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Sobre o Sentido e a Referência de Frege

Por João Victor Ferreira de Almeida, UFMG

1. Igualdade tautológica e não tautológica, sentido e referência para


nomes próprios
Frege considera inicialmente duas possibilidades para se definir a
igualdade: defini-la como uma relação entre nomes ou como uma relação entre
objetos (aquilo a que os nomes referem-se, as coisas). A última é rejeitada pela
consideração das diferenças entre dois tipos diferentes de identidade: a
identidade de tipo A=A é diferente da identidade da identidade de tipo A=B: a
primeira é tautológica, não ampliativa, a priori, do tipo que Kant chamaria
“analítica”; enquanto a segunda é ampliativa e não necessariamente pode ser
justificada a priori. Por exemplo, que Vênus = Vênus é válido a priori, e não
amplia em nada nossos conhecimentos astronômicos. Portanto, um exemplo do
primeiro tipo. Mas Estrela da Manhã = Vênus e Estrela da Tarde = Vênus, e, por
transitividade, Estrela da Tarde = Estrela da Manhã, não é justificável a priori, e
amplia nossos conhecimentos.. Se fosse verdadeiro que a igualdade é uma
relação entre objetos, segundo Frege, não poderia ser o caso A=A e B=A são
tipos diferentes de identidade, visto que a igualdade é uma relação de um objeto
consigo mesmo, e com nada mais. Deve-se considerar, então, a segunda
hipótese, que a identidade se dá entre nomes ou símbolos. Se ela for verdadeira,
a identidade de segundo tipo, A=B, se daria entre símbolos que referem-se ao
mesmo objeto. O problema com essa alternativa é que a relação entre símbolos
e objetos é arbitrária, convencional, e se fosse o caso, não estaríamos
exprimindo nenhum conhecimento substancial com a identidade A=B, mas
simplesmente que dois nomes distintos foram arbitrariamente escolhidos para
um objeto. A solução fregiana é que os nomes identificados veiculam modos
pelos quais o referente é apresentado, isto é, certas perspectivas sob as quais o
objeto apresenta-se para nós e pelas quais apresentamos o objeto, como no
caso de Estrela da Manhã = Estrela da Tarde. A fixação daquilo a quê o símbolo
ou nome refere-se é a referência do símbolo ou nome, o modo de apresentação
do referente veiculado pelo símbolo é o sentido. Frege não trata aqui de
conceitos gerais ou relações, mas, por ora, de símbolos e nomes que funcionam
como nomes próprios.
Sentido e referência foram suscintamente explicados assim:
Um nome próprio (palavra, símbolo, combinação de símbolos, expressão) exprime o seu sentido,
refere-se a ou designa a sua referência. Exprimimos com um símbolo o seu sentido e
designamos com ele a sua referência.

Além de a referência poder ser apresentada por muitos sentidos


diferentes, como a referência a Vênus, que foi apresentada por Estrela da Manhã
e Estrela da Tarde; um mesmo símbolo pode ter muitos sentidos (a polissemia
conhecida dos termos de uma linguagem), o mesmo sentido pode ser veiculado
por muitos símbolos diferentes (sinonímia), e, por fim, um sentido pode não ter
referência. O rei atual da França certamente veicula um sentido, mas não tem
qualquer referente (não se refere a nada que existe objetivamente).
2. A diferença entre representação (mental) e sentido
Deve-se diferenciar o sentido da representação (mental). As
representações são aquelas imagens que nossa imaginação produz: pense na
imagem mental que cada um produz do mar, por exemplo. A uma mesma
imagem mental, pode-se associar diferentes sentidos: posso imaginar o mesmo
ao ouvir falar em “o estagirita mais famoso” e “o autor da Metafísica”. Um mesmo
sentido pode, é claro, suscitar diferentes imagens mentais, ao ouvir falar em “o
segundo planeta mais próximo ao Sol” pode-se formar várias imagens mentais
diferentes para a esse sentido. Disso segue que não há uma correspondência
de um para um entre os sentidos e as representações, implicando que não
podem ser o mesmo. Ademais, o sentido é público, intersubjetivo; enquanto a
representação (mental) é privada, subjetiva. Enquanto a representação mental é
subjetiva, e a referência é o próprio objeto; o sentido deve ser visto como um
intermediário entre eles: ela não é nem subjetiva, como a representação, e
tampouco é o próprio objeto. Frege compara o sentido com um imagem da Lua
vista de um telescópio, que não é a própria Lua, mas uma imagem parcial dela,
mas ainda, assim, intersubjetivamente acessível; a própria Lua com a referência;
e a imagem que formamos a partir do telescópio, subjetiva e intransferível, com
a representação mental.
3. Sentido e referência para frases declarativas, referência de frases
declarativas é seu valor de verdade
Disse anteriormente que, por ora, estávamos tratando somente da
referência e sentido para nomes próprios. Daqui em diante, passaremos a tratar
de frases declarativas completas, como “A Terra tem somente um satélite
natural”. O pensamento, entendido como o conteúdo intersubjetivo, não como o
ato subjetivo de pensar, é o sentido, não a referência da frase. Os pensamentos
“A Estrela da Manhã é iluminada pelo Sol” e “A Estrela da Tarde é iluminada pelo
Sol”, tem a mesma referência, embora sejam pensamentos diferentes. Por que?
Porque são sentidos diferentes para a frase declarativa, pessoas que não sabem
que Estrela da Manhã = Estrela da Tarde podem não saber que as frases têm o
mesmo valor de verdade, por isso os pensamentos não podem ser a referência
da frase.
Para investigar qual a referência de uma frase declarativa, ele pede para
consideramos a frase “Ulisse desembarcou em Ítaca dormindo profundamente”.
Caso estejamos interessados somente no sentido, no pensamento, e naquilo
que ele suscita em nós, é indiferente buscar pela referência, provavelmente
inexistente do termo “Ulisses”, que comprometeria toda a referência da frase. É
quando nos interessamos pelo valor de verdade, isto é, se é verdadeira ou
falsa, que nos voltamos para o valor de verdade da frase. Por isso a referência
de uma frase declarativa é seu valor de verdade, o Verdadeiro e o Falso. Por
isso, qualquer frase verdadeira tem a mesma referência, o Verdadeiro, e toda
frase falsa, tem como referência o Falso.

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