosse. Suspeita-se de tal lesão quando há mecanismo compatível, dor localizadas, piora da dor
à palpação, crepitação e deformidade visível ou palpável no tórax. A radiografia de tórax deve
ser pedida para avaliação de possíveis lesões intratorácicas e não só para avaliar as fraturas
dos arcos costais.
As fraturas de escápula e da primeira e segunda costela ou do esterno sugerem uma lesão
traumática de magnitude tal a colocar em risco outros segmentos, como a cabeça, o pescoço,
a medula espinhal, os pulmões e os grandes vasos.
As fraturas de esterno e escápulas, geralmente, são ocasionadas por impacto direto,
podendo estar relacionadas com contusão pulmonar. Nos casos de lesão esternal, sempre se
deve cogitar a hipótese de acometimento cardíaco.
Um fato raro, porém grave, que pode vir a ocorrer é a luxação posterior da articulação
esterno-clavicular com deslocamento da clavícula para dentro do mediastino, obstruindo a veia
cava superior, este trauma requer redução imediata.
Ataduras, cintos costais e fixações externas são contraindicados. O alívio da dor é
importante para permitir uma ventilação adequada.

DRENO DE TÓRAX
Geralmente, utiliza-se o sistema de drenagem com 1 frasco, como frasco coletor (tubo
dentro do frasco conectado ao tubo externo inserido na cavidade pleural e mergulhado
aproximadamente 2 cm na coluna liquida, o selo d’água). Em situações de grande saída de
líquido da cavidade pleural, pode-se optar pelo sistema coletor com 2 frascos, sendo um para
a coleta e outro como sistema de selo d’água. Quando a expansão pulmonar não é adequada,
apesar do dreno, pode-se utilizar um sistema de aspiração contínua da cavidade pleural,
criando pressão negativa no interior da cavidade de um frasco regulador.

INDICAÇÕES

Dentre as indicações, podemos citar: pneumotórax simples, pneumotórax espontâneo


(principalmente na ocorrência de um segundo evento, com necessidade de drenagem +
tratamento cirúrgico, de forma a evitar terceira ocorrência), pneumotórax hipertensivo
(posteriormente à toracocentese de alívio em 2º EIC), hemotórax simples, hemotórax maciço,
derrames pleurais (transudatos ou exsudatos, principalmente pela maior necessidade de
investigação neste último), quilotórax, empiema (coleção purulenta na cavidade pleural, com
evolução de uma fase exsudativa livre para a criação de aderências e, até mesmo,
encarceramento pulmonar) e drenagem profilática (a exemplo, nos pacientes que serão
submetidos a ventilação mecânica sob pressão positiva, de forma a evitar a criação de
pneumotórax hipertensivo).

TÉCNICA

O local de inserção depende da indicação do pneumotórax: a exemplo, no


pneumotórax espontâneo, no 2º EIC, linha hemiclavicular, ou, quando há coleção líquida ou
nível hidroaéreo livre, no 5º EIC, linha axilar média. No trauma, como definido pelo ATLS, a
inserção tanto para pneumotórax quanto para hemotórax é feito em 5º EIC, entre as linhas
axilares anterior e média. É feita anestesia local com lidocaína e feita incisão de
aproximadamente 2 cm, paralela aos arcos costais, imediatamente acima da margem superior
da costela inferior (evitando lesão do feixe neurovascular). Incisa-se, posteriormente, a fáscia
da musculatura. Com auxílio de pinças (como a Kelly), é feita a divulsão dos tecidos, acessando
a cavidade pleural. Segue-se com a exploração digital, verificando se há aderências e, se
possível, desfazendo-as. O dreno, pinçado (Kelly), é introduzido superiormente e
posteriormente, com posição póstero-superior (de forma a drenar ar e líquido). Após a conexão
do dreno ao sistema, deve haver oscilação na coluna líquida. A fixação do dreno à pele é
realizada com ponto em “U” e nó “em bailarina”, com fio inabsorvível, abraçando o dreno, sem
transfixa-lo. É feito curativo sobre a ferida.

CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIO
• Cuidados gerais da ferida.
• Troca do líquido do frasco: no mínimo, uma vez ao dia (pinçando o dreno,
desconectando a tampa e esvaziando).
• Controle da drenagem: volume drenado por unidade de tempo e aspecto do líquido.
• Radiografia de tórax para avaliar o posicionamento do tubo e reexpansão pulmonar.
• Retirada do dreno: 12-24h após cessada a fuga aérea; drenagem líquida menor que
150 ml/24 horas; resolução da intercorrência pleural (tempo máximo de 10 dias);
pulmão completamente expandido. Na retirada, o fio usado para a fixação serve para
a oclusão da ferida, sendo útil solicitar ao paciente que faça a manobra de Valsalva,
impedindo a entrada de ar pelo orifício do dreno.

COMPLICAÇÕES

• Localização incorreta do dreno (no subcutâneo ou na musculatura).


• Contaminação da pleura, com infecção, por exemplo, empiema pleural.
• Lesão acidental de vísceras torácicas ou pulmonares adjacentes.
• Hemorragia significativa por lesão de vasos intercostais (inclusive por exploração
digital).
• Lesão de nervo intercostal, resultando em neurite ou nevralgia.
• Retirada incorreta (por exemplo, pedindo para o paciente inspirar na retirada).

8. TRAUMA ABDOMINAL
Samia Talise El Horr de Moraes
A avaliação abdominal ainda é um desafio no paciente politraumatizado. Para evitar
que passem despercebidas lesões obscuras intra-abdominais, é essencial analisar o
mecanismo do trauma. O trauma abdominal pode ser fechado (contuso) ou aberto
(penetrante). Também devem ser lembradas as causas potenciais de lesão intra-abdominal:
qualquer lesão entre o mamilo e o períneo. Qualquer paciente com trauma abdominal
significativo deve-se considerar que tenha lesão vascular ou de víscera abdominal, pois mesmo
grandes quantidades de sangue na cavidade podem não alterar as dimensões abdominais e
também não causar sinais de peritonite, ou seja, não serem identificados no exame físico.
O mecanismo do trauma pode ser descoberto com a equipe de atendimento pré-
hospitalar, com a família, com o próprio paciente (quando consciente) ou com qualquer outro
informante disponível no local. Então, comecemos a avaliar os diferentes mecanismos do
trauma em seus principais dois grandes grupos.

TRAUMA ABDOMINAL FECHADO

Pode ser a causa de compressão, esmagamento ou ruptura de vísceras abdominais,


nesse último caso, gerando, secundariamente, hemorragia e peritonite. Além desses, podem
haver também lesões por desaceleração, como as lesões de fígado e de baço (órgãos móveis)
nos locais de inserção de seus ligamentos de suporte (estruturas fixas). Os dispositivos de
segurança não isentam de lesões intra-abdominais a vítima. Por exemplo, cintos abdominais
causam lesões por compressão e hiperflexão (p.e. lesão pancreática e duodenal, ruptura de
delgado e de colo e fraturas de vértebras lombares), cintos de três pontos causam lesões por
escorregamento e compressão (p.e. contusão pulmonar, fraturas de costelas, ruptura de
vísceras do abdome superior) e “air bag” causa lesões por contato, desaceleração, flexão e
hiperextensão (p.e. abrasão de córneas, face, pescoço e tórax, ruptura cardíaca e fratura de
coluna cervical ou torácica).

TRAUMA PENETRANTE

Pode ocorrer por arma branca e projéteis de baixa velocidade (causando lesão por
corte ou por laceração) ou por projéteis de alta velocidade (provocando uma cavitação
temporária, maior lesão ao redor do trajeto). As lesões por arma de fogo são geralmente em
maior número devido ao ricocheteamento de estruturas ósseas, à formação de projéteis
secundários, à maior extensão da trajetória intracorporal e à grande energia cinética do projétil.
Os explosivos provocam uma combinação de ferimentos contusos e penetrantes.

CHOQUE

Pode ser decorrente de um ferimento intra-abdominal. Se o paciente estiver


hemodinamicamente estável, poderá ser submetido a uma avaliação mais detalhada,
buscando sinais de hemorragia ou de peritonite, que podem aparecer tardiamente.

HISTÓRIA

Deve-se levar em conta o tipo de trauma sofrido: um acidente automobilístico,


pergunta-se quanto à velocidade do veículo, ao tipo de colisão, à intrusão de partes do veículo,
às medidas de proteção utilizadas, ao assento ocupado pelo paciente e às condições dos
demais envolvidos no acidente; em traumatismos penetrantes, é importante saber quanto ao
momento da agressão, o tipo de arma, a distância entre a vítima e o assaltante, o número de
facadas ou tiros; e ter em mente que, em explosões, aumenta o número de lesões à medida
que diminui a distância.

EXAME FÍSICO
Deve-se seguir a sequência padrão (inspeção, ausculta, percussão e palpação).
Avaliar a presença de ruídos hidroaéreos (ausência: íleo paralítico por hemoperitôneo ou
conteúdo gastrointestinal na cavidade ou até lesões extra-abdominais). Procurar sempre por
sinais de peritonite (sempre evitando dor desnecessária ao paciente), tais como percussão
dolorosa (por causar leve deslocamento de peritônio), dor à descompressão brusca e defesa
involuntária.
A palpação pode alertar para a existência de um útero gravídico. Lembrar que a
hipotermina contribui para a coagulopatia e hemorragia contínua. Assim, após despir o
paciente e examiná-lo cuidadosamente, é importante cobri-lo com cobertores para evitar a
hipotermia.

MEDIDAS AUXILIARES E EXAMES COMPLEMENTARES

Após feito o diagnóstico e resolvidos os problemas até então existentes, podem ser
usadas medidas auxiliares na fase de reanimação, como: sondas nasogástricas (para aliviar
dilatações agudas e descomprimir o estômago, eliminando riscos de aspiração de conteúdos
gástricos), orogástricas (quando contraindicadas as nasogástricas – fraturas faciais graves e
suspeita de fraturas de base de crânio), urinárias (para aliviar a retenção urinária, descomprimir
a bexiga e monitorar o débito urinário como índice de perfusão tecidual) ou até um cateter
suprapúbico (quando contraindicada a sonda vesical – lesões uretrais). Outros exames podem
ser úteis desde que não retardem a transferência do paciente para o tratamento definitivo.
Raio-X de tórax AP e de pelve são recomendados em trauma fechado multissistêmico.
Já no paciente vítima de trauma penetrante e instável hemodinamicamente, não se faz
necessário o exame radiológico de rotina. Ao paciente estável hemodinamicamente, com
trauma penetrante acima do umbigo ou com suspeita de lesão toracoabdominal pode-se
solicitar um raio-X de tórax em ortostase para excluir ou diagnosticar hemo ou pneumotórax e
até pneumoperitônio. Nesse caso ou em qualquer outro caso em que o paciente esteja
hemodinamicamente estável, o raio-X em posição supina poderia detectar ar em retroperitônio
ou mesmo determinar o trajeto de um projétil.
Para identificar hemorragia ou suspeita de lesão em víscera oca, podem ser usados o
FAST (avaliação ultrassonográfica direcionada ao trauma), o LPD (lavado peritoneal
diagnóstico) e a TC (tomografia computadorizada). FAST é um exame ecográfico, feito à beira
do leito, avalia o saco pericárdico, o espaço hepatorrenal, o espaço esplenorrenal, e da
pelve ou do Fundo de Saco de Douglas. Em pacientes estáveis com FAST positivo, pode
ser feita uma TC, enquanto em pacientes instáveis hemodinamicamente com FAST positivo,
está indicada laparotomia exploradora. Importante ressaltar a sua baixa sensibilidade quando
o valor de líquido livre na cavidade for inferior a 500mL.
A LPD positiva é indicação imediata de laparotomia exploradora, também permitindo
a realização de TC prévia à cirurgia se o paciente estiver estável. Consiste na colocação de
um cateter de diálise peritoneal na cavidade abdominal, através de pequena incisão infra-
umbilical, sob visão direta. Durante a aspiração inicial, devemos infundir 1000mL de soro
fisiológico aquecido. Procedem-se as manobras de lavagem e aspira-se um mínimo de 20mL
de líquido, que deve ser analisado laboratorialmente. A LPD é dita positiva quando na
presença de mais de 100.000 hemácias/mL, mais de 500 leucócitos/mL, amilase acima
de 75UI/L ou pesquisa positiva para bile ou fibras alimentares. Esse exame deve ser usado
em casos de modificação de consciência, modificações na sensibilidade, lesões de estruturas
adjacentes, achados duvidosos ao exame físico, previsão de longa perda de contato com o
doente e sinal do cinto de segurança. A única contraindicação de LPD é a indicação
estabelecida de laparotomia exploradora.
Tanto o FAST como a LPD podem ser feitos diante de instabilidade hemodinâmica. Já
a TC exige estabilidade hemodinâmica e transferência do doente. Porém, mostra lesões em
órgãos específicos, lesões de órgãos retroperitoneais e pélvicos. Algumas lesões
gastrointestinais, diafragmáticas e pancreáticas podem não ser diagnosticadas na TC. Sendo
assim, TC normal de abdômen, mas com presença de líquido livre na cavidade é sugestiva de
que há sim lesões e muitos cirurgiões indicam laparotomia precoce.
Estudos contrastados: uretrografia antes da sonda vesical na suspeita de ruptura de
uretra, cistografia para melhor identificar ruptura de bexiga intra ou extraperitoneal, uretrografia
excretora na falta de tomografia para diagnosticar lesão do sistema urinário.
Comparação entre LPD, FAST e TC no Trauma Abdominal Fechado
LPD FAST TC
Vantagens Diagnóstico precoce Diagnóstico precoce Mais específico para
Realização rápida Não invasivo definir lesões
Sensib: 98% Realização rápida Sensib: 92 a 98%
Detecta lesão intestinal Repetível
Desvantagens Invasivo Operador dependente Custo e tempo
Especificidade baixa Distorção da imagem por Pode não diagnosticar
Não diagnostica lesão de meteorismo e enfisema lesões do diafragma,
diafragma e retroperitônio subcutâneo intestino e algumas
Pode não diagnosticar lesões pancreáticas
lesões do diafragma, do Transporte necessário
intestio, do pâncreas e de
órgãos sólidos

Em trauma penetrante, dispõe-se inicialmente de exploração local do ferimento e de


exame físico seriado. A LPD e a TC podem ajudar em ferimento em parede abdominal anterior
por arma branca. TC com duplo ou triplo contraste auxilia em ferimentos de flanco e dorso.
Pela possibilidade de lesões diafragmáticas tardias, sugere-se que lesões por arma branca na
região toracoabdominal esquerda sejam tratadas com laparotomia imediata, sendo esta
mandatória nos casos de lesões por arma de fogo nessa mesma região.
A laparotomia está indicada nos casos de: trauma abdominal com hipotensão com
FAST positivo ou evidência clínica de hemorragia intraperitoneal, trauma abdominal fechado
com LPD positiva, hipotensão associada a ferimento penetrante do abdome, ferimentos por
arma de fogo que atravessam a cavidade peritoneal ou o compartimento visceral/vascular do
retroperitôneo, evisceração, hemorragia vindo do estômago, do reto ou do trato genitourinário
resultante de lesão penetrante, peritonite, ar livre, ar retroperitoneal ou ruptura do
hemidiafragma após trauma fechado, revelação pela TC contrastada de lesão gastrointestinal,
lesão intraperitoneal da bexiga, lesão de pedículo renal ou lesão parenquimatosa grave após
trauma fechado ou penetrante.
Dentre os diagnósticos específicos, temos:

• LESÕES DIAFRAGMÁTICAS: lado esquerdo é mais acometido, lesão típica ocorre na


porção posterolateral do hemidiafragma esquerdo de 5-10cm, sinais no raio-x do tórax são:
elevação ou “borramento” do hemidiafragma, hemotórax, apagamento da imagem do
diafragma por sombra gasosa ou presença de sonda gástrica no tórax;
• LESÕES DUODENAIS: clássica em motoristas sem cinto de segurança e cujo veículo
sofreu colisão frontal ou em pacientes que receberam golpe direto no abdome, sinais
sugestivos: sangue no conteúdo gástrico, presença de enfisema retroperitoneal no RX ou
na TC;
• LESÕES PANCREÁTICAS: nem níveis normais precoces de amilase, nem TC de duplo
contraste sem alterações até 8h afastam lesão pancreática;
• LESÕES GENITOURINÁRIA S:pesquisar hematúria macro ou microscópica em pacientes
com ferida abdominal penetrante, hipotensão sistólica após trauma abdominal fechado ou
lesões intra-abdominais associadas a trauma fechado;
• LESÕES DE INTESTINO DELGADO: desaceleração brusca, procurar se sinal do cinto de
segurança ou se fratura de Chance ao raio-X;
• LESÕES DE ÓRGÃOS SÓLIDOS: lesões de fígado, baço e rim com instabilidade
hemodinâmica são indicações de laparotomia de urgência, mas, se paciente estável, o
tratamento pode ser conservador.

TRATAMENTO CONSERVADOR
Para adotar uma conduta conservadora, dois aspectos são fundamentais: ausência de
sinais de peritonite ao exame físico e estabilidade hemodinâmica (que, quando ausente e
excluídas outras causas de choque, é indicação absoluta de laparotomia). O principal
determinante do sucesso deste tipo de conduta é o acompanhamento clínico constante e
horizontal do paciente, por meio de exames físicos seriados, por equipe médica habituada e
entrosada no atendimento a politraumatizados.

TRAUMA CONTUSO

Hemodinamicamente Hemodinamicamente

Trauma Trauma
Múltiplo

Hemodinamicamente
*Se ferimento na transição toracoabdominal e paciente assintomático, com possíveis lesões
de diafragma ou vísceras do andar superior do abdome, tem-se como opções diagnósticas
desde a reavaliação do exame físico e radiografia até toracoscopia, laparoscopia e TC.

9. TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
Rodrigo Krieger Martins
INTRODUÇÃO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) está entre os tipos de lesão mais


frequentemente vistos nos serviços de emergência de todo o mundo, atingindo nos EUA,
aproximadamente, 01 milhão de pessoas por ano. Cerca de 90% das mortes pré- hospitalares
relacionadas ao trauma envolvem lesão cerebral. Dentre todos os TCEs atendidos em
hospitais, cerca de 70% são classificados como leves, 15% como moderados e 15% como
graves, podendo cursar com diferentes graus de sequelas. Portanto, mesmo uma leve
diminuição na morbi-mortalidade causada por TCE, teria impacto na saúde pública.
Após um atendimento inicial de um doente com TCE, um neurocirurgião deve ser consultado,
constando as seguintes informações:

• Idade do paciente, mecanismo e tempo decorrido do trauma;


• Condição ventilatória e cardiovascular (PA e SatO2), constando possível tratamento de
hipotensão e hipóxia;
• Escala de coma de Glasgow e tamanho das pupilas, com resposta à luz;
• Presença de lesões associadas;
• Resultados de exames diagnósticos complementares.

É de se lembrar que a transferência de um paciente a um serviço especializado não


deve ser retardada para a realização de exames de imagem ou outros exames diagnósticos;

ANATOMIA

O couro cabeludo reveste a calota craniana, sendo este constituído por cinco camadas:
pele, tecido conjuntivo, gálea aponeurótica, tecido areolar frouxo e o pericrânio. Por ser muito
irrigado, grandes lacerações do couro cabeludo podem levar a significativas perdas
sanguíneas, principalmente em crianças e bebês.
O crânio é constituído pela calota craniana e pela base. A base do crânio é um território
irregular o que, em movimentos bruscos de aceleração e desaceleração, favorece a ocorrência
de lesões cerebrais.
O cérebro é revestido por três meninges: dura-máter, aracnóide e pia-máter. A dura-
máter é a mais externa e resistente delas, em contato direto com o crânio, dividindo-se em dois
folhetos em algumas regiões, formando os seios venosos que drenam a maior parte do retorno
venoso cerebral. Vale ressaltar que entre a dura-máter e a face interna do crânio correm as
artérias meníngeas que, caso rompidas, desenvolve o hematoma epidural. Abaixo da dura-
máter está a aracnóide, fina e transparente, formando entre ela e a dura-máter o espaço
subdural, por onde trafegam as veias em ponte, que podem ser rompidas após um trauma
formando um hematoma subdural. A meninge mais interna é a pia-máter, que reveste o SNC.
Entre esta e a aracnóide tem-se o espaço subaracnóideo, preenchido pelo liquor (LCR). Lesões
como contusão cerebral ou que envolvam vasos da base do encéfalo podem cursar com
hemorragia subaracnoidea.

FISIOLOGIA

A fisiologia relacionada ao TCE incluem a pressão intracraniana (PIC), Doutrina Monro-


Kellie e fluxo sanguíneo cerebral (FSC). Diferentes tipos de lesão no cérebro podem aumentar
a PIC. O aumento dessa pressão pode, a partir de certo ponto, reduzir a perfusão cerebral e
levar a um quadro isquêmico. A PIC normal é cerca de 10mmHg, podendo atingir 40mmHg em
casos graves de hipertensão intracraniana.
Em casos de aumento da PIC, há mecanismos compensatórios (Doutrina Monro-
Kellie) que evitam, até certo ponto, a diminuição da perfusão cerebral. Dentre esses
mecanismos estão a saída de LCR e sangue venoso para fora do crânio, a fim de amenizar o
aumento súbito da PIC. A importância desses mecanismos se dá pela necessidade de se
manter o fluxo sanguíneo cerebral. A pressão de perfusão do cérebro (PPC) normal é de
80mmHg, e depende da pressão arterial média (PAM) e da pressão intracraniana, dado a
fórmula “PPC = PAM – PIC”. Com isso, entendesse porque um aumento da PIC pode levar a
uma isquemia cerebral.
CLASSIFICACAO DOS TCEs

Os traumas crânioencefálicos podem ser classificados quanto ao mecanismo, gravidade e


morfologia.
Classificação
Baixa velocidade
Fechado Alta velocidade
Mecanismo

Ferimentos por arma de fogo


Penetrante Outras lesões penetrantes

Leve GSC 13-15


Gravidade Moderada GSC 9-12

Grave GSC 3-8

Linear/estrelada
Morfologia Fraturas de crânio De calota Com ou sem afundamento
Exposta ou fechada
Com ou sem perda de LCR
Basilares Com ou sem lesão de VII par

Epidural
Focais Subdural
Intracerebral
Lesões intracranianas Concussão leve
Difusas Concussão clássica
Lesão axonal difusa

Para a avaliação da gravidade do TCE, a escala utilizada mundialmente é a GCS


(Glasgow Coma Score). É importante sempre lembrar que, em casos de assimetria direita e
esquerda, por exemplo, sempre se usa a melhor resposta para o cálculo do escore, mas
sempre avaliando ambas as extremidades.

Escala de Coma de Glasgow (GCS)

Área de avaliação Escore

Abertura ocular:
-Espontânea 4
-Estímulo verbal 3
-Estímulo doloroso 2
-Sem resposta 1

Resposta verbal:
-Orientado 5
-Confuso 4
-Palavras inapropriadas 3
-Sons incompreensíveis 2
-Sem resposta 1
Melhor resposta motora:
-Obedece a comandos 6
-Localiza a dor 5
-Flexão normal (retirada à dor) 4
-Flexão anormal (decorticação) 3
-Extensão (decerebração) 2
-Sem resposta (flacidez) 1

Morfologia dos TCEs

Fratura de crânio
As fraturas de crânio devem sempre ser cuidadosamente avaliadas, pois, para que
ocorram, é necessário que se tenha um trauma prévio de alta energia. Essas fraturas podem
ser na calota ou base do crânio, lineares ou estreladas, aberta ou fechadas. Para avaliação, o
melhor exame diagnóstico é a tomografia computadorizada, que permite identificar lesões
ósseas também na base do crânio, o que é limitado pela radiografia simples. Fraturas na base
do crânio são de extrema importância, e por isso seus sinais clínicos têm de ser conhecidos
para sua identificação. Esses sinais incluem: equimose periorbital (olhos de guaxinim),
equimose retroauricular (sinal de Battle), rinorréia, otorréia, disfunção de VII e VIII par
craniano (paralisia facial e perda de audição).

Lesões cerebrais difusas


As lesões cerebrais difusas são comunmente causadas por traumas que envolvem
mecanismos de aceleração e desaceleração, geralmente com déficit neurológico que envolve
perda transitória de consciência, mas sem tradução em exames de imagem (TC).
Um dos tipos de lesão difusa é conhecida por “lesão por cisalhamento” mencionada como
lesão axonal difusa (LAD). Esse tipo de lesão é
considerado grave, com prognóstico reservado,
caracterizado por hemorragias puntiformes na transição
entra a substância branca e cinzenta do encéfalo.

Hematoma epidural
Hematomas epidurais são lesões importantes,
encontradas em cerca de 0,5% de todos os pacientes com
TCE. São hematomas geralmente associados a fraturas de
crânio, sobretudo nas regiões temporal ou têmporo-parietal,
com lesão de artéria meníngea média. Na TC, o hematoma
epidural apresenta-se como um coágulo biconvexo.

Hematoma subdural
Hematomas subdurais são lesões mais graves, pois
geralmente comprometem maior área do córtex cerebral, com
pior prognóstico que os hematomas epidurais. São
encontrados em cerca de 30% dos pacientes com TCE grave.
Estão relacionados à dilaceração dos vasos ponte que drenam
para os seis da dura-máter (hemorragia venosa). Por não ser
uma hemorragia delimitada pelas pregas durais, assume a
forma dos contornos do cérebro na TC.

Contusões e hematomas intracerebrais


As contusões cerebrais podem estar presentes em até
30% dos TCEs graves, ocorrendo principalmente nos
lobos frontal e temporal. Esse tipo de lesão pode evoluir em um período de dias ou horas com
um hematoma intracerebral, exigindo evacuação cirúrgica imediata pelo efeito massa exercido
no encéfalo. Assim, é necessário que doentes com contusão sejam submetidos a
repetidas TCs, sobretudo nas 12 a 24 horas após o trauma para avaliar potenciais mudanças
no padrão da lesão.

TRATAMENTO INICIAL DE PACIENTES COM TCE

O principal objetivo no tratamento de pacientes vítimas de TCE é evitar uma lesão


cerebral secundária, o que levaria a uma deterioração do quadro clínico do paciente. Para isso,
é necessário que sejam estritamente controlados a pressão arterial, para que se mantenha o
fluxo sanguíneo cerebral, e a oxigenação adequada, evitando possíveis danos resultantes de
processos isquêmicos. É de se lembrar que um TCE isoladamente não leva o paciente a um
estado de choque; assim, deve-se sempre seguir a sequência de atendimento do ABCDE.
Pacientes vítimas de TCE grave podem apresentar sintomas como amnésia
anterógrada ou retrógrada, rebaixamento do nível de consciência e/ou sonolência, cefaleia e
vômitos em jato. Em casos de traumas mais leves, esses sinais podem aparecer
progressivamente durante o atendimento do paciente, ou mesmo algumas horas após o
trauma. A avaliação do tamanho e simetria de pupilas é importante para avaliação da síndrome
da herniação da tenda do cerebelo, característica por anisocoria e midríase ipsilateral e
hemiplegia contralateral. De acordo com o ATLS, o atendimento de pacientes vítimas de TCE
leve, moderado ou grave está ilustrado nos organogramas a seguir.

Trauma cranioencefálico leve (GCS 13-15):

História
-Nome, idade, sexo, raça, ocupação
-Mecanismo de trauma
-Hora de ocorrência do trauma
-Perda de consciencia imediatamente após o
trauma
-Amnésia: retrógrada, anterógrada
-Cefaléia: leve, moderada, grave

Exame geral para excluir lesões


sistemicas

Exame neurológico

Radiografia de coluna cervical e


outras indicadas

Níveis sanguíneos de álcool e perfil


toxicológico da urina

Realização de TC de crânio, caso


indicado

hospitalar: Alta do hospital:


-TC com alteração -Não apresentar nenhum critério de
-TCE penetrante internação
-Alertar para retorno caso
-Perda de consciência prolongada
apresente alguma piora
-Piora do nível de consciência -Marcar retorno ambulatorial
-Fratura de crânio
-Rinorréia/otorréia
-ECG <15
-Cefaléia moderada ou grave
-Intoxicação por álcool/drogas
Trauma cranioencefálico moderado (GCS 9-12):

Exame inicial:
-Mesmo organograma do TCE leve, com exames de sangue de rotina
-TC de crânio
-Admissão do paciente em hospital com serviço de neurocirurgia disponível

Depois da internação:
-Avaliações neurológicas seriadas
-Seguimento por TC em caso de piora/antes da alta hospitalar

Melhora clínica (90%):


Piora clínica (10%):
-Alta hospitalar quando possível
-Caso paciente não seja capaz de obedecer ordens simples,
faz-se TC e tratamento seguindo protocolo de TCE grave

Trauma cranioencefálico grave (GCS 3-8):

Avaliação e tratamento:
-Admissão do paciente em hospital com serviço de neurocirurgia
disponível
-ABCDEs
-Avaliação primária e reanimação
-Avaliação secundária e história ampla

Reavaliação neurológica - GCS:


-Abertura ocular
-Resposta motora
-Resposta verbal
-Reação pupilar a luz

Agentes terapêuticos (após consulta de


neurocirurgião):
-Manitol
-Hiperventilacão
-Anticonvulsivantes

Tomografia Computadorizada

TRATAMENTO CLÍNICO

O tratamento clínico, como já descrito anteriormente, visa prevenir a lesão cerebral


secundária ao trauma. Assim, tenta-se afastar o ambiente hostil ou aquém do ideal, em que
o tecido nervoso pode sofrer mais danos. Podemos lançar mão de soluções salinas,
hiperventilação, diuréticos e anticonvulsivantes:

• Soluções salinas intravenosas: devem ser utilizadas soluções salinas isotônicas ou Ringer
lactato, a fim de reestabelecer a normovolemia do paciente. É importante monitorar o sódio
sérico desses pacientes, pois a hiponatremia está associada a edema cerebral e deve ser
evitada.
• Hiperventilação: somente é aceita por um período de tempo limitado, utilizada em casos
de déficit neurológico agudo, enquanto outras medidas ainda são iniciadas. A diminuição
da PaCO2 (<30mmHg) provoca vasoconstrição, podendo levar a isquemia cerebral.
• Diuréticos: utiliza-se preferencialmente o manitol, contudo, assim como a hiperventilação,
é aceito apenas em casos de déficit neurológico agudo, reduzindo significativamente a PIC
por ser um diurético osmótico muito potente.
• Anticonvulsivantes: a fenitoína pode ser administrada em pacientes vítimas de TCE pois
reduz a incidência de convulsões na primeira semana após o trauma, além de controlar as
crises convulsivas, evitando maior lesão cerebral secundária.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O manejo cirúrgico pode ser importante para lesões no couro cabeludo, fraturas de
crânio, lesões de massa e ferimentos penetrantes:

• Lesões no couro cabeludo: devem ser cuidadosamente inspecionadas a fim de retirar


corpos estranhos e identificar possíveis afundamentos e fraturas na calota craniana. É
importante sempre lembrar que as causas mais comuns de infecção nesse sitio é são a
limpeza e debridamento inadequados, portanto, as feridas devem ser bem limpas antes de
suturadas.
• Fraturas de crânio: lesões que tenham afundamento maior que a espessura da calota
adjacente, que estejam grosseiramente contaminadas ou expostas devem ser reduzidas.
Em casos de fraturas mais discretas, a sutura primaria da lesão pode ser suficiente para o
tratamento definitivo do paciente.
• Lesões intracranianas de massa: tipicamente são tratadas por neurocirurgião, devido a
complexidade associada da lesão. Nesses casos, a prioridade é a transferência do doente
para serviços capacitados. A trepanação de emergência por não neurocirurgião pode ser
utilizada apenas em casos extremos, em que seja a única possibilidade de tratamento do
paciente.
• Ferimentos encefálicos penetrantes: no atendimento inicial desses pacientes é indicada a
antibioticoterapia profilática, de amplo espectro. Objetos causadores da lesão penetrante
nunca devem ser removidos até que seja avaliada a possibilidade de lesão vascular, e
tenha sido estabelecido todo o tratamento neurocirúrgico do paciente.
10. TRAUMA RAQUIMEDULAR
Santo Zanin III

INTRODUÇÃO

O trauma raquimedular ocorre em cerca de 15-20% dos traumas de coluna vertebral.


É mais comum em adultos jovens (15 a 40 anos) e predomina em homens. Em relação à
localização anatômica, aproximadamente 55% ocorrem em coluna cervical, 15% na coluna
torácica, 15% na transição tóraco-lombar e 15% na região lombossacra, porém uma grande
quantidade de pacientes apresenta mais de uma lesão de coluna vertebral, não contíguas à
primeira.
As causas mais comuns de traumas em coluna vertebral são: acidentes
automobilísticos (45% dos casos), seguidos de quedas de altura, acidentes esportivos e
violência interpessoal, entre outras causas.
Diante de casos de lesões em coluna vertebral, é importante a um bom treinamento da
equipe que presta atendimento à vítima, já que a inadequada imobilização e uma mobilização
excessiva do paciente podem provocar ou agravar as lesões do paciente, tornando o
prognóstico ainda pior. Embora lesões em coluna vertebral provoquem certo impacto, é
importante lembrar que, desde que a coluna do paciente esteja devidamente protegida, o
exame vertebral e a exclusão de traumas à coluna podem ser postergados sem riscos,
principalmente naqueles pacientes que apresentem alguma instabilidade sistêmica.

ANATOMIA

A coluna vertebral de um adulto é formada tipicamente por 33 vértebras dispostas em


cinco regiões: 7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares, 5 sacrais e 4 coccígeas. As vértebras são
separadas pelos discos intervertebrais fibrocartilaginosos e fixadas entre si por ligamentos
longitudinais.
Embora as vértebras apresentem variações de tamanho e formato, a estrutura básica
é semelhante, sendo constituídas por um corpo vertebral, um arco vertebral e sete processos
(um processo espinhoso, dois processos transversos e quatro processos articulares). O corpo
vertebral situa-se anteriormente e possui um formato grosseiramente cilíndrico, sendo
responsável pela resistência da coluna vertebral e pela sustentação do peso que cada vértebra
suporta. O arco posterior é uma ponte óssea que se prende de ambos os lados do corpo
vertebral, formando um anel, o forame vertebral. A sucessão dos forames vertebrais na coluna
forma o canal vertebral, onde ficam alojadas a medula e as raízes dos nervos espinhais, além
das meninges, de gordura e dos vasos. O arco posterior é formado também pelos pedículos e
lâminas, e apresenta proeminências ósseas, onde se inserem os músculos e ligamentos.
A medula espinhal origina-se na extremidade caudal da medula oblonga ao nível do
forame magno e extende-se, no adulto, até o nível de L2. A partir de L2, situa-se a cauda
equina, que é mais resistente ao trauma. A medula apresenta duas áreas mais alargadas, de
onde saem as fibras nervosas responsáveis pela inervação dos membros, a intumescência
cervical, que extende-se dos segmentos C4 até T1 e a intumescência lombossacral, que
extende-se de T11 a L1. Trinta e um pares de nervos espinhais originam-se da medula espinhal
(08 cervicais, 12 torácicos, 05 lombares, 05 sacrais e 01 coccígeo). O primeiro par de nervos
espinhais emerge entre o occipital e o atlas (C1), de modo que na coluna cervical, o nervo
emerge cranialmente, junto a sua vértebra correspondente. Somente a partir do primeiro
segmento torácico, o nervo espinhal emerge caudal à sua vértebra correspondente. Cada raiz
nervosa recebe informações sensitivas de áreas da pele denominadas de dermátomos e,
similarmente, cada raiz nervosa inerva um grupo de músculos denominados de miótomos.

CLASSIFICAÇÃO

Diante de um trauma em coluna, as lesões neurológicas podem ser primárias, que


acontecem no momento da lesão e podem ter quatro mecanismos básicos (contusão,
compressão, estiramento e laceração) ou secundárias, que são resultantes de processos
reacionais como isquemia e edema e geralmente ocorre no ambiente hospitalar.
Nível

A determinação do nível neurológico da lesão é feito através da determinação do nível


mais caudal que apresenta funções sensitivas e motoras bilateralmente normais, avaliados
através dos dermátomos e miótomos. Lesões dos primeiros oito segmentos cervicais da
medula resultam em quadriplegia, enquanto lesões abaixo de T1 causam paraplegia.
Além disso, é importante lembrar que déficits neurológicos secundários à lesão
esquelética ao nível ou acima de T10 relacionam-se somente com lesões medulares; entre T10
e L1, o déficit neurológico é causado por lesão na medula e nas raízes nervosas e, como a
medula termina em L1, abaixo deste nível o déficit neurológico relaciona-se unicamente com
lesão das raízes.

Gravidade do déficit neurológico

A classificação entre lesão completa ou incompleta exige avaliação clínica dos tratos
da medula. Qualquer função motora ou sensitiva preservada abaixo do nível da lesão indica
presença de lesão incompleta e, consequentemente, melhor prognóstico. A lesão incompleta
pode se manifestar através de qualquer tipo de sensibilidade (incluindo a percepção de posição
espacial) e qualquer movimento voluntário nas extremidades inferiores ou através da presença
de reflexos como sensibilidade perianal, contração voluntária do esfíncter anal ou flexão
voluntária do hálux.

Morfologia

As lesões traumáticas de medula podem ser fraturas, fraturas-luxações, lesões


medulares sem anormalidades radiológicas ou lesões penetrantes. Cada um desses tipos pode
ser classificado ainda como estável ou instável. Porém como a definição de estabilidade
encontra discordâncias mesmo entre os especialistas, durante o atendimento inicial de
pacientes com evidências radiológicas de lesão em coluna vertebral e de pacientes com déficits
neurológicos, a lesão deve sempre ser tratada como instável e o paciente deve ser
adequadamente imobilizado até ser avaliado por um especialista.

Síndromes Medulares

Lesões medulares completas implicam uma difícil recuperação posterior. Já lesões


incompletas têm prognóstico favorável e se manifestam basicamente em 3 tipos de síndromes
medulares.

Síndrome centromedular

A síndrome centromedular é a lesão medular incompleta mais comum, e caracteriza-


se pela perda de força muscular e sensibilidade mais acentuada em membros superiores
(principalmente em mãos), se comparados aos membros inferiores. Geralmente, esse tipo de
lesão ocorre por hiperextensão em pacientes que já apresentem certa estenose no canal
medular cervical.
O prognóstico desse tipo de lesão é bom na maioria dos casos e a recuperação da
força muscular inicia-se pelos músculos dos membros inferiores, terminando nas mãos.

Síndrome medular anterior

Geralmente causada por retropulsão do disco ou de fragmentos do corpo vertebral par


o interior do canal vertebral, comprimindo a medula e impedindo a circulação medular anterior.
O paciente apresenta-se com para ou tetraplegia, com déficit na sensibilidade dolorosa e
térmica, porém com sensibilidade tátil, proprioceptiva e vibratória preservadas em graus
variáveis. O prognóstico é bom apenas quando a recuperação é evidente e progressiva nas
primeiras 24 horas.
Síndrome de Brown-Sequard (hemissecção medular)

A Síndrome de Brown-Sequard raramente é encontrada. A hemissecção da medula


espinhal pode ocorrer devido à fraturas laminares ou pediculares unilaterais, à lesões
rotacionais decorrentes de subluxações ou ao mecanismo mais comum desse tipo de lesão, o
trauma penetrante por arma branca. A Síndrome de Brown-Sequard cursa com
comprometimento motor e da propriocepção ipsilateral, concomitantes à perda de sensibilidade
dolorosa e térmica contralateral à lesão.

CHOQUE MEDULAR E CHOQUE NEUROGÊNICO:

O choque neurogênico é decorrente da lesão das vias descendentes do sistema


simpático da medula espinhal. Esta lesão provoca a perda do tônus vasomotor, implicando em
uma vasodilatação dos vasos viscerais e das extremidades inferiores e uma consequente
hipotensão. Além da perda do tônus vasomotor, este tipo de lesão causa também perda da
inervação simpática do coração. Como resultado, ocorre ausência de taquicardia como
resposta à hipovolemia e até mesmo bradicardia. Desta maneira, a pressão arterial não
costuma responder à infusão de líquidos e, a grande reposição volêmica na tentativa de
normalizar a pressão pode causar sobrecarga hídrica e edema agudo de pulmão. A
normalização da pressão arterial deve ser feito com reposição moderada de volume seguida
de uso cauteloso de vasopressores. O uso de atropina pode corrigir uma bradicardia que cause
repercussões hemodinâmicas significativas.
Já o choque medular refere-se à flacidez e à perda de reflexos após lesão medular. A
lesão provoca uma reação em que a medula parece sem função, mesmo que esteja íntegra. A
duração deste estado é variável, porém, na maioria das vezes, dura de 24 a 48 horas.

TIPOS ESPECÍFICOS DE LESÃO EM COLUNA:

Luxação atlanto-occipital

É uma lesão pouco comum, resultante de movimentos acentuados de flexão e


extensão. A maioria dos pacientes morre por destruição do tronco cerebral e apneia e, os que
sobrevivem, apresentam lesões neurológicas extremamente graves, ficando com tetraplegia e
dependência de ventilador.

Fratura do atlas (C1)


São fraturas instáveis e, nos pacientes que sobrevivem até a chegada ao hospital,
normalmente não há lesão de medula. A lesão mais comum de C1 é a explosão da vértebra
por sobrecarga axial (queda, batendo cabeça em posição neutra ou queda de objeto pesado
sobre a cabeça). O tratamento deve ser feito com colar cervical desde o primeiro atendimento.

Subluxação por rotação em C1

Mais comum em crianças, apresenta-se em traumas de pequeno e grande porte, após


infecções de vias aéreas superiores ou acompanhando a artrite reumatoide. A apresentação
clínica é a rotação persistente da cabeça.

Fraturas do Áxis (C2)

Por ser a maior vértebra cervical e ter formato peculiar, é suscetível a várias fraturas,
contabilizando 18% de todas as fraturas cervicais. Cerca de 60% das fraturas de C2 acometem
o processo odontoide.

Fraturas dos elementos posteriores de C2

A fratura que compromete tipicamente os elementos posteriores de C2 é chamada de


fratura do enforcado. Esse tipo de fratura é decorrente de lesões na parte interarticular
por extensão e pacientes com este tipo de fratura devem ser submetidos à imobilização
externa até que seja avaliado por um especialista

Fraturas e luxações (de C3 até C7)

Os padrões mais comuns de lesões neste segmento são as fraturas de corpos


vertebrais e as fraturas de lâminas, processos espinhosos e pedículos. Em adultos, o local
mais frequente de fraturas de coluna cervical é C5 e o nível mais comum de subluxação é entre
C5 e C6

Fraturas de coluna torácica (T1-T10)

As fraturas de coluna torácica podem ser divididas em quatro grandes categorias: as


lesões em cunha por compressão anterior, as lesões por explosão do corpo vertebral, as
fraturas de Chance e as fraturas luxações.
As lesões em cunha por compressão anterior ocorrem por sobrecarga axial associadas
à flexão e, pela rigidez da caixa torácica, geralmente são estáveis. As fraturas por explosão
de corpo vertebral são causadas por uma forte compressão vertical axial. As fraturas de
Chance são lesões transversas no corpo vertebral e geralmente acontecem em acidentes
automobilísticos em que o paciente é contido apenas pelo cinto de segurança abdominal.
Nestes casos, a associação com lesões viscerais e retroperitoneais é comum. As fraturas
luxações são raras na coluna torácica e lombar, porém, quando ocorrem, são decorrentes de
traumas de grande impacto e que, estão associados a lesões medulares completas.
Excluindo as lesões em cunha, as outras fraturas de vértebras torácicas são
extremamente instáveis e geralmente necessitam de fixação interna

Fraturas de junção tóraco-lombar (T11-L1)

Fraturas neste nível costumam ser resultado de hiperflexão e rotação aguda


combinadas e, na maioria das vezes, são instáveis. Estas fraturas acontecem particularmente
em pacientes que sofrem quedas de altura e em pacientes vítimas de acidentes
automobilísticos com o uso de cinto de segurança. Como a medula espinhal termina no cone
medular aproximadamente ao nível de L1, uma lesão medular a este nível geralmente provoca
disfunção vesical e intestinal e redução sensitiva e motora nos membros inferiores. Pacientes
com este tipo de fratura também são muito vulneráveis a movimentos de rotação, por isso,
qualquer mobilização do paciente deve ser feita com grande cuidado, a fim de evitar a piora
das lesões.

Fraturas lombares

Os achados radiológicos e neurológicos neste tipo de fratura são semelhantes aos


encontrados em traumas nas regiões torácica e tóraco-lombar, porém a possibilidade de lesão
medular é menor, já que uma eventual lesão neurológica acometeria apenas a cauda equina.

Lesões penetrantes

As lesões penetrantes em coluna vertebral são ferimentos por arma branca ou por
arma de fogo. Nestes casos é importante determinar o trajeto do projétil ou da arma branca e,
quando estes passam pelo canal vertebral, geralmente a lesão neurológica é completa. É
importante lembrar que, no caso da arma de fogo, lesões completas podem ocorrer mesmo
quando o projétil não passa pelo canal vertebral. Isto ocorre pela transferência de energia, em
lesões próximas à medula.
AVALIAÇÃO RADIOLÓGICA

Coluna Cervical

O exame radiográfico de coluna cervical poderá ser dispensado após exame clínico
minucioso e realizado por profissional habilitado, apenas se o paciente se encontrar acordado,
alerta, sóbrio, neurologicamente normal, sem queixas de dor em cervical e que tenha idade
suficiente para descrever seus sintomas. Por outro lado, radiografias da coluna cervical estão
indicadas em todos os pacientes traumatizados, com dor em linha média do pescoço,
sensibilidade à palpação da região cervical, déficits neurológicos que se referem à coluna
cervical ou pacientes com rebaixamento do nível de consciência e intoxicados.
Quando indicadas, as radiografias devem ser realizadas nas incidências em perfil e
ântero-posterior. A incidência transoral pode ser feita, nas suspeitas de lesões cervicais altas,
para melhor visualização do processo odontoide. Na incidência em perfil, devem ser
visualizadas a base do crânio, todas as vértebras cervicais e a primeira vértebra torácica. Caso
não se consiga ver todas as vértebras cervicais, faz-se necessário a realização da radiografia
em posição de nadador para melhor visualização. Caso haja dúvidadepois destes exames
serem avaliados por um profissional experiente, uma tomografia computadorizada pode ser
pedida. A associação de radiografia e tomografia, quando corretamente interpretadas,
representa uma sensibilidade de 97% para fraturas de vértebras cervicais.
É importante lembrar de realizar radiografias de toda a coluna cervical do doente que
tenha fratura em vértebras cervicais e dos doentes que se encontram em coma, já que
aproximadamente 10% dos pacientes com lesão em coluna cervical têm uma segunda lesão
não contígua à primeira.
Em casos de pacientes com déficits neurológicos, a realização de uma ressonância
magnética pode evidenciar lesões por compressão da medula espinhal, como hematomas,
hérnia traumática de disco, contusões ou rupturas medulares, entre outros achados. Porém,
em pacientes hemodinamicamente instáveis, sua realização é difícil. Nestes casos, a
ressonância poderá ser substituída pela mielografia por tomografia computadorizada.

Coluna torácica e lombar

As indicações para radiografias da coluna torácica e lombar são basicamente as


mesmas que de coluna cervical. Porém, em traumas de coluna torácica e lombar, a utilização
da tomografia é particularmente útil para detectar fraturas dos elementos posteriores e a
reconstrução sagital das imagens de tomografia podem ser necessárias para diagnosticar
fraturas de forma adequada.
Em pacientes traumatizados, deve-se realizar inspeção e palpação da coluna do
paciente (se o paciente estiver imobilizado em prancha longa é imprescindível que o paciente
seja rodado em bloco, com o maior cuidado possível). Caso não haja sensibilidade à palpação
ou equimoses sobre os processos espinhosos e se o paciente se encontrar alerta, sóbrio,
neurologicamente normal e sem dor ou sensibilidade em região de coluna torácica e lombar,
os exames radiológicos podem ser dispensados.

PROGNÓSTICO

O prognóstico do paciente com lesão medular é variável e depende de vários fatores,


porém, alguns achados no exame físico podem indicar um melhor ou pior prognóstico: a
presença de movimento voluntário ou sensibilidade perianal consistem em sinais de bom
prognóstico. Um pior prognóstico está relacionado com a presença de priapismo, presença do
Sinal de Babinski, ausência de motricidade distal e presença dos reflexos bulbocavernoso e
superficial anal.

CONDUTA

Imobilização

Sempre que se suspeite de uma lesão em coluna, o doente deve ser imobilizado desde
acima até abaixo do local suspeito, até que a presença de fraturas seja descartada
por exame radiológico. Para garantir uma imobilização adequada, o doente deve ser mantido
em posição neutra (supina), sem rotações ou arqueamentos da coluna. Quando existirem
deformidades evidentes, não se deve tentar corrigi-las.
A imobilização apenas com colar cervical não garante a estabilidade completa da coluna
cervical. Para isso, além do colar, deve-se utilizar uma prancha longa e imobilizadores de
cabeça até que opreocupação em lesões de medula e a intubação precoce pode ser
necessária.
Assim que chegar à sala de emergência, os exames radiológicos devem ser feitos de
tal forma que o paciente seja retirado o mais precocemente possível da prancha longa, para
evitar úlceras de decúbito.
Na avaliação secundária, a palpação da região dorsal exige que o paciente seja rolado
em bloco. Para isso, são necessárias várias pessoas, a fim de que o alinhamento anatômico
neutro da coluna vertebral seja mantido, evitando-se assim novas lesões ou o agravamento de
lesões prévias.
Infusão de líquidos endovenosos. Em doentes com suspeita de lesão de coluna,
administram-se líquidos da mesma forma que se faz durante a reanimação de qualquer doente
politraumatizado. Porém, caso não se suspeite ou não se detecte hemorragia ativa, a
hipotensão persistente após a reposição de 2 litros de líquido, associada à bradicardia deve
ser encarada como resultante de choque neurogênico.
Quando a pressão arterial não melhora após infusão de líquidos, pode estar indicado
o uso criterioso de drogas vasoativas, como a dopamina ou a noradrenalina. É preciso cuidado
na reposição volêmica em pacientes com choque neurogênico, devido ao risco de edema
pulmonar. Nestes pacientes, uma sonda vesical deve ser passada, para monitorar o débito
urinário e evitar a distensão vesical.

Medicação

O tratamento do trauma raquimedular deve ser de urgência. Até algum tempo atrás, a
administração de glicocorticoides em altas doses era feita em pacientes que haviam sofrido
trauma raquimedular há menos de 8 horas (com exceção de gestantes, menores de 12 anos e
ferimentos por arma de fogo) e continuava por até 24-48 horas após o trauma. Porém, hoje em
dia, esta conduta é controversa. A última revisão do ATLS (8th Edition – Compendium of
Changes) diz que “Não há evidência suficiente para apoiar o uso rotineiro de esteróides em
lesão da medula espinhal no presente momento”. Porém, alguns estudos recentes concluíram
que o uso de metilprednisolona está associado a uma melhora motora dos pacientes vítimas
de trauma raquimedular.
11. TRAUMA MUSCULOESQUELÉTICO
João Rafael Bora Ruggeri

As lesões de natureza musculoesquelética são muito frequentes em pacientes


politraumatizados, exigindo avaliação e atenção adequados para evitar maiores prejuízos tanto
ao estado geral do paciente como também ao membro afetado.

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA

A prioridade na avaliação primária do paciente com trauma musculoesquelético é o


controle da hemorragia oriunda de suas lesões, esta sendo melhor obtida através da
compressão direta. Vale lembrar que fraturas são causas importantes de perda sanguínea
intensa, podendo levar o paciente a um choque hipovolêmico. Fraturas de ossos longos como
tíbia ou úmero podem sangrar 750 mL, um Fêmur fraturado pode chegar a sangrar 1,5 L,
enquanto uma fratura de pelve pode sangrar a volemia inteira do paciente. Sendo assim, é de
extrema importância a detecção de lesões musculoesqueléticas para que seja feito o controle
da hemorragia de forma rápida, sempre associada à reposição volêmica desse paciente.
A imobilização correta deve ser realizada, tentando-se realinhar o membro lesado de
forma mais anatômica possível, pois contribui para a diminuição da dor e fornece maior controle
hemorrágico em virtude da diminuição da movimentação do membro e do efeito de
tamponamento dos músculos ao redor da fratura. Luxações e traumas articulares devem ser
imobilizados e mantidos na posição em que foram encontrados.

AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA

Exames complementares

A realização de exames complementares ao diagnóstico, principalmente o Raio X,


deve ser feita sempre quando há a suspeita de fratura, luxação ou presença de corpo estranho.
Incidências antero-posterior (AP) e perfil das extremidades lesadas são mandatórias, tentando-
se sempre abranger uma articulação acima e uma abaixo da região suspeita de lesão. Não se
pode esquecer que o estado clínico do paciente, sua estabilidade hemodinâmica e o
mecanismo do trauma são fatores decisivos na indicação de radiografias e de seu momento
de realização.
Além da radiografia de extremidades, também costuma-se indicar uma radiografia
simples de pelve em AP, principalmente em casos de pacientes em choque sem uma fonte
identificada de sangramento, ou grandes politraumatizados.

História

A coleta da história deve ser direcionada ao mecanismo do trauma propriamente dito,


sua intensidade, local e horário. A obtenção desses dados permite ao médico assistente ter
uma noção sobre o trauma, e suas possíveis implicações ao paciente. Também não se pode
esquecer de pesquisar a presença de doenças anteriores, medicação em uso, uso de
substâncias tóxicas e eventuais alergias.

EXAME FÍSICO

O exame físico deve compreender a avaliação de todos os componentes das


extremidades, sendo eles os vasos, nervos, pele e subcutâneo, músculos e tendões,
ligamentos, articulações e ossos.
Na inspeção deve-se observar a pele em busca de ferimentos, abrasões, queimaduras,
edema e deformidades, avaliando-se também a perfusão das extremidades do membro. Na
presença de ferimentos abertos em um membro com fratura, essa é considerada exposta e a
antibioticoprofilaxia precoce deve ser iniciada.
Os membros e suas extremidades devem ser palpados no intuito de pesquisar
sensibilidade, temperatura e mobilidade. Qualquer mobilidade anormal com instabilidade
articular leva a suspeita de ruptura de ligamentos. Deformações e hiperestesia são altamente
sugestivos de fratura, enquanto diminuição ou ausência de sensibilidade à dor e ao toque
são sugestivos de lesão em medula ou nervos periféricos.
A palpação dos pulsos periféricos juntamente com o enchimento capilar dos dedos
também deve ser realizada, principalmente nas áreas distais às lesões. A presença de frêmitos
à palpação e a ausculta de sopros são altamente sugestivos de lesões vasculares.
Aspectos neuromusculares são avaliados através da motricidade e sensibilidade dos
membros.

LESÕES MUSCULOESQUELÉTICAS QUE PODEM POR A VIDA EM RISCO

Algumas lesões de natureza musculoesquelética podem colocar a vida do paciente em


risco, sendo as principais as fraturas de pelve, hemorragias arteriais graves e a síndrome de
esmagamento. Falaremos sobre elas mais detalhadamente a seguir.

Fratura de pelve

As fraturas pélvicas estão associadas com uma alta mortabilidade (16%),


principalmente quando associadas à hipotensão (25%). Quando acompanhadas de grande
hemorragia, usualmente resultam da ruptura do complexo osteoligamentar posterior
(ligamentos sacroilíacos, sacroespinhosos, sacrotuberosos e assoalho pélvico fibromuscular).
A força aplicada pelo trauma abre o anél pélvico e esgarça os plexos venosos pélvicos,
ocasionalmente rompendo o sistema arterial ilíaco interno, culminando em grande
sangramento.
Constituem sinais importantes a presença de ferimento pélvico aberto com evidência
de fratura, sangue no meato uretral, próstata elevada ao toque retal, instabilidade mecânica do
anel pélvico, membros inferiores com comprimento diferente ou membro rodado (geralmente
em rotação externa) na ausência de fratura do membro. A instabilidade pélvica deve ser
testada apenas uma única vez movimentando-se as cristas ilíacas para dentro e para fora.
O tratamento inicial dessas lesões costuma ser o controle hemorrágico por
estabilização mecânica da pelve e reposição volêmica intensa. O uso de um lençol amarrado
em volta de pelve aplicando tração longitudinal e a rotação interna dos membros inferiores
costumam ser bastante eficientes até a chegada do paciente ao serviço de emergência.

Hemorragia Arterial Grave

As hemorragias arteriais graves geralmente são decorrentes de trauma penetrantes ou


grandes traumas fechados associados a fraturas e luxações. Seus sinais mais frequentes são
a isquemia do membro, ausência de pulso, hemorragia ativa, hematoma pulsátil, palpação de
frêmito e ausculta de sopros. Alguns outros sinais como pulso reduzido, lesão próxima ao
trajeto vascular e déficit neurológico são menos sugestivas, mas não podem ser descartadas.
O método padrão ouro para diagnóstico dessas lesões é a arteriografia, que vem sendo
gradativamente substituída pelo ecodoppler. Como já mencionado, esses exames
complementares também só devem ser realizados na vigência de um paciente
hemodinamicamente estável.
O tratamento inicial mais eficaz para se conter um sangramento é a compressão direta
do ferimento. Casos selecionados podem ser beneficiados com o uso de um torniquete.
Fraturas devem ser reduzidas e imobilizadas, enquanto luxações devem ser apenas
imobilizadas inicialmente, pois geralmente são de redução difícil. Um cirurgião vascular
também deve ser consultado precocemente para a aplicação de um tratamento definitivo.

Síndrome de Esmagamento (Rabdomiólise traumática)

Indivíduos com lesões por esmagamento extenso, geralmente de grandes grupos


musculares como coxa ou panturrilha, estão sujeitos a rabdomiólise e elevação dos níveis de
creatina-fosfoquinase e consequente mioglobinúria, acentuando-se o risco de insuficiência
renal aguda e coagulação intravascular disseminada (CIVD).
Seu tratamento consiste principalmente na expansão vascular com soluções salinas,
tentando-se manter o débito urinário em cerca de 100ml/hr. Também pode-se usar bicarbonato
de sódio na tentativa de alcalinizar a urina, diminuindo a precipitação intratubular da
mioglobina.

LESÕES MUSCULOESQUELÉTICAS QUE PODEM COMPROMETER O MEMBRO

Fraturas expostas e lesões articulares

Toda fratura em membro associada a lesão aberta no mesmo segmento deve ser
considerada exposta, ou seja, uma fratura com comunicação com meio externo. Fraturas dessa
natureza requerem antibioticoprofilaxia precoce e profilaxia contra o tétano, e não se deve
tentar reduzir ou colocar uma eventual exposição óssea para dentro da pele fora do centro
cirúrgico para diminuir as chances de contaminação.
O tratamento inicial consiste na imobilização e avaliação da circulação e inervação
local. São lesões que requerem tratamento cirúrgico com debridamento e estabilização da
fratura.

Lesões Vasculares

Como já mencionado, em lesões vasculares poderá ser notada a redução da


temperatura no membro, palidez, alongamento do tempo de enchimento capilar, diminuição ou
ausência de pulsos periféricos, frêmitos e ausculta de sopros. Em locais aonde não há um
serviço de arteriografia sempre presente, pode-se optar pela realização da angiotomografia.
Hemorragias que eventualmente não puderem ser controladas por compressão direta
podem receber tratamento inicial através do uso de um torniquete. Esse método, apesar de
colocar o membro em risco, pode salvar a vida do paciente prevenindo um choque
hemorrágico. Deve-se lembrar que os músculos não aguentam mais que 6 horas de hipóxia
sem que ocorra necrose e que os nervos são altamente sensíveis a perda de vascularização,
portanto o uso do torniquete deve ser limitado.

Síndrome Compartimental

A síndrome compartimental é um fenômeno que ocorre em virtude do aumento da


pressão tissular em um compartimento, se tornando maior que a pressão vascular, causando
colabamento dos vasos e consequente isquemia e necrose. Esse aumento de pressão
intracompartimental pode ser decorrente de um aumento de conteúdo, como uma hemorragia
ou edema, ou por restrição de volume do compartimento, com um gesso apertado, por
exemplo. Sinais sugestivos de síndrome compartimental são dor (mais intensa ao estiramento
passivo), edema, alteração de sensibilidade e parestesia. De maneira mais tardia o pulso se
torna impalpável e ocorre déficit motor. A apresentação clínica da síndrome compartimental
pode ser resumida pelos 5 “Ps”: pain (dor), pulseless (ausência de pulso), parestesia,
paralisia e palidez. É importante lembrar que a primeira estrutura a ser lesada nessa situação
é o nervo (cerca de 2h de isquemia), e após sua lesão a dor desaparece.
A literatura mostra que o momento do diagnóstico da Síndrome Compartimental tem
grande relação com o prognóstico tanto do membro quanto do paciente. Um retardo no
diagnóstico pode levar a grande perda de tecido muscular, mioglobinúria, insuficiência renal
aguda, Síndrome de Volkmann (contratura isquêmica permanente), retardo na consolidação
de fraturas, déficits neurológicos e amputações.
O tratamento consiste na retirada do curativo ou aparelho gessado que está
comprimindo a região, e a reavaliação em 30 a 60 min. Caso não haja melhora, ou não sejam
essas as causas base da Síndrome Compartimental em questão, procede-se para a
fasciotomia descompressiva.

Lesão neurológica associada à fratura/luxação

Traumas musculoesqueléticos, em especial fraturas e luxações, podem ocasionar um


déficit neurológico por lesão ou compressão de plexos ou nervos. Assim, é necessário
conhecer as funções sensitivas e motoras das diversas raízes nervosas para um exame
neurológico mais apurado da lesão. O aspecto de maior importância nessa avaliação é o
acompanhamento e evolução da lesão e do déficit neurológico ao longo do tempo, fundamental
para a determinação da terapêutica que deve ser utilizada.
O tratamento dessas lesões já foi mencionado anteriormente, mas vale lembrar que
deve-se documentar a função neurológica do membro antes e depois da sua redução e
tratamento, para que haja melhor acompanhamento da evolução e das características da
lesão.

OUTRAS LESÕES

Contusões e Lacerações

As contusões são caracterizadas por dor, edema, hiperestesia e diminuição de


mobilidade do membro afetado. Como já mencionado, lesões em extremidades também devem
ser avaliadas quanto a sua perfusão e estado neurológico.
O tratamento das contusões consiste basicamente em imobilização total ou parcial e
uso de compressas frias. Em lacerações com comprometimento de fáscia muscular é
recomendado o tratamento cirúrgico com debridamento e melhor avaliação de lesões
associadas. A profilaxia antitetânica nesses casos também é muito importante, devendo ser
maior atentada nas seguintes situações: trauma há mais de 6 horas, presença de contusões
ou abrasões, profundidade maior que 1 cm, lesões produzidas por projéteis de alta velocidade
ou queimaduras de calor ou frio, ou feridas com contaminação significativa.

Lesões articulares

Lesões de natureza articular que não resultam em luxação geralmente não trazem
perigo a integridade do membro. As luxações, que consistem num desalinhamento da
superfície articular ocasionando perda da congruência articular, podem trazer
comprometimento à função do membro. Esse fenômeno não pode ocorrer sem que haja lesão
ligamentar ou na cápsula articular, constituindo então uma situação de emergência. Uma
subluxação, por sua vez, constitui-se de um deslocamento parcial das superfícies articulares,
sem a perda total de contato entre elas. As articulações mais comumente vítimas de luxação
são a do ombro, quadril, cotovelo, tornozelo e as interfalangianas.
Geralmente as luxações são causa de intensa dor, assimetria, e impossibilidade de
realização dos movimentos normais daquela articulação. Podem ocasionar comprometimento
vascular, como percebe-se em 50% das luxações de joelho, que apresentam lesão da artéria
poplítea.
De maneira geral, cada articulação tem suas características típicas quando luxada, e
o exame físico é suficiente para constatar esse fenômeno. Mesmo assim, pode-se realizar a
radiografia da articulação lesada para verificar possíveis fraturas de avulsão nos pontos de
inserção dos ligamentos.
Para seu tratamento, deve-se avaliar os aspectos vasculares e neurológicos do
membro em questão antes e depois da redução da luxação. É importante a avaliação de um
cirurgião pois nem todas as luxações permitem uma redução incruenta. A lesão ligamentar
também deve ser tratada, situação que em determinados casos requer intervenção cirúrgica.
12. ATENDIMENTO AO PACIENTE QUEIMADO
Marco Aurélio Soato Ratti

INTRODUÇÃO

As queimaduras são fonte de grande dor física. É sabido que o agravo atinge não
somente ao traumatizado, mas também aos seus cuidadores, sendo reconhecido como
“terrível para quem sente, estressante para quem cuida”, em vista do extremo desconforto
gerado nos momentos dos banhos e curativos. No Brasil, apesar das lesões por queimadura
não terem tanta relevância na mortalidade geral, têm importância quanto à morbidade, já tendo
representado, inclusive, 9% do total de internações por causas externas. Como origens
prevalentes das queimaduras, temos os acidentes domiciliares e os acidentes em locais de
trabalhos.

FISIOPATOLOGIA

As queimaduras extensas causam não apenas dano à pele, mas levam a intensas
alterações sistêmicas que potencializam a lesão e a carregam a diferentes órgãos e tecidos,
adjacentes ou distantes. Ocorre uma junção de choque distributivo com choque hipovolêmico.
Há, assim, depleção do volume intravascular, aumento da resistência vascular sistêmica e
diminuição do débito cardíaco.
Em teoria, todos os componentes do controle de fluidos e da manutenção de proteínas
no meio intravascular são perdidos após a queimadura. O sistema da microcirculação perde a
integridade das paredes dos vasos, levando à perda de proteínas para o meio intersticial,
causando redução da pressão oncótica intravascular, precipitando a intensa perda de fluido.
Temos, com isso, também perda de eletrólitos, hemoconcentração, formação de edema,
diminuição do débito urinário e depressão da função cardiovascular. O edema, quando por
lesões circunferenciais, leva a hipóxia tecidual e elevação da pressão tecidual. Segundo
estudos, a maior parte do edema ocorre no local da lesão, sendo máximo aproximadamente
24 horas depois da injúria. Com isso, pode-se entender a forma com que o tratamento do
queimado é conduzido: deve ser feita reposição de volume, repondo o volume intravascular,
mas com cautela, evitando a piora do edema.

Observação: vale ressaltar a associação entre a temperatura e o grau de lesão celular: quando
menor que 44ºC, não há destruição celular; entre 44-46ºC há destruição celular, dobrando a
sua taxa a cada grau elevado; e quando acima de 51ºC há intensa destruição da epiderme.

CARACTERIZANDO O PACIENTE QUEIMADO

Classificação das queimaduras

As lesões podem ser classificadas conforme sua profundidade, de forma a planejar o


melhor tratamento e a prever as consequências estéticas e funcionais futuras.
• Queimaduras de primeiro grau: também chamadas de superficiais, decorrem da lesão
exclusiva da epiderme, e tem como processo de cura a reparação. Clinicamente, se
caracterizam por eritema e dor, sem formação de flictenas (bolhas). Como exemplo, temos
a queimadura solar. Não necessitam de reposição de fluidos endovenosos;
• Queimaduras de segundo grau: ou de espessura parcial, decorrem de lesão da epiderme
e de parte da derme, e tem como processo de cura a restauração. Caracterizam-se por
uma pele de aparência vermelha ou mosqueada, com edema, flictenas e superfície úmida,
hipersensível à dor intensa ou até mesmo às correntes de ar;
• Queimaduras de terceiro grau: ou de espessura total, decorrem de lesão da epiderme e
de toda a derme, e tem como processo de cura a formação de cicatriz, quando não
necessário a enxertia. São feridas de apresentação translúcida, mosqueada ou
esbranquiçada, com aspecto de cera, tendo superfície seca, por vezes semelhante a
couro, e indolor (pelo dano às terminações nervosas).
Determinação da Superfície Corporal Queimada

A Superfície Corporal Queimada (SCQ) deve ser estimada de forma a, posteriormente,


direcionar a reposição de fluidos. Para isso, contamos com duas formas de avaliação:
1) Regra dos nove: o corpo do adulto é dividido em regiões anatômicas que
representam 9%, ou múltiplos de 9%, da superfície corporal total. Para crianças, a cabeça
corresponde a uma porcentagem maior, e os membros inferiores a uma porcentagem menor.
Para essas, quando maiores que 1 ano, deve-se subtrair 1% do valor da cabeça, para cada
ano, somando 0,5% para cada perna.

2) Palma da mão do doente: a palma da mão do paciente, incluindo os dedos,


representa aproximadamente 1% da sua superfície corporal queimada, sendo uma estimativa
útil para queimaduras com distribuição irregular.

Classificação do queimado

A relação entre a SCQ e as regiões acometidas nos permitem classificar o queimado


quanto à extensão da agressão tecidual:
• Pequeno queimado: aquele que contém < 25% SCQ por lesão de primeiro grau e/ou
≤ 15% SCQ por lesão de segundo grau e/ou ≤ 5% SCQ por lesão de terceiro grau,
desde que não acometidas áreas nobres (face, olhos, ouvidos, mãos, pés, genitália,
períneo, pele sobre articulações);
• Médio queimado: quando há > 25% SCQ por lesão de primeiro grau e/ou 15-25% de
SCQ por lesão de segundo grau e/ou 5-10% de SCQ por lesão de terceiro grau;
• Grande queimado: se > 25% de SCQ por lesão de segundo grau e/ou > 10% de SCQ
por lesão de terceiro grau e/ou terceiro grau que envolva áreas nobres.

AVALIAÇÃO INICIAL E MANEJO

A avaliação inicial começa com a coleta da história do paciente, buscando o


mecanismo do trauma e avaliando lesões associadas que possam ter ocorrido. Quando o
acidente ocorreu em ambiente fechado, destaca-se a possibilidade de ter ocorrido lesão por
inalação. Ainda, é importante investigar comorbidades, alergias e o estado de imunização do
doente contra o tétano. Prossegue-se estimando a SCQ e classificando as suas lesões de
acordo com à profundidade e extensão.
Via aérea e ventilação

Como indicadores clínicos de lesão por inalação, a ser suspeitada quando há história
de confinamento durante o incêndio, temos:

1) Queimaduras faciais e/ou cervicais;


2) Chamuscamento dos cílios e das vibrissas nasais;
3) Depósitos de cabono e alterações inflamatórias agudas na orofaringe;
4) Expectoração carbonácea;
5) Rouquidão;
6) História de confusão mental e/ou de confinamento no local do incêndio;
7) História de explosão com queimaduras da cabeça e do tronco;
8) Níveis sanguíneos de carboxi-hemoglobina maiores que 10%

As lesões térmicas da faringe podem levar a um edema importante, reduzindo a


permeabilidade das vias aéreas. Inicialmente, as manifestações são sutis, não aparecendo nas
primeiras 24 horas. Portanto, na suspeita desse tipo de acometimento, deve ser feita via aérea
definitiva para o paciente (como intubação orotraqueal), evitando possível piora posterior. A
elevação da cabeça e do tórax a 30º pode ajudar a reduzir o edema do pescoço e da parede
torácica.
Existe a possibilidade de intoxicação por CO, avaliada pela história e medida direta da
carboxihemoglobina (HbCO). Quando < 20%, não é costume apresentar sintomas. Acima, eles
variam de náusea e cefaleia a, até mesmo, coma e morte (este, se > 60%). O manejo consiste
em oxigênio em alto fluxo através de máscula unidirecional, sem recirculação

Infusão de fluidos

Como destacado anteriormente, existe a necessidade de reposição de líquidos (Ringer


Lactato) de forma a combater a perda intravascular suprida. A quantidade de líquido a ser
reposto segue a fórmula de Parkland, correndo em 24 horas: metade do volume total
estimado é administrada nas primeiras 8 horas após a queimadura, o restante nas 16 horas
seguintes (importante: deve ser levado em consideração o tempo entre o acidente até o início
da reposição volêmica; por exemplo: caso o paciente tenha demorado 2 horas entre o ocorrido
e o seu atendimento, a reposição de metade do volume total estimado será feita nas primeiras
6 horas, com a outra metade nas demais 16 horas).
É regra que seja realizada sondagem vesical para avaliação do débito urinário: sabe-
se que a infusão está adequada, e como está sendo a resposta do doente à reposição, quando
mantiver uma diurese de 1,0 mL/h para crianças ≤ 30 kg ou de 0,5-1,0 mL/kg/h para adultos
(em geral, de 30-50 mL/h). Para queimaduras elétricas, é adequada diurese ≥ 100 ml/h. A
quantidade de líquido deve ser ajustada de acordo com a resposta individual de cada
queimado.

Exemplificando, para um adulto de 80 kg com 30% de SCQ, com 3 horas entre o


acidente e o início da reposição de fluidos, temos: 2 x 80 x 30 = 4800 ml totais a serem
infundidos, sendo 2400 ml nas primeiras 5 horas, com 2400 ml para as 16 horas
restantes.

Queimaduras circunferenciais, analgesia e outros cuidados

Como dito anteriormente, o edema das lesões circunferenciais pode fazer pressão e
prejudicar a circulação. Assim, é importante a remoção de joias, a avaliação da perfusão distal
(tempo de enchimento capilar, cianose, comprometimento neurológico, como parestesia ou
dor), e, quando necessário, a realização de escarotomia ou fasciotomia (principalmente
naqueles outras lesões associadas, como ósseas ou musculares).
Por vezes, o paciente pode estar mais agitado e ansioso pela hipóxia e hipovolemia
que pela dor. Ainda assim, é válida a administração, conforme avaliação, de analgésicos e
sedativos.
Para reduzir a intensa dor nas queimaduras de segundo grau, é correto cobrir a ferida
com pano limpo, de forma delicada. Deve haver cautela para o uso de água e compressas
frias, pois podem causar hipotermia. As flictenas devem ser mantidas íntegras, e não rompidas.

QUEIMADURAS ESPECIAIS

Queimaduras químicas

As queimaduras químicas são decorrentes de derivados do petróleo, ácidos ou álcalis,


sendo as decorrentes destes últimos as piores. O produto químico deve ser removido com
grande quantidade de água, através de ducha ou mangueira, por no mínimo 20-30 minutos (ou
mais, como nos casos de queimaduras por álcali). Agentes neutralizantes não trazem
vantagens e podem piorar a situação, por reação exotérmica. É importante salientar que, via
de regra, as queimaduras alcalinas possuem maior gravidade, devido à sua maior
capacidade de penetração na pele.

Queimaduras elétricas

Elas são frequentemente mais graves do que parecem à inspeção externa, devido à
diferente resistência à eletricidade que os diferentes tipos de tecido têm. Assim, por mais que
a pele tenha nenhuma ou pouca lesão, tecidos profundos, como muscular, vascular ou
nervoso, podem ter sido mais gravemente lesados. Uma situação especial preocupante a ser
observada, nessa situação, é a rabdomiólise: caracterizada pela destruição muscular, tendo
nesse caso a queimadura elétrica como etiologia, leva à liberação de grande quantidade de
mioglobina ao sangue, determinante de mioglobinúria, que é causa de Insuficiência Renal
Aguda. Relembrando, a diurese esperada para queimaduras elétricas é maior que para as
queimaduras térmicas (> 100 ml/h). Deve ser feita monitorização de arritmias pelo ECG.

TRANSFERÊNCIA DE DOENTES

São critérios para a transferência do doente para um Centro de Queimados:

1) Queimaduras de segundo grau com SCQ > 10% com < 10 anos ou > 50 anos;
2) Queimaduras de segundo grau com SCQ > 20% entre 10-50 anos;
3) Queimaduras de terceiro grau com SCQ > 5%;
4) Queimaduras de segundo ou terceiro grau envolvendo áreas nobres;
5) Queimaduras elétricas graves (raios);
6) Queimaduras químicas importantes;
7) Lesões por inalação;
8) Doentes com comorbidades que sejam fatores de complicação ou piora;
9) Presença de trauma concomitante agravante (estabilizar pelo trauma antes de
transferir)
10) Crianças em hospitais sem qualificação adequada
11) Doentes com questões sociais consideráveis (suspeita de negligência, abuso infantil)

CURATIVO

Queimaduras menores devem ser tratadas com debridamento de áreas necróticas e


lavagem da ferida com soro fisiológico, retirando detritos, e cobertura com gaze seca sobre
gaze com vaselina. Como dito anteriormente, as bolhas devem permanecer íntegras. Para
queimaduras maiores, é feito curativo com rayon e gaze. Quando em face, a lesão não deve
ser coberta. Se a ferida for contaminada, está indicado o uso de antibióticos tópicos. Na
presença de sinais de infecção, com celulite, antibióticos sistêmicos podem ser empregados.
13. TRAUMA PEDIÁTRICO
Gustavo Moreira Clivatti

INTRODUÇÃO

O trauma representa a principal causa de mortalidade e morbidade em crianças e


adultos jovens. Considerando que a dificuldade em assegurar uma via aérea permeável,
promover suporte ventilatório adequado, e reconhecer e tratar a hemorragia intra-abdominal e
intracraniana são as principais causas de reanimação ineficaz no trauma pediátrico grave, a
aplicação dos princípios do ATLS no tratamento das crianças traumatizadas pode ter impacto
significativo na sobrevida.

MECANISMOS DE TRAUMA E PADRÕES FREQUENTES DE LESÃO

Acidentes automobilísticos são a principal causa de mortes em crianças, seguidos por


afogamentos, incêndios domésticos, homicídios e quedas. Agressões (abuso físico) são a
principal causa de homicídios em crianças nos primeiros anos de vida, enquanto que
ferimentos por arma de fogo são em crianças maiores e adolescentes. Os mecanismos mais
frequentes de lesão e os padrões de lesões associadas em doentes pediátricos estão
resumidos na tabela abaixo.

Mecanismo de trauma Padrões frequentes de lesão


Atropelamento Baixa velocidade: fraturas de extremidades inferiores.
Alta velocidade: trauma múltiplo, lesões de crânio e de pescoço, fraturas de extremidades inferiores.
Colisão por veículo Sem uso de cinto de segurança: trauma múltiplo, lesões de crânio e de pescoço, fraturas de
motorizado extremidades inferiores.
Com uso de cinto de segurança: lesões de tórax e abdome, fraturas do segmento inferior da coluna.
Queda de altura Pequena: fraturas de extremidades superiores.
Média: lesões de crânio e de pescoço, fraturas de extremidades superiores e inferiores.
Grande: trauma múltiplo, lesões de crânio e de pescoço, fraturas de extremidades superiores e
inferiores.
Queda de bicicleta Sem o uso de capacete: lacerações de cabeça e de pescoço, lacerações de couro cabeludo e de
face, fraturas de extremidades superiores.
Com o uso de capacete: fraturas de extremidades superiores.
Colisão com o guidão: lesões abdominais internas.
(ATLS 8ª edição)

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NO PACIENTE PEDIÁTRICO

• Tamanho e forma: menor massa corporal predispõe a uma maior frequência de lesões de
múltiplos órgãos. A cabeça é proporcionalmente maior em crianças menores, resultando
em uma frequência elevada de lesões cerebrais contusas nessa faixa etária.
• Esqueleto: possui calcificação incompleta, múltiplos núcleos de crescimento ativo e é mais
flexível, sendo assim, as fraturas são menos frequentes. Por isso, fraturas de crânio e
arcos costais sugerem trauma de alta energia devendo-se suspeitar de lesões dos órgãos
internos.
• Superfície corporal: a relação entre superfície corporal e massa corporal é maior na
criança, predispondo à hipotermia.
• Estado psicológico: a criança apresenta uma instabilidade emocional que piora em
situações de estresse. Sua capacidade de interagir com outros é menor quando em um
ambiente com desconhecidos. A presença dos pais ou tutores é aconselhada para facilitar
o atendimento.
• Efeitos em longo prazo: é uma preocupação quando se fala em trauma pediátrico. Lesões
nos centros de crescimento podem levar a anormalidades de crescimento do osso lesado.
Ruptura de baço seguida de esplenectomia predispõe a sepse pós- esplenectomia e óbito.
• Equipamentos: é fundamental que tenham o tamanho adequado. A Fita Métrica de
Reanimação Pediátrica de Broselow é um acessório ideal para determinação rápida de
peso da criança.
ATENDIMENTO INICIAL

A – Via aérea

Quanto menor a criança, maior é a desproporção entre crânio e face. Isto leva a uma
propensão para a faringe posterior posicionar-se anteriormente e colabar por causa da flexão
passiva causada pelo occipício maior. Para evitar essa flexão, é necessário deixar a face
paralela à prancha de imobilização e não na “posição de cheirador”. Colocar um
acolchoamento abaixo do tronco da criança ajuda a manter o alinhamento neutro da coluna.

(ATLS 8ª edição)
As partes moles da orofaringe da criança são comparativamente maiores, a laringe
possui forma de funil permitindo um acúmulo de secreções, e as cordas vocais são mais difíceis
de visualizar. O pequeno comprimento da traqueia facilita a intubação seletiva do brônquio
principal, o deslocamento do tubo e/ou o barotrauma. Pela facilidade de deslocamento do tubo
a ausculta deve ser feita periodicamente.
• Tubo faríngeo (tubo de Guedel): só deve ser usado com a criança inconsciente para não
provocar vômito. A introdução NÃO deve ser feita com a concavidade para cima seguida
de rotação 180º, para que não haja risco de lesar partes moles. O abaixador de língua
pode auxiliar.
• Intubação orotraqueal: a criança tem um diâmetro mais estreito da via aérea ao nível do
anel cricóide, funcionando como selo natural ao tubo endotraqueal; por isso, o uso de tubo
com balão não é necessário. O tamanho do tubo deve ser ideal, e pode ser escolhido
comparando-o ao diâmetro da narina ou do dedo mínimo da criança. Crianças têm uma
resposta vagal mais intensa a intubação, a qual pode ser diminuída pelo uso de atropina.
• Intubação com uso de drogas em doentes pediátricos:

Hipovolêmico:
Etomidato 0,1mg/Kg
ou Intubar, verificar
Midazolam 0,1 Cloridrato de a posição do
Sulfato de mg/Kg succinilcolina <10 tubo
Pré- atropina Pressionar a Kg: 2 mg/Kg
Sedar
cricóide >10 Kg: 1 mg/Kg
0,1 - 0,5 mg Normovolêmico: Interromper a
Etomidato 0,3 mg/Kg ou pressão da
ou Vecurônio ou cricóide
Midazolam 0,3 Rocurônio 0,6
mg/Kg mg/Kg

(ATLS 8ª edição)
Intubação nasotraqueal: não deve ser realizada em crianças menores de 9 anos. Essa via é
extremamente difícil nesses pacientes pela anatomia particular, risco de perfuração do crânio
e ferimento de partes moles.
Cricotireoidostomia cirúrgica: contraindicada em bebês e crianças pequenas. Geralmente
pode se fazer em crianças acima dos 12 anos por terem uma cartilagem mais palpável.

B – Respiração e Ventilação

A frequência respiratória da criança diminui com os anos. Lactentes: 30-40 rpm;


crianças mais velhas: 15-20 rpm. A hipóxia é a causa mais comum de parada cardíaca na
criança, mas antes que esta ocorra, a hipoventilação faz acidose respiratória. Com perfusão e
ventilação adequadas, geralmente a criança mantém o pH normal. Caso contrário, a tentativa
de corrigir o pH com bicarbonato de sódio pode levar ao agravamento da hipercapnia, piorando
a acidose. A drenagem torácica na criança segue os mesmos passos da realizada no adulto,
lembrando-se em adequar o tamanho do dreno torácico.

C – Circulação

A reserva fisiológica aumentada da criança faz com que a pressão sistólica se


mantenha normal mesmo no choque. São necessárias perdas sanguíneas de 30% ou mais
para alterar a pressão arterial. Os sinais que permitem reconhecer a hipovolemia
precocemente são: má perfusão e taquicardia. Apesar de a taquicardia ser um sinal de
hipovolemia, ela também pode aparecer por dor, medo e estresse. A pressão arterial e o débito
urinário diminuem mais tardiamente, mas também devem ser acompanhados de perto.
Hipotensão na criança implica em estado de choque não compensado e indica perda maior
que 45% do volume circulante. Para isso, os valores normais da pressão arterial da criança
devem ser conhecidos:

• Pressão sistólica: 90 mmHg + 2x idade (em anos);


• Pressão diastólica: 2/3 da sistólica;
• Limite inferior da pressão sistólica: 70 mmHg + 2x idade (em anos).

Quando ocorre hipotensão, a taquicardia pode ser substituída por bradicardia. Isso
ocorre geralmente em lactentes. O tratamento do choque é feito com infusão rápida de
cristalóides e sangue:
• Reanimação volêmica: o objetivo é a rápida reposição de volume. O volume circulante
estimado da criança é de aproximadamente 80 ml/Kg. Na suspeita de choque, deve-se
repor inicialmente 20 ml/Kg de solução cristaloide. Para calcular o peso estimado do
paciente, o método mais fácil e rápido é pela Fita Métrica de Reanimação Pediátrica de
Broselow. Crianças com resposta transitória, ou sem resposta à administração de solução
cristaloide são candidatas à transfusão adicional de sangue, assim como um provável
procedimento cirúrgico.
• Acesso venoso: o acesso preferencial é por punção periférica percutânea. Caso haja
falha do acesso periférico após duas tentativas, pode-se considerar infusão intraóssea com
agulha de medula óssea (18G em lactentes e 15G em crianças), ou cateter venoso femoral
pela técnica de Seldinger ou através da agulha de tamanho adequado. O local preferencial
para a punção intraóssea é a tíbia proximal, abaixo da sua tuberosidade. Se houver fratura
no local, pode-se optar pela tíbia contralateral, ou, como última opção, o fêmur distal. Deve-
se ter cuidado para que a punção não seja feita distalmente a lesão. Se nenhuma opção
anterior for possível, um médico experiente pode realizar a dissecção venosa (apenas em
último caso, por se tratar de um procedimento relativamente demorado).
• Débito urinário: varia com a idade. Para recém-nascidos lactentes: 2 ml/Kg/hora; criança
que está começando a andar: 1,5 ml/Kg/hora; e criança mais velha: 1 ml/Kg/hora. Quando
adolescente, o limite inferior do débito se iguala ao débito urinário normal do adulto, que é
de 0,5 ml/Kg/hora. O débito urinário e a densidade da urina são ótimos métodos para
avaliar a evolução da reposição volêmica. Isso pode ser feito através de uma sonda vesical,
que deve ser sem balão para crianças de até 15 Kg.
• Termorregulação: a perda de calor é facilitada pela maior relação entre superfície e
massa corporal da criança, associada com a pele fina e a falta de tecido celular
subcutâneo. Deve-se atentar para isso, pois a hipotermia pode deixar a criança refratária
ao tratamento, prolongar o tempo de coagulação e comprometer o sistema nervoso central.

D – Disfunção Neurológica

A avaliação neurológica, assim como no adulto, se baseia na avaliação das pupilas e


na Escala de Coma de Glasgow. A escala pode ser aplicada para crianças, entretanto a
resposta verbal deve ser modificada para crianças menores de 4 anos.
Resposta Verbal Escore – V
Palavras apropriadas ou sorriso social, 5
fixa e segue objetos
Chora, mas é consolável 4
Persistentemente irritável 3
Inquieto, agitado 2
Nenhuma 1

E – Exposição

Deve ser feita com os mesmos cuidados do adulto, atentando para a temperatura
corporal, já que a criança tem maior facilidade de entrar em hipotermia.

PARTICULARIDADES

A mobilidade das estruturas mediastinais torna a criança mais sensível ao


pneumotórax hipertensivo. O exame do abdômen deve ser feito com muita paciência e cuidado
enquanto se conversa em voz baixa com a criança. Por a criança ficar muito assustada devido
ao trauma, a palpação do abdômen pode ficar comprometida. Pode ser necessária a passagem
de uma sonda nasogástrica, pois por chorarem muito acabam deglutindo grande quantidade
de ar.
Embora a LPD continue sendo realizada, a TC é considerada a melhor técnica para
identificar lesões em crianças traumatizadas, pois a maioria desses doentes apresentam
lesões intra-abdominais auto-limitadas e não apresentam anormalidades hemodinâmicas. A
definição de lavagem positiva é a mesma para crianças e adultos, mas a conduta é diferente.
Se a criança responde à reposição volêmica e tem lavado com sangue na cavidade
peritoneal, não é indicação de laparotomia. Já se o líquido da lavagem apresentar leucócitos,
bile, fezes, fibras vegetais, a realização de laparotomia é obrigatória.
Ao se tomar uma conduta não operatória, a indicação de cirurgia é uma reposição maior ou
igual ao dobro do volume sanguíneo da criança, ou seja, 40 ml/Kg, em 24 horas.
A criança pequena, com fontanela aberta ou com linhas de sutura não fechadas, tolera
melhor a lesão craniana com efeito de massa ou edema. Os sinais de lesão expansiva podem
ser mascarados até que ocorra uma rápida descompensação. Por isso, uma criança que não
está em coma, mas tem uma fontanela abaulada ou diástase da sutura deve ser tratada como
lesão grave.

CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO

Deve-se suspeitar quando:


• Existir discrepância entra a história e a gravidade das lesões.
• História com traumas repetidos, tratados em vários hospitais.
• A história muda se contada por diferentes pais ou tutores.
• História de visitas frequentes a médicos ou hospitais.
• Pais respondem evasivamente ou não obedecem a orientação médica.

Durante o exame físico:


• Equimoses múltiplas em diferentes fases de cicatrização.
• Evidências de traumas antigos, cicatrizes, fraturas consolidadas.
• Lesões periorais.
• Trauma genital ou região perianal.
• Fraturas de ossos longos em crianças menores que 3 anos.
• Ruptura de vísceras sem antecedente de trauma fechado grave.
• Hematomas subdurais múltiplos, especialmente sem fratura recente de crânio.
• Hemorragia retiniana.
• Lesões bizaras, tais como mordeduras, queimaduras por cigarro ou marcas de cordas.
• Queimaduras de segundo e terceiro grau nitidamente demarcadas e em áreas não
usuais.

14. TRAUMA NA GESTANTE E NO IDOSO


Gustavo Moreira Clivatti
Este capítulo abordará brevemente os princípios gerais do trauma na gestante e no
idoso, com ênfase em:
a. Características singulares das diferentes faixas etárias, incluindo tipos comuns de
lesões, padrões de lesões e suas diferenças anatômicas e fisiológicas;
b. Diferença na abordagem e no tratamento inicial;
c. Causas e sinais comuns de abuso e violência doméstica.

TRAUMA NA GESTANTE

INTRODUÇÃO

Sempre se deve assumir que toda mulher entre os 10 a 50 anos possa estar grávida.
A gravidez provoca grandes mudanças fisiológicas e modificações nas relações
anatômicas que afetam praticamente todos os órgãos do corpo humano. Essas
mudanças na estrutura e na função podem influenciar a avaliação da gestante
traumatizada, alterando os sinais e os sintomas das lesões, a abordagem e as respostas
às medidas de reanimação, e a interpretação dos exames laboratoriais. Sempre lembrar
que ao atender uma gestante, está na verdade atendendo dois pacientes: mãe e feto.
Mesmo que não apresente lesões provocadas diretamente pelo trauma, o feto pode
ser afetado por alteração da homeostase materna (principal causa de lesão). Todavia, as
medidas iniciais a serem adotadas no atendimento são iguais àquelas adotadas para a não
gestante. Se for necessário o estudo radiológico da paciente na fase aguda do tratamento,
este não é contraindicado pela presença da gestação.

ALTERAÇÕES ANATÔMICAS E FISIOLÓGICAS DA GRAVIDEZ

São mudanças naturais que ocorrem durante a gravidez, e afetam todos os sistemas.
Entretanto, se não forem bem conhecidas pelo médico, podem ser confundidas com
situações patológicas e levar a interpretações errôneas dos dados diagnósticos e exames
laboratoriais. O conhecimento dessas alterações também irão influenciar a abordagem e
condutas no processo de reanimação.

Alterações Implicações
Útero 0-12ª semana de gestação: útero intrapélvico, protegido Feto e placenta se tornam mais
pela parte óssea. vulneráveis.
20ª semana: atinge a cicatriz umbilical. Ter em mente a progressão uterina, em
34-36ª semana: atinge altura máxima supra-umbilical, casos de abordagem da cavidade
alcançando o rebordo costal. abdominal, por exemplo, ao realizar
2 últimas semanas: fundo uterino desce à medida que a LPD (Lavado Peritoneal Diagnóstico).
cabeça fetal se encaixa na pelve.

Parede uterina e líquido 1º trimestre: útero protegido pela pelve e possui parede Ruptura uterina facilitada no 3º
amniótico de espessura aumentada. trimestre.
Após, feto é protegido pela grande quantidade de Líquido amniótico pode causar embolia
líquido amniótico e por sua mobilidade. e CIVD após traumatismos, desde que
3º trimestre: paredes mais adelgaçadas, ↓ do líquido ganhe acesso ao espaço intravascular.
amniótico, ↓ da mobilidade.

Placenta ↓ da elasticidade. ↑ Risco de descolamento prematuro.


Vasos sanguíneos mais dilatados e sensíveis ao ↑ Resistência vascular uterina à redução
estímulo por catecolaminas. abrupta do volume sanguíneo,
comprometendo a oxigenação fetal.
Alterações sanguíneas ↑ Volume plasmático (máximo na 34ª semana de Anemia fisiológica da gravidez.
gestação). Gestantes saudáveis podem perder
↑ Volume eritrocitário, proporcionalmente menor que o 1,2L-1, 5L de sangue sem exibir sinais e
plasmático (↓hematócrito). sintomas de hipovolemia, mas levando
↑ Número de leucócitos (até 25.000/mm³). ao sofrimento fetal.
↑ Fatores de coagulação. Diferenciar leucocitoses da gravidez
↓ Níveis de albumina sérica. com quadro infeccioso, por exemplo.
↓ Pressão coloidosmótica.

Alterações ↑ Débito cardíaco (↑ volume plasmático e ↓ resistência Débito cardíaco influenciado


hemodinâmicas vascular do útero e da placenta). significativamente pela posição
↑ Frequência cardíaca (máximo no 3º trimestre – 10 a materna.
15 bpm a mais). Considerar taquicardia.
↓ Pressão arterial (5mmHg na pressão sistólica e Resposta à reposição volêmica
15mmHg na diastólica – 2º trimestre). semelhante à mulher não grávida.
Alterações respiratórias ↑ Volume por minuto. Hiperventilação pulmonar e hipocapnia
↑ Volume corrente (↑ níveis de progesterona). (PaCOⁿ de 30mmHg).
↑ Consumo de oxigênio. É de vital importância a oxigenação
arterial adequada na reanimação da
gestante traumatizada.
Alterações endócrinas ↑ Hipófise (30 a 50% em tamanho e peso). Maior fluxo sanguíneo hipofisário
(choque hipovolêmico pode levar à
necrose da hipófise anterior, levando à
insuficiência hipofisária).

Alterações ↑ Tempo de esvaziamento gástrico (hipomotilidade). Considerar estômago cheio durante


gastrointestinais Intestinos deslocados para a parte superior do abdome processos de reanimação (instalar
e podem estar protegidos pelo útero. sonda nasogástrica para evitar
aspiração do conteúdo gástrico).
Alterações urinárias ↑ Filtração glomerular. Glicosúria é comum na gestação.
↑ Fluxo plasmático renal.
↓ Níveis de ureia e creatinina (metade do normal).
Dilatação fisiológica dos cálices, pelve renal e dos
ureteres.
Alterações Alargamento da sínfise púbica (a partir do 7º mês). Considerar as alterações quando
musculoesqueléticas ↑ Espaços das articulações sacroilíacas. analisar radiografias de bacia.
Alterações neurológicas TCE pode ser simulado por eclampsia
(convulsões, hipertensão, hiperreflexia,
proteinúria, edema periférico).

MECANISMOS DE TRAUMA

São semelhantes aos encontrados nos politraumatizados em geral. São divididos


em:
• Trauma fechado: O feto é protegido pela parede abdominal, miométrio e líquido amniótico
de lesões diretas secundárias ao trauma fechado. Traumatismos diretos ocorrem quando
a parede abdominal sofre um impacto importante, por exemplo, por um objeto. Os traumas
indiretos ocorrem por desaceleração, por efeito de contragolpe, por compressão súbita ou
por cisalhamento, sendo normalmente acompanhado por descolamento prematuro
placentário. Em casos de acidentes automobilísticos, o uso do cinto de segurança diminui
significativamente a gravidade do trauma e a mortalidade materna, e a mulher grávida não
contida pelo cinto de segurança tem maior risco de parto prematuro e de morte fetal. O tipo
de cinto afeta a frequência de ruptura uterina e de morte fetal. Os cintos que protegem
apenas a bacia estão mais associados à ruptura uterina. Já os de três pontos diminuem o
risco de lesão fetal.
• Trauma penetrante: No decorrer da gestação, o útero, em decorrência de seu maior
tamanho, acaba formando uma barreira protetora aos outros órgãos abdominais, o que
justifica a baixa incidência de lesões a outras vísceras associadas. Porém, torna-se alvo
fácil, podendo atingir o feto, o cordão e/ou a placenta. Ocorre morte fetal em 40-70% dos
casos.

ABORDAGEM INICIAL, AVALIAÇÃO E TRATAMENTO

Idealmente, deve-se iniciar com avaliação e reanimação primária materna,


postergando a avaliação fetal para antes de se iniciar a avaliação secundária da mãe.
Exame primário e reanimação materna

A avaliação inicial da gestante politraumatizada segue os mesmos padrões adotados


nas pacientes não grávidas, iniciando-se com o ABCDE do trauma. A permeabilidade das vias
aéreas e as condições respiratórias devem ser avaliadas e corrigidas se necessário, mantendo
boa oxigenação materna.
Como o útero comprime a veia cava inferior, diminuindo o retorno venoso, a gestante
apresenta piora do choque quando em posição supina. Desta forma, depois de excluída a
possibilidade de traumatismos em coluna, a gestante deve ser transportada e avaliada em
decúbito lateral esquerdo. Se não for possível, deve-se colocar um coxim abaixo do quadril
direito e o útero deve ser deslocado manualmente para o lado esquerdo.
Por apresentar hipervolemia, alterações da perfusão tecidual e sofrimento fetal podem
ocorrer antes que a gestante manifeste sinais clínicos indicativos de hipovolemia. Assim, deve-
se considerar reposição precoce de cristaloides e, se necessário, sangue. Deve-se evitar o uso
de medicamentos para aumentar a pressão arterial materna, uma vez que os vasos
placentários apresentam resposta exacerbada a catecolaminas endógenas, provocando
vasoconstrição acentuada e, consequentemente, sofrimento fetal.

Exame primário e reanimação fetal

Realiza-se avaliação abdominal para investigação de ruptura uterina, sugerida pela


presença de dor, rigidez, sinais de defesa ou descompressão brusca positiva. Também há
suspeita deste tipo de lesão avaliando-se a posição fetal, pela palpação de porções fetais que
tenham se exteriorizado ao útero e dificuldade de palpação de fundo uterino.
Descolamento prematuro de placenta é identificado por dor à palpação abdominal,
contrações ou tetania uterina e sangramento vaginal.
Em gestações acima da décima semana, deve-se realizar a avaliação dos batimentos
cardíacos fetais com auxílio do Doppler. Monitoração por cardiotocografia é aconselhada após
a 20ª a 24ª semanas de gestação.

Avaliação secundária

Segue o mesmo padrão estabelecido para a traumatizada não grávida. Em caso de


lesão abdominal em que a lavagem peritoneal diagnóstica é indicada, a colocação do cateter
deve ser realizada com visão direta na região supraumbilical.
Ao avaliar o períneo, deve-se, também, realizar exame pélvico. Presença de líquido
amniótico sugere rompimento da bolsa. O toque vaginal oferece informações sobre dilatação
do colo, presença de apagamento e apresentação fetal. Em gestações mais avançadas,
presença de sangue em vagina é sugestiva de descolamento prematuro de placenta.

Cuidados definitivos

Sempre que houver suspeita de envolvimento uterino, o obstetra deve ser consultado.
Em casos de ruptura uterina, é obrigatório que se faça a exploração cirúrgica.
As indicações cirúrgicas não mudam em função da gravidez, e a laparotomia precoce é
indicada em caso de dúvida diagnóstica.
Descolamento placentário extenso ou embolia por líquido amniótico podem ocasionar
coagulação vascular disseminada. Neste caso, deve ser realizada a evacuação uterina,
associada à reposição de plaquetas e fatores de coagulação.
Mães Rh-negativas podem ser isoimunizadas por fetos Rh-positivos pela hemorragia
feto-materna, desencadeada pelo trauma. Desta forma, deve-se iniciar, até 72horas após o
trauma, terapia com imunoglobulina em todas as gestantes Rh-negativo.

Cesariana post mortem

São poucas as evidências na literatura a favor da cesariana post-mortem. A cesariana


post mortem é indicada em casos que há morte da mãe por parada cardíaca que não seja de
origem hipovolêmica, mas deve ser realizada dentro de 4-5 minutos após a parada para ser
bem sucedida.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência doméstica é uma casa significativa de traumatismos em mulheres durante


a coabitação, o casamento e a gestação, independente de origem étnica, influência cultural ou
estado sócio-econômico. 17% de grávidas que sofreram traumatismos foram vítimas do trauma
provocado por outra pessoa. Essas informações devem ser identificadas e documentadas. Os
indicadores que podem sugerir a ocorrência de violência doméstica são:

• Lesões desproporcionais à história referida;


• Redução da auto estima, depressão e tentativas de suicídio;
• Autoabuso;
• Consultas frequentes a serviços de emergência ou a consultórios médicos;
• Sintomas sugestivos de uso de drogas;
• Autoacusação pelas lesões apresentadas;
• O parceiro insiste em estar presente durante a avaliação clínica e o exame físico e
monopoliza a discussão.

TRAUMA NO IDOSO

INTRODUÇÃO

Sabidamente, a população humana continua a envelhecer, sendo o grupo com maior


taxa de crescimento o de pessoas acima de 60 anos de idade. A parcela de indivíduos com 65
anos ou mais passou de 1% da população mundial, em 1900, para 6%, em 1992. Como
resultado, mais idosos estão sendo atendidos em departamentos de urgência/emergência,
principalmente referentes a trauma. Apesar de terem menor probabilidade de sofrer trauma do
que indivíduos mais jovens, eles estão mais sujeitos a morrer em decorrência das lesões
sofridas.
Acidentes traumáticos são a sétima causa de morte na população idosa, ultrapassado
apenas por doenças cardíacas, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, acidente vascular
cerebral, diabetes e pneumonia. As três principais causas de morte nesta categoria (nos EUA)
são quedas (40%), colisões automobilísticas e queimaduras.

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS EM PACIENTES GERIÁTRICOS VÍTIMAS DE TRAUMA:

Sistema Alterações Implicações


Pulmonar ↓ Capacidade vital ↓ Reserva respiratória
↓ Volume expiratório forçado
↓ Superfície alveolar
↓Complacência da parede torácica
Cardíaco ↓Débito cardíaco ↓ Reserva cardíaca
↓ Sensibilidade a catecolaminas Sinais vitais podem não refletir a severidade do
↓ Resposta taquicárdica máxima ferimento
Renal ↓ Taxa de filtração glomerular ↑ Risco de lesão traumática
↓ Fluxo sanguíneo renal ↑ Risco de lesões por hipovolemia, medicamentos
↓ Reabsorção de sódio e excreção de íons e outras nefrotoxinas
potássio ou hidrogênio ↑ Risco de nefropatia induzida por contraste
↓ Massa renal ↑ Susceptibilidade a sobrecarga de fluídos
↓Resposta renal à renina e angiotensina ↓ Clearance de certos medicamentos

Gastrointestinal ↓ Sensação de dor Potencial de lesão abdominal significativa, sem


↑ Flacidez da musculatura da parede sinais de irritação peritoneal
abdominal ↓ Clearance de certos medicamentos
↓ Função hepática
Imune ↓ Resposta imune ↑ Risco de infecção
Musculoesquelético ↓ Massa muscular ↑ Risco de fratura
Osteoporose
Neurológico ↓ Capacidade autorregulatória ↑ Susceptibilidade à lesão por perfusão cerebral
Atrofia cerebral diminuída
↑ Risco de lesão oculta
(2014 UpToDate)
ABORDAGEM INICIAL:

A abordagem inicial do paciente geriátrico traumatizado segue o mesmo padrão


ABCDE do trauma. Entretanto, algumas questões a respeito da história do paciente que
possam influenciar no seu manejo devem ser abordadas, como: causa do trauma (ex, alteração
de consciência, dificuldade para respirar, alterações de visão), medicações em uso (ex,
anticoagulante, beta bloqueador, bloqueadores de canais de cálcio), doenças subjacentes (ex,
doença cardíaca ou renal, diabetes), nível basal motor e cognitivo antes do evento.

A - Via Aérea

Estabelecer e depois manter uma via aérea permeável para oferecer oxigenação
tecidual adequada é o primeiro objetivo. Algumas medidas devem ser prontamente realizadas
quando se tratando de um paciente idoso:

• Intubação precoce: deve ser considerada para pacientes em estado de choque, com
lesões da parede torácica ou alteração do nível de consciência, devido à limitação da
reserva cardiopulmonar. Intubação endotraqueal é o método preferencial para controle da
via aérea.
• Remover dentaduras quebradas, manter dentaduras intactas e bem adaptadas no local até
que seja obtido o controle da via aérea.

Preocupações na manutenção da via aérea incluem dentição, fragilidade


nasofaríngea, macroglossia, microstomia, e artrite cervical. Deve-se tomar cuidado quanto ao
uso de tubos nasográstricos e nasotraqueais por causa da friabilidade dos tecidos
nasofaríngeo ou nasotraqueais, o qual pode levar a hemorragia local. A artrite cervical pode
comprometer as articulações temporomandibulares e a coluna cervical, dificultando o
procedimento da intubação endotraqueal e aumentando o risco da lesão da coluna vertebral
pela manipulação da coluna com osteoartrose.

B – Respiração e Ventilação

A monitoração cuidadosa do sistema respiratório do doente geriátrico é obrigatória,


visto sua perda da reserva respiratória, devido aos efeitos do envelhecimento e doenças
crônicas. Quanto ao oxigênio suplementar, deve ser prontamente administrados, mesmo para
pacientes com DPOC. Entretanto, deve-se tomar cuidado com pacientes que dependam do
estímulo hipóxico para manter a ventilação. Administração de oxigênio pode resultar em perda
deste estímulo hipóxico causando retenção de CO₂ e acidose respiratória. Entretanto, em
trauma agudo, a hipoxemia deve ser corrigida mesmo aceitando o risco de hipercapnia.
Caso haja iminência de falência respiratória, é necessária intubação e ventilação
mecânica. Lesões da parede torácica com fratura de costela ou contusões pulmonares são
comuns e não são bem toleradas, assim como não são pneumotórax simples e hemotórax.
Controle da dor e higiene pulmonar rigorosa são essenciais para um resultado satisfatório. As
complicações pulmonares (atelectasia, pneumonia e edema pulmonar) ocorrem com maior
frequência nos idosos.

C – Circulação

Deve-se atentar para a impressão errônea de que pressão sanguínea e frequência


cardíaca “normais” indicam normovolemia. Como em geral a pressão sanguínea aumenta com
a idade, pressão sistólica de 120mmHg em um paciente idoso com pressão sanguínea de 170
a 180mmHg antes do trauma pode representar hipotensão. O início da hipotensão também
pode estar retardado. Deve ser instituída monitoração precoce do sistema cardiovascular.
Doentes geriátricos têm reserva fisiológica limitada e podem ter dificuldade para
produzir resposta adequada ao trauma. Doentes idosos hipotensos com trauma grave e com
acidose metabólica quase sempre morrem, especialmente se sofreram trauma cerebral. A
necessidade de fluídos é semelhante àquela de doentes mais jovens. Soluções isotônicas de
eletrólitos são usadas para reanimação inicial, sendo 1 ou 2L administrados inicialmente. É
importante a monitoração cuidadosa da administração de soluções cristaloides para prevenir
distúrbios eletrolíticos.
Devido à reserva cardíaca limitada, deve-se avaliar rápida e completamente todas as
fontes de perda sanguínea. FAST (Focused Assessment Sonography in Trauma) é um meio
rápido para determinar presença de líquido intra-abdominal anormal, mas, caso não disponível,
pode-se lançar mão do LPD (Lavado Peritoneal Diagnóstico). Uma fonte de perda de sangue
não reconhecida que deve ser lembrada, principalmente quando FAST/LPD negativos, é o
retroperitônio. Quando se suspeita disso, o paciente deve ser submetido imediatamente à
angiografia e tentativa de controle por embolização com cateter.

D – Disfunção Neurológica

Doentes idosos com lesão cerebral têm menos contusões cerebrais graves do que
doentes jovens. Entretanto, os idosos têm maior incidência de hematoma subdural (três vezes
mais) e intraparenquimatoso. Anticoagulantes podem estar envolvidos na causa. Tomografias
computadorizadas de crânio devem ser usadas no doente idoso com lesão cerebral, pois
fornecem informações rápidas, acuradas e detalhadas sobre dano estrutural ao cérebro, crânio
e elementos suporte.
Lesões da coluna cervical parecem ser mais comuns ao doente idoso traumatizado,
embora possam ser mais ocultas e ser particularmente difíceis de diagnosticar se houver
presença de osteoporose e osteoartrite.

E – Exposição e Ambiente

Alterações na pele e nos tecidos conjuntivos de indivíduos idosos resultam em perda


da capacidade regulatória térmica, diminuição da função de barreira contra invasão bacteriana,
e comprometimento significativo da cicatrização de feridas. O paciente idoso traumatizado
deve ser protegido da hipotermia. Hipotermia não atribuível ao choque ou à exposição deverá
alertar o médico para a possibilidade de doença oculta, em particular sepse, doença endócrina
ou ingestão de drogas.

Outros Sistemas

• Musculoesquelético: Indivíduos idosos são particularmente susceptíveis a fraturas de


ossos longos, com consequente incapacidade, morbidade e mortalidade pulmonar
associada. A estabilização precoce destas fraturas pode diminuir este risco, contanto que
o doente esteja em estado hemodinâmico ótimo. Os locais mais comuns de fratura no
doente idoso são a parte proximal do fêmur, a bacia, úmero e punho. Queixam-se de dor
na área do grande trocanter ou na pelve anterior. Fraturas de úmero geralmente resultam
de quedas sobre o braço estendido, e os pacientes sentem dor e sensibilidade no ombro
ou na porção superior do úmero. A fratura de Colles resulta sobre a queda sobre a mão
estendida dorsifletida, causando fratura de metáfise do rádio distal. Fratura na base do
processo estiloide ulnar ocorre em 69% dos casos.
• Nutrição e metabolismo: O apoio nutricional precoce adequado aos doentes idosos
traumatizados é a pedra angular do tratamento bem sucedido do trauma, diminuindo
significativamente as taxas de complicações.
• Sistema imunológico e infecções: Pessoas idosas têm capacidade comprometida para
reagir a bactérias e vírus, capacidade reduzida de responder a vacinação e falta de
resposta confiável a testes cutâneos para antígenos. Clinicamente, os indivíduos idosos
são menos capazes de tolerar infecção e são mais propensos a desenvolver falência de
múltiplos órgãos. A ausência de febre, leucocitose e outras manifestações da resposta
inflamatória, podem ser causadas por função deficiente do sistema imune.
ABUSO NO IDOSO

Ao avaliar um doente geriátrico traumatizado, devemos sempre considerar que a lesão


pode ser infligida intencionalmente. O abuso de idosos pode ser tão comum quanto o abuso
de crianças. Abuso é definido como “qualquer provocação intencional da lesão, confinamento
sem motivo, intimidação, ou castigo cruel que resulte em dano físico, dor, angústia mental, ou
outra privação por parte do indivíduo que cuida do idoso”. Achados físicos que sugerem abuso
de doentes geriátricos incluem:

• Contusões que afetam a parte interna • Úlceras de decúbito não tratadas ou


dos braços e das coxas, palmas, solas, úlceras nas área não
crânio, orelha, área mastoide, lombares/sacras;
nádegas, vários planos do corpo, e • Fraturas não tratadas;
contusões múltiplas e agrupadas; • Fraturas não envolvendo o quadril,
• Abrasões da área maxilar (por úmero ou vértebra;
restrição) ou de punho e tornozelos • Lesões em vários estágios de
(por ligaduras); evolução;
• Lesão da asa do nariz e têmporas; • Lesões nos olhos ou nariz;
• Equimoses periorbitas; • Queimaduras e escaldaduras;
• Lesão oral; • Hemorragia ou hematoma de crânio.
• Padrão incomum de alopecia;

A presença destes achados deve determinar uma história detalhada que pode diferir
dos achados clínicos e pode desvendar um atraso significativo na procura por tratamento.
Estes achados devem determinar relatos e mais investigação para confirmar abuso de doente
geriátrico. Se presente, deve ser tomada decisão apropriada inclusive afastamento do doente
geriátrico da situação abusiva.
15. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS I - IAM, EP E EAP
Camila Cristina Valério

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST


A síndrome coronariana aguda (SCA) é o termo empregado para o grupo de
sintomas clínicos que são compatíveis com a isquemia aguda do miocárdio: angina instável e
infarto agudo do miocárdio. Ela é dividida em:

• Síndrome coronariana sem elevação do segmento ST


1. Angina instável: dor ou desconforto torácico; ou ocorre em repouso ou aos mínimos
esforços e dura mais de 10 minutos; ou é severa e de início recente (quatro a seis
semanas); ou tem o modelo “em crescendo”: mais intensa, mais frequente e prolongada
que anteriormente.
2. IAM sem elevação do segmento ST: dor ou desconforto torácico ou alterações
eletrocardiográficas compatíveis mais elevação dos marcadores de necrose
miocárdica.
• Síndrome coronariana com elevação do segmento ST
Dor torácica ou equivalente isquêmico, ECG com elevação de ST e aumento
significante de troponina (mionecrose).

Abordaremos nesse capítulo o infarto agudo do miocárdio (IAM) com elevação do segmento
ST. A mortalidade precoce (até 30 dias) do infarto agudo do miocárdio (IAM) é de
aproximadamente 30% e mais de metade dessas mortes ocorrem antes que a vítima chegue
até o hospital.

FISIOPATOLOGIA

O IAM com elevação de ST ocorre, geralmente, quando o fluxo sanguíneo


coronariano diminui abruptamente depois de uma obstrução trombótica da artéria coronária
previamente aterosclerótica. Na maioria das vezes isso ocorre quando uma placa
aterosclerótica sofre uma ruptura ou erosão e forma um trombo oclusivo. As placas mais
susceptíveis à ruptura são aquelas que apresentam um centro lipídico abundante e uma
cobertura fibrótica fina. Outras causas de oclusão das artérias coronárias são: espasmo
coronariano, embolia para as coronárias, vasculites, oclusão de óstio coronariano, doenças
trombóticas, anemia grave, choque, arritmias graves, entre outras.

ACHADOS CLÍNICOS

Pode haver um evento desencadeante da dor em até 50% dos casos de IAM, como
exercício físico intenso, estresse emocional e doença clínica ou cirúrgica. Ele pode ocorrer
durante qualquer período do dia, porém observa-se uma maior concentração de eventos no
período da manhã.
A dor é a queixa mais comum dos pacientes. Ela é intensa (duração maior que vinte
minutos) e não aliviada por nitratos ou pelo repouso. Normalmente, é descrita como uma
sensação de aperto, pressão ou peso. Ela ocorre parte central do tórax e/ou epigástrio e pode
irradiar-se para os braços, pescoço, mandíbula. Entre os sintomas e sinais associados estão:
fraqueza, sudorese, náuseas, vômitos e sensação de morte iminente. Idosos, diabéticos e
mulheres podem apresentar isquemia com sintomas atípicos e sem dor precordial.

EXAMES COMPLEMENTARES
ELETROCARDIOGRAMA

Os pacientes com dor ou desconforto pré-cordial devem ser submetidos ao ECG em,
no máximo, dez minutos da chegada ao pronto socorro.
Durante o estágio inicial, a oclusão total de uma artéria provoca um
supradesnivelamento do segmento ST. A maioria dos pacientes que apresentam essa
anormalidade evolui posteriormente com a onda Q no ECG. Entre os pacientes que se
apresentam com desconforto isquêmico sem elevação de ST, porém com marcadores séricos
de necrose presentes, o diagnóstico será de IAM sem elevação de ST.

BIOMARCADORES CARDÍACOS SÉRICOS

Os biomarcadores cardíacos são proteínas liberadas pelo miocárdio necrótico após


o IAM. O padrão temporal da liberação desses marcadores tem grande importância, porém o
diagnóstico de IAM deve ser feito previamente por meio do quadro clínico sugestivo somado
às alterações compatíveis no ECG.
O marcador de escolha é a dosagem de troponina sérica (TnT ou TnI), que é o mais
sensível e específico para a necrose de miocárdio. Ela, geralmente, não é detectável no
sangue de indivíduos sadios e pode permanecer elevada por sete a dez dias após o IAM.
Quando essa dosagem não está disponível no serviço, a melhor alternativa é a CKMB massa.

EXAMES DE IMAGEM E GERAIS

Hemograma, eletrólitos, função renal, coagulação e perfil lipídico devem ser colhidos
junto com a primeira dosagem de marcadores de necrose do miocárdio.
A radiografia de tórax é recomendada, entretanto não deve retardar a trombólise.

TRATAMENTO NA EMERGÊNCIA

Como já dito anteriormente, o paciente com dor torácica deve ser submetido a um
ECG em no máximo dez minutos de sua chegada ao pronto socorro. A conduta diante dos
pacientes com IAM com elevação de ST depende da disponibilidade da terapia de reperfusão.
Resumindo:

• Pacientes que serão submetidos à angioplastia primária: AAS, inibidor do ADP


(clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor) e anticoagulante (heparina não fracionada ou
bivalirudina).
• Pacientes que serão trombolizados: AAS, clopidogrel e anticoagulante (fondaparinux ou
enoxaparina; heparina não fracionada é uma alternativa).

MEDIDAS INICIAIS

• AAS: administrar 300 mg via oral amassados ou para mastigar para todos os
pacientes. Indicado mesmo antes do ECG quando dor precordial sugestiva de
isquemia e pacientes com fatores de risco coronarianos.
• Oxigênio: a saturação de oxigênio deve ser monitorada através da oximetria de pulso
e, se sinais de hipoxemia ou saturação de oxigênio menor que 90%, o oxigênio deve
ser ofertado por máscara ou cânula nasal a 2-4L/min.
• Se o paciente for submetido à angioplastia primária, as opções são o clopidogrel
(ataque de 600 mg e manutenção de 75mg/dia), o prasugrel (ataque de 60mg e
manutenção de 10mg/dia) ou ticagrelor (ataque de 180mg oral e manutenção de 90mg
de 12 em 12 horas) Evita-se o prasugrel e o ticagrelor se no paciente com idade acima
de 75 anos. Se o paciente for trombolizado, faz-se o clopidogrel (300mg de ataque e
75mg/dia de manutenção).
• Morfina: é um venodilatador que reduz a pré-carga do ventrículo esquerdo, diminui a
resistência vascular sistêmica, reduz a pós-carga e tem efeito analgésico sobre o SNC.
Prescrever 2 a 4 mg IV em bolus e doses adicionais podem ser feitas a cada cinco a
quinze minutos em casos de dor persistente.
• β-bloqueadores: Se não houver contraindicação e o paciente não tiver risco de evoluir
para choque cardiogênico (fatores de risco: idade maior que 70 anos, pressão sistólica
< 120mmHg, FC >110 bpm ou <60bpm), os β-bloqueadores devem ser prescritos.
Podem ser utilizados o propanolol, atenolol ou metoprolol.
• Anticoagulação: deve ser prescrita para todos os pacientes. Para angioplastia
primária: heparina não fracionada ou bivalirudina (é a escolha em pacientes com risco
de sangramento. Para trombólise: enoxaparina, fondaparinux ou heparina não
fracionada.

TERAPIAS DE REPERFUSÃO

A reperfusão coronariana consiste na mais importante terapêutica de pacientes com


IAM com elevação de ST, se precoce e imediata. A reperfusão pode ser realizada pela
angioplastia coronariana transluminal percutânea ou com o uso de agentes fibrinolíticos. A
mortalidade aumenta a cada trinta minutos de atraso na terapêutica: “tempo é músculo!”.
A angioplastia primária é recomendada quando o tempo entre a chegada do paciente
ao PS até o balão estar inflado for menor que 90 minutos e quando há contraindicações à
trombólise.
A trombólise química pode ser realizada quando o paciente não tem contraindicações
aos fibrinolíticos e o centro de hemodinâmica não está disponível imediatamente.
A melhor terapia de recanalização é a que está mais rapidamente disponível no
serviço.

EMBOLIA PULMONAR
O diagnóstico de embolia pulmonar (EP) tem grande importância, pois, sem
tratamento, a mortalidade atinge a marca de 30% e, quando a anticoagulação é feita, a
mortalidade fica em torno de 2 a 8%. Acredita-se que a sua incidência esteja aumentando
devido ao envelhecimento da população, ao aumento de casos de neoplasia, de doenças
respiratórias e do número de pacientes acamados.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Existem fatores de risco para TVP/EP conhecidos e muitos ainda não descobertos.
Como fatores primários estão: idade maior que 65 anos, viagem de longa distância, obesidade,
tabagismo, trombofilias, síndrome metabólica e eventos sem causa aparente. Como fatores
secundários ou provocados estão: imobilização, pós-operatório, doença clínica aguda, câncer,
trauma, anticoncepcional hormonal e gravidez.
A embolia pulmonar ocorre como consequência de um trombo, formado no sistema
venoso profundo, que se desprende e, atravessando as cavidades direitas do coração, obstrui
a artéria pulmonar ou um de seus ramos.

ACHADOS CLÍNICOS

A manifestação clínica varia de pacientes oligossintomáticos até pacientes graves


com instabilidade hemodinâmica. As principais características são:
• Dor torácica (com ou sem dispneia) é um dos sintomas mais frequentes. A dor do tipo
irritação pleurítica acontece quando os êmbolos atingem a periferia dos pulmões, levando
ao infarto ou a hemorragia pulmonar.
• Taquipneia e dispneia indicam grande embolia e podem estar associadas a dor torácica
do tipo aperto.
• Síncope e hipotensão indicam grande embolia e estão associadas a uma maior
mortalidade.
Todos os pacientes com suspeita de embolia pulmonar devem ser avaliados com
escores de probabilidade antes de solicitar exames complementares.

Tabela 1 – Escore de Wells para Pontos


EP
TVP ou EP prévios +1,5
Frequência cardíaca > 100/min +1,5
Cirurgia recente ou imobilização +1,5
Sinais clínicos de TVP +3
Diagnóstico alternativo menos +3
provável que EP
Hemoptise +1
Câncer +1

BAIXA PROBABILIDADE 0a1


INTERMEDIÁRIA PROBABILIDADE 2a6
ALTA PROBABILIDADE ≥7

EXAMES COMPLEMENTARES

RADIOGRAFIA DE TÓRAX

Tem uma grande utilidade para excluir outras causas de dispneia e dor torácica. As
principais alterações correlacionadas com a embolia são áreas de hipoperfusão pulmonar,
imagens cuneiformes, dilatação da artéria pulmonar, atelectasia, derrame pleural e elevação
da cúpula diafragmática.

TROPONINA E BNP

Nos pacientes com embolia pulmonar, o aumento da troponina indica pior prognóstico
e maior risco de complicações. O aumento do peptídeo natriurético cerebral (BNP) indica
dilatação das câmeras cardíacas com maior risco de complicações.

D-DÍMEROS

Os D-dímeros são produzidos quando a enzima plasmina inicia um processo de


degradação de um coágulo (fibrina). Eles são muito sensíveis, porém pouco específicos, por
isso são indicados somente para os pacientes com baixa ou média probabilidade de EP. A
metodologia de escolha no pronto-socorro é o ELISA, o qual tem excelente valor preditivo
negativo. Um ELISA negativo (<500μg/L) praticamente descarta EP no pronto socorro para
pacientes com baixa e média probabilidade.

MAPEAMENTO VENTILAÇÃO-PERFUSÃO (V/Q)

O resultado poderá ser: alta probabilidade (indica grande chance de o paciente ter
EP, e, com esse resultado, já está indicada a anticoagulação), normal (se V/Q normal e baixa
probabilidade clínica de EP, praticamente está descartado o diagnóstico de EP) e não
diagnóstico (necessita de exames adicionais).
TOMOGRAFIA DE TÓRAX

A TC de tórax revolucionou o diagnóstico de EP. Hoje, apenas uma pequena


porcentagem dos pacientes necessita de uma arteriografia. É recomendada como o primeiro
exame de imagem, mas apenas após a avaliação de probabilidade clínica e a dosagem de D-
dímeros (para pacientes de baixa ou média probabilidade).

ULTRASSOM E DOPPLER DE MEMBROS INFERIORES

É um exame barato, disponível, não necessita contraste, porém depende do


examinador. É um bom método para aqueles pacientes que não podem utilizar contraste
iodado pois, se vier positivo, implica um diagnóstico de TVP e a anticoagulação já está
indicada.

ARTERIOGRAFIA PULMONAR

Exame padrão ouro para o diagnóstico de EP. Porém é invasivo e a tendência é


indicá-lo cada vez menos.

ECOCARDIOGRAMA

É útil na identificação de pacientes que possuem um pior prognóstico. Hipocinesia de


ventrículo direito, hipertensão pulmonar persistente, trombo livre e flutuante em átrio direito e
forame oval patente identificam pacientes com alto risco de óbito.

TRATAMENTO

Os pacientes devem ser classificados em categorias de risco de morte. Eles são


classificados em alto risco e não alto risco (subdividido em baixo risco e intermediário). Essa
classificação não deve ser confundida com a anterior, que é a probabilidade clínica de que os
sinais e sintomas do paciente se devam a EP.

Classificação Definição
Baixo risco - EP na ausência de marcadores de maior risco
Intermediário risco - EP no paciente normotenso, mas que apresenta achados
de disfunção de VD ou necrose do miocárdio
Alto risco - EP com hipotensão sustentada (>15 min) ou que requer
droga
- O quadro não é causado por arritmia, hipovolemia, sepse
ou disfunção de VE.

• Baixo Risco De Morte: O tratamento de escolha é feito com heparina de baixo peso
molecular (HBPM) ou fondaparinux, desde que não haja contraindicações.
• Risco Intermediário: Há recomendação de trombólise naqueles pacientes que têm risco
de sangramento baixo, nas situações em que o custo-benefício é razoável e em EP
intermediários que estão evoluindo de forma ruim ou que possuem achados de prognóstico
adverso.
• Alto Risco: Suportes hemodinâmicos e respiratórios são essenciais. Não se recomenda a
HBPM ou fondaparinux nessa situação. Deve-se prescrever a heparina comum IV em
bolus, seguida de bomba de infusão contínua. Há indicação de trombólise.
EDEMA AGUDO DE PULMÃO
Edema agudo de pulmão (EAP) é o acúmulo de líquido extravascular no parênquima
pulmonar. Isso ocorre quando o movimento de líquido do sangue ao interstício e alvéolos
excede a drenagem pelos linfáticos.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

O volume de líquidos que se acumulam no interstício pulmonar depende do equilíbrio


entre as forças hidrostáticas e oncóticas dentro dos capilares pulmonares e nos tecidos ao
redor. A pressão hidrostática favorece a saída dos líquidos dos capilares para o interstício; a
pressão oncótica (determinada pela concentração proteica do sangue) favorece a entrada dos
líquidos nos vasos sanguíneos. A albumina pode estar reduzida em casos de cirrose e
síndrome nefrótica. Embora a hipoalbuminemia favoreça a passagem dos líquidos para o
tecido, em geral, ela não é suficiente para causar edema intersticial.
Nos indivíduos saudáveis, a membrana alvéolo capilar separa o espaço alveolar do
interstício e é pouco permeável a passagem de fluidos. Os canais linfáticos dos tecidos
removem pequenas quantidades de proteínas que possam ter extravasado. Em conjunto, esse
sistema gera uma força oncótica que mantém os líquidos nos capilares.
O edema é causado pode ser causado por:
• aumento da pressão capilar pulmonar;
• diminuição da pressão oncótica do plasma;
• aumento da pressão negativa intersticial;
• aumento da pressão oncótica intersticial;
• alteração da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar (injúria pulmononar);
• insuficiência linfática;
• mecanismo desconhecido ou obscuro.

ACHADOS CLÍNICOS

O edema agudo de pulmão (EAP) caracteriza-se pelo início rápido de dispneia em


repouso, taquipneia, taquicardia e hipoxemia grave. Na ausculta há estertores e sibilos devido
à compressão das vias respiratórias. A liberação endógena de catecolaminas geralmente
causa hipertensão.

ESTÁGIOS DO EDEMA PULMONAR

No exame clínico e no radiológico, o edema agudo de pulmão atravessa estágios. O


estágio 1 é caracterizado pela distensão e recrutamento de pequenos vasos pulmonares. As
trocas gasosas e a difusão de CO₂ aumentam e ocorre dispneia aos esforços. O exame físico
revela discretos estertores inspiratórios por abertura das vias aéreas colabadas. No raio-x,
nota-se redistribuição da circulação.
O estágio 2 caracteriza-se pelo edema intersticial. Ocorre compressão de vias aéreas
menores e pode haver broncoespasmo reflexo. A alteração da ventilação/perfusão leva à
hipoxemia e já há taquipneia. No raio-x estão presentes as linhas de Kerley (opacidades
lineares que correspondem ao espessamento septal) e borramento para-hilar.
O estágio 3 é caracterizado pela inundação alveolar. O paciente apresenta hipoxemia
severa e hipocapnia (em casos severos, pode haver hipercapnia). Há a presença de uma
secreção rósea espumante e estertores crepitantes em “maré montante”. O raio-x mostra
edema alveolar em “asa de borboleta”.

DIAGNÓSTICO

O edema agudo de pulmão é uma síndrome clínica de instalação catastrófica. Há


uma dispneia intensa, insuficiência ventilatória pela inundação dos alvéolos e expectoração
rósea. Auscultam-se crepitantes profusamente.
Geralmente, é difícil diferenciar as causas cardiogênicas das não-cardiogênicas. O
ecocardiograma pode detectar disfunções ventriculares sistólica e diastólica, bem como lesões
valvares. Se o EAP for associado com ECG com elevação de segmento ST e ondas Q,
geralmente firma o diagnóstico de IAM e os protocolos para infarto devem ser aplicados. O uso
do cateter de Swan-Ganz permite a determinação da pressão de capilar pulmonar e ajuda na
diferenciação de causas do edema pulmonar com pressão alta (cardiogênico) e as do normal
(não cardiogênico). O cateterismo da artéria pulmonar será indicado quando a etiologia do
edema pulmonar for obscura, o edema for refratário ao tratamento ou houver hipotensão
associada.
A radiografia mostra as alterações já comentadas acima.

TRATAMENTO

O tratamento do EAP depende da etiologia. Algumas medidas devem ser


implementadas imediatamente para manter a circulação, trocas gasosas e a mecânica
pulmonar.

01) Suporte de oxigenação e ventilação:


a. A oxigenação é fundamental para assegurar o transporte adequado de O₂ aos
tecidos periféricos, incluindo o coração.
b. O edema pulmonar aumenta o trabalho respiratório e a demanda de oxigênio. Para
os pacientes que persistirem com ventilação inadequada mesmo com
administração de O₂ suplementar, deve-se instituir a ventilação assistida com
máscara facial ou nasal ou pela intubação endotraqueal. A aplicação de pressão
positiva (CPAP ou BIPAP) às vias respiratórias pode trazer descanso aos
músculos respiratórios bem como melhorar a oxigenação e a função cardíaca,
além de diminuir a necessidade de intubação.

02) Redução da pré-carga:


a. Os diuréticos de alça (furosemida, bumetanida) são eficazes na maioria dos casos
de edema pulmonar. Os nitratos (nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida) atuam
como dilatadores venosos, embora também possuam propriedades
vasodilatadoras coronarianas. A morfina, quando administrada em doses
intermitentes de 2 a 4mg, é um potente venodilatador que reduz a pré-carga ao
mesmo tempo em que alivia a dispneia e a ansiedade. Os inibidores da enzima
conversora de angiotensina (iECA) reduzem as pós e pré-cargas, sendo
recomendadas aos pacientes hipertensos.

PRÉ-HOSPITALAR

O tratamento pré-hospitalar do EAP baseia-se em: Ativar o sistema de emergência;


oferecer O₂ 100% sob máscara, obter uma via venosa, monitorização com oximetria; realizar
um ECG (se possível) e aplicação de nitroglicerina sublingual e furosemida.

SERVIÇO DE EMERGÊNCIA

No serviço de emergência, deve-se manter o O₂ 100%, a monitorização e a via


venosa. A cabeceira deve ser elevada e os membros inferiores mantidos em declive. Nitratos
e diuréticos devem ser administrados conforme a necessidade.
A causa subjacente do edema agudo deve ser tratada e os fatores contribuintes
devem ser corrigidos.
16. EMERGÊNCIAS CLÍNICAS II - AVE E CRISE CONVULSIVA
Carolina Albino Waltrick

ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO


INTRODUÇÃO

O acidente vascular encefálico (AVE) é a lesão neurológica aguda que corre como
resultado principalmente de duas condições: isquemia cerebral por trombose, embolismo ou
hipoperfusão sistêmica e hemorragia cerebral (intracerebral ou subaracnóidea). Mundialmente,
os AVE’s são a segunda maior causa de mortalidade e a terceira de incapacidade, e sua
prevalência vem diminuindo nos países mais desenvolvidos e aumentando nos países
emergentes.
O manejo inicial dos AVEs é de extrema importância para o prognóstico do paciente e
devemos nos lembrar que “tempo é cérebro”. Os objetivos imediatos do atendimento são
minimizar a lesão cerebral, tratar as complicações médicas e iniciar a avaliação da base
fisiopatológica dos sintomas do paciente.

CONDUTA INICIAL

Apesar de a grande maioria (80%) dos AVEs serem isquêmicos (AVEI), a conduta
inicial perante um caso de suspeita de AVE é o mesmo, independente da etiologia.
Deve-se suspeitar de um AVE quando o paciente apresentar déficit neurológico de
início súbito, com ou sem perda de consciência. Os sinais e sintomas mais comuns são:

• Desvio da rima labial


• Dificuldade para falar ou entender comandos simples
• Confusão mental
• Perda visual em um ou nos dois olhos
• Crise convulsiva
• Perda de força e/ou sensibilidade em um ou ambos os lados do corpo
• Perda de equilíbrio, coordenação ou dificuldade para andar
• Cefaléia intensa

Nos casos de AVE hemorrágicos (AVEH) que tem origem em um sangramento


intraparenquimatoso, os sintomas podem não ter um inicio abrupto. E em sangramentos de
grande monta o paciente também pode apresentar vômitos.
Ao se atender um paciente com suspeita de AVE, deve-se inicialmente seguir a ordem
do ABCDE do trauma e em seguida solicitar os exames complementares necessários. A
informação clínica mais importante é o horário de inicio dos sintomas, uma vez o que o
tratamento do AVEI só pode ser instituído em até 4,5 horas após o início dos sintomas e o
prognóstico de qualquer AVE depende do tempo até a resolução do quadro

A e B: monitorização respiratória

A manutenção de oxigenação adequada é extremamente importante, principalmente


nos casos de AVEI, prevenindo a hipóxia. Os pacientes com aumento da pressão intracraniana
devido à hemorragia, isquemia vertebrobasilar, ou isquemia bihemisférica pode se apresentar
com um volume respiratório diminuído ou obstrução das vias aéreas. Hipoventilação, com
conseqüente aumento do dióxido de carbono, podem levar à vasodilatação cerebral, o que
eleva ainda mais a pressão intracraniana.
As indicações para intubação são as mesmas que nos casos de trauma. Em casos de
pacientes com ventilação adequada, a saturação deve ser monitorada com um oxímetro de
pulso e a suplementação de oxigênio está indicada nos casos de saturação abaixo de 92%.
C: Circulação (Monitorização cardíaca e de pressão arterial)

Sabe-se que pacientes com doenças cardiovasculares tem risco aumentado de


desenvolver AVEs e que arritmias e infarto são complicações comuns de doenças
cerebrovasculares agudas. Por esses motivos, a monitorização cardíaca com
eletrocardiografia deve ser mantida pelo menos nas primeiras 24 horas de evolução do AVE.
A pressão arterial deve ser monitorada de maneira não invasiva, e deve-se ter em
mente que um aumento da PA na fase aguda do AVEI é comum, não necessitando de
tratamento. Em pacientes hipotensos no momento da admissão, devem ser avaliadas as
possibilidades de infarto agudo do miocárdio e dissecção de aorta.
A hipertensão é comum, ocorrendo em ate 80% dos casos e, como já dito, na maioria
das vezes é transitória, retornando aos níveis normais em até uma semana após o evento. A
redução inadvertida da PA em casos de AVEI pode ser prejudicial ao paciente, por aumentar
o infarto na área de penumbra cerebral. A conduta nos casos de hipertensão deve ser a
seguinte:
• Pacientes candidatos à terapia fibrinolítica: se PA sistólica > 185mmHg ou diastólica >
110mmHg: nitroprussiato EV a 0,5 mcg/kg/min. Caso a pressão não seja mantida
<185/110, não realizar a terapia fibrinolítica
• Pacientes não candidatos à terapia fibrinolítica: se PA sistólica <220mmHg ou diastólica
< 120mmHg, o tratamento deve ser conservador. Se PA > 220/120, administrar
nitroprussiato EV 0,5 mcg/kg/min como dose inicial, visando diminuir a PA em torno de
15% num período de 24 horas.

D: Avaliação neurológica inicial

O dado mais importante é o horário preciso do início dos sintomas. Caso este dado
não seja disponível, deve ser considerado o horário como a ultima vez em que o paciente foi
visto assintomático. Deve-se também obter informação quanto a comorbidades, cirurgias
prévias, uso de fármacos anticoagulantes e história familiar.
O exame neurológico deve ser breve e sucinto, utilizando a Escala de Coma de
Glasgow e a escala de AVC do National Intitute of Health (NIHSS). A NIHSS (Figura 1) é a
escala mais utilizada para a avaliação da gravidade, evolução clínica e prognóstico do paciente
com AVE. Ela enfatiza os tópicos mais importantes do exame neurológico e uniformiza a
linguagem dos profissionais de saúde. É composta por 11 tópicos e sua pontuação varia de 0
a 42 pontos, sendo que uma pontuação maior ou igual a 20 indica AVE severo. Em casos de
AVEH, a ICH score deve ser realizada e em casos de hemorragia subaracnóidea, a escala de
Fisher e Hunt Hess, além da NIHSS.

Controle da Glicemia

Estudos demonstram que a hiperglicemia nas primeiras 24 horas de um AVEI está


associada a um pior prognóstico. Logo, recomenda-se monitorização da glicemia capilar a cada
4 horas, com tratamento da hiperglicemia com o uso de dose ajustada de insulina e prevenção
da hipoglicemia. A glicemia capilar dos pacientes com AVEI deve ser mantida entre 80 e 140
mg/dl.

Controle da Temperatura

O aumento da temperatura também está associado ao pior prognóstico nos casos de


AVEI, sendo recomendado que a temperatura axilar seja mantida abaixo de 37,8ºC. Figura 1
(Escala NIHSS):
EXAMES COMPLEMENTARES

Tomografia computadorizada

O principal exame complementar é a tomografia computadorizada (TAC) de crânio sem


contraste, sendo que seus achados na fase aguda são fundamentais no momento de decidir a
conduta, ajudando a definir se o AVE é isquêmico ou hemorrágico.
A TAC de crânio permite afastar hemorragia intracraniana e outros diagnósticos
diferenciais. Em caso de suspeita de hemorragia subaracnóidea (HSA), deve-se considerar
punção lombar e contra indicar a terapia fibrinolitica ou trombólise. A TAC também nos permite
afastar infarto definido e edema cerebral importante, sendo que na primeira condição a área
isquêmica (hipodensa) já é bem definida e a trombólise provavelmente não será mais benéfica,
tendo inclusive maior chance de evoluir para uma hemorragia.
Este exame complementar ainda possibilita a identificação de sinais precoces de
isquemia, sendo considerados sinais de alerta: apagamento de sulcos, perda da diferenciação
da substância branca e cinzenta e sinal da artéria cerebral média hiperdensa (indica oclusão).
Outros exames de imagem, tais como angiotomografia e ressonância magnética,
podem ser utilizados, porém o exame de escolha é a TAC devido à sua disponibilidade e
rapidez.

Exames Laboratoriais

Devem ser solicitados os seguintes exames: hemograma, contagem de plaquetas,


sódio, potássio, creatinina, glicemia, coagulograma completo (com RNI) e marcadores
cardíacos. Tais exames são solicitados para identificar condições sistêmicas gerais que são
diagnósticos diferenciais e contribuir com dados que podem auxiliar na escolha do tratamento.

AVE ISQUÊMICO

O AVEI é o tipo mais comum de AVE, correspondendo a 80% dos casos. Pode ocorrer
por 3 principais causas:

• Trombose: é a obstrução in situ de uma artéria devido a doenças da parede arterial,


como arteriosclerose, dissecção ou displasia fibromuscular.
• Embolia: é a obstrução arterial causada por partículas de debris vindos de outras partes
do corpo, como o coração.
• Hipoperfusão sistêmica: problema circulatório mais geral, com manifestações cerebrais
e em outros órgãos. Pode estar relacionado à falha da bomba cardíaca, embolismo
pulmonar, infarto ou sangramento.

Sabe-se que o metabolismo cerebral depende de grandes quantidades de glicose e


oxigênio, fazendo com que o cérebro necessite de 20% do débito cardíaco para manter suas
funções. Em caso de hipoperfusão, a disfunção celular inicia-se em segundos a minutos e
rapidamente cria uma área central de infarto irreversível e uma circundante com potencial de
reversibilidade mesmo após algumas horas, a chamada “área de penumbra”. Logo, o
diagnóstico e tratamento do AVEI devem ser feito o mais rápido possível, para reverter a
isquemia na maior área possível.

Tratamento do AVEI

O tratamento desta modalidade de AVE consiste em tratamento de suporte, tratamento


específico e tratamento das complicações.
O tratamento de suporte nada mais é do que os cuidados iniciais já citados
anteriormente, realizando o ABCDE do trauma, monitorização cardíaca, glicêmica e de
temperatura. Além disso, alguns protocolos indicam o uso de estatinas.
O tratamento específico é a trombólise endovenosa, que visa restaurar a perfusão
cerebral até 4 horas e meia do início dos sintomas (período de tempo em que se considera que
haja potencial para limitar as conseqüências bioquímicas e metabólicas que induzem à lesão
irreversível dos neurônios). Quanto mais precoce (de preferência dentro dos primeiros
90 minutos), melhores são os resultados. O trombolítico utilizado é p r-tPA (Actylise ®)
endovenoso, em dose de 0,9mg/kg (máximo de 90 mg), sendo 10% em bolus e o restante em
2 horas. Porém a trombólise não está indicada para todos os pacientes. Os critérios de inclusão
e exclusão devem ser observados para selecionar os pacientes candidatos a está terapia.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Início dos sintomas em até 4 horas e 30 Início dos sintomas há > 4 horas e 30
minutos minutos
NIH inicial maior do que 4 (exceto afasia) Desconhecimento do horário de início dos
sintomas ou ter despertado com os sintomas
TAC de crânio sem evidências de Hemorragia intracraniana prévia
hemorragia
ASPECTS score ≥ 7 Neoplasia intracraniana maligna
Sintomas neurológicos persistentes TCE, AVEI ou infarto agudo do miocárdio
nos últimos 3 meses
Ausência de contra-indicações à trombólise Suspeita de dissecção de aorta
Punção de LCR em menos de 7 dias;
Punção recente em vaso não compressível
Sangramento ativo (exceto menstruação)
Sangramento gastrointestinal ou gênito-
urinário nos últimos 21 dias.
Crise epiléptica na instalação dos sintomas
Coagulopatias: plaquetas < 100.000/mm3,
uso de heparina nas últimas 48 horas e
TTPA> limite superior ou uso recente de
anticoagulante oral e elevação do TP
(INR>1.5)
Pressão arterial > 185/110mmHg apesar de
tratamento
Cirurgia de grande porte nos últimos 14 dias

Contraindicações relativas: HAS grave e não controlada, admissão com PAS > 180,
ressuscitação cardiorrespiratória traumática ou >10 minutos, demência ou outras patologias
intratáveis, gravidez ou puerpério, úlcera péptica ativa, uso de cocaína.
As complicações mais comuns são edema cerebral, convulsões, transformação
hemorrágica e infecções, cada uma com seu manejo específico, não sendo o foco deste
capítulo.

AVE HEMORRÁGICO

O AVEH é definido com um sangramento espontâneo resultante da ruptura de


pequenas artérias cerebrais perfurantes em diferentes localizações. Tem uma mortalidade de
cerca de 35 a 56% nos primeiros 30 dias e apenas 20% dos sobreviventes estarão
independentes após 6 meses. O volume do hematoma intracerebral é um ótimo preditor de
morbidade e mortalidade nestes pacientes. Quando maiores do que 30cm³ apresentam um
péssimo prognóstico e os maiores que 60cm³ geralmente são fatais. Sabe-se que até 1/3 dos
AVEH aumentam de volume, principalmente nas primeiras 3 a 6 horas, levando à deterioração
neurológica progressiva.

Tratamento do AVEH

O tratamento do AVEH consiste no controle das complicações das doenças já


existentes como hipertensão arterial, diabetes mellitus e coagulopatias, e o manejo adequado
da hipertensão craniana e de possíveis crises convulsivas.
O tratamento clínico do AVEH está resumido no esquema a seguir, retirado das
Diretrizes Assistenciais de AVC do Hospital Albert Einstein, de março de 2013.
O tratamento cirúrgico depende do tamanho e da localização do hematoma
intracerebral, da presença de sangue nos ventrículos e do quadro clínico do paciente.
Pacientes com hemorragia cerebelar > 3 cm que apresentam deterioração neurológica,
compressão de tronco encefálico ou hidrocefalia devem ser submetidos a procedimento
cirúrgico de urgência. A craniectomia convencional pode ser considerada para pacientes com
hematomas lobares distantes 1 cm ou menos da superfície cortical.

CRISE CONVULSIVA

As crises convulsivas são desordens temporárias dos estímulos elétricas cerebrais que
resultam em contrações musculares intensas e generalizadas. Várias são as causas para as
crises convulsivas, tais como epilepsia (que corresponde a uma desordem cerebral crônica, de
várias etiologias, caracterizada por crises epilépticas recorrentes, conseqüência de descargas
neuronais excessivas e sincrônicas), TCE, abstinência de álcool e drogas, encefalite, AVE etc.
No atendimento inicial a um paciente com crise convulsiva, devemos investigar as
comorbidades, o uso de medicamentos, álcool e drogas ilícitas, a história de TCE e história
familiar de epilesia. Devemos também saber diferenciar as crises convulsivas, que duram
menos que dois minutos e muitas vezes não necessitam de tratamento farmacológico, do
estado de mal epiléptico, caracterizado por crises continuas com duração maior do que 5
minutos e que necessitam de tratamento farmacológico apropriado.

Tratamento das crises convulsivas

A maior parte das crises convulsivas regride espontaneamente em até 2 minutos, sem
a necessidade de uso de benzodiazepínicos ou drogas antiepilépticas. Entretanto,
aconselha-se que seja garantido um acesso venoso periférico o quanto antes para que os
medicamentos necessários possam ser administrados caso a crise se prolongue.
O paciente deve ser posicionado em decúbito lateral, protegendo-o de maneira a
evitar que o paciente caia da maca ou se machuque. Não se deve tentar abrir ou introduzir
nada na boca do paciente durante a crise. O paciente deve ter no mínimo uma pessoa
monitorando-o durante toda a crise, até que esta tenha passado e a respiração do paciente
volte ao normal. Após as crises, é comum que o paciente se sinta sonolento ou com cefaléia.
Passada a crise, deve-se tentar conversar com o paciente ou acompanhantes para recolher
o maior numero de informações quanto a historia prévia e familiar de epilepsia,
medicamentos em uso e doses, uso de substâncias e abstinência, outras comorbidades,
como diabetes, distúrbios eletrolíticos e doenças renais. Exames complementares podem ser
úteis no caso se uma primeira crise não associada a TCE, sendo solicitados exames
laboratoriais (eletrólitos, glicemia, cálcio, magnésio, provas de função renal e hepática), além
de possíveis exames de imagem e eletroencefalografia.

Crise convulsiva e TCE

As crises convulsivas são uma complicação comum após o TCE. Sabe-se que a
principal causa de epilepsia sintomática em pacientes entre 15 e 24 anos são os TCEs. As
crises convulsivas pós-TCE podem ser divididas em precoces e tardias.
As precoces ocorrem em até uma semana após o trauma e são eventos sintomáticos
agudos e normalmente não representam epilepsia. Cerca de metade acontece nas primeiras
24 horas, sendo a maioria do tipo tônico-clônica generalizada. Pacientes com TCE severo ou
moderado e pacientes com TCE leve e convulsões devem realizar uma TAC de crânio para
melhor avaliação. Sabe-se que crises precoces estão associadas a uma maior incidência de
sangramento intracranial, o que aumenta o risco de complicações em longo prazo. O
eletroencefalogama não tem valor nas crises agudas.
Apesar das crises pós TCE normalmente não recorrerem, é preconizado o tratamento
medicamentoso com drogas antiepilépticas devido ao risco de estado e mal epiléptico ou piora
sistêmica. Dá-se preferência ao uso da fenitoína, devido ao fato de não causar sedação
significativa. Normalmente o tratamento é mantido até a alta do paciente e o medicamento é
retirado aos poucos nas semanas subseqüentes.
As crises que ocorrem mais de uma semana após o TCE são chamadas tardias e
refletem um dano estrutural e fisiológico permanente no cérebro, normalmente representando
uma possível epilepsia pós-traumática. Cerca de 85% dos pacientes apresentam crises
recorrentes sem o tratamento medicamentoso e por isso o tratamento a longo prazo com
anticonvulsivantes é recomendado.
17. TABELA PARA ATENDIMENTO INICIAL AO TRAUMATIZADO
Jean Raitz Novais

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