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O signo: elementos semióticos

de Peirce

Nada é um signo, a menos que interpretado como um signo. C.S.Peirce


O filósofo Charles Sanders Peirce (1839 — 1914) investigava a relação entre
objetos e o pensamento. Em sua perspectiva, seria impossível compreender
objetos externos ao sujeito de forma acurada e de maneira universalmente
aceitas entre diferentes sujeitos. Essas críticas epistemológicas remontam de
Locke, Hume e Kant, para quem um mero empirismo ou um racionalismo
isolado não seria capaz de compreender a realidade. Peirce aproveitou o
conhecimento e reflexões adquiridos em sua formação como físico e
matemático para formular sua teoria da semiótica, o estudo dos signos.

O objeto teria qualidade intrínseca, mas de sua relação com o sujeito por


meio da linguagem resultava na representação da realidade.
A unidade semiótica seria o signo: o estímulo com parâmetro dotado de
significado. Peirce listou três modos de o signo mediar os significados:
 Ícone: um parâmetro com relação de semelhança com o objeto. Uma foto,
por exemplo. Onomatopeias seriam ícones verbais. As limitações do ícone
basicamente são duas: nem todos os seres reconhecem um ícone (animais
se auto-reconhecerem em uma pintura) e depende da qualidade da
representação, como um retrato cubista não ter um retratado tão facilmente
reconhecível quanto em uma pintura realista.
 Índice: um parâmetro cujo signo possua uma relação
de causalidade sensorial indicando seu significado. Alguns índices podem
ser interpretados por animais. Por exemplo, onde há fumaça geralmente há
fogo. Uma poça d’água pode indicar que houve chuva. Pronomes
demonstrativos e advérbios são equivalentes verbais dos índices.
 Símbolo: uma relação puramente convencional entre o signo e seu
significado. Não há fortes evidências que animais na natureza usem os
símbolos. Sinais de chamados de baleias, cachorros e pássaros aproximam-
se mais dos índices. A gorila Koko ou outro primatas que respondem a
símbolos são exceções a serem estudados. O símbolo é explicado ad
infinitum por outros referentes, como nas definições de um dicionário que
levam a outra definição. Alguns símbolos são não verbais, como a cruz
para simbolizar uma sepultura, a religião cristã, uma nacionalidade (em
bandeiras), um hospital, dentre outros. Nas línguas, quase a totalidade das
palavras são símbolos, representando alguma coisa, quer nominal (um
substantivo ou adjetivo) ou uma ação.
O signo em si (representâmen) seria o representante que transmitiria a ideia
do objeto representado ao interpretante, não a pessoa em si, mas o conjunto
de pressupostos e percepções do receptor.
Interessando na apreensão da realidade, Peirce (que era um e astrônomo que
se voltou à filosofia da ciência) propôs que havia três categorias básicas entre
elementos que resumiriam todas as outras relações. Essas categorias seriam
a primeiridade (monádica), a secundidade (relação diádica) e
a terceiridade (a relação triádica). A primeiridade formaria o novo, a
possibilidade, a qualidade de um ser que não teria existência por si só, sem
referência a outro ser, sendo, portanto, abstrato. De sua negação, oposição,
semelhança e contraste com outro, estabelecia-se a secundidade, a própria
relação, a qual assume função e existência.  Por fim, a terceiridade
representaria uma generalidade.
Esses atributos estariam presentes no sistema do signo como primeiridade >
ícone, secundidade> índice, e terceiridade > símbolo, bem como no sistema
semiótico de signo, objeto e interpretante. Em uma rápida analogia, o azul
(categoria de primeiridade) não pode ser definido, mas em sua  categoria de
secundidade pode ser definido como em “azul celeste”, anil, ou #0000ff. Por
fim, o que é interpretado como azul é a terceiridade, a qual pode ser aplicada
de forma generalizante.

Com essas categorias, seria possível desdobrar cada elemento de forma


multiplicadora. Mas, Peirce reduzia-nas em dez classes de signos, os nove
signos resultantes da tabela abaixo, mais o signo em si.

Representâmen Objeto Interpretante


signo em si mesmo signo com seu signo com seu
objeto interpretante
Primeiridade QUALI-SIGNO ÍCONE Semelhança REMA
Qualidade Relação mental de
Possibilidade semelhança
Sentimento Termo
Secundidade SIN-SIGNO ÍNDICE DICENTE
Realidade Conexão Contexto, fatos,
Atualidade Referência proposição
Existente Confirmação do
Sensação objeto
Terceiridade LEGI-SIGNO SÍMBOLO ARGUMENTO
Lei Abstração Forma lógica
Ideia Representação Dedução
Lógica Hábito Validado pelos
signos da lei
Primeiridade Secundidade Terceiridade

Ao considerar o papel do interpretante Peirce conclui sua teoria igualando o


conhecimento com a semiose (a produção de signos ou ação dos signos), um
processo contínuo de criar significados aos objetos. Epistemologicamente, a
verdade não seria passível de ser validada. Desse modo, a verdade é definida
por consenso, distinta da realidade. A verdade seria um processo, um processo
de auto-verificação. A utilidade do conhecimento seria sua validade, surgindo
aí o pragmatismo como linha de pensamento epistemológico e ontológico.

Legado
Influenciado de Duns Scotus e George Boole, a relação lógica entre os signos
seriam mais importantes para Peirce. Estudar a realidade seria estudar as
crenças em abstrato. Esse foco nas relações entre os signos influenciou a
psicologia e os estudos da religião de William James, bem como a filosofia e
teorias educacionais de John Dewey. Para Peirce, o signo existe tanto como
um objeto externo em um plano de realidade objetiva como também existe na
mente da pessoa que o percebe.

Contudo, Peirce considerou que as abordagens de James e Dewey eram


distorções de sua concepção de pragmatismo, pois a reduziam a um mero
instrumentalismo. Em razão disso, em seus escritos tardios passou a usar o
termo pragmaticismo.

Baseado em Peirce, Charles William Morris (1901 – 1979) estabeleceu três


disciplinas semióticas: a sintaxe (estudo da relação entre signos e signos),
a semântica (estudo das relações entre signos e objetos) e
a pragmática (estudo da relação entre signo, objetos e usuários).
As tríades de Peirce (ícone, índice e símbolo; o representante, o objeto
denotado, o interpretante) contrapõe às dicotomias da teoria dos signos de
Saussure, mas o foco comum no signo sedimentou a semiologia como a ciência

dos significados, influenciando a teoria da comunicação, o estruturalismo e a


linguística.
Com essa abrangência os conceitos da semiótica somaram-se aos da
antropologia. Além dos fenômenos da comunicação, a semiótica passou a ser
aplicada a outros atos simbólicos, como a música, a ciência, a religião, a
literatura, as relações políticas, o vestuário, a culinária, a organização social,
dentre outros. Com essa abrangência da semiótica, Lévi-Strauss empregou
largamente essas teorias na formulação da antropologia estruturalista. Também
são patentes as influências na antropologia simbólica de Geertz, Turner e de
Mary Douglas.

SAIBA MAIS

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto.


São Paulo: Perspectiva, 2000.
PIGNATARI, Décio. Semiótica e literatura. 6 ed. São Paulo: Ateliê Editorial:
2004.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica.  São Paulo: Brasiliense, 2003.
SANTAELLA, Lúcia. Teoria geral dos signos. São Paulo: Pioneira, 2000.
ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. Tradução de Antônio de Pádua
Danesi e Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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