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A.M.

MODENESI 3/9/2005

I – Primeira Década Republicana (1889-1900)

Gustavo Franco

Sinopse
1) Crises de liquidez
2) Lei Bancária de Rui Barbosa (1890) ⇒ Encilhamento: i)especulação bursátil;
ii)desvalorização e surto industrial; e iii)inflação
3) Funding Loan (1898): suspensão dos pagamentos da dívida até 1911
4) Programa de estabilização de Joaquim Murtinho (1898-1902): reversão dos
excessos do encilhamento

• 15/11/1889 Marechal Deodoro da Fonseca proclama a República.

• Deodoro da Fonseca (Rui Barbosa): 1889-1891; inflacionismo.


• Floriano Peixoto: 1891-94
• Prudente de Morais: 1894-98
• Campos Salles (Joaquim Murtinho): 1898-1902; ajuste recessivo.

• Crescente integração com economia mundial Ù i)abertura comercial em termos


relativos (1913: participação no comércio internacional inferior a 1%); ii)elevação
na participação do investimento internacional (1913: 30 % de toda A. Latina).

1. Crises de liquidez (desde 1860): “inelasticidade do meio circulante” ⇐


[i)sistema bancário incipiente: concentrado (80% depósitos na capital) e
poucas agências; ii)pequeno d (DVBC/PMPP) → pequeno multiplicador
monetário].

• Pressões sazonais na demanda por moeda (plantio/financiamento safras) +


inelasticidade do meio circulante ⇒ crises liquidez: drenagem de maior parte de

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recursos (MP) para atividade agrícola (campo) → escassez de recursos (MP) para
atividades comerciais (centros urbanos).

• Agravada pela elevação na demanda por moeda: ← i)introdução trabalho


assalariado (Lei Áurea de 1888: fim da escravidão); ii)crescimento econômico;
iii)saldo nas contas externas.

“Assim sendo, podem-se ter indicações sobre o modo como a disseminação do trabalho
assalariado viria a afetar o sistema bancário: a presença de crises de liquidez, e com
crescente gravidade à medida que se aproxima o ano da abolição, fornece indicação clara
do impacto monetário da difusão do trabalho assalariado no campo” (p. 7-8).

“(...) como as despesas com a mão-de-obra na atividade agrícola tinham um caráter


essencialmente sazonal – pois estavam ligadas principalmente às colheitas – a difusão do
assalariamento haveria de manifestar-se em primeira instância através de crescentes
demandas de adiantamentos junto aos bancos na capital por ocasião das safras. Na
verdade, há relatos sobre pressões sazonais sobre os bancos no Rio de Janeiro resultando
em dificuldades de liquidez na praça do Rio desde 1860(...)” (p. 16).

“De um lado, o incipiente desenvolvimento do sistema bancário o tornava mais


vulnerável às variações sazonais na procura por crédito e nos seus depósitos. O sistema
bancário à época era bastante concentrado na capital, onde estavam localizados cerca de
80% dos depósitos bancários, e era muito pouco desenvolvido. Em 1888 havia 0,043
agências por 10 mil habitantes no país, número considerado extremamente baixo. (....). Essa
baixa propensão do público para reter moeda sob forma de depósitos bancários impunha
uma limitação estrutural à capacidade dos bancos em expandir seus empréstimos
(depósitos) em resposta à maior procura de moeda, já que aquela significava basicamente
um reduzido valor para o multiplicador bancário. Nessas condições os bancos eram
particularmente vulneráveis a demandas sazonais muito fortes pois para que os bancos
expandissem o crédito, ceteris paribus, obrigatoriamente veriam reduzir-se sua relação
encaixe-depósitos, ficando, portanto, em uma posição de liquidez mais vulnerável” (p. 17).

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“(...)no lustro final do Segundo Império a economia brasileira enfrentava um conjunto de


mudanças em relação ao qual as instituições monetárias existentes representava um
ponto de estrangulamento: transformações no regime de trabalho [fim da escravidão],
expansão do nível de atividades e situação favorável no balanço de pagamentos graças,
mas não exclusivamente, à cultura do café requeriam flexibilidade e montantes de meios de
pagamentos que o sistema monetário-financeiro da época era incapaz de fornecer. Sendo o
sistema bancário pouco desenvolvido e concentrado na sede do governo, não atendia às
novas necessidades dos negócios, principalmente nos períodos de plantio e
financiamento de safras, em que os escassos recursos monetários eram enviados ao
campo causando escassez de capital nas cidades e na atividade comercial” (Boneli, p.
78).

“A principal explicação para estas demandas é decorrente da ampliação do trabalho


assalariado(...) [que] elevou a necessidade de moeda para transação nesta economia,
ampliando as já recorrentes crises de iliquidez que ocorriam nos meios financeiros e
comerciais nacionais. Ampliaram-se pressões pela flexibilização da política monetária e por
reformas no sistema financeiro de então tido como inelástico. Além disso, o próprio
crescimento econômico pressionava(...).” (Saes, p. 79-80).

Box I.1 – Multiplicador Monetário e Balancete dos Bancos Comerciais

O multiplicador monetário (α) é por definição igual à razão meios de pagamento-base


monetária; assim, tem-se que: MP = αB. O multiplicador monetário é dado
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por: α = , sendo d e e, respectivamente, a relação ente os depósitos à vista-meios
1 − d (1 − e)

 DVBC   ET 
de pagamentos  d =  e a relação encaixes totais-depósitos à vista  e =  . O
 MP   DVBC 

 + −
multiplicador monetário é uma função crescente de d e decrescente de e: α = f  d , e  .
 

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A seguir será apresentado o balancete dos bancos comerciais:

Balancete Consolidado dos Bancos Comerciais


Ativo (aplicação) Passivo (fonte)
a) Encaixes Totais (ET) g) Recursos próprios
a.1)Moeda h) Depósitos à Vista (DVBC)
a.2)Voluntário i) Depósito a prazo
a.3)Compulsório
b) Empréstimos ao Setor Privado f) Redesconto
d) Empréstimos a Entidades Públicas k) Empréstimos do Setor Externo
c) Títulos públicos e privados l) Demais Exigibilidades
e) Imobilizado
f) outras aplicações

• Lei de 1885 (restauração da lei de 1875): autorizava o Tesouro a realizar emissões


temporárias. Paliativa: efeito temporário.

• Debate metalistas (orientação dos gabinetes imperiais contra expansão monetária:


i)retorno ao padrão-ouro: somente emissão conversível de moeda lastreada em ouro à
paridade de 1846; ii)controle inflacionário) X papelistas (favorável expansão
monetária: emissão inconversível (sem lastro)de moeda fiduciária).

“A aplicação imediata a Lei pareceu aliviar as dificuldades de liquidez em 1985 mas


segundo o jornal do comércio, ‘já nos últimos meses de 1886, sentia-se certo mal-estar
proveniente da dificuldade de se obter empréstimos e adiantamentos, escasseando o
numerário. Parecia porém, que tal estado era apenas a repetição da crise periódica que se
observa... nos fins de semestre’. As dificuldades se tornariam ainda mais sérias nos
primeiros meses de 1887(...)”

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“Essa preocupante sucessão de crises resultou não só em tornar inoportuna a política


monetária deflacionista do ministro da Fazenda Conselheiro Belizário, talvez o mais
destacado metalisa de seu tempo, mas também em reforçar a impressão de que a lei de
1885 representava apenas um paliativo e que era preciso buscar-se soluções mais
definitivas e duradouras para os problemas monetários causados pela difusão do
assalariamento no campo, o que implicava basicamente modificações drásticas na
orientação da política monetária, ou mesmo uma verdadeira reforma das instituições
monetárias. Foi nesse contexto que surgiu o primeiro grande projeto de reforma
monetária(...). A apresentação desse projeto daria início a um período de ricas discussões
sobre questões relativas à moeda, à taxa de câmbio e o sistema monetário, um verdadeiro
tour de force que resultaria, 17 meses depois – a 24 de novembro de 1888 – em uma lei de
reforma bancária(...). Com efeito a necessidade se expandir a oferta de moeda
contrapunha-se à orientação conservadora de sucessivos gabinetes imperiais
empenhados em reduzir a oferta moeda de modo a se restabelecer o padrão-ouro à
paridade de 1846 – 27 pence por mil-réis. (...). Ao longo de 1888, todavia a taxa de câmbio
havia se apreciado até a tão perseguida paridade de 1846 e lá havia permanecido desde
então. Em função disso seria possível ao Gabinete Ouro Preto, o último do Império,
estabelecer um compromisso entre os que propunham a expansão monetária e o que
lutavam pela paridade de 1846: a emissão inconversível” (p. 19).

• Lei Bancária de 1888: efeito inexpressivo sobre a oferta monetária.

“(...)ao final de 1889, o saldo das tentativas de reforma (expansão) monetária era
praticamente nulo. Se já em 1987 se falava em oferta insuficiente e em possibilidade de
crise, em fins de 1889 a necessidade de novas emissões era exaltada em tons dramáticos”
(p. 21).

2. Lei Bancária de 1890 (Rui Barbosa: i)papelista não ortodoxo; ii)M.F. de


Dedoro da Fonseca). Utilização do direito de emissão dos bancos: excessiva
expansão monetária (emissão inconversível lastreada em títulos públicos).

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• Regionalização da emissão bancária: princípio da pluralidade emissora (bancos


privados emissores).

“A reforma monetária de 1888, que o governo imperial não executou, na forma como foi
aplicada posteriormente, concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais,
provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito (Furtado, p 171)”

• Abundância de liquidez e crédito → facilitou a criação de empresas (lei das SA’s)


⇒ i)especulação bursátil (BVRJ; até 1893); ii)onda inflacionária (revertida a partir de
1898 pelo programa de J. Murtinho); iii)desvalorização cambial ⇒ i)incentivo à
produção industrial (encarecimento das importações); ii)proteção da renda do café
(aumento receita de exportação) → ↑ excessivo capacidade de produção (origens do
excesso de produção do início século XX).

“A conseqüência mais importante [da lei bancária], no entanto, parece ter sido a
desvalorização cambial, que teve dois efeitos principais. Em primeiro lugar, encarecendo
as importações incentivou o crescimento da produção interna das indústrias eu
processavam matérias-primas locais. Ao que tudo indica, houve um surto industrial na
primeira década da República. Em segundo lugar, a contínua desvalorização cambial,
protegendo renda dos cafeicultores, incentivou o excessivo crescimento da capacidade
de produção”

Box I.2 – Taxa de Câmbio e Competitividade Externa

e: taxa de câmbio nominal (real/dólar) ≡ preço de um dólar expresso em reais.


P: nível de preços interno; Pf : nível de preços externo; R: taxa de câmbio real

• O preço em reais de um bem importado (PmR$) é dado pelo produto de seu preço em
dólares (PmUS$) pela taxa de câmbio nominal (e). Neste sentido, dado PmUS$, a taxa
de câmbio nominal (e) pode ser vista como uma medida de competitividade da

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produção interna em relação à externa: quanto maior e (mais desvalorizada) maior


o preço em reais das importações (menos competitivas).

PmR $ = PmUS $ × e

• A taxa de câmbio real é uma medida mais precisa da competitividade da


produção doméstica: ela é afetada não somente pela taxa de câmbio nominal, mas
também pelo nível de preços interno e externo. Uma elevação do nível de preços
doméstico, mantendo-se constante as demais variáveis, gera uma valorização
cambial real: os bens domésticos tornam-se relativamente mais caros,
deslocando a demanda para os bens externos, vale dizer, aumentando as
importações e diminuindo as exportações. Contrariamente, uma elevação do nível
de preços externo, mantendo-se constante as demais variáveis, cria uma
desvalorização real: os bens domésticos tornam-se relativamente mais baratos,
diminuindo as importações e aumentando as exportações. Portanto, uma valorização
cambial (nominal) apenas se traduz em valorização da taxa de câmbio real se os
níveis de preço interno e externo permanecerem inalterados.

e × Pf
R=
P

• Desvalorização nominal ≡ ↑ e Ù necessária maior quantidade de reais para


comprar um dólar.
• Desvalorização real ≡ ↑ R <= [(i)-↑e (tudo mais constante); (ii)-↑Pf; (tudo mais
constante); (iii)-↓ P (tudo mais constante)] Ù ↑ competitividade.
• Moeda sobredesvalorizada (R relativamente alto) Ù alto grau de competitividade
=> exportações relativamente mais baratas e importações relativamente mais
caras => desloca a demanda para produtos produzidos internamente => ↓M, ↑X

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• Encilhamento: movimento especulativo na BVRJ ⇐ [i)lei bancária de 1890; ii)Lei


das SA’s; ii)clima de euforia (proclamação da república)].

“Mas não há dúvida de que a mais importante medida de política econômica adotada foi a
apressada lei bancária de 1888 [implementada em 1890] (...). Determinando que os
direitos de emissão dos bancos fossem imediatamente utilizados, o Governo provocou um
aumento muito acima das necessidades... o papel-moeda emitido aumentou 3,5 vezes. Os
resultados foram aumento médio anual nos preços(...) e rápida desvalorização da taxa
cambial. A febre de incorporações de novas empresas(...) tomou impulso, não só devido à
reforma bancária e das sociedades anônimas, como também ao clima de euforia criado
com a inauguração do novo regime político. Na ausência de um organismo de controle
central e de fiscalização, a especulação tomou conta do mercado, abarrotado de títulos de
empresas fantasmas, originando a crise conhecida por “Encilhamento” em fins de 1891,
que causou a falência de inúmeras empresas” (Villela e Suzigan, p, 13-5).

“Esses anos, localizados no início da era republicana em nosso país, têm sido
caracterizados na literatura relevante principalmente pela intensa especulação financeira e
bursátil, a criação acelerada de inúmeras empresas e a posterior crise inflacionária que só
seria resolvida a partir da adoção do programa de Murtinho em 1898” (Bonelli, p. 77-8).

“Tal lei possibilitou forte expansão monetária com base em emissões inconversíveis
feitas a partir de três orgãos emissores e lastreada em títulos públicos. A expansão
monetária foi bastante criticada, porém existiam fortes demandas por tal expansão” (Saes,
p. 79).

“Foi justamente a conjugação desses elementos (facilidade creditícia e facilidade na


criação de SA’s) que explicou o chamando ‘encilhamento’. O encilhamento foi um
movimento de especulação bursátil, ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro no
início dos anos 90” (Saes, p. 80).

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• Encilhamento ⇒ [i)investimentos industriais (Bonelli: ponto de inflexão na


acumulação de capital industrial) → surto industrial (têxtil); ii)origem da
superprodução de café (início século XX)].

Tabela I.1 – Importações Brasileiras de Máquinas e Equipamentos Industriais da Grã-


Bretanha, EUA, França e Alemanha (em Libras Esterlinas, Preços de 1913): anos
selecionados

Anos Valor (em 1000 Libras)


1878-1882 (média) 273
1883-1887 (média) 468
1888 653
1889 631
1890 819
1891 1387
1892-1896 (média) 932
1897-1901 (média) 531
Fonte: Bonelli

“Embora existam exemplos de surtos industriais de alguma expressão regional ou


mesmo nacional desde pelo menos meados do século passado(...) há um certo consenso
de que o período do Encilhamento destaca-se como um ponto de inflexão na origem da
acumulação de capital industrial” (Bonelli, p. 77).

“(...) a formação de capital acelerou-se efetivamente com as políticas inflacionárias dos


anos 1886-94. Apesar dos abusos cometidos, existe hoje um certo consenso de que
resultaram do Encilhamento aspectos positivos para o desenvolvimento industrial. Em
primeiro lugar, no plano político o fenômeno significou uma tentativa de romper com a
estrutura agrária dominante(...). Em segundo lugar a expansão do crédito estimulou um
efetivo aumento no investimento industrial levando à criação de novas, maiores e mais
tecnologicamente avançadas fábricas de tecidos(...). Em terceiro lugar, as políticas
inflacionárias(...) provocaram a valorização da taxa de câmbio(...) que na presença de

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tarifas de importação específica facilitaram a obtenção de máquinas e equipamentos


industriais. A desvalorização cambial que se observou mais tarde, ao aumentar o preço
relativo das exportações, estimulou o crescimento da produção industrial de
mercadorias exportáveis ou substitutivas de importações. Em quarto lugar, a crise após
o encilhamento implicou ainda maior apóio à indústria de transformação e proteção às
atividades industriais” (Bonelli, p. 79).

“É notável(...) a aceleração da formação de capital na indústria que ocorre no final do


Império e começo da república. De fato,mesmo descontado o pico observado em 1891 –
ano em que foi mais intensa a especulação inflacionária – a média anual de 1888-1896 é de
mais de duas vezes o valor alcançado em qualquer ano de períodos imediatamente
anteriores. Observe-se que mesmo após esse surto os níveis de investimento na produção e
manufaturas, conforme avaliados pela importação de maquinaria industrial, são bem
superiores aos do final do império. Adicionalmente, algumas das maiores empresas
industriais brasileiras e todos os tempos foram fundadas durante o período do Encilhameno
e nos anos próximos(...)” (Bonelli, p. 80).

• Controvérsia: Versiani (industrialização intencionalmente promovida pelo


governo) minimiza o efeito expansionista sobre os investimentos no setor têxtil
do Encilhamento: impacto reduzido sobre a capacidade produtiva.

“É muito possível que a expansão do crédito nos primeiros anos em seguida à


proclamação da república, e a movimentação no mercado de títulos, característica do
episódio do Encilhamento, tenham favorecido à captação de recursos pelas empresas
têxteis pré-estabelecidas (através da emissão de debêntures, p.ex.). Mas é quase certo que
essa contribuição tenha sido marginal em relação ao reinvestimento de lucros. Quanto à
criação de novas empresas por subscrição de ações, em 1890-1892, as indicações são,
também, de que tenha tido pouca importância em termos de acréscimo à capacidade
produtiva. Das fábricas de tecido registradas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro na
década seguinte, pelo menos 75% da capacidade instalada, em termos da quantidade de
teares, correspondiam a fábricas fundadas antes de 1890(..). Conseqüentemente o

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encilhamento parece ter tido, de fato, um impacto muito limitado no aumento de


capacidade da indústria têxtil(...)” (Versiani e M. Barros, p. 136-7).

3. Funding Loan (empréstimo de consolidação da dívida externa) (1898): plano


de refinanciamento entre o governo Federal e a casa Rotschild ⇒ suspensão
do pagamento do serviço da dívida (juros e amortização) por 13 anos (até
1911).

• Condicionalidade (imposta pelos credores com o objetivo de maximizar a


possibilidade de pagamento dos créditos): austeridade fiscal e monetária.

• Crise cambial (1891-98): [i)desvalorização → deterioração contas públicas:


a)aumenta encargo da dívida externa (denominada em moeda estrangeira) em
termos da moeda doméstica; b) ↓ arrecadação imposto de importação (principal
fonte tributária: 75% das receitas); ii) ↓ preço café → redução receitas exportações;
iii)pequena redução nas importações] ⇒ [dificuldades em honrar compromissos
externos (1894) → necessidade de renegociação da dívida externa ⇒
i)empréstimo em 1895: insuficiente; ii)funding loan].

“O preço do café no mercado mundial continuou caindo, mantendo reduzida a receita de


exportações. A escassez de divisas, agravada pelas necessidades para o pagamento da
dívida externa, teve duas importantes repercussões. Primeiramente, acentuou-se a
desvalorização cambial. Isso obviamente interessava aos produtores de café.
Subseqüentemente, e em parte como efeito da própria desvalorização cambial, reduziram-
se as importações. Como a tributação alfandegária representasse a quase totalidade da
receita do Governo Federal, esta sofreu uma substancial redução. Este foi o fator mais
importante para o agravamento do déficit orçamentário em 1897, muito embora a despesa
do governo tivesse aumentado em virtude dos gastos militares extraordinários e o crescente
serviço da dívida externa. E para o financiamento do déficit recorreu-se a novos
empréstimos no exterior e emissões de papel-moeda. Essas tendências acentuaram-se em

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1898, levando o Governo a renegociar o primeiro acordo para consolidação da dívida


externa” (Villela e Suzigan, p. 15-6).

“O déficit orçamentário crescia de forma significativa após a crise de 1891, sendo


particularmente preocupante a evolução das contas de despesa vis-à-vis de receita do
governo denominadas em moeda estrangeira. O resultado orçamentário mostrou-se
bastante sensível às flutuações cambiais, tornando evidente a relação entre o desequilíbrio
externo e o desequilíbrio fiscal, tal como seria observado diversas vezes ao longo do
período republicano” (p. 25).

“Já em dezembro de 1894, o ministro da Fazenda indaga aos Rothschild sobre algum
‘arranjo financeiro’ destinado a prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar
pressões sobre a taxa de câmbio. Em janeiro de 1895, os banqueiros colocam entre amigos,
ou seja, sem o recurso a uma lançamento público, letras do Tesouro(...) mas o governo
brasileiro continua insistindo em um grande empréstimo” (p. 25)

“Nenhuma melhora na situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o


empréstimo de 1985 rapidamente consumido e tendo inclusive o governo brasileiro
contraído novos empréstimos de curto prazo de modo a evitar pressões adicionais sobre o
mercado de câmbio. O enfraquecimento dos preços do café em função das grandes safras
de 1896 e 1897, as quais, conforme acima aludido, registravam as conseqüências do
extraordinário aumento do plantio no início da década, contribuíram, a essa altura, de modo
decisivo para debilitar as contas externas do país. (....). Os banqueiros, por sua vez,
insistiam em que a única forma de o governo brasileiro obter fundos seria através de uma
proposta de arrendamento da Cia. Estrada de ferro central do Brasil(...). Mas mesmo após a
proposta de moratória em fevereiro de 1898(...) e que levaria ao chamado funding loan,
os banqueiros continuam a considerar o arrendamento da Central” (p. 26)

“Por fim, um plano de refinanciamento de pagamentos é finalmente acordado entre o


governo e a casa Rotchsild, través do qual seria emitido o chamado funding loan. O plano
era bastante simples: tratava-se de rolar os compromissos externos do governo, vale dizer,

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o serviço da dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de severas


medidas de saneamento fiscal e monetário” (p. 26-7).

“(...) o pagamento da dívida externa tornou-se cada vez mais complicado, forçando o
governo brasileiro a procurar um acordo com os banqueiros. Este acordo foi estabelecido
em Fevereiro de 1898 – o funding loan. Em contrapartida, Campos Sales e seu ministro da
fazenda Joaquim Murtinho concordaram em alterar os rumos da política econômica interna,
passando a política monetária a ser fortemente contracionista” (Saes, p. 82).

• Controvérsia em relação às causas da desvalorização: [i)inflação interna ←


a)expansão monetária (Rui Barbosa); ou ii)deterioração situação externa (BP) ←
a)retração dos mercados de capitais: crise Argentina e falência da Baring Bro.;
b)desaprovação dos credores em relação a política econômica nacional].

“(...)o ano de 1891 registra uma queda inusitada da taxa de câmbio [desvalorização da
moeda doméstica](...). A relação entre esse declínio e a política monetária não parece
simples(...). De qualquer modo, é certo que as hesitações e omissões que caracterizam as
gestões de Araripe e Lucena – que se deviam em boa medida a uma conjuntura política
mais complexa que a do ano anterior – favoreciam a crise cambial. Tal pode ser visto, por
exemplo, através do espantoso crescimento da oferta de moeda a partir de setembro de
1890. (…). Não resta dúvida, por outro lado, que influências ‘exógenas’, ligadas aos efeitos
sobre as entradas de capital no Brasil do colapso da casa Baring Brothers em Londres, em
outubro de 1890 e da moratória Argentina teriam grande influência sobre o mercado de
câmbio no Brasil em 1981” (p. 23).

4. Joaquim Murtinho (M.F. de Campos Salles). A partir de 1898 implementa o


funding scheme: [i)empréstimo externo (funding loan); ii)programa de
estabilização monetária e fiscal ⇒ ajuste recessivo (reverão dos excessos do
Encilhamento)].

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• [i)contração monetária; ii)cobrança do imposto de importação em ouro] ⇒


[i)deflação; ii)equilíbrio fiscal; iii)melhor percepção mercado financeiro
internacional → ↑ entradas de capital; iv)valorização cambial ⇒ desincentivo à
produção industrial e cafeeira → ↓ investimento industrial].

• Diagnóstico: excesso de liquidez (Rui Barbosa) ⇒ [i)desvalorização; ii)falsa


abundância de capitais] ⇒ [i)industrias artificiais; ii)excesso de produção de
café].

• Receita: contração monetária ⇒ seleção natural: i)eliminação indústrias


artificiais; ii) ↓ produção de café.

“A política econômica do ministro Joaquim Murtinho – que na verdade consistiu na


execução do funding escheme – estava fundada sobre concepções bastante rudimentares
quanto à natureza do ajustamento do país. Tratava-se, de acordo com o ministro, de um
problema gerado pelo ‘excesso de emissões’, as quais produziam uma pseudo-
abundância de capitais’ e como conseqüência disso o ‘estabelecimento de indústrias
artificiais e a organização agrícola para a produção exagerada de café’. Tratava-se de
deixar perecer essas indústrias, e de modo a operar uma redução na produção de café,
promover ‘a concorrência entre os diversos lavradores promovendo por meio de
liquidações a seleção natural, manifestada pelo desaparecimento dos inferiores e pela
permanência dos superiores’” (p. 26).

“A redução do papel-moeda em circulação era, portanto, a pedra de toque do programa.


Segundo os termos do acordo, o governo se comprometeria a depositar em moeda local
junto aos três bancos estrangeiros da capital uma certa proporção dos valores dos títulos
emitidos do funding loan e o papel-moeda correspondente a essas quantias seria
publicamente incinerado. Dessa forma, o papel-moeda sofreria uma redução(...) de 6% em
1898. (...). A conseqüência mais imediata dessa política seria a avalancha de falências
bancária ocorrida após 1900(...)” (p. 27-8).

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“O programa conseguiria uma apreciação cambial bem distante da paridade: a taxa de


câmbio permanecia ao redor de 11 pence por mil-réis durante os anos cobertos pelo
esquema, e assim mesmo graças à extraordinária recuperação das exportações
observada em 1899, para a qual a borracha contribui significativamente. Novamente não é
claro à priori em que medida a apreciação cambial se devia à contração monetária ou a
fatores exógenos associados ao balanço de pagamentos tais como, por exemplo, o apogeu
das exportações de borracha. Além disso, observa-se uma revitalização das entradas de
capital a partir da adoção do programa que revela a influência da percepção dos
mercados financeiros internacionais sobre o curso da política econômica do país.
Observa-se ao longo dos anos 90 um curioso fenômeno que viria a s repetir muitas vezes
nos anos que se seguiram, isto é, o fato de crises (ou melhoras) cambiais serem geradas de
forma espúria pelo ‘mau (ou bom) comportamento’ das políticas monetárias e fiscais, não
função dos efeitos diretos destas, mas em função da percepção que os banqueiros
internacionais tinham sobre estas políticas, pois esta percepção via de regra era
fundamental para determinar a magnitude dos fluxos de capital direcionados para o Brasil”
(p. 27).

“Uma das principais conseqüências desse período [do Encilhamento], no entanto, foram
os desequilíbrios financeiros do governo, problemas cambiais e inflacionários que
levaram a seguidas depreciações da taxa de câmbio. Um rigoroso programa de
estabilização seria implementado durante o governo Campos Salles (1898-1902) sob o
comando do Ministro da fazenda Joaquim Murtinho. (...)parece fora de dúvidas que o
Programa Murtinho teve, por suas características deflacionárias, um forte impacto
recessivo sobre a economia e indústria brasileiras. As falências sucediam-se à medida que
o câmbio era valorizado e os problemas o balanço de pagamentos iam sendo sanados,
em boa medida com o auxílio de empréstimos externos – em particular o funding loan(...).
O pacote fiscal e monetário associado à concessão desse empréstimo era extremamente
severo e contraiu de fato o montante de moeda em circulação(...). O investimento
industrial chegaria em 1901-1902 a seus níveis mais baixos desde 1880 aos dias de hoje, à
exceção do biênio 1915-16, em plena Primeira Guerra Mundial” (Bonelli, p. 80-1).

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“As mudanças na orientação da política econômica governamental foram radicais. A


indústria interna passou ser considerada inteiramente ‘artificial’, sobrevivendo às
custas da excessiva desvalorização cambial e de tarifas aduaneiras de efeitos
protecionistas. Essa mesma depreciação cambial, protegendo a renda dos cafeicultores,
havia propiciado o aparecimento, no mercado do café, de produtores ineficientes. A
inflação causada pelo ‘Encilhamento’ havia desorganizado as finanças do Governo, e era
necessário reformar o sistema tributário. Finalmente, havia excesso de dinheiro em
circulação, cuja emissão fora desproporcional à evolução da atividade econômica. Esse
excesso de dinheiro em circulação, relativamente ao valor em libras esterlinas da
exportação, é que seria a causa da desvalorização cambial. Era preciso, por conseguinte,
fazer o ‘saneamento monetário’ da economia. O conjunto de medidas adotado visava
sobretudo ao desafogo do mercado cambial e à redução do papel-moeda em circulação. O
objetivo principal era promover a valorização da taxa de câmbio. Com isso seriam
eliminadas as indústrias artificiais e feito uma seleção natural no mercado produtor de
café. As medidas iniciais mais importantes foram: primeiro a realização do acordo
moratório da dívida externa, negociado em junho de 1898, suspendendo-se todos os
pagamentos por um período de 13 anos. Pelo acordo, os credores exigiam a eliminação
do déficit orçamentário, e a retirada de circulação de quantia equivalente à soma total do
empréstimo(...). Em segundo lugar, foi restaurada a cobrança em ouro dos direitos
alfandegários. Essa medida visava a proporcionar recursos em moeda estrangeira sem que
precisasse participar diretamente do mercado” (Villela e Suzigan, p. 17-8).
“De fato, o crescimento da produção industrial e da produção de café à custa da perene
desvalorização cambial passou a ser encarado como um dos mais graves problemas da
economia brasileira. A política então adotada, valorizando a taxa de câmbio, equilibrando
o orçamento do governo Federal e reduzindo o papel-moeda em circulação, deve ter
interrompido o surto industrial e eliminado do mercado os produtores de café menos
eficientes” (Villela e Suzigan, p. 82).

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A.M. MODENESI 3/9/2005

A reforma bancária de Rui Barbosa, por um lado, amenizou os problemas de liquidez da


economia brasileira – que já eram freqüentes desde o fim do Segundo Império e se
agravaram ainda mais com a abolição do trabalho escravo –, por outro, está intimamente
relacionada com os excessos que caracterizaram o chamado Encilhamento – e que somente
vieram a ser revertidos na virada do século XIX, pelo programa de estabilização adotado
por Joaquim Murtinho. Comente sucintamente.

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