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CRIAÇÃO EM DANÇA.
ABSTRACT: Processes of the self is the result of reflective writings about my artistic and
academic journey and its crossings, based on records from a diary of creation that I have now
appropriated as a guiding point for my research in progress for my master's degree at PPGAC-
UFU. Thus, what I will develop in this article is a section of the research, understanding that
these 'processes of the I' are what Foucault (2004) calls self-writing, which can be understood
as a self-claim and the reconstitution of the subjectivity of those who write about themselves.
Based on this, this text suggests a reflection on self-writing as a creative process in dance, as
of questions such as: How can we understand these self-narratives in dance? How does this
writing occur in the body? When dancing the writing of the self, am I writing a narrative with
the body, or is it already inherent in the body, and is it only printed in movement in the
dance? Is it written 'of' or 'in' the body? For this, I seek to conduct this reflection also
supported in the literature with Klinger (2008) and with Francisco and Gonçalves (2018) and
Alcântara and Icle (2014) who develop the writing of the self in dance. As a conclusion to this
reflection, I arrive at the 'write-body', which seeks to think integrally about the writing of the
self in dance.
Keywords: Self writing. Write-body. Dance. Criation of process in dance.
1
Artista independente, pesquisadora e licenciada em Dança pela Universidade do Estado do Amazonas
(UEA) e Mestranda do curso de Pós-graduação em Arte Cênicas da Universidade Federal de
Uberlândia (PPGAC-UFU). E-mail: giovannasanttoz@gmail.com
A escrita de si é muito mais do que somente narrativas sobre si, ela é compreendida
como tecnologias de resistência ao que Foucault (1988) chama de biopoder. O filósofo
francês muito mais preocupado em refletir sobre o poder, estabelece em seu trabalho uma
cronologia própria sobre essa questão e se torna muito conhecido por isso. O biopoder seria o
poder que se exerce sobre os sujeitos enquanto um coletivo, ou seja, são dispositivos de
controle das populações através do ‘poder disciplinar’, onde o poder decide sobre o corpo
individual, logo, sobre quem somos.
Em busca de se contrapor a este poder, Foucault chega ao cuidado de si, que
consiste em práticas de liberdade, como define o próprio autor, considerando que para ele a
filosofia era entendida como um estilo de vida e por esse motivo ele analisa as técnicas de si
dos gregos antigos como estratégia de possibilidades de novos modos de existência, uma vez
que para ele os gregos teriam a ‘arte de viver’, por não colocar ênfase na sujeição e sim na
subjetivação da pessoa:
Desta forma, a escrita de si pode ser considerada como uma das técnicas de cuidado de
si ou ascese como coloca o autor, visando uma possibilidade de reivindicação de si mesmo e a
partir disso dando abertura para o outro como forma de exercício da liberdade, ou seja, uma
fuga dos modos de sujeição, um escape dos dispositivos biopolíticos. A escrita de si seria uma
dessas estratégias de retiro como se pode ver na fala do filósofo, uma dessas asceses que
tinham por finalidade a reconstituição da subjetividade da pessoa. (RAGO, 2013)
2
Em A Escrita de si (2004), Foucault explora essas práticas de ascese através da
escrita, estudando cadernetas de filósofos iniciantes que escreviam para acompanhar seu
progresso na filosofia e também como uma espécie de meditação, uma vez que estes
reescreviam frases célebres de seus mestres para interiorização destas. Contudo, não eram
construídas narrativas de si mesmo, portanto não era algo que estabelecia uma relação consigo
2
Texto escrito por Michel Foucault originalmente em 1992 como parte de uma série de estudos sobre
‘as artes de si mesmo’, sendo publicado posteriormente na 5ª coleção: Ditos e escritos em 2004.
mesmo, ao contrário das cartas ou correspondências que o autor vem a analisar e a partir
disso, explora a função que esses escritos tinham na reconstituição da subjetividade da pessoa.
A questão da subjetividade para Foucault é um ponto importante a ser comentado, pois
o mesmo entendia que a pessoa está permanentemente se constituindo, diferentemente do que
prega a filosofia do sujeito, que vem pensar a subjetividade da pessoa como algo estável,
imutável, acabado. E para Foucault, a subjetividade se constitui em um exercício constante,
por esse motivo ele estuda essas técnicas de si e entende que o exercício da escrita de si tem o
papel de afetar a si mesmo, pois no ato de narrar sobre si a pessoa está se constituindo ao
mesmo tempo em que fala sobre si e com isso abre-se também para o outro através de um
contexto relacional de si para consigo e de si para com o outro. (CANDIOTTO, 2008)
Considero importante contextualizar a escrita de si a partir do pensamento
Foucaultiano, pois quando se fala em narrar sobre si, isso do ponto de vista de literatura,
principalmente no momento anterior ao pensamento pós-estrutural, há uma discussão sobre a
reprodução do narcisismo da cultura midiática. A esse respeito Klinger (2008, p.14) afirma
que a narrativa contemporânea situa-se "no contexto discursivo da crítica filosófica do
sujeito" além de ser apenas um "reflexo da cultura midiática".
Desta forma, a autora traz uma reflexão sobre a pessoa da escrita e ocupa-se
inicialmente em tentar compreender de que forma as narrativas autobiográficas não
reproduzem o narcisismo da cultura midiática e envereda-se na crítica estruturalista do sujeito
para pensar a escrita a partir da desconstrução da “categoria do sujeito” e para isso a autora
apoia-se no pensamento Foucaultiano a respeito da ‘morte do autor’ e trata disso “porque têm
desaparecido os caracteres individuais do sujeito escritor, de maneira que ‘a marca do escritor
já não é mais que a singularidade de sua ausência’” (FOUCAULT, 1994, p. 793 apud
KLINGER, 2008, p. 16).
A partir disso, começa a pensar a ausência como constitutiva do ‘eu’ e nesse sentido
passa a refletir sobre a maneira como este ‘eu’ se enuncia nas narrativas e com isso a escrita
de si revela-se para a autora como noção de comunidade e não apenas da desconstrução da
noção de representação e identidade, uma vez que para ela este ‘eu’ está em devir temporal e
é constituído de multiplicidades. (KLINGER, 2007)
Em seu livro Escritas de si, escritas do outro, Klinger (2007) aborda a autoficçao
como um conceito que pudesse resolver plenamente o paradoxo das narrativas
contemporâneas do narcisismo midiático e a crítica do sujeito. Entretanto, percebe
posteriormente que era necessário definir precisamente a noção de autoficção que para ela é
entendida como uma escrita performática e a partir de todo esse aporte teórico anterior a essa
necessidade, a autora chega ao conceito de performance como aproximação do que de fato
seria a autoficção.
Desta forma, a autora busca compreender o conceito de performance a partir do ponto
de vista das artes cênicas entendo esta como sendo a aproximação entre arte e vida, de modo a
superar esta dicotomia. Em outras palavras, seria uma relação do real com o ficcional, onde “o
performer está mais presente como pessoa e menos como personagem” (Klinger, 2008, p. 26).
A partir da apropriação deste conceito, a autora estabelece um comparativo entre autoficção e
performance, apontando então a relação (não dicotômica) arte-vida na escrita autoficcional:
Desta forma, podemos observar que ao utilizar suas histórias narradas por si mesma e
trazidas para a cena em um contexto doméstico, a artista acaba criando uma relação com a
outra pessoa (público), que ao se inserir no ambiente cênico (a casa), também cria suas
próprias conexões com suas próprias histórias, portanto, também é afetada pela enunciação do
‘eu’ da artista. Isso revela o que Klinger (2007) percebe como noção de comunidade, pois já
não se trata apenas de uma relação individual, mas é partilhada com o público.
A respeito da contrução dramatúrgica, a escrita de si apresentada em cena, neste caso é
em si uma dramaturgia pronta, pois a performance conta com essas escritas performativas
para trazer em cena seu cotidiano e sua subjetividade enquanto mulher artista. Segundo a
autora, a proposta foi também criar uma ponte de seu particular feminino com o de outras
pessoas que assistiam ao trabalho, buscando transitar entre o cotidiano e a cena, tornando o
processo muito mais realista.
Desta forma, o processo de criação da obra acaba assumindo inteiramente as narrativas
contadas no blog da artista e a artista apresenta-se como intérprete de si mesma, o que acaba
acionando automaticamente o trabalho de memória, que pode chegar a confundir-se com a
ficção, demonstrando a autoescritura a partir da noção de ‘escrita de si como performance’
segundo Klinger (2007).
O segundo trabalho que gostaria de comentar é o videoclipe da música Triste, louca ou
má, do grupo musical Francisco, el hombre, interpretado por mulheres pretas gordas que
dançam livremente e que de acordo com Francisco e Gonçalves [s.d] expressa uma escrita de
si através do corpo que dança.
A escrita de si presente no clipe conforme es autores, se mostra apenas pela presença
da mulher preta gorda, que já carrega em si as marcas de suas histórias, como já havia dito.
Pricipalmente em se tratando de questões sociais e do biopoder que vem há muito tempo
oprimindo corpos. Desta forma, o ato de romper com os padrões e dispositivos de poder sobre
os corpos pretos e gordos de mulheres, é um ato político.
Deste modo, inscritas por suas histórias, essas mulheres se narram sem dizer apenas
uma palavra. Em cena, dançam suas próprias histórias e memórias sem preocupações com
estéticas impostas como padrões, como o caso do ballet clássico. Portanto, as bailarinas
subvertem tais parâmetros ao não se prenderem a determinadas técnicas e comunicam que são
corpos que dançam.
Desta forma, podemos perceber do videoclipe que os processos de criação se
apropriam dessas escritas de si, especificamente de mulheres interpretando e representando
uma narrativa simbólica-imagética, sendo a escrita de si inerente ao corpo e ao movimento
dançado, que rompe com os padrões impostos aos diversos corpos.
Isto posto, podemos então perceber que as escritas de si no processo de criação,
obviamente assumem uma característica mais autobiográfica, porém há diversas
possibilidades dos modos de criar a partir da autoescritura. Em Triste, louca ou má, podemos
perceber que a construção dramatúrgica está para além das narrativas autobiográficas, por
abordarem uma pauta de contexto amplo e que envolve certas comunidades. Porém, cada
bailarina apresenta suas particularidades seja em sua dança, no olhar ou no sorriso, mas o que
fica mais forte é que essas individualidades quando colocadas em conjunto, potencializam a
composição cênica, que também se evidencia no cenário, figurino e até mesmo nos ângulos de
filmagem.
Essas possibilidades são descobertas a partir da experimentação, podendo também ser
pensadas para outros tipos de propostas como o caso das ficcionais, onde os registros escritos
servem como inspiração para o processo criativo. Desta forma, essas pluralidades nas formas
de criação muito me interessam e a seguir compartilharei um pouco dos meus processos de
criação através da minha autoescritura, apresentando o que gosto de chamar de ‘processos do
eu’, que nada mais são do que escritas de si.
Desta forma, finalizo este tópico justificando a escolha desses dois trabalhos citados,
uma vez que estes fazem relação com o que estou desenvolvendo em processo de criação do
trabalho ‘Deslindar’. A escolha desses trabalhos são referências, pois eu sou uma mulher
preta, gorda e artista, por esse motivo quis compartilhá-los, pois minha criação situa-se a
partir das escritas de si, que narram minhas ingênuas inquietações artístico-acadêmicas e me
localiza em um espaço político e crítico por ser uma preta gorda artista da dança.
Processos do eu –
Corpo escritura
Estou escritura de camadas oferecidas à cuidadosa exploração e escavação do miolo
Miolo urdido de possibilidades ao sensível
Miolo de menina bordada!
Menina bordada de processos.
Miolo de menina bordada é um emaranhado de gestalts abertas,
Menina na verdade tem os pontos arrebentados...
Escavação...
Menina processos,
Menina que gesta gestos
Processos do eu em camadas
Entra pra ver... Caminho de crochê...
Longo processo de deslinde...
(Autoria)
(Arquivo pessoal)
Corpoescritura –
FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. (org) Manoel Barros da Motta; Tradução:
Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto incabado: processo de criação. 5ª ed. Revista e ampliada.
São Paulo, 2011.