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O JAZZ DANCE COMO MEIO DE MANIFESTAÇÃO DO CORPO LIBERTO E


PERFORMANCE ARTÍSTICA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE BELÉM/PA

Amanda Nascimento Modesto


Aluna concluinte do CEDF/UEPA
anmodesto54@hotmail.com
Maria Auxiliadora Monteiro
Professora Dr. Orientadora do
CEDF/UEPA sasa@hotmail.com

Resumo
O presente estudo discorre sobre o Jazz dance como forma de promover a
liberdade do corpo em expressar-se explorando a performance artística, tendo
como objetos de estudo 20 crianças entre 10 e 12 anos, do E.E.E.F Bento XV,
localizado no Bairro de São Braz, município de Belém-PA. O objetivo principal
desta pesquisa foi analisar o processo educativo do jazz dance e seu papel na
Educação física escolar como meio de manifestação do corpo. Esse estudo trata-
se de uma pesquisa de campo, de cunho qualitativo, descritivo e de caráter
exploratório. A coleta de dados se efetivou por meio da observação direta e de
entrevistas semiestruturadas, contendo perguntas direcionadas à vivência que
os alunos obtiveram nas aulas, para posterior análise. Obtendo como resultado
que o jazz dance proporciona a libertação do corpo e performance. Nesse
sentido, o jazz dance garante uma excelente proposta de trabalho dentro do
conteúdo dança na educação física.

Palavra chave: Educação Física. Dança. Performance.

ABREM-SE AS CORTINAS
A Dança contextualizada – no que se refere aos aspectos físico, afetivo,
psicológico, social e cultural – tem significativa importância para a formação
global do cidadão e, na Educação Física, é tratada como um conteúdo da cultura
corporal, assim como jogo, esporte, ginástica, lutas e capoeira, no qual segundo
Soares (1999, p. 126) são manifestações que integram “a cultura da humanidade
e por isso devem ser resgatados e construídos constantemente”.
Deste modo, a pesquisa resgata o jazz dance, modalidade de dança que
surgiu nos Estados Unidos e tem sua origem diretamente ligada a cultura afro-
americana, caracterizado por movimentos isolados, visto que em sua técnica
encontram-se um conjunto de movimentos que exploram a expressão rítmica e
a performance artística (LONDON CONTEMPORARY DANCE SCHOOL,2012),
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tendo-o como instrumento de manifestação do corpo, da liberdade de expressão,


buscando libertar o aluno das premissas do recorrente modelo de educação
tecnicista que se instaura no Brasil.
Com isso, entende-se que a técnica do jazz dance como um conjunto de
características que compõem a modalidade, deixando claro o que é o jazz e o
porquê de trabalhar o jazz, apoderando, desta forma, das origens dessa dança
como um resgate de toda a ancestralidade contida em seus movimentos e, desta
maneira, buscar compreender como é possível construir performances a partir
do estudo do jazz, permitindo ao aluno que experimente, libertar seu corpo e
descobrir possibilidades.
Neste sentido, questiona-se: “O Jazz Dance é interessante como meio de
manifestação de liberdade corporal em aulas de Educação Física escolar? ” A
partir disto, o estudo norteia sobre as seguintes questões: a) É possível que, nas
aulas de Educação Física, o jazz dance seja proposta de conteúdo de dança na
escola pública?; b) De que modo o jazz dance pode contribuir na
experimentação, descoberta e “libertação” do corpo em aulas de Educação
Física escolar? e c) O trabalho com o corpo contribui para a formação subjetiva
do ser?.
Além disso, busca-se conceituar a dança e, especificamente, o Jazz
dance, bem como a performance artística, discorrendo sobre a escola,
observando o papel da educação física na formação do sujeito, assim como
apresentar um breve contexto histórico a cerca dos temas principais.

1 ATO. A DANÇA, A ESCOLA E A CONSTRUÇÃO DO SER.

1.1 UMA BREVE HISTÓRIA DA DANÇA

A dança é uma das práticas corporais mais antigas da sociedade, tão


antiga quanto a própria vida humana. Antes da escrita ou da própria fala, era
dançando o que o homem primitivo se expressava sobre os acontecimentos da
sua vida.
A dança tinha, portanto, um precioso significado nas manifestações e na
comunhão mítica entre o homem e a natureza. “Fosse nascimento, casamento,
mortes, caças, guerras, iniciação à adolescência, fertilidade e acasalamento,
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doenças, cerimônias tribais, vitórias, paz, sementeira, colheita, festa do sol e da


lua tudo era dança” (BREGOLATO,2000 p. 73-74).
Com o desenvolvimento da sociedade, o ser humano vem concebendo
suas emoções pessoais por meio de diversas faces. Entretanto, nos trâmites das
gerações tecnológicas e superficiais, a dança, ainda, é veículo de expressão
corporal, com demonstrações corpóreas cadenciadas que conservam uma
estreita ligação com a religiosidade e a mitologia, com vigor e sexualidade, de
modo lúdico e prazeroso; retornando, desta forma, às diversas representações
da vivência da humanidade (NANINI, 2003).
A Dança entrelaça sua relação histórico-pedagógica com a Educação
Física a partir do momento em que o educando utiliza o seu corpo como
ferramenta de manifestação e interação com o mundo.
Assim, é possível observar que há um processo de construção – que
acontece ao longo da existência do sujeito – e é, diretamente, ligado ao processo
de ensino-aprendizagem. E com isso, a instituição escola passa a representar
um espaço de construção da vivência da dança (MONTEIRO,2013).
De acordo com os parâmetros Curriculares Nacionais PCN’s (2012), a
Educação Física é organizada em três blocos: esportes, jogos, lutas e ginásticas,
conhecimentos do corpo e atividade rítmica e expressiva, que estão articulados
entre si, ou seja, apresentam características comuns, porém possuindo suas
especialidades.
Desse modo, as atividades rítmicas expressivas (instância a qual pertence
a dança) são entendidas como manifestações da cultural corporal humana, cujas
características comuns são a intenção de expressão e comunicação, no qual a
presença de estímulos sonoros nos remetem ao movimento corporal, tornando-
se, portanto, um conteúdo extremamente importante.
Contudo, ao enquadrar a dança como conteúdo é necessário atentar que
seu ensino não deve partir de uma perspectiva tecnicista, pois no âmbito escolar
não há pretensão de formar-se exímios bailarinos, devidamente treinados.
É preciso extrapolar a perspectiva de mera reprodução de movimentos,
empreendendo a busca da máxima expressão e criação. Para Isadora Ducan, a
dança não devia ser uma repetição de passos já instituídos, deveria ser livre e
expressar dos sentimentos mais íntimos do bailarino (FAHLBUCH,1990).
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Dessa forma, a dança “deve ser tratada como fato sociocultural,


historicamente construído pelo homem e expresso através de diversas formas
de apresentação e representação ao longo de seu processo educacional”
(IBIDEM, p.30).
É fato que na realidade da escola, a dança é exaltada e apresentada
apenas quando há demanda dos eventos promovidos pela instituição, visto que
seu valor, enquanto conteúdo de formação de sujeitos, é suprimido em
detrimento ao espetáculo.
Neste artigo, busca-se sustentar uma resistência a este tipo de ação,
como também apresentar a dança aos alunos não, apenas, como algo estético,
um “pão e circo”, mas sim uma vivência de autoconhecimento e expressão.

“Portanto compreendemos que o papel da dança na Escola não


é formar bailarinos ou restrita a eventos festivos, mas sim trata-
la e vivenciá-la enquanto conteúdo da cultura corporal, para
ampliar a compreensão histórica e social do aluno, sobre o
mundo em que vive a partir de suas possibilidades e habilidade
corporais, capacitando-o para uma melhor compreensão de ser
coletivo e individual em sua totalidade.” (ALMEIDA E SANTOS,
1997 PP.30).

Para Fimoncini (1993, p.21), nesse processo, “a dança educa a


receptividade sensorial, e o conhecimento das possibilidades corporais
expressivas, e existe sempre uma intenção sobre seus movimentos”. Entretanto
a instituição escolar, ainda, possui certa restrição quanto ao movimento no
contexto da dança sem espetáculo, principalmente no que se refere ao propor
alguma modalidade, como o jazz dance.
Na escola, a dança deve levar o aluno a aprender a conhecer melhor o
seu corpo e a cultura nacional, aprender a ser cooperativo, crítico, socializador,
aprender a fazer movimentos e a pensar em termos de movimento, afinal, se a
escola exige que o aluno pense, por que não pensar também em termos de
movimento; aprender a viver em grupo, a crescer e trocar experiências
(DELORS, 2000).
Nesse sentindo, a experiência se torna base para o ensino da dança na
escola. Feijó (1996) através de sua concepção da chamada “Dança
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Experiência”, termo designado para tornar a dança um conteúdo da cultura de


movimento na escola como corporificação do mundo sensível, concebe que é
preciso encaminhar o aluno pelo autoconhecimento do ser humano, a fim de que
este se torne consciente de sua sensibilidade.
É pela necessidade de experimentar e de se expressar que traz o Jazz
dance para ser apresentado a escola, visto que esse autoconhecimento passa
pela improvisação, pela a interpretação e pela concretização de experiência.
Nessa perspectiva, é importante que professores e alunos estejam abertos para
buscar seus limites, ou seja, permitirem-se dançar a partir do que eles vão
sentindo de sua experiência perceptiva e, assim, poderão formar a isto,
corporificando o percebido e o conhecido pelos movimentos incorporados do
Jazz tão carregados de significados (FEIJÓ, 1996).

“Entender e absorver uma modalidade de dança é uma das


formas de expressar a vida, de sonhar e de brincar com o corpo,
excitando os sentimentos, a imaginação, os músculos, o
organismo e, enfim o ser em sua tonalidade em direção à
descoberta do novo e do mesmo” (FEIJÓ, 1996.p.61).

1.2 O JAZZ DANCE

O Jazz Dance é uma forma de expressão que tem sua origem nos Estados
Unidos e se desenvolveu de forma paralela ao estilo musical Jazz.
Tanto a música quanto a dança são resultado de uma fusão da sua
influência da cultura negra que prosperaram nos territórios norte-americanos a
partir do século XVIII, tendo suas raízes diretamente ligadas ao coração da
África, onde a manifestação não era apenas um espetáculo, mas uma forma de
diversão.
Este primeiro contato entre as raízes africanas e a América ocorre entre
os séculos XVI e XIX, com as importações de escravos, diversas danças de
origens folclóricas, provindas de diferentes regiões da África, inundaram os
territórios do colono, sendo caladas nas festas e rituais dos escravos nas
senzalas, onde jamais se esperava qualquer visibilidade; a danças de um grupo
ético tão desfavorecido (COHAN,2012).

Mesmo com a abolição da escravatura, as danças afro eram consideradas


grotescas, primitivas, vistas como impossível de se conciliar com a cultura
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ocidental vigente, pois, os padrões estéticos eram absurdamente contrariados,


os ritmos fortes e sincopados eram incompreendidos pela atitude corporal que
era considerada selvagem (COHAN,2012).

Entretanto, no início do século XX, as danças afro americanas começaram


a entrar para os bailes e salões e sofrer influências do Can-Can, do Charleston,
do Rock e do sapateado (LONDON CONTEMPORARY DANCE SCHOOL,2012).

Em meados de 1940 e 1950, Jack Cole, considerado um dos pais do Jazz,


surge como um dos primeiros a fundir os fundamentos do Ballet Moderno com
uma técnica de isolamento das partes do corpo (isolation), fazendo um encontro
entre o estilo clássico da dança indiana com a dança afro e a música americana
do jazz, criando uma performance agitada e inconfundível, que passou a
caracterizar o jazz dance.
Cole foi membro da companhia de dança para homens de Ted Shawn no
final dos anos 30 e fez parte da mesma geração de bailarinos inovadores como
Martha Graham e Doris Humphrey.
Assim, o Jazz Dance, logo, tomou conta dos palcos da Broadway,
transformando-se na comédia musical, as quais muitas foram coreografadas por
Jack Cole (COHAN,2012).
Nesse contexto temos como outra grande influencia: Katherine Dunham,
bailarina e antropóloga negra – fascinada pela dança – pesquisava sobre ela,
dançava na Broadway e, posteriormente, em 1931, fundou sua própria
companhia que percorreu os Estados Unidos e a Europa com um grande número
de espetáculos, principalmente da década de 50. Suas coreografias eram
baseadas em movimentos afro-caribenhos, mas reproduzidos como típicos
shows norte-americanos. Sua escola atraiu muitos jovens estudantes de dança,
sendo seus bailarinos exímios nas técnicas de isolamento da coluna e da pélvis
(COHAN,2012).
Sendo assim, um dos primeiros e mais importantes momentos da história
do Jazz Dance foi dado por Katherine Dunham. Dessa forma, podemos ver a
dança retornando a suas raízes, sendo representada tão fortemente por uma
bailarina negra, que realizou um trabalho, não só como bailarina e coreógrafa
como também como antropóloga e cujos trabalhos influenciaram muitos
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professores e estão presentes em quase todas as aulas da Técnica do Jazz.


(LONDON CONTEMPORARY DANCE SCHOOL,2012).
Desta maneira, concebe-se o Jazz Dance híbrido nascido de uma
multiplicidade de formas de espetáculos, sofreu influencias de vários momentos
históricos e culturas. É caracterizado pelo swing, por movimentos sincopados,
isolation e pela polirritmia (uma combinação dos movimentos do corpo em vários
ritmos ao mesmo tempo); criação esta que partiu do improviso e se disseminou,
reunindo cores, ritmos e movimento.
Desse modo, considera-se que o jazz carrega em seus passos história e
cultura, como nos diz Freire (1991) no qual o movimento é inato e adquirido,
nenhum bebê nasce imóvel, e movimentos que não pertencem a realidade de
um determinado grupo não são incorporados, portanto o que enxergamos no
gesto é uma interface cultural, assim é a dança, assim é o Jazz.
Por ser altamente dinâmico, o jazz varia entre vários estilos, como: o
Modern Jazz, Soul jazz, Rock Jazz, Disco jazz, Jazz Stiletto, Street Jazz, Feeling
Jazz, Free Style e Etinical Jazz, porém sempre conservando seus movimentos
característicos como o Battement, Caminhada do gato, Chainé, Chassé,
Caminhada do quadril, Jeté, Pas de bouree, Dobradiça, Saltos com ou sem giros
split, switch, calypso, Pirouettes, Etapa do pivô, Renversé, Passé e Pique.
Exige do bailarino muitas habilidades especificas, muita flexibilidade,
balanço, velocidade e coordenação para isolar os movimentos. (COHAN,2012)

1.3 ESTILOS DE JAZZ DANCE


Segundo Guarino e Oliver (2014, p.26,27,28), o Jazz Dance apresenta
diversos estilos listados a seguir:

 Lyrical Jazz: Jazz com elementos de balé clássico que trabalha com
fluidez, equilíbrio, alongamento, leveza, sem movimentos brutos, com uso
de movimentos expansivos, faz-se referência às linhas do balé clássico
com arabesques, jetés, ronds de jambe, developés e etc.

 Modern Jazz: jazz com elementos de dança moderna, trabalha


contração, torção, movimentos no chão, muita expressividade,
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movimentos contínuos, mudanças de dinâmica, movimentos redondos e


alternados.

 Soul Jazz: Trabalha com os movimentos característicos do Jazz de forma


bastante acentuada; Movimentos do quadril, ombro, cabeça (isolations),
com músicas rápidas, utilização de acentos, movimentos bruscos,
sensuais e rápidos.

 Rock Jazz: Também trabalha com os movimentos característicos do


Jazz, de maneira bastante sensual, fazendo muito uso de expressões
faciais e cabelografia, utilizando figurinos ousados e geralmente salto alto
ao invés de sapatilhas.

 Street Jazz: jazz com elementos de street dance, trabalhando


movimentos estacatos e bastante “isolations”, dinamismo e energia, pode
também trabalhar acrobacias.

 Feeling ou Theater Jazz: Trabalha os elementos do Jazz, voltando o


estilo para o teatro, através de movimentos pequenos, usando detalhes
de mão, cabeça, ombro, quadril, usa-se, também, movimentos simples,
pois os atores têm de ser capazes de dançar e interpretar, faz uso de
acessórios como chapéus e bengalas.

 Popular Jazz: Foi o primeiro estilo de Jazz a surgir, com forte influência
do Blues e do Twist, acompanhou a evolução do ritmo musical e era
dançado em bailes da comunidade negra norte-americana.

 Free Style: Exige grande domínio da técnica do jazz para poder inovar e
criar um estilo livre que utilize elementos de todos os estilos do jazz.

 Etnical Jazz: estilos que usam elementos folclóricos como o Jazz Latino,
Jazz Afro e Jazz Indiano.
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No entanto, nesse trabalho, teremos uma visão geral sobre o jazz sem,
portanto, nos atermos a um estilo ou a uma técnica específica. Ademais, o foco
é instigar o aluno a se encontrar nos movimentos do jazz, pois, quando
entendemos a historicidade e o valor do movimento, a vivência torna-se pura e
libertadora.
É importante salientar, no que se refere à construção humana, que é
necessário considerar o contexto em que o individuo está inserido e desta forma
buscar a melhor maneira de fazer aproximações.

1.4 O JAZZ DANCE NO BRASIL.

Acredita-se que, no Brasil, o Jazz chegou em meados das décadas de


1930 e 1940, com a difusão do sapateado no país, chegou com forte impacto
propagado pela mídia. No entanto, especificamente, na década de 50, o Jazz se
fortaleceu e ganhou espaço nos teatros e musicais, revistas, shows,
principalmente de Carlos Machado, um dos responsáveis por trazer esse modelo
inspirado no Jazz da Broadway e programas de auditório, produzidos
principalmente pelas redes Tupi e Record (MONTEIRO,2013).
Nesse contexto, as primeiras bailarinas começam a surgir por entre os
corpos de baile. Mulheres que, posteriormente, se tornariam as primeiras
professoras de Jazz dance no país. Marly Tavares e Vilma Vernon, são dois
grandes nomes do Jazz nacional, iniciaram seus estudos no teatro municipal do
Rio de Janeiro e mergulharam no mundo dos shows de televisão. Vilma criou
sua própria escola e teve entre seus alunos: Sônia Machado, Yolanda Ferrer,
Betty Faria, Marilia Pêra, Leila Diniz, Erasmo Carlos, Reginaldo Faria, Rosemary
e Miéle (MONTEIRO,2013).
A Escola de Vilma Vernon, chamava-se “Modern Jazz Dance”, foi fundada
em 1968, pioneira no estabelecimento de um espaço especifico, assim como foi
responsável por trazer a técnica de Luigi, um dos primeiros e mais importantes
professores da história do Jazz Dance (MONTEIRO,2017)
Com o passar do tempo e com a criação dos cursos de Educação Física,
muitos professores passaram a agregar o ensino das danças, inclusive o Jazz.
Paralelamente às escolas, começam a surgir as grandes escolas de arte, grupos
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de dança dentro dos colégios regidos pelos professores que outrora eram
bailarinos das respectivas modalidades (NAVAS,1992).
Com as grandes discussões a cerca da identidade da Educação Física na
década de 80, um coletivo de autores (1992, p. 41) aponta que “a Educação
Física é uma disciplina que trata, pedagogicamente, na escola, do conhecimento
de uma área denominada de cultura corporal”, e assim, a dança é incluída nos
PCN’s em 1997, como conteúdo da Educação Física escolar o que não implica
no reconhecimento da dança enquanto prática importante, nem favorece o
estudo das diversas modalidades que existem como o Jazz dance.

2 ATO. OS CAMINHOS DA DANÇA NA ESCOLA E AS PREMISSAS DA


ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL.
No que se refere à dança como conteúdo da Educação Física, o processo
de reconhecimento da importância desta na educação como parte importante da
formação de pessoas é considerado recente (MORANDI, 2004).
Por ser atrelada a diferentes campos de conhecimento como a arte, a
dança carrega consigo vestígios e preceitos negativos, visto que os artistas no
Brasil, principalmente dos teatros e show business, eram duramente taxados de
desocupados e vadios (NAVAS,1992).
Portanto, apenas, a mudança nos PCN’s não foi determinante para
garantir o ensino da dança na escola, sob a perspectiva da Educação Física e
não da formação de bailarinos, nem mesmo foi determinante para galgar a boa
formação de professores para trabalharem com o conteúdo. Visto que o
professor se depara com diversas possibilidades em relação à dança escolar,
diante disso, tais profissionais não sabem como aplicá-las, nem o porquê de
aplicá-las; o que transforma o ensino da dança numa ação desprovida de
propósito, sem significados (SCARPATO,2004).
Dessa forma, torna-se notável que a dança é interessante à escola,
quando voltada a atender os eventos das instituições de ensino.
A dança-espetáculo construída sem contexto ou problematização, muitas
vezes forçando a participação do aluno, acrescendo pontuações à participação,
assim como atribuindo diversos trabalhos ou penalidades àqueles que não
desejam dançar, apenas reforça, em sua maioria, cargas negativas à prática.
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No que diz respeito a dança na escola pública, é fato que a estrutura da


escola pública no Brasil, encontra-se em um cenário de precariedade, vale
ressaltar também que esta precariedade remonta do ensino básico ao superior.
E com isso, todas as áreas do conhecimento são afetadas; a disciplina
Educação Física é conturbada, há problemas de estrutura e material, e, por
vezes, o grande desinteresse dos professores em trabalhar efetivamente os
conteúdos e temas transversais.
A educação na escola pública, apesar de essencial, sofreu com a forma
de sua estruturação no país, a qual acabou por desvalorizar o ensino a
população mais carente.
Apesar de se apresentar como instituição com característica
essencialmente popular, atualmente, a escola pública teve sua origem a partir
de uma iniciativa imperial, e até os primeiros 60 anos do século XX era tida com
alta conta pela sociedade, sendo assim considerada espaço de excelência, onde
as vagas eram disputadas por meio de exames de seleção sendo basicamente
ocupadas pelos filhos das famílias de classe média e alta (HASENBALG,1979).
Dessa maneira, o ensino se tornava restrito às camadas mais baixas da
população, assim como eram irrisórios o número de pessoas das classes pobres
que tinham acesso à escola pública, por vários motivos, mas principalmente pela
inserção precoce no mercado de trabalho, não obstante, a presença de negros
também era bastante limitada (HASENBALG,1979).
Contudo, a partir da Constituição de 1824, na vigência da monarquia
imperial, temos a origem da implementação da escola pública elementar para
todo cidadão brasileiro. Consequentemente, houve um crescente apelo para a
necessidade de instruir e civilizar o povo.
As classes mais baixas começaram a ter um pouco mais de acesso por
meio de uma invenção imperial, observada na maioria dos discursos sobre a
aprendizagem da leitura, da escrita, das contas, bem como a frequência à escola
se apresentava como fator condicional do melhoramento da sociedade (VEIGA,
2007).
Foi necessário um movimento para tentar democratizar a escola pública,
a fim de garantir de fato o acesso para as classes menos favorecidas a uma
educação de qualidade. Diante disso, as classes dominantes começaram a
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retirar seus filhos das instituições públicas, ocasionando para o governo passam
a diminuição de investimentos destinados ao ensino público
É nesse contexto que podemos observar a escola pública como um dos
espaços de presença das crianças pobres e, particularmente, de produção da
identificação “aluno pobre” (VEIGA, 2007).
Diante desse cenário, esta pesquisa, frente a um processo de
precarização de serviços públicos e problemas estruturais, como garantir a
construção subjetiva desses alunos, em sua grande maioria negros, de baixa
renda, enquanto sujeitos ativos de seu momento histórico?
Apresentar aos alunos algo novo e usá-los para problematizar seu
contexto é uma opção. Como já foi discutido acima, a dança, apesar de sofrer
preconceitos enquanto conteúdo das aulas em Educação Física, possui uma
certa efetividade e importância quando aplicada de forma correta.
Não há problema nenhum em produzir apresentações, deixar o discente
criar e expor o que foi construído; entretanto, a questão é romper com a ideia de
trabalhar a dança, apenas, com a finalidade de espetáculo e busca do
desvelamento da realidade. Pois, segundo Debord:

“O espetáculo compreendido na sua totalidade, é


simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção
existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um
adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade
real.” (DEBORD, 1997.p14)

Muitos grupos de dança, que crescem e mudam a vida de muitas crianças


e jovens, surgem nas escolas, após aquela apresentação na qual os alunos,
realmente, se envolveram, ou seja, é possível alcançar esse alunado por meio
da dança do jazz dance numa perspectiva da dança performance, para a
promoção da liberdade do corpo e da construção social, proporcionando a
libertação de criatividades, libertação de possíveis artistas, sujeitos,
protagonistas de sua realidade.
Dessa forma, é necessário entender que tratamos o termo performance
como ações realizadas no âmbito artístico e em diferentes linguagens artísticas
(as artes visuais, o teatro, a música, a dança, o cinema) para a produção de um
“experimento radical”.
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Como afirma Renato Cohen (2002), entende-se a performance como uma


linguagem fronteiriça com o teatro, apresentando tempo e espaço, além do
corpo. Como elementos constitutivos dessa manifestação artística, que ainda
segundo ele, é muito mais do que corpo, é cena; ou seja, “um quadro sendo
exibido para uma platéia não caracteriza uma performance; alguém pintando
esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la”. (COHEN, R., 2002, p.28)
A performance art é uma corrente artística reconhecida na década de
1960, porém, somente, foi consolidada na década de 70. A performance emerge
dos movimentos de vanguarda como uma forma de provocação e desafio na
busca de romper com a arte tradicional, trazendo assim, um grande potencial
critico que busca romper com a ideia do corpo fetiche e a beleza elevada,
colocando o corpo no centro das proposições artísticas (TERRA NOVA, 2016).
Assim, conseguimos objetivar a proposta deste trabalho, nesse caso
vivenciar se o jazz dance é um meio de construção da performance, promover a
liberdade do corpo aos alunos de uma escola pública através da experiência
prática desses com a dança. Desta maneira, o corpo e a educação física, além
do que se a performance é corpo, e a educação física é a disciplina que busca
esse elemento, tão intimo do ser, associá-los pode promover diversas
transformações.

3 UM OLHAR DOS BASTIDORES

O estudo foi realizado por meio da pesquisa de campo, que segundo


Oliveira (2004) consiste na observação dos fatos tal como ocorrem
espontaneamente, na coleta de dados e no registro de variáveis
presumivelmente para posteriores análises, caracterizando-se como um estudo
descritivo que segundo Thomas e Nelson (2002) é um estudo de status e é
amplamente utilizada na educação e nas ciências comportamentais. O seu valor
está baseado na premissa de que os problemas podem ser resolvidos; assim
como as práticas melhoradas por meio da observação, análise, descrições
objetivas e completas.
Tal pesquisa se apresenta com cunho exploratório, denominado por
Rodrigues (2006), como uma pesquisa inicial, preliminar, cujo principal objetivo
é aprimorar ideias, buscar informações sobre um determinado assunto ou
descobrir um problema para estudos mais profundos.
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O Estudo foi realizado com alunos da Escola Estadual de Ensino


Fundamental Bento XV, localizada no município de Belém, no Estado do Pará.
E contou com um grupo de intervenções de 20 crianças entre 10 e 12 anos, do
turno da manhã.
Para a efetivação, os alunos praticaram durante o período de dois meses
aulas de jazz dance, às sextas feiras, com duração de uma hora e meia cada.
Inicialmente, uma anamnese foi realizada por meio da observação, da
relação dos alunos com o conteúdo dança e com a prática do jazz dance.
Posteriormente, através de exercícios de conhecimento corporal, o Jazz
começou a ser transmitido em essência aos alunos para que buscassem
possibilidades de movimentos corporais.
As aulas foram divididas em quatro etapas: aquecimento, sequência,
deslocamento/diagonais e criação.
A primeira etapa se referia a parte lúdica. Foram utilizadas as atividades
de pique em suas infinitas variações; em seguida, as crianças, se organizavam
para executar alguns movimentos específicos, a fim de preparar o corpo para a
prática do jazz dance: o Enrolamento, com o corpo em 1ª posição e 2ª posição
de pés paralelo (en dedans). Trabalho da segunda posição em rotação externa
(en dehor) e utilizando a 1ª e a 2ª posição de pés. Tal trabalho de pequena e
grande flexão; repetição da sequência com a flexão de coluna e tronco.
Após a prática dos movimentos da sequência, conjunto de passos básicos
característicos do jazz dance, também se preocupou em garantir aos alunos
explorar movimentos condizentes com sua faixa etária, que são o seu grande
anseio (correr, saltar, rolar e etc.).

3.1 CONTATOS COM AS BASES DO JAZZ

A sequência de movimentos foi subdividida e desenvolvida ao longo das


aulas, partindo de um início mais simples ao complexo e se dividiu da seguinte
forma a nível metodológico:

1 - Em posição paralela, trabalhou-se o battement tendues, preparando em


pequena flexão. As pernas abrem, deslizando o pé pelo chão para frente, lado e
atrás, podendo se trabalhar a flexão plantar.

2 - Alongamento Profundo.
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 Alongamento com as pernas afastadas, braços para cima.


 Alongamento com as pernas afastadas acrescentando contrações.

3 - Movimentos isolados circulares com a cabeça.

 Movimento de “sim”
 Movimento de “não”
 Giro de cabeça 180 e 360.

4 - Isolamento do ombro

 Isolamento com transferência de peso (direita/esquerda), circulando os


ombros para trás.
 Isolamento com transferência de peso (direita/esquerda), circulando os
ombros para frente.

5 - Isolamento do Tronco.

 Isolamento com contração: pés em 4 posição paralela, tronco para frente,


braços paralelos ao solo.

6 - Isolamento do quadril.

 Mãos no ilíaco, ou em segunda posição, desloca-se o quadril da esquerda


para a direita.

8 - Lançamento das pernas.

 Pernas paralelas com lançamentos para frente e para trás.


 Pernas paralelas flexionadas para frente e para trás.

Os deslocamentos e diagonais se organizaram da seguinte forma:

1º) Diagonal.

 Andadas de Jazz- Embaixo/embaixo, em cima/em cima, com movimentos


de ombro e quadril.
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 Saltos (variados).
 Andadas em passê.

1º) Deslocamento.

 Deslocamento com movimento de braço.


 Perna direita frente/ braço direito em cima.
 Braço esquerdo ao lado/perna direita a frente. Triângulos com os braços.

A performance se manifesta no trabalho de criação, no qual era dado aos


alunos um tema para que pensassem e montassem sua própria sequência; a
partir de seus movimentos daqueles que conseguiram entender da prática do
jazz, dança, cena e expressão.
Por fim, no encerramento das atividades da pesquisa, os alunos
construíram uma apresentação da performance “da infância não se cansa
desliga o celular e vem pra dança”, que mostrou a relação das crianças com os
aparelhos eletrônicos; a vontade de consumo daqueles que não possuem
celulares como lazer, em virtude da carência de espaços de lazer.

4 DO JAZZ DANCE À PERFORMANCE ARTÍSTICA: UM ATO DE CORPO E


LIBERDADE.

“A cada dia, encontre a força interior, para o mundo não


apagar sua vela. ” Katherine Dunham.

Com uma citação de nossa grande referência do jazz dance, Katherine


Dunham, inicia-se as discussões, apontando que o trabalho docente no contexto
atual é um grande desafio. A escola pública na cidade de Belém é bastante
diversificada, algumas apresentam grandes estruturas e materiais enquanto que
outras carecem de recursos básicos como água nos bebedouros.
A escola em que a pesquisa foi desenvolvida apresenta condições
favoráveis ao ensino, apesar de ainda não serem ideais: pois apresenta uma
quadra de esportes coberta, caixa de som e alguns materiais que permitiram com
que a prática do jazz dance fosse possível e bastante proveitosa.
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Se pensarmos no ensino da dança, principalmente, como uma


modalidade considerada erudita, acredita-se ser necessário possuir uma sala
própria com espelhos e barras, porém sobre o olhar da Educação Física, isso
não é o mais importante, portanto temos o ensino da dança como um processo
de descobertas e possibilidades de manifestação própria, com espontaneidade
e criatividade em que o mais importante é promover a experimentação
(FIMONCINI,1993).
Desse modo, no primeiro contato com os alunos, ao serem informados
que iriam estudar jazz dance a reação foi de desconfiança e espanto, pois alguns
alunos do sexo masculino rapidamente se manifestaram de forma negativa,
afirmando que dançar “não era coisa de menino”; outros acreditavam que seriam
obrigados a dançar balé com legs e sapatilhas, o que causou um desinteresse
mesmo nas alunas, de modo que, inicialmente, a prática não foi bem aceita.
Contudo, bastou uma roda de conversa e as primeiras práticas para que
fosse esclarecido que o jazz não era balé, e com ajuda um repertório de músicas
escolhidas, em pouco tempo, o jazz foi ganhando a empatia das crianças. Após
algumas aulas foi perguntado aos alunos: “como se sentiram quando souberam
que praticariam o jazz e como se sentiam agora”, e o resultado foi interessante.

“No início fiquei surpreso, não conhecia, nunca


tinha tido isso na escola. Mas depois gostei, muito bom”

“[...] No início achei que ia ser muito ruim, pensei


que iam pôr a gente pra dançar balé, mas é muito legal,
animado e eu gosto muito. ”

“No início eu gostei só porque ia me livrar de fazer


atividade da sala, mas hoje eu gosto porque é legal
mesmo, me sinto bem na aula. ”

Foi quase unanime a mudança de pensamento após os contatos iniciais


com o jazz, mostrando a carência de práticas corporais voltadas a dança na
escola.
Os alunos gostam e anseiam pelo aprendizado de novos conhecimentos,
e aqueles que já conhecem ou tiveram algum tipo de contato se sentem bastante
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entusiasmados quando encontram algo que lhes chama atenção nas aulas de
Educação Física.
“[...] gostei quando vi que ia ter na escola, já conhecia de
perto de casa”.

“[...] já conhecia no X-Box, fiquei animado. ”

Com o desenvolvimento das aulas, alguns preconceitos retornaram.


Inicialmente, foi necessário conscientizá-los de que alguns movimentos,
segundo eles “eram do balé”; na verdade faziam parte de um conjunto de
movimentos que serviam como base para a prática de qualquer dança e tais
passos seriam importantes para garantir a segurança em relação às lesões como
o trabalho das posições, rotações internas e externas, entre outros.
Mesmo assim, os risos eram constantes durante a execução de algumas
sequências o que não era algo totalmente negativo, pois apesar de alguns
movimentos provocarem desconforto, os alunos não deixavam de participar e
com o tempo acabavam, realmente, gostando e se empolgando, a cada melhora,
quando acertavam um giro ou conseguiam alcançar uma amplitude de
movimento que antes não alcançavam.
Com isso, começamos a discorrer sobre o jazz dance como ferramenta
de experimentação e descoberta, pois, à medida que as crianças interagiam com
os passos da dança, suas perspectivas de movimento se ampliavam.
Com muito esforço, foi possível desconstruir a resistência a movimentos
que utilizavam o quadril, bem como movimentos de mãos e pulsos, mostrando
que movimento é movimento, não há nenhum tipo relação com questões de
gênero e orientação sexual.
O diálogo sobre as origens do jazz e sua história ligada a cultura negra,
foram fundamentais nesse processo, partindo de uma abordagem que busca a
contextualização histórica do movimento, fazendo-os compreender de onde
vinha aquilo que estavam dançando, e desta forma caminhar para um maior
contato com o corpo e suas raízes, criando possibilidades de conhecimento
corporal que ficam confirmadas nas respostas dadas à pergunta: “Você senti que
conhece melhor o seu corpo agora, depois de praticar jazz?”.

“Sim, sinto, aprendi movimentos novos, coisas que eu não


sabia que fazia”
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“Sim, porque eu conheci alguns movimentos que eu não


conseguia fazer[...]”
“Sim conheço, porque conheci né, outras coisas que eu
não sabia que dava pra fazer, tipo abertura, e me senti
mais confiante pra explorar mais[...]”
“Sim, quer dizer, eu acho que não conhecia meu corpo, eu
não fazia nada, nem na escola nem em casa, só ficava na
minha, no celular. ”

Contudo o grande trabalho de experimentação e descoberta aconteceu


quando caminhamos para a prática do jazz, buscando a performance artística (já
debatida anteriormente, cuja perspectiva tratamos o termo performance nesta
pesquisa).
Após a introdução dos alunos às bases do jazz dance, eles foram
instigados a criar, inicialmente, com pequenos espaços após as aulas. E
posteriormente, com aulas voltadas exclusivamente ao trabalho de performance.
Diante disso, é importante entender que o foco de todo o processo é o
trabalho corporal, colocar o corpo em voga, e, desta maneira, utilizá-lo como
matéria prima. A performance vem para garantir a manifestação desse corpo,
assim como produzir conhecimento a partir da co-participação dos sujeitos
envolvidos no processo de criação. Entende-se que esta estabelece o corpo
como peça-chave do movimento idiossincrático1 que aproxima a vida e a arte
(TERRA NOVA, 2016).
Portanto, deu-se início ao trabalho de criação do que seria a culminância
desse trabalho: a construção da performance de encerramento. Os alunos foram
desafiados a pensar um tema que fizesse parte do seu dia a dia, podendo assim
ser problematizado. Não demorou muito para que não houvesse grandes
divergências para se chegar ao tema tecnologia – mais, especificamente, a
tecnologia na infância, o uso de tablets, celulares e computadores, assim como
sua relação com os objetos.
O segundo passo foi pensar em como representar isso, dando início a
uma espécie de composição de partitura corporal. Os alunos foram levados a
pensar movimentos do seu dia a dia, ligados ao uso de aparelhos eletrônicos, ao

1Refere-se à idiossincrasia, que é a maneira de ver, de sentir e de reagir, própria de cada


pessoa. É uma forma incomum de se portar perante a sociedade.
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som da música escolhida por eles. Sob a composição coreográfica começou a


ganhar forma, com alguns direcionamentos, a performance, assim foi se
organizando, dando forma a uma coreografia regada pelo jazz, imbuída de
personalidade.
“Gostei muito de criar, foi uma das atividades mais legais”
“[...]gostei muito de montar nosso trabalho, me senti útil,
criativo”
“Foi a melhor atividade, me senti bem”
“[...]gostei muito, é muito bom criar formas, poder ser
criativo, foi o que mais gostei”

A partir das respostas obtidas junto as crianças; quando questionados


sobre terem ou não gostado de criar e participar da montagem do trabalho final,
todos gostaram e se sentiram muito mais motivados a participar ao passo que
foram colocados no centro do processo criativo, ao invés de apenas receberem
instruções, decorarem uma sequência de passos prontos e acabados.

“É bom se sentir livre pra criar, sentir que a gente tá


participando das coisas, assim é legal dançar”.

“[...] me sinto mais confiante agora pra dar assim a minha


opinião sabe tia[...]”

A partir disso, conseguimos observar como os sistemas de ensino, ainda


hoje, caminham para uma perspectiva muito mais bancária do que libertária. Não
é comum a escola abrir um espaço para que o aluno manifeste, estude o corpo.

Sentamos e enfileiramos crianças – que são, em essência, o movimento


puro – durante cinco a seis horas e esperamos que elas mantivessem o tão
esperado comportamento, aprisionando sua espontaneidade em prol de uma
ordem que não lhes representa.

Quando, então, questionados sobre sentirem seu corpo livre na escola,


dos 20 (vinte) entrevistados, 7 (sete) afirmaram que não sentem o seu corpo livre
na escola, 4 (quatro) disseram que sentem mais ou menos e 9 (nove) ratificaram
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que sentiam, sim, seu corpo livre na escola, mas durante o intervalo, assim como
durante as aulas de Educação Física, às vezes.

“Não me sinto livre, a gente passa o dia na sala,


sentado[...]”
“sim, me sinto livre, no recreio, quando to com meus
amigos assim, a gente joga bola com o copo”
“Na educação física as vezes é legal, mas outras não, é o
mesmo que ficar na sala, assim como a gente tá fazendo
é legal[...]
Essa relação se dá devido ao modelo educacional continuar a servir às
classes dominante, no intuito de garantir o controle sobre as massas, pois
homogeneizar o pensamento e a forma de agir da sociedade é uma das
maneiras com que os opressores impedem o livre pensamento.

Segundo Freire (1982), a educação, vista por essa ótica, tem o objetivo
de formar indivíduos acomodados, não questionadores e submetidos à estrutura
do poder do estado. Ou seja, aprisionar o corpo e limitar a sua livre manifestação
é uma forma de limitar o pensamento.

Não é interessante ensinar às crianças a construção da autonomia,


emancipá-las, como faz-se ao introduzi-las a uma performance, permitindo o
estudo das práticas corporais, proporcionando com que eles construam algo,
pois, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 2011, p. 24).

Desse modo, o estudo do jazz e o trabalho de performance é uma


proposta que vai de encontro a esse processo de fazer do aluno um mero
receptor de conteúdo, portanto, dessa forma, foi capaz de ajudar na
emancipação do ser, trabalhando o jazz dance em concernência a todo seu
contexto, na qual está problematização permitiu a libertação do corpo das
paredes da sala de aula, assim como do sistema mecânico de decorar uma
coreografia pronta e executa-la.

A partir da construção da performance, o corpo pode se manifestar e dar


aos alunos liberdade para se expressar, é nesse momento que encontramos o
trabalho do corpo liberto, o experimento e a manifestação subjetiva do ser em
construção,.
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Todos os alunos afirmaram sentiram seus corpos mais livres e autônomos


quando colocados para criar seus próprios movimentos, mas também se
sentiram bem em poder se expressar e criar, portanto, é possível trabalhar a
criticidade do aluno e sua construção; afinal não há performance sem contexto,
sem intenção, consciência e organização:

“Me senti livre, vi outras coisas que não conhecia, só


conhecia funk”
“Sim, me senti livre porque nunca tinha feito isso, poder eu
mesmo inventar uma coisa[...]
“Eu me senti muito livre com essa aula, porque eu só vivo
dentro de casa, e com isso pude soltar meu corpo, viver
um pouco”
“Me senti tão livre que agora que percebi que nunca tinha
pensado sobre sentir meu corpo, descobri meu braço e a
perna”
Por fim nos questionamos, esse trabalho de liberdade corporal contribui
de alguma forma para formação dessas crianças enquanto futuros sujeitos ativos
de sua sociedade? Afirmamos que: “ O sistema não teme o pobre que tem fome.
Teme o pobre que sabe pensar” ou seja, se o estudo do jazz, o trabalho do corpo
e a construção de performance artística levam o aluno a desvelar sua realidade,
começar a se perceber como ser pensante, ativo, com voz ativa e com direito de
questionar, agir, construindo sua sociedade. Então, sim. Temos nesta prática
uma importante ferramenta.

A educação física é um importante instrumento de construção social a


partir do momento em que entendemos o trabalho corporal como forma de
manifestação, seja cultural, seja artística ou seja política.

Corpo é linguagem e quando instigado a contribuir para construir sujeitos


ativos, capazes de resistir, promovendo transformações sociais significativas
para um futuro melhor, para uma melhor convivência, para um novo mundo.

Assim, um dos caminhos para a verdadeira transformação social está na


corporificação do ser, pelo corpo que dança com as diversas práticas corporais
presentes na cultura da humanidade.
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5 FECHAM-SE AS CORTINAS.

Esta pesquisa teve por finalidade analisar o papel educativo do jazz


dance na Educação Física escolar como meio de manifestação do corpo e
performance artística, mostrando que o estudo da modalidade em uma escola
pública foi possível, receptividade positiva por parte dos alunos, percebendo a
necessidade de intensificar o interesse no campo da liberdade corporal e
performance, a fim de proporcionar mais experiências desse porte nas escolas.
Os resultados obtidos pelas observações, assim como as entrevistas
realizadas na Escola Estadual de Ensino Fundamental Bento XV, permitiram-nos
reforçar a importância da dança como conteúdo da Educação Física, bem como
constatar que o jazz dance pode ser um meio de manifestação do corpo e
performance artística. Desta forma, esse trabalho é interessante para as
crianças.
A pesquisa também aponta para a importância do trabalho pedagógico
na formação das pessoas e a necessidade de trabalhar novas perspectivas de
ensino que fujam aos modelos de educação tradicional, proporcionando ao aluno
uma libertação, levando-o a constituir-se como sujeito social, ativo e protagonista
a partir de sua participação na construção de conhecimento.
Nesse sentido, o jazz dance garante uma excelente proposta de trabalho
dentro do conteúdo dança no contexto da Educação Física Escolar, sendo
importante que se intensifiquem as pesquisas nacionais voltadas ao seu estudo,
com um aspecto relevante deste trabalho a instigar pesquisas futuras, não
apenas no campo da dança e do jazz dance, mas também da performance na
escola e seu papel educativo.

JAZZ DANCE AS A MEANS OF BODY MANIFESTATION LIBERTO AND


ARTISTIC PERFORMANCE IN A PUBLIC SCHOOL OF BELÉM / PA
Abstract
The present study talks about the Jazz dance like the form of promoting the
freedom of the body in be expressing exploring the artistic performance, taking
20 children as objects of study between 10 and 12 years, of the E.E.E.F Bento
XV, located in the District of São Braz, local authority of Belém-PA. The main
objective of this inquiry analysed the educative process of the jazz dance and his
paper in the school Physical Education like way of demonstration of the body.
This study is treated as a field work, as qualitative, descriptive hallmark and as
24

exploratory character. The data collection was brought into effect through the
straight observation and interviews semi structured, containing questions
directed to the existence that the pupils obtained in the classrooms, for
subsequent analysis. Obtaining as result that the jazz dances it provides the
release of the body and performance. In this sense, the jazz dances that it
guarantees that an excellent work proposal inside the content dances in the
Physical Education.
Key word: Physical Education. Dances. Performance.

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