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Moralidade sem fatos morais

Terry Horgan and Mark Timmons

Tradução: Israel Isaac

O título deste capítulo refere-se a um projeto de metaética que adota uma abordagem
austera da metafísica moral, mas tenta permanecer fiel à fenomenologia moral. É austero
porque nega que existam propriedades morais no mundo, como bondade e correção [rightness],
às quais se referem termos morais como “bom” e “correto”. E assim nega que existam fatos
especificamente morais que os julgamentos morais pretendem descrever ou representar. Mas
nosso projeto também tenta ser fiel à fenomenologia moral – isto é, fiel às características
profundamente enraizadas do (fenômeno exibido por) pensamento e discurso moral comum. A
visão metaética que defendemos ao perseguir este projeto pode ser chamada de 'expressivismo
cognitivista': cognitivista porque constrói o julgamento moral como essencialmente uma
questão de crença ao invés de, digamos, uma mera questão de sentimento ou desejo, e
expressivista porque afirma que as crenças expressas por afirmações morais são crenças não
descritivas.

Para entender nosso projeto e a visão metaética associada a ele que defendemos,
vamos primeiro explicar algumas distinções básicas em metaética.

Taxonomia metaética

A metaética se preocupa principalmente com a semântica, a metafísica e a


epistemologia do pensamento e do discurso moral. Aqui, vamos nos concentrar principalmente
em questões de semântica e metafísica. Comecemos com um contraste básico dentro da
semântica moral.

Considere uma visão de senso comum sobre julgamentos descritivos ordinários acerca
do mundo externo. A alegação de que ‘Júpiter é um planeta’ pretende descrever ou representar
algum estado factual das coisas no mundo – ou seja, que o objeto astronômico que chamamos
de ‘Júpiter’ é um planeta. Se a afirmação em questão é verdadeira ou falsa depende de duas
coisas: do significado e dos fatos. Ou seja, a veracidade da afirmação depende do que significam
os termos "Júpiter", "planeta" e "é" e se, de fato, Júpiter tem a propriedade de ser um planeta.
Existem, no mundo, fatos sobre Júpiter, e a afirmação em questão trata de descrever ou
representar alguns desses fatos. Por conveniência, digamos que julgamentos como este sobre
Júpiter são crenças descritivas, e que afirmações que expressam tais crenças são afirmações
descritivas.

Alguns filósofos pensam que os julgamentos morais também são (principalmente)


descritivos – tais julgamentos pretendem descrever ou representar fatos morais do mundo. A
ideia é que termos morais como 'bom', 'certo' e 'dever' pretendem selecionar propriedades de
algum tipo, e uma declaração da forma 'X deve ser feito' é verdadeira apenas no caso de X ter a
propriedade de dever-ser-feito (ou, mais simplesmente, de correção). Se sim, então o
julgamento é verdadeiro; se não, então é falso. Essa posição na metaética é, por razões óbvias,
chamada de descritivismo e todas as visões metaéticas rivais são chamadas de não-
descritivismo.

Os não-descritivistas, então, negam que os julgamentos morais tenham como função


primordial representar fatos morais; ao contrário, a ideia é que tais julgamentos desempenham
um papel não descritivo em nosso pensamento e linguagem. Como veremos, os não-
descritivistas divergem sobre que tipo de papel não descritivo é característico dos julgamentos
morais.

Nos últimos anos, o termo “expressivismo” tem sido amplamente utilizado para se
referir à visão de que as declarações morais não são primariamente descritivas, mas servem
para expressar alguma atitude não descritiva em relação a um objeto de avaliação. Vamos seguir
esta tendência. Assim, o contraste básico nas visões metaéticas sobre a semântica dos
julgamentos morais é entre as versões do descritivismo e as versões do expressivismo.

Voltando agora para questões de metafísica, o factualismo metaético é a visão de que


existem propriedades morais como correção, bondade e seus opostos, e quando uma ação ou
outro objeto de avaliação possui uma dessas propriedades existe um fato moral, como o fato de
que alguma ação particular é moralmente correta. Como veremos, os factualistas podem
discordar sobre a natureza de tais propriedades. Mas todas essas visões se opõem ao não-
factualismo metaético, que nega que existam quaisquer propriedades morais possuídas por
ações ou outros objetos de avaliação e, portanto, essa visão nega que existam fatos morais no
mundo.

Assim, temos dois conjuntos de distinções: a distinção semântica entre descritivismo e


expressivismo e a distinção metafísica entre factualismo e não-factualismo. As posições
metaéticas podem ser classificadas, pelo menos inicialmente, em termos de como elas se
posicionam nas questões semânticas e metafísicas que acabamos de descrever. Você pode
inicialmente pensar que existem apenas duas posições principais: (1) descritivismo + factualismo
e (2) não-descritivismo + não-factualismo. Mas isso seria um erro. Se alguém voltar à nossa
definição de descritivismo, que diz que os julgamentos morais pretendem descrever fatos
morais, pode considerar que, embora esse seja o seu objetivo, eles falham sistematicamente
porque não há fatos morais aos quais os julgamentos morais afirmativos possam corresponder.
Essa posição combinaria o descritivismo com o não-factualismo. Que tal combinar o não-
descritivismo com o factualismo? Essa é uma visão possível, embora não tenha tido muitos
defensores. A ideia seria que o papel primário das declarações morais é algum papel não
relatado [non-reporting], como prescrever uma ação, mas que tais declarações também
selecionam propriedades morais e, portanto, também têm um papel secundário de descrever
fatos morais. Veja a tabela para uma ajuda visual.

Semântica
Descritivismo Expressivismo
- Realismo
Factualismo - Construtivismo ???
- Relativismo
Metafísica - Não-cognitivismo
(por exemplo,
Não-factualismo - Teoria do erro emotivismo)
- Expressivismo
cognitivista

Assim, em termos dos dois conjuntos de distinção, existem quatro posições básicas.
Dentro de cada quadrante da tabela preenchemos os nomes das visões metaéticas comumente
discutidas, e também nossa própria visão – o expressivismo cognitivista. Voltaremos à tabela e
explicaremos as várias posições que ela contém, começando na seção mais abaixo, “Problemas
para o factualismo”. Primeiro, vamos delinear brevemente alguns dos critérios que são
frequentemente usados na avaliação de teorias metaéticas concorrentes. Então estaremos em
posição de explicar por que pensamos que nosso próprio tipo cognitivista de expressivismo é a
melhor visão metaética existente.

Avaliando visões metaéticas

Como, então, as teorias metaéticas concorrentes devem ser avaliadas? Os padrões


relevantes têm a ver principalmente com os objetivos centrais da teorização metaética. É claro
que os filósofos podem diferir sobre quais são esses objetivos, mas se olharmos para os mais de
cem anos de trabalho em metaética, começando com o clássico Principia Ethica de G. E. Moore,
de 1903, há dois objetivos muito gerais (e correspondentes critérios de avaliação) que
caracterizam muito da teorização metaética. Primeiro, uma vez que a investigação metaética
trata da semântica, da metafísica e da epistemologia do pensamento e do discurso moral, ela
visa caracterizar os fenômenos profundamente enraizados da moralidade que se relacionam
com questões de significado, de verdade, de ontologia e de conhecimento na ética. Aqui está
uma pequena lista de alguns dos fenômenos em questão:

1. Os julgamentos morais são tipicamente expressos linguisticamente como


declarações no modo indicativo, e essas declarações parecem expressar crenças
genuínas e fazer afirmações genuínas. O julgamento moral de que o apartheid é
errado afirma que o apartheid é errado.
2. Os julgamentos morais podem ser verdadeiros ou falsos e, de fato, muitos desses
julgamentos são verdadeiros e seus contraditórios são falsos.
3. Pode haver desacordos morais genuínos e profundos – incluindo desacordos entre
pessoas sobre princípios e pressupostos morais fundamentais.
4. Julgamentos e declarações morais orientam a ação; eles normalmente estão
preocupados em direcionar o comportamento.
5. Os julgamentos morais são tipicamente baseados na autoridade das razões.
Baseamos nossos julgamentos morais no que consideramos boas razões a favor dos
julgamentos – razões que têm uma autoridade especial.
6. Os julgamentos morais são sobre assuntos de importância profunda e fundamental
para nossas vidas, enquanto, digamos, julgamentos estéticos e julgamentos de
etiqueta são geralmente sobre assuntos de menor importância.

Aqui, então, está um desejo básico que orienta muito da teorização metaética:

Critério de fenomenologia moral: uma teoria metaética deve, se possível, explicar e


reivindicar tantos dos aspectos profundamente enraizados do pensamento moral e do discurso
moral – os fenômenos da moralidade – quanto possível.

Esta não é a única questão, no entanto. Além disso, os filósofos tentam ser sistemáticos
no sentido de que desejam que suas teorias filosóficas sobre um determinado assunto (neste
caso, a ética) se ajustem a suposições e teorias plausíveis da filosofia em geral e às descobertas
e teorias bem confirmadas da ciência. A conversa sobre "ajustar-se com" é vaga e não
tentaremos explicá-la mais aqui. No entanto, a ideia é bastante intuitiva. Se alguém sustenta a
visão metafísica chamada de naturalismo, segundo a qual todos os fatos existentes são fatos
"naturais" do tipo que podem ser descobertos por meio dos métodos empíricos da observação
do senso comum e da ciência, então, se essa pessoa também deseja defender o factualismo
moral, precisa mostrar que os fatos morais são uma espécie de fato natural. Pode afirmar, por
exemplo, que os fatos morais são fatos sociológicos sobre as atitudes dos grupos. Uma vez que
o último tipo de fato conta como um fato “natural” neste contexto, o resultado seria que os
fatos morais se encaixam na teoria ontológica geral de um naturalista filosófico. Portanto,
qualquer factualista metaético tem algum trabalho ontológico a fazer. Ele precisa defender um
relato da natureza dos fatos morais e conectar seu relato metaético com compromissos
ontológicos mais gerais.

De novo, como J. L. Mackie observou certa vez, “os princípios morais e as teorias éticas
não existem isoladamenet: eles afetam e são afetados por crenças e suposições que pertencem
a outros campos, ao menos da psicologia, da metafísica e da religião”. Por exemplo, alguns
filósofos afirmam que fatos sobre a profunda diversidade moral (fatos que podem ser
descobertos por meios científicos) não se encaixam muito bem com o realismo moral (uma visão
a ser discutida na próxima seção). Eles argumentam que, se o realismo moral fosse verdadeiro,
não haveria tanta variação na opinião moral quanto há de fato. Fatos empíricos sobre desacordo
moral levam alguns desses filósofos a abraçarem o relativismo moral (também discutido mais
abaixo).

Podemos formular um critério não muito preciso, mas útil, para guiar a investigação
metaética, com base nestas observações:

Critério de coerência: uma teoria metaética deve se adequar a suposições e teorias


plausíveis tanto na filosofia quanto em outros campos de investigação, incluindo as ciências.

Defender uma visão metaética, então, é uma questão de considerar os prós e contras
filosóficos das várias visões concorrentes em termos de quão bem elas satisfazem esses dois
critérios principais. Passemos agora às teorias metaéticas mencionadas no quadro acima. Nas
próximas três seções, apresentaremos e faremos breves comentários críticos sobre as posições
que rejeitamos e, nas seções subsequentes, nos voltaremos para nossa própria visão.

Problemas para o factualismo

Os factualistas metaéticos diferem sobre o status e a natureza dos fatos morais. A


principal base de desacordo entre realistas, construtivistas e relativistas tem a ver com as
questões da “independência” e da variabilidade dos supostos fatos morais. Um realista moral
afirma que os fatos e verdades morais são fortemente objetivos. Os fatos morais são objetivos
no sentido de que sua existência e natureza são independentes de crenças, atitudes e teorias
sobre eles. Dessa forma, os fatos morais são tão objetivos quanto os fatos sobre Júpiter. Assim,
declarações morais, quando verdadeiras, são verdadeiras independentemente do que você ou
qualquer pessoa possa pensar sobre tais declarações – elas são verdadeiras em virtude dos fatos
morais objetivos.

O realismo moral obviamente contrasta com o relativismo moral. Um relativista moral


normalmente afirma que existem fatos morais, mas tais fatos são fatos "dependentes" e
"variáveis". Eles são dependentes porque sua existência depende da aceitação de algum
conjunto de normas por algum grupo (onde, no caso limite, um grupo pode ser um único
indivíduo). E são variáveis porque existem ou podem existir diferentes grupos com diferentes
normas e, portanto, o que é verdadeiro em relação às normas de um grupo pode ser falso em
relação às normas de um grupo diferente. Assim, para o relativista moral, embora haja verdade
moral, é verdade relativa – verdade relativa a algum conjunto de normas. Se as normas morais
de um grupo incluem a proibição de comer carne, então é um fato – um fato cuja existência
depende da aceitação dessa proibição – que comer carne é errado. Se as normas morais de
algum outro grupo não contiverem esse tipo de proibição, então é um fato – novamente, um
fato relativo – que comer carne não é moralmente errado. Fatos sobre o que é e o que não é
moralmente errado dependem, para o relativista, de convenções morais ou talvez das atitudes
dos indivíduos.

Entre o realismo e o relativismo estão as versões do construtivismo moral (não


relativista), segundo o qual os fatos e verdades morais dependem de um conjunto hipotético de
normas morais básicas – normas que todos os agentes idealmente racionais supostamente
aceitariam se se engajassem adequadamente em um processo de raciocínio moral. Como o
relativista e diferente do realista, o construtivista afirma que fatos e verdades morais dependem
da aceitação de algum conjunto de normas morais. Mas, como o realista e ao contrário do
relativista, ela também afirma que existe um único conjunto verdadeiro de normas morais
básicas – ou seja, aquelas que os agentes idealmente racionais aceitariam – e, portanto, existe
uma única moralidade verdadeira.

Nossa principal objeção às versões do realismo e do construtivismo é que elas acabam


comprometidas com o relativismo moral – exatamente o tipo de visão que procuram evitar. E
nossa principal objeção ao relativismo é que ele falha em acomodar alguns aspectos-chave da
fenomenologia moral.
Realismo moral rejeitado

Para que o realismo moral funcione, duas condições devem ser atendidas. Primeiro,
termos morais básicos como “bom” e “certo” devem selecionar certas propriedades, e os
julgamentos morais devem representar fatos morais nos quais tais propriedades figuram. Em
segundo lugar, o mundo deve ser tal que as propriedades morais sejam instanciadas e,
correspondentemente, o mundo deve conter tais fatos. Mas esses requisitos podem ser
atendidos?

A maioria dos realistas morais contemporâneos são naturalistas – eles sustentam que
as propriedades e fatos morais são espécies de propriedades e fatos naturais. Como definir tal
discussão sobre propriedades e fatos naturais é um problema difícil que não abordaremos aqui.
Basta dizer que uma propriedade natural é aquela cuja natureza pode ser descrita sem o uso de
moral ou outra terminologia normativa. O que o realista naturalista precisa fazer, então, é
fornecer uma teoria convincente sobre o significado e a referência de termos morais que deixe
claro como termos como 'bom' e 'correto' se referem a propriedades naturais, e o fazer de uma
forma que seja compatível com o realismo moral. Seguindo Frank Jackson, chamamos isso de
‘problema de localização’ – o problema de localizar no mundo natural os referentes putativos
de termos morais. Aqui é onde os problemas começam a surgir para o realista. Parece haver
duas abordagens gerais para o problema de localização na ética que, como explicaremos
adiante, resultam em um dilema para o realista moral.

Primeiro, ao tentar resolver o problema de localização, um realista pode apelar para os


vários “chavões” ou verdades de senso comum envolvendo termos morais como “bom” e
“correto” que coletivamente parecem expressar pelo menos parte do que se entende por tais
termos em seus usos éticos. A esperança é que existam chavões suficientes do tipo certo para
que, coletivamente, eles definam efetivamente os referentes dos termos morais básicos. Então
o realista seria capaz de definir um termo moral como “certo” como referindo-se a qualquer
propriedade natural que satisfaça exclusivamente o conjunto de platitudes. A ideia básica por
trás dessa proposta abstrata pode ser concretizada com um exemplo não moral, inspirado em
David Lewis.

Suponha que você seja um detetive investigando o assassinato do professor Plum. Você
sabe que existe uma e apenas uma pessoa culpada do crime e, como no início de sua
investigação você não sabe quem é o culpado, você se refere a essa pessoa como X. Sua tarefa
é identificar X. Suponha que logo no início você descubra uma série de pistas que podem ser
expressas da seguinte forma: X é uma mulher; X tem menos de 6 pés de altura; X tem cabelo
ruivo; X mora em Albuquerque; X dirige um Ford Mustang branco. Mas suponha também que
haja seis pessoas que se encaixem em todos esses fatos. Como há muitos referentes elegíveis,
você ainda não conhece o referente de X. Você precisa de mais pistas. Suponha que mais tarde
você descubra mais fatos sobre X que podem ser expressos da mesma forma que os outros –
em termos de X ter ou ser tal e tal. Com todos esses fatos disponíveis sobre X, suponha que
agora você saiba que a Srta. Scarlet, e somente a Srta. Scarlet, se encaixa em todos os fatos do
caso. Então agora você sabe o referente de X: X seleciona o único indivíduo de quem todos os
fatos são verdadeiros e acaba sendo a Srta. Scarlet. A analogia com a tentativa de fixar os
referentes de termos como “bom” e “correto” não é perfeita, mas deve fornecer uma noção do
tipo de estratégia que um realista moral pode usar na tentativa de resolver o problema de
localização. Então, novamente, a ideia é pegar os lugares-comuns envolvendo termos como
'certo' e 'bom' (estes representam as pistas, por assim dizer, sobre a identidade das
propriedades de referência desses termos) e ver se o total das informações a serem encontradas
no conjunto de platitudes permite que você especifique uma propriedade natural única que se
encaixa em todas as platitudes que envolvem falar de correção. Faça o mesmo pelo bem.

Então, quais são os lugares-comuns disponíveis para o realista moral? Eles incluiriam
platitudes formais que expressam conexões conceituais entre termos morais, como: “Se uma
ação é errada, considerando todas as coisas, então não se deve realizar essa ação”; “Se uma
ação é permissível, considerando todas as coisas, então não é errado realizá-la”. Existem
também platitudes formais que representam a “lógica” do discurso moral, como: “Se uma ação
é certa (ou errada) para um agente executar em algumas circunstâncias, então é certa (ou
errada) para qualquer agente semelhante em circunstâncias semelhantes.” O realista também
poderia apelar para platitudes morais substantivas como: “As ações corretas estão preocupadas
em promover, sustentar ou contribuir de alguma forma para o florescimento humano”; e “Ações
corretas expressam igual respeito e preocupação pelos indivíduos”. Sem dúvida, a lista poderia
ser estendida.

Mas o problema é que, tomados coletivamente, esses lugares-comuns não fornecem


informações suficientes para efetivamente escolher alguma propriedade natural única à qual
um termo moral se refere; há muitas propriedades referentes potenciais elegíveis. Para ver isso,
observe que as teorias morais concorrentes sobre a correção são totalmente compatíveis com
esses lugares-comuns. Em uma teoria utilitária (interpretada como nos dizendo o que é a
correção da propriedade natural), a correção de uma ação é idêntica à propriedade de produzir
uma quantidade máxima de felicidade em relação a todos os afetados pela ação. Mas em um
tipo de teoria deontológica (novamente, interpretada como nos dizendo o que é a correção da
propriedade natural), a correção de uma ação é a propriedade de ser do motivo da
benevolência. Ambos os relatos de correção são compatíveis com os chavões da ética, e isso
significa que esses chavões em si não fornecem informações suficientes para definir o referente
de termos como “correto”. O resultado é a indeterminação da referência para os termos morais:
eles falham em escolher exclusivamente as propriedades naturais. Portanto, essa estratégia
para o realista não rende o que ele deseja.

O outro caminho seria pegar os lugares-comuns em questão e acrescentar a eles certos


julgamentos morais substantivos que identificam ações que são corretas e características que
são boas. A ideia seria, por exemplo, fazer uso dos julgamentos morais amplamente
compartilhados e profundamente arraigados sobre a correção de uma comunidade e usar essa
informação adicional para ajudar a definir o referente de “correto”.

Mas agora o problema é que essa forma de entender a semântica de termos morais
como “bom” e “certo” compromete a pessoa com o relativismo moral – uma posição em
desacordo com o realismo. Afinal, suponha que uma comunidade de utilitaristas apele para
como eles usam a linguagem moral quando se trata de julgar o certo do errado. Então, se alguém
entender os termos morais de modo que eles se refiram a quaisquer propriedades naturais que
orientem os julgamentos de alguma comunidade, concluirá que, para esse grupo, o termo
“certo” se refere à propriedade natural de maximizar a felicidade geral. Mas agora, se
considerarmos uma comunidade de deontologistas cujos julgamentos morais sobre certo e
errado são guiados por propriedades que têm a ver com os motivos de um agente, teremos que
concluir que para esse grupo o termo “certo” se refere à propriedade de ser motivado por algum
desejo. A implicação de tudo isso é que existem fatos morais relativos – fatos sobre a correção
que são relativos às normas morais substantivas aceitas por uma determinada comunidade.
Uma vez que diferentes comunidades subscrevem ou podem subscrever diferentes códigos
morais, o que é certo para um grupo pode diferir do que é certo para outro grupo. Isso é
relativismo.

Em nossa breve discussão sobre realismo moral, não exploramos as várias propostas
semânticas sofisticadas de realistas morais como Richard Boyd, Peter Railton, David Brink e
David Copp. Fazer isso exigiria discussões extensas de questões complicadas que abordamos em
alguns de nossos escritos anteriores. O dilema é que, ao resolver o problema de localização, ou
(1) um realista apela a vários chavões morais relativamente incontroversos na tentativa de
definir os referentes dos termos morais, caso em que a teoria semântica falha em produzir
referentes determinados para os termos em questão, ou (2) o realista apela a platitudes morais
mais um conjunto de reivindicações morais substantivas sobre certo e errado, bom e mau, caso
em que o resultado é o relativismo. Não vemos nenhuma saída plausível desse dilema.

Construtivismo moral desconstruído

O construtivismo moral, lembre-se, é a visão de que fatos e verdades morais dependem


do resultado de algum processo ideal de deliberação moral. A esperança do construtivista é que
todos os pensadores racionais irão convergir às normas morais básicas que aceitam, caso as
submetam a algum método de raciocínio moral. O que muitas vezes são chamados de relatos
de correção e bondade do “observador ideal” constituem um tipo de construtivismo. Nos
últimos anos, o construtivismo foi defendido por filósofos como John Rawls, Michael Smith e T.
M. Scanlon. A própria versão de Rawls do construtivismo faz uso do que ele chama de “posição
original” – uma posição hipotética a partir da qual os escolhedores racionais devem deliberar
sobre os princípios da moralidade. Rawls resume bem sua posição construtivista quando
escreve:

As partes na posição original não concordam sobre quais são os fatos morais,
como se já existissem tais fatos. Não é que, estando situados imparcialmente,
eles tenham uma visão clara e não distorcida de uma ordem moral anterior e
independente. Em vez disso (para o construtivismo), não existe tal ordem e,
portanto, não existem tais fatos separados do procedimento de construção
como um todo; os fatos são identificados pelos princípios que resultam [do
procedimento].

O construtivismo é atraente porque promete negar o relativismo e ainda evitar os tipos


de dificuldades semânticas e metafísicas que infectam o realismo.

Mas é difícil ver como o construtivismo pode evitar cair no relativismo. A principal tarefa
do construtivista é caracterizar as condições da deliberação ideal (a espinha dorsal de sua teoria
metaética) de modo que (1) o processo ou método de deliberação produza normas morais
definidas com implicações morais determinadas e (2) o faça de uma forma que produza um
único conjunto de normas morais “corretas” ou “verdadeiras”. Fracassar na primeira tarefa é
não conseguir nenhum resultado, enquanto falhar na segunda tarefa é comprometer-se com o
relativismo. Não pensamos que qualquer versão existente da teoria satisfaça ambos os
requisitos e duvidamos que possa haver uma. O problema básico é muito semelhante ao
problema do realismo. Ou seja, ao caracterizar as condições da deliberação ideal, se o
construtivista apelar para as platitudes formais e substantivas relativamente incontroversas
associadas ao conceito de ser um julgador moral ideal, o resultado será que não haverá
restrições suficientes sobre o que conta como “deliberação ideal” para produzir determinadas
normas morais. Assim, para estreitar o campo de concorrentes, o construtivista terá que
construir algumas suposições morais substantivas. O que guiará o construtivista aqui? Parece
que o construtivista terá que permitir que os deliberadores ideais recaiam em suas próprias
convicções morais mais profundas. Mas isso significa que se um determinado deliberador ideal
iniciar o processo deliberativo com profundas convicções morais de um tipo melhor
sistematizado por princípios utilitários, então o resultado de suas deliberações ideais será uma
teoria utilitária. Da mesma forma, se outro deliberador ideal iniciar o processo deliberativo com
profundas convicções morais de um tipo melhor sistematizado por certos princípios
deontológicos, então o resultado de suas deliberações ideais será uma teoria deontológica.
Assim, diferentes deliberadores ideais chegariam a diferentes normas morais via deliberação
ideal, por causa das diferentes convicções morais profundas que guiariam suas respectivas
deliberações ideais. No final, obtém-se conjuntos de normas morais múltiplos e conflitantes,
mas igualmente “corretos” ou “verdadeiros”. Mais uma vez, isso é relativismo.

Relativismo moral rejeitado

A questão do relativismo na ética é um tópico confuso por causa das muitas ideias
diferentes às quais o termo “relativismo” pode ser usado. Estamos preocupados com uma visão
metaética que torna fatos e verdades morais relativos a uma perspectiva moral ou outra, onde
(em contraste com o construtivismo) pode haver muitos sistemas de normas morais, cada um
conflitante com os outros, mas todos igualmente corretos ou verdadeiros. Existem fatos morais
nessa visão, mas esses fatos são relativos a alguma perspectiva moral.

Uma vez que afirmamos que há descritivistas que também são factualistas e estão
comprometidos com o relativismo, por que não ser um relativista moral? O problema com o
relativismo, afirmamos, é que ele não pode dar sentido às divergências morais – divergências
que não podem ser explicadas como divergências sobre os fatos não morais do caso. Considere
um caso em que duas pessoas, com diferentes perspectivas morais, estão disputando a
moralidade da eutanásia – uma parte alegando que a eutanásia ativa é sempre errada, a outra
parte negando essa alegação. Vamos supor que ambas as partes aqui estejam de acordo sobre
todos os fatos médicos relativos à eutanásia e concordem sobre os vários efeitos dessa prática
na sociedade em geral e na família e amigos do paciente. E vamos supor que eles tenham
considerado os vários argumentos que foram feitos sobre a moralidade da eutanásia. Ainda
assim, eles discordam. Um deles sustenta que qualquer ato que provoque intencionalmente a
morte de uma pessoa inocente é errado, o outro não. Isso certamente parece ser um desacordo
nos princípios morais básicos sobre matar.
Agora, de acordo com o tipo de relativismo moral que estamos examinando aqui, as
alegações morais aparentemente conflitantes sobre a eutanásia podem ser verdadeiras.
Quando o oponente da eutanásia ativa afirma que essa prática é moralmente errada, ela está
(estamos assumindo) julgando de acordo com suas normas morais básicas que deliberam sobre
matar humanos. E quando o proponente da eutanásia ativa afirma que essa prática nem sempre
é moralmente errada, ele está (estamos assumindo) julgando de acordo com suas normas
morais básicas que regem a moralidade de matar. Segundo o relativista, ambas as partes em
desacordo estão falando a verdade; o desacordo não é realmente genuíno. E isso está
profundamente em desacordo com alguns aspectos da fenomenologia moral (lembre-se do
ponto 3 de nossa lista de suposições sobre a fenomenologia moral). De fato, para o relativista
moral, há um sentido em que as partes dessa disputa estão apenas conversando entre si. Isto é,
para o relativista, a pessoa A e a pessoa B estão ambas usando linguagem moral para relatar
corretamente fatos morais (relativos); de fato, quando A usa o termo “errado”, seu uso é
semanticamente regido pelas normas morais que ela aceita, e da mesma forma para B. Mas
então eles não estão usando “errado” e outros termos morais para se referir a diferentes
propriedades? Se assim for, eles não estão apenas falando um após o outro? O que aconteceu
com seu desacordo moral? Isso conclui nossa breve pesquisa e crítica das visões metaéticas
descritivistas factualistas. Consideremos agora a opção descritivista não factualista.

Por que não a teoria do erro (ontológica)?

Qualquer teoria metaética que negue alguns elementos da fenomenologia moral pode
ser chamada de teoria do erro – erro porque tal teoria atribui ao pensamento moral do senso
comum algum tipo de engano. Acabamos de ver que o relativismo moral é um tipo de teoria do
erro por estar profundamente em desacordo com a suposição de que pode haver desacordos
morais genuínos. Mas o rótulo “teoria do erro” na ética é normalmente usado para se referir à
combinação de descritivismo com não-factualismo; portanto, a visão recebe esse nome por
atribuir um erro ontológico ao pensamento moral do senso comum.

J. L. Mackie defendeu uma famosa teoria do erro ontológica na ética. Mackie era um
descritivista que pensava que uma compreensão adequada das reivindicações morais comuns
mostrava que elas eram afirmações que pretendiam afirmar fatos. Mais precisamente, Mackie
sustentou que (1) o pensamento moral e o discurso pretendem selecionar propriedades e fatos
morais objetivos e, além disso, (2) tais propriedades e fatos seriam “objetivamente prescritivos”,
isto é, se eles existissem então, ao contrário de propriedades e fatos naturais, eles teriam
normatividade (algo a ser feito) como parte de sua natureza intrínseca. No entanto, como um
naturalista metafísico comprometido, Mackie afirmou ainda que (3) não existem tais
propriedades e fatos (eles seriam ontologicamente “estranhos” [queer] por causa de sua
normatividade embutida), e assim concluiu que (4) julgamentos morais afirmativos (como
comumente usado) são todos falsos – uma afirmação em desacordo com o ponto 2 [da lista dos
fenômenos morais].

Limitamo-nos a apenas uma observação sobre a visão de Mackie. Se alguém puder


desenvolver uma visão metaética que evite atribuir erros maciços à moralidade comum, será
muito melhor. (Esta observação, é claro, reflete nosso compromisso com o critério da
fenomenologia moral.)

Expressivismo factualista?

Dada a forma como definimos o factualismo e o não-descritivismo, não está claro que
qualquer visão metaética em andamento envolva essa combinação de reivindicações
semânticas e ontológicas. Esta categoria dentro da metaética não é frequentemente
reconhecida por causa da associação arraigada de não-descritivismo com não-factualismo. Mas
a combinação de factualismo e não-descritivismo representa uma opção metaética coerente,
ainda que não tenha tido defensores. Por exemplo, pode-se seguir os não-naturalistas e afirmar
que existem propriedades morais simples e não naturais como o dever e, portanto, que existem
fatos morais não naturais. Mas, além disso, pode-se afirmar que os julgamentos morais
funcionam principalmente para expressar prescrições. Assim, julgamentos da forma “S deve
fazer A” funcionam primariamente no pensamento e na linguagem para prescrever a S o fazer
de A. Novamente, alguém pode abraçar a ideia não descritivista de que julgamentos morais
funcionam primariamente para prescrever, não para descrever, mas prosseguir afirmando que,
quando alguém julga alguma ação que deve ser realizada, aplica (pelo menos tacitamente)
padrões morais ao caso em questão que selecionam várias propriedades naturais que são a base
de sua avaliação moral. Assim, por exemplo, se você é um utilitarista e julga à luz do que
considera fatos sobre os efeitos das ações sobre o bem-estar geral dos indivíduos afetados pela
ação, pode alegar que seu julgamento de que a ação A não deve a ser feita por S é verdadeiro –
afirma um fato moral – apenas no caso de ser um fato sobre a ação que falharia em maximizar
o bem-estar geral. Aqui temos um tipo relativista de factualismo casado com uma visão
semântica não descritivista.

Existem outras possibilidades, mas não precisamos nos deter a elas, pois se o
factualismo é falso, então as visões metaéticas que abraçam esse compromisso ontológico estão
todas equivocadas – incluindo o expressivismo factualista.
A única opção geral que resta é a combinação de expressivismo e não-factualismo: a
visão geral tipicamente chamada de “expressivismo”. Voltemo-nos então para esta posição
metaética.

Expressivismo

Infelizmente, a confusão de expressivismo com não-cognitivismo tem um histórico. O


expressivismo, como o definimos, é a visão de que os julgamentos morais funcionam
principalmente para expressar alguma atitude diferente de uma crença descritiva. O não-
cognitivismo é uma versão do expressivismo que faz a afirmação adicional de que os
julgamentos morais não são crenças. Se todas as crenças são crenças descritivas, então um
expressivista deve ser um não-cognitivista. Mas não é assim que vemos. Afirmamos que, além
das crenças descritivas, que servem para representar o mundo, também existem crenças
avaliativas; estas não são uma espécie de crença descritiva, mas, em vez disso, estão no ramo
de orientação da ação racional. Como mencionado no início, nossa visão semântica preferida na
metaética é uma versão do expressivismo cognitivista que combinamos com o não factualismo.

Uma palavra sobre o não-cognitivismo

O não-cognitivismo na metaética é a visão de que (1) julgamentos morais não são


crenças, (2) declarações morais não são afirmações genuínas e, portanto, (3) julgamentos e
declarações morais não são nem verdadeiros nem falsos. Por exemplo, de acordo com o
emotivismo, um julgamento moral como “o apartheid é errado”, pensado ou proferido por uma
pessoa em alguma ocasião, simplesmente funciona para expressar a atitude negativa da pessoa
em relação ao apartheid. O que parece ser uma afirmação genuína que expressa uma crença é,
na verdade, uma expressão disfarçada de um sentimento subjetivo. Mas o emotivismo, e o não-
cognitivismo em geral, são prima facie implausíveis porque negam algumas das características
profundamente enraizadas da fenomenologia moral, incluindo a ideia de que enunciados morais
são afirmações genuínas que expressam crenças genuínas e a ideia de que alguns julgamentos
morais podem ser avaliados como verdadeiros e outros como falsos (pontos 1 e 2). Mas,
felizmente, um expressivista pode ser um cognitivista.

Expressivismo cognitivista

Afirmamos que o pensamento e o discurso moral não pretendem ser factualistas de


forma robusta. Eles não estão no ramo de representar ou relatar fatos morais (sejam
objetivamente reais, construídos ou relativos); termos morais e os conceitos que eles expressam
não funcionam para selecionar propriedades morais. Em suma, os julgamentos morais não são
uma espécie de crença descritiva. Mas, como já dissemos, sustentamos, no entanto, que esses
julgamentos são de fato crenças; rejeitamos a visão de que todas as crenças são crenças
descritivas. As crenças avaliativas morais, cujo papel principal é a orientação da ação e não a
descrição, não pretendem representar fatos. Afirmamos que esta posição metaética pode
acomodar, melhor do que qualquer visão concorrente, as várias características da
fenomenologia moral listadas mais acima em nossa seção “Avaliando visões metaéticas”.

Não seremos capazes de, no curto espaço restante, desenvolver nossa visão
detalhadamente, mas podemos realizar duas tarefas relacionadas – que devem dar ao leitor
uma compreensão bastante clara de nossa visão e de suas virtudes. Então, aqui estão as tarefas
que planejamos realizar:

Tarefa 1: Articular uma concepção de crença independentemente plausível que não


exija que as crenças avaliativas sejam uma espécie de crença descritiva e situar o expressivismo
cognitivista dentro dessa concepção como a negação de que as crenças morais são uma espécie
de crença descritiva.

Tarefa 2: Argumentar que o expressivismo cognitivista, elaborado de uma forma que se


baseia na concepção proposta de crença, é capaz de acomodar as várias características da
fenomenologia moral.

Obviamente, a primeira tarefa é crucial, dada a suposição semântica muito difundida


de que todas as crenças são descritivas. Propomos desafiar essa suposição estabelecendo uma
concepção de crença que afirmamos ter plausibilidade independente substancial, em vez de ser
uma mera manobra ad hoc a serviço de nosso próprio projeto metaético. Além disso, uma vez
que uma teoria metaética deve ser julgada de acordo com o quão bem ela é capaz de satisfazer
a fenomenologia moral e os critérios de coerência, a segunda tarefa também precisa ser
cumprida: explicando nossa teoria, ela satisfaz esses dois critérios. Em particular, uma vez que
um não-factualista não precisa se preocupar com a localização mundana de propriedades e fatos
morais (e, portanto, o critério de coerência é facilmente satisfeito), nossa segunda tarefa
principal exigirá mostrar que nossa visão acomoda plausivelmente as várias características do
conjunto da fenomenologia moral.

Uma estrutura para crença e afirmação (tarefa 1)

Falando de forma mais genérica, uma crença é um tipo de estado de compromisso


psicológico do qual existem duas espécies principais: compromissos-de-ser [is-commitments] e
compromissos-de-dever [ought-commitments]. Crenças de ambos os tipos envolvem uma
atitude em relação a um estado de coisas real ou potencial – uma maneira como o mundo
poderia ser. Por exemplo, a crença de que ‘João devolveu a Maria o dinheiro que devia a ela’ é
um compromisso-de-ser com relação a um possível estado de coisas, ou seja, João dando a
Maria o dinheiro que ele deve a ela. Em contraste, a crença de que “João deve devolver a Maria
o dinheiro que lhe deve” é um compromisso-de-dever com relação a esse mesmo estado de
coisas, a saber, João estar devolvendo a Maria o dinheiro que deve a ela. Uma crença não
avaliativa é um compromisso-de-ser em relação a um possível estado de coisas, enquanto um
julgamento moral simples (não logicamente complexo) é um compromisso-de-dever em relação
a um possível estado de coisas.

Ambos os tipos de estado de compromisso são crenças, uma vez que exibem certas
características genéricas que são marcas das crenças. Por exemplo, ambos os tipos de estado de
compromisso carregam as armadilhas gramaticais e lógicas das crenças genuínas: no
pensamento e na linguagem, os conteúdos de tais estados são declarativos e podem figurar
como constituintes em julgamentos logicamente complexos como em “Ou João pagou o que
deve a Maria ou deveria fazê-lo”. Como tal, os compromissos-de-dever podem figurar em
inferências lógicas. Além disso, eles podem se combinar com outras crenças para produzir novas
crenças que são apropriadas dadas as crenças anteriores. Assim, por exemplo, se Maria julga
que se deve ajudar os necessitados e ela acredita que João está necessitado (e ela está em
posição de ajudá-lo), então é apropriado que ela forme uma nova crença, a saber, que ela
deveria ajudar João.

Além dessas características gramaticais, lógicas e funcionais, os compromissos-de-dever


também exibem certas características experienciais que são típicas de crenças genuínas. Por
exemplo, esses estados são tipicamente experimentados como psicologicamente involuntários
(ao contrário de compromissos voluntários como intenções ou promessas) e fundamentados em
razões. Assim, dadas as considerações que se toma como razões que favorecem ou
desfavorecem vários estados de coisas possíveis, e dado o que se considera ser a importância
líquida dessas razões, normalmente não se pode deixar de aceitar certos compromissos-de-ser
e compromissos-de-dever. No caso dos compromissos-de-ser, muitas vezes as razões de alguém
para o compromisso estão relacionadas a ele de uma maneira experimentalmente distinta: uma
consciência desses fatos como razões para a crença envolve uma autoridade epistêmica sentida
que as razões exercem sobre si mesmas – uma autoridade sentida em virtude da qual o
compromisso-de-ser surge involuntariamente. A pessoa está ciente desses fatos de tal forma
que os fatos são experimentados como constituindo evidências racionalmente convincentes de
que um estado de coisas potencial realmente ocorre – e imediatamente a pessoa se encontra
com um compromisso-de-ser involuntário em relação a esse estado de coisas. As razões de
alguém para um compromisso-de-dever normalmente estão relacionadas à involuntariedade do
compromisso de uma maneira igualmente distinta experimentalmente: uma consciência desses
fatos como razões para um julgamento moral envolve uma autoridade moral normativa sentida
que a razão exerce sobre si mesma frente a um estado de coisas potencial – uma autoridade
sentida em virtude da qual o compromisso-de-dever com relação a esse estado de coisas surge
involuntariamente.

Todas essas características que são típicas das crenças comuns – suas armadilhas
gramaticais e lógicas, seu papel na economia psicológica de uma pessoa e seus aspectos
experienciais – sugerem fortemente que os compromissos-de-dever são de fato crenças
genuínas. A ideia de que os julgamentos morais são crenças genuínas é o cognitivismo
metaético. Somos cognitivistas metaéticos: julgamentos que expressam compromissos-de-
dever são crenças.

Mas parece muito plausível também supor que as crenças morais são significativamente
diferentes das crenças descritivas comuns – diferentes o suficiente para que as crenças morais
não sejam uma espécie de crença descritiva. Enquanto o trabalho das crenças descritivas
comuns é representar como as coisas são no mundo, o trabalho das crenças morais não é
descritivo, mas avaliativo: avalia-se algum estado potencial de coisas positiva ou negativamente.
Ao fazer isso, o propósito primário de uma pessoa normalmente é orientado para a ação.
Tipicamente, de qualquer maneira, os julgamentos morais predispõem a pessoa para a ação
apropriada de uma maneira especialmente direta, independentemente dos desejos e aversões
preexistentes da pessoa. Em contraste, as crenças descritivas não morais só se tornam
orientadas para a ação em combinação com algum desejo ou aversão anterior. A crença de que
há um incêndio nas proximidades pretende representar ou descrever algum estado de coisas
mundano. Mas esta crença por si só não parece orientar alguém para qualquer ação particular.
Claro, se você tem uma forte aversão ao fogo, junto com a crença de que o fogo está nas
proximidades você provavelmente será motivado a fugir da área. Mas, é evidente, se você tem
fascínio por incêndios e não tem medo deles pode ser motivado a se aproximar do fogo. Tudo
depende dos desejos e aversões anteriores de cada um. Em contraste, o julgamento de que não
se deve colocar-se desnecessariamente em perigo orienta diretamente a ação,
independentemente de desejos e aversões anteriores. E associadas a esse tipo de orientação
direta para a ação dos julgamentos morais estão certas características experienciais notáveis:
uma exigência sentida, um a-ser-feito fenomenológico em relação à ação que se julga ser
obrigatória.
Assim, os compromissos-de-dever são crenças genuínas cujo papel principal na
economia cognitiva humana é uma orientação de ação racional. Embora sejam de fato crenças,
não são crenças descritivas. Os compromissos-de-ser são crenças descritivas, enquanto os
compromissos-de-dever são crenças não descritivas. Além disso, os mesmos apontamentos
gerais podem ser feitos sobre atos linguísticos de fala nos quais alguém profere ou escreve
sentenças que expressam suas crenças morais. Tais atos de fala são afirmações genuínas.
Quando alguém profere a frase “o apartheid deve ser abolido”, está adotando uma postura
moral em relação à prática do apartheid. Ao fazer isso, a pessoa expressa linguisticamente um
compromisso-de-dever em relação a um estado de coisas. O papel típico de tal enunciado, na
interação linguística com outras pessoas, é a orientação racional da ação. Julgando como essa
pessoa faria, normalmente se considera que existem características do apartheid que
constituem boas razões para se opor a essa prática. Assim, entra-se no espaço de dar razões e,
portanto, a discussão interpessoal e o debate sobre questões morais geralmente envolve uma
tomada de posição linguística guiada pela razão.

Resumindo: nossa visão metaética desafia o dogma de que todas as crenças genuínas
pretendem representar ou descrever o mundo. Em vez disso, deve-se reconhecer um tipo de
crença que não serve principalmente para descrever, mas para guiar a ação com base em razões.
Tais compromissos exibem, pensamos, características semelhantes a crenças suficientes para
contarem como crenças genuínas, mas porque são diretamente orientadoras de ação são
distintas das crenças descritivas comuns. Os tipos de características exibidas por crenças morais
também são exibidos por asserções morais.

Isto conclui nossa primeira tarefa.

Expressivismo sem lágrimas (tarefa 2)

Voltamo-nos agora para a segunda tarefa de explicar como nossa visão acomoda
plausivelmente as várias suposições profundamente enraizadas do pensamento e do discurso
moral comum. Estamos trabalhando com seis pressupostos principais, os pontos 1-6. Então,
vamos agora explicar como nossa visão acomoda cada um deles.

1: Julgamentos morais parecem ser crenças; declarações morais parecem ser


afirmações.

Nossa visão sobre os compromissos morais como crenças genuínas acomoda


diretamente as aparências.

2: Os juízos morais podem ser verdadeiros ou falsos.


Os conceitos de crença, afirmação e verdade estão intimamente ligados. Acreditar em
algo é tomá-lo como verdade. Afirmações sinceras expressam crenças. A verdade e a falsidade
são propriamente predicadas de crenças e asserções. Então, se nossa visão reconhece que
julgamentos morais são crenças genuínas e enunciados são asserções genuínas, então deve
fazer sentido dizer que uma crença ou enunciado é verdadeiro ou falso. Como, então, propomos
entender as atribuições de verdade e falsidade?

Em nossa opinião, a maneira adequada de entender a atribuição de verdade em relação


a crenças e afirmações morais é focar nas atribuições de verdade como atos de fala
metalinguísticos e perguntar sobre a natureza de tais atos. O que alguém está fazendo quando
predica a verdade (ou falsidade) de um julgamento moral? A ideia básica é que, quando faz uma
afirmação como “A alegação de que o apartheid deve ser abolido é verdadeira”, a pessoa está
envolvida em uma avaliação semântica moralmente engajada: ela é infundida com o próprio
compromisso de dever em relação ao apartheid. Isso talvez possa ser melhor entendido como
envolvendo duas ideias subjacentes. Primeiro, os usos comuns do predicado de verdade operam
de acordo com o seguinte esquema, chamado “esquema T”,

“S” é verdadeiro se, e somente se, S

onde “S” é alguma sentença declarativa em um idioma. Isso significa que, ao pensar ou
proferir sinceramente uma declaração da forma “S é verdadeiro” a pessoa está comprometida
em afirmar S e vice-versa. Em segundo lugar, quando uma pessoa predica a verdade de uma
afirmação moral, está envolvida em um ato de afirmar “metalinguisticamente” a afirmação
moral de primeira ordem em questão (isto é, afirmar o julgamento moral de primeira ordem
expresso pela afirmação que está chamando de verdadeira). Tal afirmação, feita
metalinguisticamente ao empregar o conceito semântico de verdade, é uma “fusão”
moralmente engajada de apreciação semântica e moral. (Dado que a atribuição de verdade
normalmente está de acordo com o esquema T, deve-se esperar que nosso tratamento não-
descritivista e não-factualista de julgamentos e declarações morais se estenda, mutatis
mutandis via esquema T, às atribuições de verdade relativas a tais julgamentos e declarações.)

3: Pode haver desacordos morais genuínos e profundos.

Os relativistas morais têm problemas em acomodar a ideia de que pode haver


desacordos morais genuínos e profundos entre as partes que operam com normas morais
fundamentais conflitantes. Lembre-se de que, para um relativista moral, a verdade de um
julgamento moral é relativa a algum conjunto de normas morais fundamentais aceitas por algum
indivíduo ou grupo. Uma vez que é muito provável que diferentes indivíduos e grupos aceitem
normas morais fundamentais conflitantes, haverá casos em que, por exemplo, uma das partes
em uma disputa alegará que todas as instâncias de eutanásia ativa estão erradas (e estará
julgando de acordo com suas normas morais fundamentais), enquanto a outra parte na disputa
julga que algumas instâncias de eutanásia ativa não são erradas (e estará julgando de acordo
com suas normas morais fundamentais). Se um julgamento moral se torna verdadeiro pelo fato
de seguir as normas morais básicas do julgador mais fatos empíricos relevantes, então o
relativista está comprometido em afirmar que ambas as partes em tais disputas estão falando a
verdade. Mas se for este o caso, então não há um desacordo genuíno entre eles, e isso parece
profundamente contrário a certos aspectos da fenomenologia moral. Normalmente, essas
divergências são consideradas genuínas.

Nossa visão metaética não é uma versão do relativismo, nem está comprometida com o
relativismo. Em nossa opinião (em qualquer visão metaética), um julgamento moral sincero feito
por um julgador em algum momento é, como dissemos, moralmente engajado: o julgador está
julgando moralmente à luz de suas próprias normas morais. Mas, em nossa opinião, como
dissemos, não há fatos morais no mundo que sirvam como criadores de verdade para
julgamentos morais. E tais fatos supostamente geradores de verdade são exatamente o que o
relativista moral está nos oferecendo – fatos morais relativos.

A nosso ver, pode haver desacordos morais profundos que ocorrem quando as partes
que trabalham com normas morais conflitantes discordam sobre a avaliação moral de alguma
ação, pessoa ou instituição. Tais discordâncias morais, embora não envolvam crenças descritivas
conflitantes, são, no entanto, uma questão de crenças conflitantes – isto é, compromissos
diretamente incompatíveis. O que acontece nesses casos é uma questão interessante e sem
dúvida complexa de dinâmica interpessoal que não podemos aprofundar aqui.

4: Julgamentos morais orientam a ação.

Mais uma vez, nossa estrutura para crença e afirmação nos permite dar sentido a essa
característica da fenomenologia moral: como já explicamos, os compromissos-de-dever morais
são crenças genuínas que, em contraste com as crenças descritivas não morais, são mais
diretamente orientadas para a ação. Há, é claro, muito mais a dizer sobre a psicologia moral e o
papel que os julgamentos de “dever” desempenham na economia psicológica de um indivíduo.
Acreditamos já ter dito o suficiente para deixar claro como nossa visão acomoda essa
característica da fenomenologia moral e não iremos aqui explorar mais o assunto.

5: Os julgamentos morais são baseados na autoridade das razões.


Como explicamos, o pensamento e o discurso moral são discursos avaliativos guiados
pela razão. Julgamentos morais pretendem ser fundamentados em razões – considerações que
contam a favor deste ou daquele julgamento moral. Mas e as razões morais? Deve-se supor que
existem propriedades de razão normativa no mundo e, correlativamente, fatos de razão no
mundo? Não. Pensamos que as mesmas considerações que derrotam o realismo moral
derrotarão o realismo sobre as razões morais. E propomos entender os julgamentos da razão
moral da mesma maneira que entendemos os julgamentos morais de primeira ordem.

Considere o julgamento da razão moral: "Você deve se recusar a dar ao paciente


terminal a grande dose de remédio para dormir que ele pediu, porque isso o mataria". Este
julgamento tem a forma geral “Deve p porque q”, em que q é alguma razão não moralmente
descrita. Em nossa opinião, tais julgamentos deve-porque são espécies de julgamentos morais
em si mesmos e, portanto, nosso tratamento não descritivista e não-factualista se aplica tanto
a eles quanto a julgamentos da forma “Deve p”. O julgamento é um compromisso de dever em
relação a p, enquanto também cita um fato q no qual o compromisso de dever é baseado.

6: Os tipos de razões que fundamentam os julgamentos morais são de particular


importância na vida dos seres humanos.

É claro, muito mais deveria ser dito sobre razões morais. Talvez o mais significativo seja
o fato de que as razões morais normalmente têm um status especial em comparação com razões
de outros tipos. Julgamentos de etiqueta, por exemplo, são tipicamente baseados em razões de
etiqueta. Mas é claro que existem diferenças importantes entre razões de etiqueta e razões
morais, diferenças que nos propomos a entender em termos da importância relativa de razões
de ambos os tipos. Propomos entender a importância das razões morais em termos dos tipos de
razões que contam como morais. As razões morais dizem respeito a assuntos de interesse vital
para os seres humanos; mais geralmente, elas dizem respeito a questões fundamentais de bem-
estar e respeito humano. É por serem razões desse tipo geral e pelo papel que tais considerações
desempenham em nossas vidas que podemos explicar sua importância superior em relação às
razões não morais para a ação. E o papel deles em nossas vidas também explica por que
devemos levar a moralidade a sério.

Isto conclui a apresentação e defesa parcial do expressivismo cognitivista com nossa


marca. Vamos agora resumir e indicar mais trabalho a ser feito.
Resumindo

Nosso envolvimento em nome do expressivismo cognitivista envolve variedades de


pensamento negativas e positivas. Negativamente, argumentamos que teorias metaéticas
concorrentes, incluindo versões de factualismo e versões concorrentes de não-factualismo, têm
sérios problemas e, portanto, devemos procurar algo melhor. Positivamente, desenvolvemos e
defendemos parcialmente nossa própria visão que combina o não-factualismo com nossa marca
cognitivista de expressivismo. Depois de articular brevemente nossa posição dentro de uma
estrutura geral de crença e afirmação que permite a possibilidade de crenças não descritivas,
passamos a explicar como nossa teoria metaética acomoda fenômenos morais profundamente
enraizados – satisfazendo assim o critério da fenomenologia moral. Nossa posição, como uma
versão do não-factualismo, também satisfaz facilmente o critério de coerência: uma vez que
nossa visão não aprova quaisquer propriedades morais ou fatos morais, não precisamos nos
preocupar sobre como tais propriedades e fatos se encaixam em uma metafísica e epistemologia
geral.

Para defender plenamente nosso ponto de vista, teríamos de elaborar melhor o que
dissemos neste capítulo. Também teríamos que lidar com outros desafios à nossa visão que não
abordamos neste capítulo, incluindo como nossa visão permite a possibilidade de erro moral e
como ela trata julgamentos logicamente complexos com constituintes morais. Em alguns de
nossos outros escritos desenvolvemos a posição mais detalhadamente e lidamos com esses
desafios adicionais. Indicamos aos nossos leitores esses escritos. Mas, no final, afirmamos a
visão metaética mais plausível que dá sentido à moralidade sem qualquer necessidade de uma
âncora metafísica: em suma, moralidade sem fatos morais.

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