A CRISE DA REPRESENTAÇÃO E O CONTRATO DE VERIDICÇÃO NO ROMANCE
Teoria Clássica
A teoria clássica da representação pensa que a
linguagem está no lugar de outra coisa, uma “realidade” extralinguística. Uma velha definição de signo dizia que ele era “aliquid pro aliquo”. Assim, as palavras não são consideradas signos no sentido moderno do termo, união de um significante e um significado, mas são representações das coisas do mundo, de suas qualidades, das ações e dos acontecimentos reais. Como a linguagem vai ser vista
Essa teoria trabalha, então, com a noção de A linguagem é considerada transparente, as
referência e referente. Este é um ente do palavras são análogas ao mundo, há uma mundo designado pelas palavras, enquanto identidade entre a ordem do mundo e a aquela é a “[...] relação que vai de uma ordem da linguagem. Assim, a significação grandeza semiótica a uma não semiótica (= não apresenta qualquer problema, pois ela é referente), que depende do contexto a própria coisa. Entre os signos e as extralinguístico” (GREIMAS; COURTÉS, coisas não há qualquer intermediação, eles 1979, p.310). são imagens das coisas. O referente são objetos do mundo real O contrato de veridicção que O que se apresenta para o designados pelas palavras. Assim, a se firma entre enunciador e enunciatário são significantes. A realidade do linguagem convém às coisas, é um enunciatário é de que a obra realismo é apenas uma ilusão de espelho da realidade, é semelhante às reflete, exatamente, o mundo, a realidade, uma ilusão referencial. No coisas. Nessa concepção, não existe a realidade. A linguagem realismo, a obra é apenas um produto que noção de arbitrariedade do signo. Ela existe para nos apresentar, de aspira a não guardar qualquer traço do reproduz, de certa forma, os fundamentos maneira transparente, a processo de produção. Ao mostrar-se como da linguagem adâmica. realidade. reflexo da realidade, apresenta, no texto, objetos reconhecíveis. Não exibindo seu processo de produção, a obra é mostrada no estado de identidade com o real. A evidência da identidade entre signo e referente, que é a base do realismo, naturaliza O enredo é o mundo, afasta-o da História, não vê os construído segundo acontecimentos em sua processualidade. modelos científicos.
As personagens são tipos,
cada uma delas é a O campo discursivo literário mantém Em primeiro lugar, o único narrador possível figurativização de um tema, relações muito próximas com o na obra realista é o chamado narrador em é um caso que manifesta campo discursivo científico. terceira pessoa, ou seja, o eu enunciador deve uma ideia geral. Aspirando à “objetividade” do ausentar-se do enunciado, não deixar discurso científico, aspira ao nele as marcas de pessoa. Nesse tipo de As personagens não são enunciado. Por outro lado, pretende contrato de veridicção, os fatos devem idealizadas. Ao contrário, descobrir a verdade das personagens, como que se narrar a si mesmos. são mostradas em sua dissecar as razões de seu dimensão corporal, são comportamento. animalizadas.
Na medida em que as personagens
são tipos e não indivíduos, constituem metonímias. [...] nas descrições é As ações das personagens Esse contrato veridictório que se firma nos preciso que a mimese do real não seja não são determinadas por períodos em que o realismo é tingida pelos afetos do narrador. Daí, o leis cegas. Ao contrá- imperante pode ser chamado contrato fato de haver, nas descrições, poucas rio, não sofrem elas objetivante. Nele, concebe-se que, na relação comparações com elementos humanos e qualquer determinação. entre sujeito e objeto, isto é, homem e mundo, de o léxico da descrição ser muito Suas razões são sempre o segundo elemento impõe-se sobre preciso e concreto. Há nelas uma razões do o primeiro. Há, porém, outro contrato, que se preocupação em coração (BOSI, 1975, poderia denominar subjetivante, em encontrar a palavra adequada, o vocábulo p.154): orgulho, que se pensa que o mundo só é cognoscível preciso para um determinado contexto. susceptibilidades, ciúmes, por meio da subjetividade humana, etc. O compo- que o texto representa o mundo, mas essa nente passional é sempre representação só pode ser feita pela muito forte. Os temas são subjetividade humana. O grande momento sempre subjetivizados. desse contrato foi o romantismo.
Como esse contrato pretende representar
o mundo, a partir da subjetividade do narrador, a descrição tinge-se da subjetividade do autor. Toda a mimese do real é construída a partir do eu. Os signos são vistos como Há ainda um terceiro contrato veridictório, que arbitrários e a linguagem dá parte do pressuposto de que forma ao mundo. Poder- a relação homem/mundo não se faz diretamente, se-ia denominar semiótico mas de que é mediada pela lin- esse terceiro tipo de guagem. Assim, o signo não é representação das contrato veridictório. Assim, coisas, das qualidades e dos pro- Por isso, a linguagem não é a cessos do mundo, mas é a união de um plano do representação transparente de uma obra de arte não se vê mais conteúdo e de um plano da realidade, mas é como representação do expressão. O significado não é o referente, mas criação de diferentes realidades, de mundo, mas como é um conteúdo linguístico. Os diversos pontos de vista sobre o real. linguagem, como semiótica. conceitos são gerados por uma forma do Mostra-nos, por conseguinte, a conteúdo e não preexistem à linguagem. relatividade da verdade, a possibilidade de que a realidade seja outra. Nada há fixo, imutável, verdadeiro. A verossimilhança, nesse tipo de Nesse contrato, o narrador é sempre em primeira Na verdade, na linguagem podem-se contrato, é uma construção interna à pessoa. Quando ocorre o criar mundos, personagens, fatos. É o obra e não uma adequação ao referente, que a Teoria Literária chama que mostra esse contrato de como um narrador em terceira veridicção. Narrador e personagens pretende o contrato veridictório pessoa, isto é, um narrador não são pessoas que não é personagem, o eu do mundo, mas criações da não se ausenta do linguagem.