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ESCRITAS DE SI, PROCESSOS DO EU: CORPOESCRITURA EM PROCESSO DE

CRIAÇÃO EM DANÇA.

Giovanna da Mata Santos 1

RESUMO: Processos do Eu é resultado de escritos reflexivos sobre minha jornada artística e


acadêmica e seus atravessamentos, partindo de registros de um diário de criação, que agora
tenho me apropriado como ponto norteador para minha pesquisa em andamento no mestrado
acadêmico do PPGAC-UFU. Assim, o que venho desenvolver neste artigo é um recorte da
pesquisa, entendendo que estes 'Processos do Eu' não deixam de ser o que Foucault (2004)
chama de Escritas de si, que podem ser compreendidas como uma forma de reivindicação de
si mesmo e da reconstituição da subjetividade de quem escreve sobre si. A partir disso, este
texto sugere uma reflexão sobre a escrita de si como processo de criação em dança partindo
de perguntas como: De que forma podemos entender essas narrativas de si em dança? Como
essa escrita acontece no corpo? Ao dançar a escrita de si, estou escrevendo uma narrativa com
o corpo ou esta já é inerente ao corpo e apenas é impressa em movimento na dança? É escrita
‘do’ ou ‘no’ corpo? Para isso, busco conduzir esta reflexão apoiada também na literatura com
Klinger (2008) e com Francisco e Gonçalves (2018) e Alcântara e Icle (2014) que
desenvolvem a escrita de si na dança. Como conclusão para essa reflexão chego ao
'corpoescritura', que busca pensar de forma integral a escrita de si em dança.
Palavras-chave: Escritas de si. Corpoescritura. Dança. Processo de Criação.

SELF WRITING, PROCESSES OF THE SELF: WRITBODY IN THE PROCESS OF


CREATION IN DANCE

ABSTRACT: Processes of the self is the result of reflective writings about my artistic and
academic journey and its crossings, based on records from a diary of creation that I have now
appropriated as a guiding point for my research in progress for my master's degree at PPGAC-
UFU. Thus, what I will develop in this article is a section of the research, understanding that
these 'processes of the I' are what Foucault (2004) calls self-writing, which can be understood
as a self-claim and the reconstitution of the subjectivity of those who write about themselves.
Based on this, this text suggests a reflection on self-writing as a creative process in dance, as
of questions such as: How can we understand these self-narratives in dance? How does this
writing occur in the body? When dancing the writing of the self, am I writing a narrative with
the body, or is it already inherent in the body, and is it only printed in movement in the
dance? Is it written 'of' or 'in' the body? For this, I seek to conduct this reflection also
supported in the literature with Klinger (2008) and with Francisco and Gonçalves (2018) and
Alcântara and Icle (2014) who develop the writing of the self in dance. As a conclusion to this
reflection, I arrive at the 'write-body', which seeks to think integrally about the writing of the
self in dance.
Keywords: Self writing. Write-body. Dance. Criation of process in dance.

1
Artista independente, pesquisadora e licenciada em Dança pela Universidade do Estado do Amazonas
(UEA) e Mestranda do curso de Pós-graduação em Arte Cênicas da Universidade Federal de
Uberlândia (PPGAC-UFU). E-mail: giovannasanttoz@gmail.com
A escrita de si é muito mais do que somente narrativas sobre si, ela é compreendida
como tecnologias de resistência ao que Foucault (1988) chama de biopoder. O filósofo
francês muito mais preocupado em refletir sobre o poder, estabelece em seu trabalho uma
cronologia própria sobre essa questão e se torna muito conhecido por isso. O biopoder seria o
poder que se exerce sobre os sujeitos enquanto um coletivo, ou seja, são dispositivos de
controle das populações através do ‘poder disciplinar’, onde o poder decide sobre o corpo
individual, logo, sobre quem somos.
Em busca de se contrapor a este poder, Foucault chega ao cuidado de si, que
consiste em práticas de liberdade, como define o próprio autor, considerando que para ele a
filosofia era entendida como um estilo de vida e por esse motivo ele analisa as técnicas de si
dos gregos antigos como estratégia de possibilidades de novos modos de existência, uma vez
que para ele os gregos teriam a ‘arte de viver’, por não colocar ênfase na sujeição e sim na
subjetivação da pessoa:

Nenhuma técnica, nenhuma habilidade profissional pode ser adquirida


sem exercício; não se pode mais aprender a arte de viver, a technê tou
biou, sem uma askêsis que deve ser compreendida como um treino de
si por si mesmo: este era um dos princípios tradicionais aos quais,
muito tempo depois, os pitagóricos, os socráticos, os cínicos deram
tanta importância. Parece que, entre todas as formas tomadas por esse
treino (e que comportava abstinências, memorizações, exames de
consciência, meditações, silêncio e escuta do outro), a escrita - o fato
de escrever para si e para outro - tenha desempenhado um papel
considerável por muito tempo. (FOUCAULT, 2004, p. 146).

Desta forma, a escrita de si pode ser considerada como uma das técnicas de cuidado de
si ou ascese como coloca o autor, visando uma possibilidade de reivindicação de si mesmo e a
partir disso dando abertura para o outro como forma de exercício da liberdade, ou seja, uma
fuga dos modos de sujeição, um escape dos dispositivos biopolíticos. A escrita de si seria uma
dessas estratégias de retiro como se pode ver na fala do filósofo, uma dessas asceses que
tinham por finalidade a reconstituição da subjetividade da pessoa. (RAGO, 2013)
2
Em A Escrita de si (2004), Foucault explora essas práticas de ascese através da
escrita, estudando cadernetas de filósofos iniciantes que escreviam para acompanhar seu
progresso na filosofia e também como uma espécie de meditação, uma vez que estes
reescreviam frases célebres de seus mestres para interiorização destas. Contudo, não eram
construídas narrativas de si mesmo, portanto não era algo que estabelecia uma relação consigo

2
Texto escrito por Michel Foucault originalmente em 1992 como parte de uma série de estudos sobre
‘as artes de si mesmo’, sendo publicado posteriormente na 5ª coleção: Ditos e escritos em 2004.
mesmo, ao contrário das cartas ou correspondências que o autor vem a analisar e a partir
disso, explora a função que esses escritos tinham na reconstituição da subjetividade da pessoa.
A questão da subjetividade para Foucault é um ponto importante a ser comentado, pois
o mesmo entendia que a pessoa está permanentemente se constituindo, diferentemente do que
prega a filosofia do sujeito, que vem pensar a subjetividade da pessoa como algo estável,
imutável, acabado. E para Foucault, a subjetividade se constitui em um exercício constante,
por esse motivo ele estuda essas técnicas de si e entende que o exercício da escrita de si tem o
papel de afetar a si mesmo, pois no ato de narrar sobre si a pessoa está se constituindo ao
mesmo tempo em que fala sobre si e com isso abre-se também para o outro através de um
contexto relacional de si para consigo e de si para com o outro. (CANDIOTTO, 2008)
Considero importante contextualizar a escrita de si a partir do pensamento
Foucaultiano, pois quando se fala em narrar sobre si, isso do ponto de vista de literatura,
principalmente no momento anterior ao pensamento pós-estrutural, há uma discussão sobre a
reprodução do narcisismo da cultura midiática. A esse respeito Klinger (2008, p.14) afirma
que a narrativa contemporânea situa-se "no contexto discursivo da crítica filosófica do
sujeito" além de ser apenas um "reflexo da cultura midiática".
Desta forma, a autora traz uma reflexão sobre a pessoa da escrita e ocupa-se
inicialmente em tentar compreender de que forma as narrativas autobiográficas não
reproduzem o narcisismo da cultura midiática e envereda-se na crítica estruturalista do sujeito
para pensar a escrita a partir da desconstrução da “categoria do sujeito” e para isso a autora
apoia-se no pensamento Foucaultiano a respeito da ‘morte do autor’ e trata disso “porque têm
desaparecido os caracteres individuais do sujeito escritor, de maneira que ‘a marca do escritor
já não é mais que a singularidade de sua ausência’” (FOUCAULT, 1994, p. 793 apud
KLINGER, 2008, p. 16).
A partir disso, começa a pensar a ausência como constitutiva do ‘eu’ e nesse sentido
passa a refletir sobre a maneira como este ‘eu’ se enuncia nas narrativas e com isso a escrita
de si revela-se para a autora como noção de comunidade e não apenas da desconstrução da
noção de representação e identidade, uma vez que para ela este ‘eu’ está em devir temporal e
é constituído de multiplicidades. (KLINGER, 2007)
Em seu livro Escritas de si, escritas do outro, Klinger (2007) aborda a autoficçao
como um conceito que pudesse resolver plenamente o paradoxo das narrativas
contemporâneas do narcisismo midiático e a crítica do sujeito. Entretanto, percebe
posteriormente que era necessário definir precisamente a noção de autoficção que para ela é
entendida como uma escrita performática e a partir de todo esse aporte teórico anterior a essa
necessidade, a autora chega ao conceito de performance como aproximação do que de fato
seria a autoficção.
Desta forma, a autora busca compreender o conceito de performance a partir do ponto
de vista das artes cênicas entendo esta como sendo a aproximação entre arte e vida, de modo a
superar esta dicotomia. Em outras palavras, seria uma relação do real com o ficcional, onde “o
performer está mais presente como pessoa e menos como personagem” (Klinger, 2008, p. 26).
A partir da apropriação deste conceito, a autora estabelece um comparativo entre autoficção e
performance, apontando então a relação (não dicotômica) arte-vida na escrita autoficcional:

No texto de autoficção, entendido nesse sentido, quebra-se o caráter


naturalizado da autobiografia numa forma discursiva que ao mesmo
tempo exibe a pessoa e o questiona, ou seja, que expõe a subjetividade
e a escritura como processos em construção. Assim, a obra de
autoficção também é comparável à arte da performance na medida em
que ambos se apresentam como textos inacabados, improvisados,
work in progress, como se o leitor assistisse “ao vivo” ao processo da
escrita. (KLINGER, 2008, p. 26)

Destarte, a autora chega a ideia da escrita de si como performance e retoma o


pensamento Foucaultiano a respeito da escrita de si como uma forma de reconstituição da
subjetividade e isso se evidencia ao reconhecer a subjetividade da pessoa e a escrita como
uma construção contínua. Desta forma, pode-se compreender que na autoficção a pessoa está
em processo e ao se deparar com tal processo, ele seria conforme Salles (2011) um “gesto
inacabado” em forma de escritura, pois este se mostra nela e por meio dela, através de uma
ação circular que provoca a constante construção de sua subjetividade. Deste modo, para
Klinger (2008) essa escrita é considerada performática, uma vez que a pessoa (e aqui o
entendemos como o autor) se coloca como ‘processo’ em sua criação ao mesmo tempo em
que à performa (escreve). Com isso transforma-se e também se relaciona com o outro como se
estivesse performando (acontecendo em tempo real) ao narrar a si mesmo, como em uma fala
“ao vivo”, o que acaba envolvendo o leitor e o aproximando.
Estendendo essa ideia de escrita de si como performance (vindo da literatura) ao
campo das artes cênicas (aqui especificamente à dança), começo então a pensar essa escrita de
si não mais como uma performance escritural, uma vez se tratando das artes do corpo e não da
literatura, mas como sendo parte do processo de criação em dança a partir da noção do corpo
como sendo esta escrita, ou como prefiro chamar ‘corpoescritura’ que explorarei mais adiante.
Por esta razão propus conduzir minha reflexão a partir desse caminho, pois considero
interessante para esse recorte, pensá-la através dessa noção da escrita de si como performance
apoiada em Foucault, por acreditar que esses caminhos se cruzam e comunicam com o que
gostaria de desenvolver aqui.
Neste primeiro momento, a questão aqui a se refletir se localiza no âmbito das
narrativas de si não como um discurso narcisista, como teme Klinger (2008), mas conforme
elucida Grada Kilomba (2019, p. 28) que evidencia a escrita de si como uma ação que
“emerge como um ato político”, uma vez que ao colocar-se na posição de quem conta a
própria história e ao escrever “me [ela] torno a narradora e a escritora da minha própria
realidade, a autora e a autoridade na minha própria história”, ou seja, é a reivindicação de si
mesmo de que falei há pouco, sendo também entendida como a performer da própria
narrativa, como vimos na ideia da escrita de si como performance.
Essas narrativas atuam no lugar de dar voz ao que foi silenciado, de enunciar as
ausências que pertencem a algum ‘eu’ que sempre esteve ali, mas nunca foi mostrado ou
ouvido. A escrita de si é então o megafone que anuncia esse ‘eu’ e que não só anuncia, mas
também surpreende este mesmo ‘eu’ que podendo se escutar e agora, se vê (em sentido
figurado) de forma diferente e portanto já não é o mesmo. Começa a se ver com os olhos
desnudados de si mesmo e tem agora uma nova perspectiva de si e da própria da história, pois
ao se ver, se transformou e ao compartilhar oferece uma escuta que também comunica com o
outro e o afeta. Por isso é um ato político, é a resistência de quem apropria-se de um lugar
que lhe pertence.
Contar-se é então dar voz a si próprio, não como uma verdade absoluta, mas como
algo em constante transformação, pois ao se ouvir mais uma vez, já não é aquele que se
percebeu anteriormente, mas é um novo ‘eu’ que não cancela o antigo, mas que se apropria
dele e se inscreve de marcas que compõe o que chamamos de nossas histórias. Sendo
marcados por essas histórias, as carregamos no corpo, sendo então parte daquilo que nos
acontece (a experiência) e acaba transformando-se em um saber, ou o saber da experiência
apontado por Bondía (2002, p. 27) que vem dizer que “a experiência e o saber que dela deriva
são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida”.
Desta forma, a partir da visão de que “se é um corpo” e não de que “se tem um corpo”
(ROCHA e SANTOS, 2020, p. 384), este saber da experiência pode ser entendido como
inerente ao corpo, logo, como um ‘corpo de saber’, que registra e comunica esse acontecer em
nós. Por este motivo o percebo como o tal do ‘corpoescritura’, que pode ser pensado então
como essa escrita de si e aproximando a ideia da performance, como um corpo narrativo, que
se conta ao mesmo tempo em que é atua na criação em dança.
Isto posto, passo então a refletir sobre a forma que a escrita de si pode ser utilizada
como/em processo de criação em dança. E para esta reflexão parto de algumas questões que
me ocorreram ao me deparar com este tema, como: De que forma podemos entender essas
narrativas de si no campo das artes cênicas? Como essa escrita acontece no corpo? E como
este corpo narra a si mesmo? Ao dançar a escrita de si, estou construindo uma escrita com o
corpo ou esta já é inerente ao corpo e apenas se imprime em movimento na dança? É escrita
‘do’ ou ‘no’ corpo?

Escrita de si como processo de criação em dança -

Sabe-se que a dança permite ao indivíduo colocar-se em pensamento, posicionar-se


criticamente e outras coisas mais que muito já se discutiu. Desta forma, depois de vários
processos de transformação ao longo de sua história, a dança ganha então uma forma de
sistematização do movimento com a notação, que conhecemos por ‘coreografia’.
A coreografia seria o que muitos definem como a escrita da dança, porém ao refletir
sobre processo de criação e a escrita de si, fico em questionamento sobre o lugar dessa escrita
em dança, inerente ao corpo. Essa escrita da/na dança transita pelo corpo, e esse processo é o
que me interessa para essa reflexão. Porém, antes de começar a me enveredar nesse caminho,
venho apresentar dois trabalhos que partem da escrita de si como processo criativo na dança e
no teatro.
O primeiro trabalho que gostaria de comentar chama-se “Domingo”, criado e
interpretado pela atriz Denise Pedron. A artista apresenta uma obra que descreve como cena-
experiência e conta como foi o processo criativo do trabalho em “A escrita de si e a criação
da cena experiência – Domingo (2017)”. De acordo com Janaina Leite (2012), essa obra pode
ser considera como uma “autoescritura performativa”, pois a obra (ou cena-experiência) tem
como proposta uma performance que aproxima o público, onde a artista abre as portas de sua
casa e a faz de palco, criando assim um ambiente mais afetivo por conta do abeiramento
realístico e de troca com o público, apropriando-se de seus registros autobiográficos de seu
blog “A louca sou eu” para criação da performance:

[...] A performance criada, mesmo amparada na ficção mobiliza afetos


da ordem da realidade. Em seu ensaio de 1908, O Poeta e o Fantasiar,
Freud afirma que tanto a brincadeira como a criação artística podem
sim ser atividades poéticas e mobilizar afetos (FREUD, 2015: 54). No
caso de Domingo, afetos a serem vivenciados coletivamente e a serem
partilhados na cena-experiência. A operação aqui é a de criação de
realidades, de possíveis, que se configuram no encontro com o
público, como testemunha, no espaço de convívio íntimo, que é a
casa. (PEDRON, pp. 2-3, 2017)

Desta forma, podemos observar que ao utilizar suas histórias narradas por si mesma e
trazidas para a cena em um contexto doméstico, a artista acaba criando uma relação com a
outra pessoa (público), que ao se inserir no ambiente cênico (a casa), também cria suas
próprias conexões com suas próprias histórias, portanto, também é afetada pela enunciação do
‘eu’ da artista. Isso revela o que Klinger (2007) percebe como noção de comunidade, pois já
não se trata apenas de uma relação individual, mas é partilhada com o público.
A respeito da contrução dramatúrgica, a escrita de si apresentada em cena, neste caso é
em si uma dramaturgia pronta, pois a performance conta com essas escritas performativas
para trazer em cena seu cotidiano e sua subjetividade enquanto mulher artista. Segundo a
autora, a proposta foi também criar uma ponte de seu particular feminino com o de outras
pessoas que assistiam ao trabalho, buscando transitar entre o cotidiano e a cena, tornando o
processo muito mais realista.
Desta forma, o processo de criação da obra acaba assumindo inteiramente as narrativas
contadas no blog da artista e a artista apresenta-se como intérprete de si mesma, o que acaba
acionando automaticamente o trabalho de memória, que pode chegar a confundir-se com a
ficção, demonstrando a autoescritura a partir da noção de ‘escrita de si como performance’
segundo Klinger (2007).
O segundo trabalho que gostaria de comentar é o videoclipe da música Triste, louca ou
má, do grupo musical Francisco, el hombre, interpretado por mulheres pretas gordas que
dançam livremente e que de acordo com Francisco e Gonçalves [s.d] expressa uma escrita de
si através do corpo que dança.
A escrita de si presente no clipe conforme es autores, se mostra apenas pela presença
da mulher preta gorda, que já carrega em si as marcas de suas histórias, como já havia dito.
Pricipalmente em se tratando de questões sociais e do biopoder que vem há muito tempo
oprimindo corpos. Desta forma, o ato de romper com os padrões e dispositivos de poder sobre
os corpos pretos e gordos de mulheres, é um ato político.
Deste modo, inscritas por suas histórias, essas mulheres se narram sem dizer apenas
uma palavra. Em cena, dançam suas próprias histórias e memórias sem preocupações com
estéticas impostas como padrões, como o caso do ballet clássico. Portanto, as bailarinas
subvertem tais parâmetros ao não se prenderem a determinadas técnicas e comunicam que são
corpos que dançam.
Desta forma, podemos perceber do videoclipe que os processos de criação se
apropriam dessas escritas de si, especificamente de mulheres interpretando e representando
uma narrativa simbólica-imagética, sendo a escrita de si inerente ao corpo e ao movimento
dançado, que rompe com os padrões impostos aos diversos corpos.
Isto posto, podemos então perceber que as escritas de si no processo de criação,
obviamente assumem uma característica mais autobiográfica, porém há diversas
possibilidades dos modos de criar a partir da autoescritura. Em Triste, louca ou má, podemos
perceber que a construção dramatúrgica está para além das narrativas autobiográficas, por
abordarem uma pauta de contexto amplo e que envolve certas comunidades. Porém, cada
bailarina apresenta suas particularidades seja em sua dança, no olhar ou no sorriso, mas o que
fica mais forte é que essas individualidades quando colocadas em conjunto, potencializam a
composição cênica, que também se evidencia no cenário, figurino e até mesmo nos ângulos de
filmagem.
Essas possibilidades são descobertas a partir da experimentação, podendo também ser
pensadas para outros tipos de propostas como o caso das ficcionais, onde os registros escritos
servem como inspiração para o processo criativo. Desta forma, essas pluralidades nas formas
de criação muito me interessam e a seguir compartilharei um pouco dos meus processos de
criação através da minha autoescritura, apresentando o que gosto de chamar de ‘processos do
eu’, que nada mais são do que escritas de si.
Desta forma, finalizo este tópico justificando a escolha desses dois trabalhos citados,
uma vez que estes fazem relação com o que estou desenvolvendo em processo de criação do
trabalho ‘Deslindar’. A escolha desses trabalhos são referências, pois eu sou uma mulher
preta, gorda e artista, por esse motivo quis compartilhá-los, pois minha criação situa-se a
partir das escritas de si, que narram minhas ingênuas inquietações artístico-acadêmicas e me
localiza em um espaço político e crítico por ser uma preta gorda artista da dança.

Processos do eu –

Corpo escritura
Estou escritura de camadas oferecidas à cuidadosa exploração e escavação do miolo
Miolo urdido de possibilidades ao sensível
Miolo de menina bordada!
Menina bordada de processos.
Miolo de menina bordada é um emaranhado de gestalts abertas,
Menina na verdade tem os pontos arrebentados...
Escavação...
Menina processos,
Menina que gesta gestos
Processos do eu em camadas
Entra pra ver... Caminho de crochê...
Longo processo de deslinde...
(Autoria)

Processos do Eu é resultado de escritos reflexivos sobre minha jornada artístico-


acadêmica e seus atravessamentos, partindo de registros de um diário de criação. Trata-se de
reflexões e questionamentos sobre o meu fazer artístico e as relações com a sensibilidade
artística, leitura e interpretação de mundo do ponto de vista do artista, corpo, criação e os
modos de fazer do/no corpo. Essas pequenas reflexões foram acontecendo de forma
despretenciosa por cerca de dois anos, apenas para registrar e tentar organizar meus
pensamentos.
Como eu mantive a prática dos registros escritos, ainda continuei tomada por esses
pensamentos, por que eu tinha a necessidade de criar e compartilhar esses processos
individuais que eu sabia ser recorrentes na vida de alguns artistas que eu conhecia. Isto posto,
chego então à ideia de um espetáculo que me faria ser o objeto investigativo. Minhas
intenções inicias eram apenas fazer indagações. Mas acabei sendo influenciada por um jogo
chamado Unravel, onde o personagem principal (Yarn) é uma linha que vai se desenrolando
com o objetivo de coletar memórias até revelar a trama completa de algumas histórias e ir
construindo com isso um álbum de fotos que contam diferentes momentos de uma família.
A partir disso surge o Deslindar, que foi na verdade uma reflexão do jogo que me
levou a pensar na minha trajetória artística como um novelo de lã embolado, e todas essas
questões foram criando volume dentro de mim. Essa leitura do jogo e a necessidade de criar,
me conduziram de volta a muitos questionamentos sobre as formas de criar, a ditadura dos
padrões estéticos e até mesmo poéticos da criação em dança, a opressão dos corpos gordos
que dançam, os padrões e “receitas coreográficas” que sugerem uma ideia dicotômica de certo
e errado, entre outras coisas. Retormar essas inquietações e reflexões me trouxeram de volta
aos Processos do Eu, por que era como um loop infinito das minhas questões adormecidas e
silenciadas por mim mesma, mas acontece que eu sempre volto pra esse lugar.
Desta forma, entendi que o Deslindar é um processo de criação conduzido pela
investigação dos modos de criar, através do que venho chamar de deslinde ou neste caso,
autodeslinde, tendo como objetivo principal mergulhar nessas questões que partem do
individual da pessoa artista. Deste modo, coloco-me como objeto de análise para esse
deslinde, a fim de gerar reflexões sobre essas questões e do fazer artístico em dança.
Os Processos do Eu me dão pontos norteadores para o início da investigação, que
busca delinear o deslinde (ou autodeslinde) como proposta de ferramenta para processos de
criação em dança. Para isto, o jogo Unravel é uma referência que me alimenta estética e
poeticamente com a ideia do novelo em deslinde da história. Portanto, faço uma relação
analógica com o novelo embolado como os nós que constituem o emaranhado de questões que
me ocorrem ao longo dos anos a respeito da criação e produção em dança.
Acho importante salientar que aqui falo de um contexto de um recorte específico, no
qual eu estou inserida, por ser onde aconteceu praticamente todo o meu processo formativo e
de onde me despertaram esses questionamentos. Falo isso pois sei que não posso generalizar,
uma vez que só tenho propriedade para falar de onde venho. E também tenho ciência de que
esse tema não é novo e muito menos inovador, porém também não posso negligenciar que
esse assunto afeta não só a minha pessoa individualmente, mas também a outros artistas que
também estão inseridos no mesmo contexto.
Desta forma, esses registros escritos que acompanham meu processo formativo em
dança, são fonte para retomar essas questões que aparecem na criação e por mais óbvias que
pareçam/sejam, elas ainda são recorrentes de onde venho e por esse motivo desprendo-me de
qualquer paradigma possível para me aprofundar na investigação sem interferências desse
tipo.
Para isso, iniciei o processo criativo retomando meus registros escritos e acabei
escolhendo como ponto de partida questões identitárias, por entender que esses assuntos
influenciam diretamente em como as minhas criações acontecem. Ser uma profissional da
dança preta e gorda com toda certeza sempre esteve à frente da minha pessoa, antes mesmos
de eu dizer um tímido “Oi!”. Então a partir disso e das autoescrituras que desenvolvi sobre
este tema comecei a criação falando sobre quem estou e levanto inicialmente uma crítica aos
padrões estéticos e da reprodução do movimento que a meu ver são completamente
excludentes e agressivos com diversos corpos, por isso acredito que essas ditaduras interferem
na minha atuação em dança por conta do racismo e especificamente a gordofobia muito
latente na área em questão.
Desta forma, transcriei essas autoescrituras e elas estão compondo a dramaturgia da
cena, que no momento tem como referência os trabalhos citados no tópico anterior e também
de uma performance que participei no período da graduação, sendo uma criação colaborativa
com outro artista. Ao som de Triste, louca ou má, em cena cinco intérpretes sentados em
diferentes direções cada um com um balde ao lado, neles as seguintes escritas “preta gorda”,
“mulher”, “bicha preta” e “bicha”, todos com os cabelos soltos e molhados. A performance
trazia à cena corpos dissidentes, todos se “presentando” e não só “representando” conforme
Oliveira (2019).

(Arquivo pessoal)

Minha participação como “presentante”, ou seja, como intérprete de mim mesma,


iniciava com um texto falado em Língua brasileira de sinais (LIBRAS), e esse texto falava
sobre esses corpos dissidentes. Então eu decidi resgatar parte desse texto como inspiração
para o processo de criação dramatúrgica deste ponto inicial em que falo sobre ser uma mulher
preta e gorda e além disso também resgato para cena o balde, que representa a sensação de
afogamento por ser um corpo preto e gordo constantemente inferiorizado e associado a
preguiça, falta de cuidado, sujo e desqualificado para atuação artística.
O que resultou desses experimentos inicias foram uma cena que chamo de “NatoRal”
e para esta eu utilizo essas referências e também proponho para esta cena o breaking dance,
por ser um estilo das danças urbanas muito rotulado como sendo uma dança “masculina” e
por suas características de movimentações como força e agilidade e com isso, gosto da ideia
de causar estranhamento como um corpo gordo e feminino. Desta forma, proponho-me
romper com esses dispositivos de poder, também desafiando meus limites em busca desse
deslinde.
Os Processos do Eu trazem minhas histórias, memórias e isso apresentado como uma
autoescritura performática na dança me faz refletir sobre o lugar das escritas de si no corpo,
pois vimos que conforme Francisco e Gonçalves [s.d] o corpo está incrito dessas histórias e
memórias que dizem quem estamos. Falo deste modo, pois como vimos, a pessoa (individuo)
está em uma constante reconstituição de sua subjetividade, portanto, “estamos”.
Mas então o que somos?

Corpoescritura –

Somos processos! Urdição de uma ação contínua e prolongada, que expressa


continuidade na realização do gesto. Somos corpos de saberes, estamos atravessados por
nossas experiências e pela forma como lemos o mundo. Ora, há incontáveis formas de
perceber o mundo e isso implica em como imprimimos nossa visão a partir do que nos
acontece.
A experiência é provocativa à sensibilidade, permeia ações e cria conexões que
resultarão em respostas para o acontecer. É aí que se inicia um movimento singular que abre
espaço para o saber da experiência. Ser processo é então uma busca intrínseca ao fazer/saber
que envolve um emaranhado de fios sensíveis que entrelaçam nossas trajetórias e reverberam
em quem somos/estamos. (BONDÍA, 2002)
Desta forma, o que nos torna corpos de saberes é o que Rengel e Schaffner (2016)
descreve como ‘corponectivo’, ou seja, a não dualidade corpo e mente. E se somos ‘corpo
integrado’, tudo o que nos constitui faz parte de um todo, portanto nossas histórias e
memórias são indissociáveis de nós como corpo:

[...] no momento da dança, da aula de dança, você está inteiro nela.


Uma concepção dualista da pessoa, ou seja, do corpo nega respeitá-la
como uma totalidade intelectual, física, emocional. Não somos
máquinas de execução de movimentos. Somos corponectivos, fazemos
uma dança corponectiva, uma dança corpomente, que pensa/sente ao
mesmo tempo. (RENGEL e SCHAFFNER, p. 22, 2016)

A partir dessa ideia do corponectivo, retomo a questão do lugar das escritas de si no


corpo e gostaria de fazer a observação importante de que esta é apenas uma reflexão,
nenhuma ideia aqui explanada tem a intenção de criar um conceito ou muito menos fazer
dessa fala uma verdade absoluta (o que sabemos ser impossível, mesmo porque tenho dito ao
longo desse texto que não somos imutáveis), apenas busco reflexões para essas questões que
me ocorreram.
Isto posto, venho então refletir sobre esse ‘corpoescritura’ que tem se revelado para
mim ainda muito distante de uma elucidação e estruturação de pensamento. Estou tateando
esse campo, pois quando começo a pensar nas escritas de si como processos de criação em
dança, não consigo deixar de pensar na relação do corpo com essas autoescrituras. Deste
modo, fico pensando se essas autoescrituras não são inerentes ao corpo, pois seguindo a ideia
do corpo como corponectivo, ou seja, corpomente (assim escritos juntos) são indissociáveis
conforme a autora Lenira Rengel, então é possível que essas narrativas de si também esteja
integrada a corpomente.
Desta forma, quando vemos em Francisco e Gonçalves [s.d] que as bailarinas
apresentam essas escritas de si apenas pela presença, parece-me claro que estas são parte do
corpomente e de acordo com Charmatz (2010) o que chamo de corpoescritura faz algum
sentido:

Antes mesmo de se mover, o corpo tem inscrito em si os potenciais


que sua cultura forjou. Além disso, no olhar dirigido aos corpos, já
preexistente o movimento que consideramos possível, aceitável ,
visível ou desejável. Fica claro, então, que o corpo está amarrado a
uma autodramaturgia que não precisa necessariamente de uma
situação narrativa para existir. (CHARMATZ, p. 89, 2010)

Ou seja, corpomente sendo pensante é constituído desta autodramaturgia que revela-se


no modo de olhar, andar, pensar, falar, sentir. Para talvez visualizar este corpoescritura me
apoiarei também na literatura, com uma análise da obra do escritor Franz Krafka, que se
descreve como um corpoescritura.
Em o "corpo-confinado" Russo (2020) fala sobre a leitura dos escritos dos diários de
Franz Krafka. Nele o escritor relata repetidas vezes que sua comunicação não seria outra
senão a escrita e que esta era seu meio de exprimir uma vida. Sua vida era então uma carta
aberta, em sentido literal, ele compreendia que só por meio da escrita ele tinha uma vida
vivida e com sentido, sentido este engendrado no ato de escrever, ele vivia para escrever.
Este 'corpo-confinado' segundo a autora, seria uma vida presa ao mundo externo, pois
para Krafka a escrita era sua forma de liberdade, onde ele podia conhecer a si mesmo, tal
como as escritas de si de Foucault (2004). Krafka vivia uma vida ascética e a escrita de si era
sua filosofia de vida, ele era recluso de tudo, e só na escrita via um sentido de vida. Essa
relação corpo-confinado passa ao que Russo vem chamar de "corpo-escrito" que segundo a
autora, só acontece por meio de uma reivindicação de si mesmo através de uma voz-escrita,
que para Krafka era essencial.
Corpo-escrito é então um termo cunhado por Russo (2020) na fala de Kafka (2015, p.
479, 1913) ao dizer “Não tenho nenhum interesse em literatura, mas sou literatura; não sou
nada além disso e não poderia ser outra coisa". A autora interpreta essa fala como se através
da escrita de si e a partir da relação de si mesmo como objeto de sua escrita, o escritor
estivesse estendendo seu próprio corpo, transformando-se então em 'corpo-escrito'. A ideia é
de pensar que ao afirmar que é literatura (e a esse respeito a autora cita Schärf (2000, p. 69)
para reforçar sua reflexão sobre o uso da palavra 'literatura' na fala de Karfka), esta deveria
ser "compreendida de modo abrangente", de maneira que a intenção do escritor era dizer
"meu corpo é escrita", por referir-se a escrita "como um todo" e não um "modo exclusivo a
sua obra ficcional". A autora pensa este 'corpo-escrito' como algo provocado pela escrita,
como uma consequência dessa aproximação com esse modo de expressar a vida e que "define
toda a sua singular existência". (RUSSO, p. 281-281, 2020)
Parece-me então que este conceito aproxima-se do que venho pensando sobre o
corpoescritura, entretanto não relaciono essa escritura do/no corpo como uma consequência
do ato de escrever e sim que este é a própria escrita em si, que parte do corpo e não da ação da
escrita, mesmo por que esta ação só acontece por meio do corpo, pois antes de chegar ao
papel, já foi reverberada no corpo através da corponectividade, portanto, vem do corpomente
e da experiência que o atravessa. Desta forma, o corpoescritura de que falo não seria uma
consequência e sim o provocador de tal ação.
Russo (2020) finaliza seu pensamento a partir do chama de 'corpo-comunicado' e
atribui a essa comunicação do corpo a uma relação dicotômica entre 'corpo-escrito' e 'corpo-
lido'. A autora passa uma ideia de que esses corpos se afetam, mas são corpos distintos um do
outro. E ao se relacionarem, estes possuem a capacidade de transmitir uma existência e tudo o
que lhe constitui.
Entretanto, não penso no corpoescritura a partir de uma relação dicotômica, uma vez
que o percebo a partir da ideia do corponectivo, conforme Rengel e Schaffner (2016) que o
descreve como sendo a não dualidade do corpo, ou seja, o corpo integrado. E a essa relação
corponectiva, atribuo a escrita do/no corpo, de maneira que esse processo comunicativo possa
acontecer por meio de uma narrativa que se inscreve e se expressa pelo corpo e por isso este é
em si a sua própria escritura, pois comunica uma narrativa que considero singular, através dos
nossos atravessamentos, da nossa história que é contada todos os dias através do corpomente
com suas memórias e marcas e que se metamorfoseia através do que nos acontece e nos afeta,
possibilitando a reconstituição de si mesmo, conforme Foucault (2004).
Quanto à questão da relação de si para consigo e de si para com o outro a autora conta
que para Kafka, essa comunicação era importante, e acontecia através da leitura em voz alta
para um público. Essa leitura era importante para o escritor, pois revelava pontos em que ele
sentia que precisava trabalhar mais para chegar a um resultado satisfatório de sua escrita.
Entretanto, ao compartilhar em leitura seus materiais Kafka estava também se relacionando,
pois contava quem ele era e a partir disso o ato de narrar sobre si deixa de afetar apenas a ele
mesmo, mas outros também são afetados por sua expressividade na escrita de si. Russo (2020)
afirma então que a partir dessa escrita agora partilhada, o escritor sendo uma 'pessoa-escrita', é
parte com a sociedade e não mais é recluso desta.
A conclusão de Russo (2020, p.287) para essa ideia de corpo-escrito se expressa na
ideia de que para Kafka "o interesse em publicar se coaduna com o desejo de ser lido, de ler a
si mesmo, de produzir com o seu corpo-escrito efeitos, de perpetuar a sua existência espacial e
temporalmente". Essa fala converge com o pensamento de Foucault (2004), ao expressar a
ideia de que o papel da escrita de si é a busca por uma reivindicação de si, que gera sim
efeitos tanto em quem narra como em quem ouve, de tal maneira que este possa constituir-se
em uma ação que percebo de forma circular e contínua de reconstituição de uma subjetividade
que é sacodida toda vez que essa reivindicação de si se movimenta, que tanto Foucault quanto
evidentemente para Kafka acontece através e a partir da escrita, mas que aqui entendo como
sendo através de um corpo que é escrita, este 'corpo escritura'.
Desta forma, concluo esta reflexão pensando neste corpoescritura em dança e assumo
que ainda me questiono sobre o lugar dessa escrita de si enquanto corpomente. Mas como
vimos, as autoescrituras em processos de criação sempre partem desse individual e se as
pensarmos de acordo com a ideia de Krafk, o que podemos concluir é que sendo
corpoescritura em criação, transcrio e inscrevo no outro o que vem de mim.
Sendo 'corpoescritura' a pessoa (sujeito) se inscreve daquilo que lhe acontece. A
reflexão da escrita de si como processos corporais aponta para as narrativas que carregamos
enquanto corpo e aqui entendo esse corpo fora da perspectiva dualista, ou seja, é um corpo
corponectado. Dessa forma, o que nos é inscrito no corpo nos compõe, nos constitui, nos afeta
e atravessa também ao outro através da relação de si para com o outro. Esse 'corpoescritura'
pode então ser pensado como um corpo dotado de saber e que também se mantém em uma
relação de metamorfose consigo.
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