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LIVRO: LITERATURA E ALFABETIZAÇÃO

Capítulo 10: Pressupostos teóricos e metodológicos da articulação entre


literatura e alfabetização
Juracy Assumann Saraiva
Ana Maria Lisboa de Mello
Noely Klein Varella

A importância da literatura no processo de alfabetização


A palavra escrita amedronta e intimida, desafia e provoca, aprisiona e liberta.
Conferindo uma aura de distinção àqueles que a dominam, ela separa os cidadãos que têm
acesso ao conhecimento construído daqueles que dele ficam privados; ela instala direitos que,
simultaneamente, nega aos analfabetos; ela confere prazer, mas causa hesitação e medo quando
guarda, em seus sinais, o inapreensível. Via de inserção ou de exclusão social, a palavra escrita
interfere na posição hierárquica dos indivíduos, diferenciando também o mundo dos adultos do
mundo das crianças. Ela suscita, pois, o desejo das crianças de romperem com seu círculo para,
através da superação das dificuldades inerentes à conquista do código escrito, aderir a um
espaço de direitos mais plenos.
O domínio da leitura é uma experiência tão importante na vida da criança, que
determina o modo como ela irá perceber a escola e a aprendizagem em geral. Em decorrência
disso, o esforço despendido pela criança no reconhecimento de letras e palavras precisa aliar-se
à certeza de que será compensado pela leitura de textos altamente estimulantes.
Quando a aprendizagem da leitura é experienciada não apenas como o melhor caminho, mas como o
único para sermos transportados para dentro de um mundo previamente desconhecido, então a
fascinação inconsciente da criança em relação aos acontecimentos imaginários e seu poder mágico
apoiará os seus esforços conscientes na decodificação, dando-lhe forças para vencer a difícil tarefa
de aprender a ler... (Bettelheim, 1984, p. 49).
Conforme Bettelheim, o acesso ao código escrito confere à criança o poder de participar
do mundo secreto dos adultos. Assim, para ela o ato de ler é uma aventura fascinante, que lhe
garante um novo domínio. A fascinação de exercê-lo torna-se ainda maior quando a criança
descobre que, através da ficção e da poesia, encontra resposta às suas indagações interiores. Ao
defrontar-se com textos de valor estético e cultural, que traduzem o sentido da existência por
engendrarem respostas a seus conflitos e emoções, a criança acrescenta um novo estímulo à sua
vida.
Consequentemente, a aprendizagem da leitura deve propiciar à criança a sensação de
que, por meio dela, um mundo insólito se abre para sua mente. Por isso, exige-se dos
educadores a seleção de obras potencialmente significativas, que enriqueçam o mundo interior
da criança e que se harmonizem com suas aspirações; obras que se afigurem ao leitor infantil
como reais – visto que verbalizam aquilo que é especificamente humano e até primitivo, como
os sentimentos de raiva, inveja, ciúme, ambição –, mas que, paralelamente, apontem para um
mundo melhor, onde o mais importante são as riquezas abstratas da beleza, da justiça, do
perdão e do amor (Mello e Leonhardt, 1991, p. 3).
Os contos de fadas e outras histórias do gênero propõem uma ruptura com o real
imediato e dirigem-se a regiões do inconsciente, fortalecendo a necessidade de beleza interior e
de sabedoria, valores tão precários em um mundo chamado realidade. Conforme Campbell, a
tarefa do herói nos contos tradicionais é “retirar-se da cena da vida mundana e iniciar uma
jornada pelas regiões da psique, onde residem efetivamente as dificuldades para torná-las claras
e erradicá-las em favor de si mesmo” (s.d., p. 27). Para o autor, os contos “falam com
eloquência, não da sociedade e da psique atuais, em estado de desintegração, mas da fonte
inesgotável por intermediário da qual a sociedade renasce”. Por isso, a tarefa do herói se
completa ao “retornar ao meio transfigurado e ensinar a lição da vida renovada que aprendeu”
(Campbell, s.d., p. 27).
A criança deixa-se fascinar por essas narrativas, porque elas materializam seu desejo de
crescer, de se transformar e de transformar o mundo. Projetando-se em heróis, ela libera suas
emoções e conflitos interiores, saindo fortalecida da experiência proporcionada pela leitura.
Se a trajetória do herói nas narrativas fantástica envia, em nível simbólico, uma série de
mensagens ao inconsciente do leitor, que lhe permitem objetivar seus sentimentos e aspirações
mais profundas, o texto poético é outra forma literária que incide diretamente sobre a
interioridade do leitor, levando-o a um estado que visa ao que “se podem chamar de
‘conhecimento emocional’ do real, uma vez que ‘as coisas são sempre mais que aquilo que são,
que parecem ser” (Laurent-Delchet, 1980, p. 27).
Subvertendo o uso habitual da língua e sua natureza instrumental, a linguagem poética
volta-se sobre si mesma, em um processo em que as palavras se libertam, realizando
associações inusitadas; a sintaxe desorganiza-se; desfazem-se os nexos lógicos, próprios da
prosa, para expressar o que parece inefável. Na poesia, a musicalidade dos versos
proporcionada pelo ritmo e o jogo de palavras, que projetam imagens incomuns, exigem do
leitor a participação no fazer poético. Esse exercício lúdico pode causar estranheza ao leitor,
mas possibilita-lhe o contato com a face singular da linguagem, que atrai por ser desafiadora.
Desse modo, os recursos sonoros e imagéticos do poema propiciam ao leitor o prazer da
reprodução do texto.
O estrato fônico é o que primeiro atrai a atenção das crianças, proporcionando-lhes a
fruição estética. Sensível a jogos de palavras, próprios da produção poética folclórica (quadros,
brincos, parlendas, trava-línguas, adivinhas), a criança sente prazer no jogo de semelhanças e
contrastes sonoros entre as palavras, independentemente da significação. Por sua vez, os
recursos imagéticos, que promovem a associação original de palavras, exigem do leitor o
exercício criativo da imaginação, “domínio em que as crianças se movimentam bem”
(Averbuck, 1982, p. 63-83), estimulam a sensibilidade estética e a criatividade.
Por desenvolver as áreas afetiva e intelectual, a leitura de textos literários, na fase da
alfabetização, oferece às crianças a oportunidade de se apoderarem da linguagem, uma vez que
a expressão do imaginário as liberta das angústias próprias do conhecimento e lhes proporciona
meios para compreenderem o real e atuar criativa e criticamente sobre o real.
Consequentemente, os textos literários transcendem o estatuto de meio ou de instrumento hábil
a facilitar o processo de alfabetização, para se afirmarem como elemento essencial, capaz de
harmonizar a relação sujeito-mundo, oferecendo àquele outra via de reflexão. Entretanto, por
serem linguagem, os textos literários somam, à sua função primordial, uma outra: a de atribuir
significados e sinais gráficos, significados que se enriquecem pelos sentidos que seu intérprete
atribui a eles.
Como forma de arte, os textos literários ocupam-se da representação do real tangível e
do real psíquico da criança, proporcionando-lhe condições de elaborar significativamente os
dados da realidade a sua interação com ela. Isso garante à literatura o cumprimento de dupla
finalidade: por um lado, possibilita à criança compreender melhor os contornos do real e as
emoções que ele provoca; por outro, incentiva a criança a produzir textos, a partir da
apropriação de textos existentes. Por isso, a prática da leitura do texto literário nas séries
iniciais pressupõe a prática da escrita, momento em que se mobiliza e libera o imaginário
infantil e, em que, ao retrabalhar criativamente a linguagem, a criança dela se apropria. Desse
modo, o aluno não só descobre o texto, impregnando-se de sua simbologia, enriquecendo seu
domínio linguístico, mas também explora, manipula o texto e, a partir dele, cria novos textos.
Esta alternância impregnação/produção efetua-se em contínuo vaivém: receber para produzir –
produzir para receber, o que permite um enriquecimento cada vez mais fecundo do desenvolvimento
intelectual e afetivo da criança. (Albert, Castaing e Copin, 1980, p. 126).

Receber para produzir e vice-versa pressupõem que se faça da sala de aula um ambiente
de fomento à leitura, onde se coloquem à disposição dos alunos textos literários de valor
estético e se propiciem condições de vivenciar a literatura não como pretexto para a
amplificação do vocabulário, ou para a execução de exercícios que desmembram o texto em
fragmentos sem sentido, mas como ato comunicativo, isto é, como diálogo.
Os pressupostos referidos embasam as atividades de leitura apresentadas nos roteiros de
leitura. Ao articularem teoria e prática, eles intervêm no processo de formação do leitor através
da aplicação de uma metodologia de ensino da leitura e da escrita, que integra a recorrência a
outras modalidades de linguagem.

Metodologia: interação dialógica texto-leitor

A proposta de leitura de textos literários no processo de alfabetização, visando à


formação do leitor, sustenta-se em quatro ações básicas: na capacitação do professor
alfabetizador; na seleção de textos; na proposição de atividades de leitura e de produção
textual; e no envolvimento de atores que legitimam o esforço dos docentes, voltando para a
promoção da leitura.
A formação do aluno-leitor transita, necessariamente, pela capacitação do professor-
leitor. A paixão pela leitura não é algo casual, pois ela se alimenta da exemplaridade que
desencadeia o interesse, a motivação e o encantamento pelo mágico mundo da fantasia.
Entretanto, esse estímulo positivo em face da leitura demonstrado pelo professor deve ser
complementado por qualidades pessoais e técnicas e pelo domínio conceitual. Espera-se que o
professor conheça o modo como a criança aprende e estabeleça uma relação comunicativa
afável com seus alunos, que aprimore continuamente sua prática pedagógica, mas, sobretudo,
que tenha assimilado conceitos fundamentais que lhe possibilitem apreender seu objeto – a
literatura. O saber teórico, conjugado a atitudes e habilidades sustenta a tríade sobre a qual toda
situação de ensino e aprendizagem é consolidada: o aluno, o professor e o conteúdo que se quer
transmitir, o qual abrange nesse caso, o comprometimento com o ato de ler.
Ao centrar-se na seleção de textos literários para o trabalho com a leitura nas séries
iniciais, a proposta enfatiza a prerrogativa essencial da literatura, qual seja, a de explorar as
potencialidades expressivas de sua matéria, a palavra, e a de representar mimeticamente o real,
constituindo-se em via de acesso à interioridade do sujeito e ao mundo que o circunda. Sendo
resposta a indagações humanas, a literatura exerce função de reconhecimento, pois impele o
leitor a situar-se criticamente diante do mundo representado e do processo de sua
representação. Na posição de intérprete, o receptor interliga, ainda que intuitivamente, o
universo ficcional ao de sua experiência cotidiana, deixando-se seduzir pela evidência de que as
palavras são peças lúdicas, cujo dinamismo ele mesmo impulsiona.
A importância da literatura para o processo de autoconhecimento da criança e de sua
inserção no real, bem como para o desenvolvimento de seu senso crítico diante da linguagem,
orienta, pois, a seleção de textos literários. Consequentemente, ela incide sobre narrativas e
poemas que, sendo adequados ao estágio de desenvolvimento da criança, traduzem situações
problemáticas, como, por exemplo, o medo injustificado, expresso em O barulho fantasma, de
Sônia Junqueira; a carência afetiva, tratada em “Beija-flor”, de Roseana Murray; o desejo de
auto confirmação da identidade, representado em Maria vai com as outras, de Sylvia Orthof, e
em Gato que pulava em sapato, de Fernanda Lopes de Almeida; a imperiosidade da obediência
a regras, concebida no poema “Uma palmada bem dada”, de Cecília Meireles. A par disso, a
seleção privilegia textos cuja natureza lúdica e criativa convoca à adesão do receptor,
promovendo o prazer e a inventividade por sua participação como coautor textual. Essa
característica sobre todos os textos selecionados, sendo particularmente enfatizada nas
narrativas Peru de peruca, de Sônia Junqueira, A vaca Mimosa e a mosca Zenilda, de Sylvia
Orthof e nos poemas “O rato Roque” e “o galo aluado”, de Sérgio Caparelli, “Coisas
Esquisitas”, de Elias José, “Boa-noite”, de Sidônio Muralha.
A seleção considera, ainda, o aspecto formal dos textos, atentando para a estrutura das
narrativas e dos poemas, para seus aspectos morfossintáticos, semânticos, fonológico e fonético
e para a sua concepção visual.
Para atender às características do público-leitor, as narrativas e os poemas escolhidos
são de curta dimensão, obedecendo à sequencialidade causal e temporal. Essa simplicidade se
repete nas estruturas sintáticas, com orações predominantemente coordenadas, em que os
termos seguem, em regra, a ordem direta, havendo uma substituição lexical pouco expressiva.
O apelo a reiteração está presente tanto nos aspectos morfológicos e sintáticos quanto nos
fonéticos e fonológico, expresso nos jogos sonoros, isto é, nas rimas, nas assonâncias, nas
aliterações, revelando-se também na recorrência ao paralelismo de situações cujas semelhanças
e contrastes a ilustração frequentemente ajuda a salientar.
A ilustração das produções selecionadas não tem função meramente decorativa, pois, ao
integrar-se à textualidade, apresenta elementos que agregam novas informações aos enunciados
de natureza verbal. Os aspectos icônicos e gráficos dos textos, que abrangem a dimensão e ao
tipo de letras, investem na capacidade que os signos visualmente instituídos têm de mobilizar a
percepção do leitor, para que esse construa significações. Opta-se, assim, por textos em que a
ilustração rejeita representações figurativas e modelos estereotipados para instalar um olhar
interrogador, que busca depreender os significados visuais e correlaciona-los ao sentido do
texto. Esse objetivo é exemplarmente concretizado em Maria vai com as outras e a Vaca
Mimosa e a mosca Zenilda, em que a ilustração constrói sequências paralelas às manifestações
pelo discurso verbal. Em Gato que pulava em sapato e nas demais narrativas, os signos icônicos
introduzem significações implícitas, particularmente sob o aspecto ideológico, manifestado no
texto de Fernando Lopes de Almeida pela dimensão e posição das personagens. Ao enfatizar o
aspecto visual dos textos, tratado como critério de avaliação, deseja-se salientar a sua
importância para o estabelecimento da compreensão e a necessidade de abarcar questões
suscitadas por essa modalidade de linguagem quando se desejar respeita a natureza
multiprismática das obras e da leitura.
Por sua especificidade, os textos literários não visam embasar o deciframento da escrita,
sendo esse procedimento antes uma decorrência do que um efeito desejado. Mas, pela relação
afetiva e intelectual que fundam com o leitor e pelo convencionalismo de sua linguagem, os
textos literários favorecem o processo de alfabetização. Eles promovem o desenvolvimento da
consciência linguística do alfabetizando e o acesso às convenções da língua, que abrangem a
organicidade dos textos, os padrões frasais, as microestruturas, a combinação de fonemas, a
relação fonema-grafema, o domínio lexical e conceitual. O enriquecimento do vocabulário, a
capacidade de elaborar inferências sempre mais complexas, a possibilidade de estabelecer
relações contextuais são outros benefícios que advêm da familiaridade do alfabetizando com
textos literários.
Portanto, a proposta da articulação entre literatura e alfabetização enfatiza a função
formadora da arte literária e, valendo-se da exploração dos recursos significativos da linguagem
presentes nos textos, faz deles um modelar recurso para o desenvolvimento do processo de
alfabetização, entendido como leitura compreensiva e produção textual.
A proposição de atividades de leitura e de produção textual centra-se em roteiros,
concebidos como forma de organização e sistematização do trabalho de leitura e de escrita com
os alfabetizandos. Entretanto, a palavra roteiro não deve ser confundida com exercícios
rotineiros, marcados pela repetibilidade e pelo automatismo, embora nas tarefas sejam
pressupostas repetições, prática requerida pela criança durante a aprendizagem. O roteiro não
significa um caminho acabado: ele não diz tudo, não traz tudo. Ele promove aberturas, explora
caminhos. É uma demonstração preliminar daquilo que pode vir a ser feito.
A ideia de roteiro pode ser melhor apreendida quando relacionada à produção
cinematográfica. O roteiro é o texto sobre o qual se realiza o filme; todavia, quando acabado, o
discurso fílmico é muito mais rico do que o roteiro que orientou sua execução. É nesse sentido
que se emprega a palavra roteiro: como fio condutor de uma ação produtiva, cujos resultados
transcendem aquilo que lhe deu origem.
A organização dos roteiros divide-se em três etapas: atividade introdutória à recepção
do texto, leitura compreensiva e interpretativa do texto e transferência e ampliação da leitura.
A primeira etapa visa estimular as crianças à leitura e, para tal, apoia-se em diferentes
estratégias. Elas podem ter o próprio texto como instrumento de motivação ou se valer de
informações prévias das crianças para alcançar o objetivo desejado. As experiências pessoais,
entre elas brincadeiras infantis, são utilizadas para ativar a curiosidade dos alfabetizandos em
relação à leitura do texto e, simultaneamente, para valorizar seu conhecimento de mundo e
ampliá-lo.
A segunda etapa caracteriza-se, fundamentalmente, pela apreensão do horizonte inscrito
no texto, do qual o receptor faz parte. Visa ao envolvimento do leitor que se compreende na
mensagem e compreende-se pela mensagem, transformando o texto e transformando-se a si
mesmo (Silva, 1987, p. 45).
As atividades sugeridas na segunda distingue-se segundo a modalidade dos textos:
tratando-se de uma narrativa, o professor procede a uma leitura compartilhada pelos alunos,
levantando questões sobre os enunciados verbais e visuais; ao explorar poemas, o professor
recorre a alternativas diversas para apresentar a transcrição gráfica dos textos – seja através do
quadro-verde ou de painéis que permitam a apreensão visual do todo -, objetivando estimular a
sua memorização. Uma vez realizada, gera diferentes situações, como a leitura de faz de conta,
a demonstração oral da leitura, a recriação do texto pela mudança da disposição de versos ou
estrofes ou pela substituição de palavras. O roteiro de “móbile” que parte da musicalização do
poema e sugere maneiras de recriá-los, exemplifica as possibilidades inerentes à apropriação de
texto poético, como estímulo para o jogo lúdico com as palavras, do qual decorre uma
prazerosa relação leitor-texto e, simultaneamente, o posicionamento crítico do receptor frente
ao uso da linguagem poética (ver roteiro de “o móbile”).
O respeito à capacidade compreensiva e interpretativa do leitor rejeita a proposição de
questões óbvias para privilegiar os espaços de indeterminação do texto, ou seja, as lacunas ao
invés de informações, o interdito ao invés do dito. Em consonância com esse propósito, as
atividades sugeridas não ensejam respostas redutoras. Elas envolvem níveis de complexidade
variável que vão dar identificação ao cotejo para chegar à transferência de significações a
situações particulares. Por conseguinte, as atividades propostas solicitam movimentos
cooperativos do alfabetizando e, ao mobilizarem seu pensamento crítico-reflexivo, possibilitam
a ele que aprenda a pensar, a avaliar, a julgar. Todavia, para o sucesso da realização das tarefas,
é necessário que o professor atue como mediador, ajudando os alunos a ampliarem a sua
competência linguística e circunstancial, bem como sua capacidade de construir
pressuposições.
Quanto ao processo de alfabetização, as atividades propostas sugerem a análise e
reflexão sobre a língua escrita, introduzindo questões relacionadas às habilidades
metalinguísticas, como, por exemplo, a percepção da função opositiva dos fonemas. A
alteração semântica provocada pela substituição de um único fonema torna-se perceptivo
através de exercícios em que se promove a identificação desse fenômeno linguístico, explorado
nos roteiros relativos à O peru de peruca e O macaco e a mola. É importante frisar que o texto
literário favorece a compreensão da diferença entre a língua oral e a escrita, o que facilita a
preensão do código gráfico.
A terceira etapa – transferência e aplição da leitura – é uma decorrência da anterior, já
que o circuito da comunicação literária instala uma interação dialética que impele o receptor a
se transformar em emissor de novas mensagens. Isso ocorre porque as significações,
evidenciadas no texto, são reelaboradas pelo leitor em termos de novas possibilidades
expressivas. Quando recria a leitura, o leitor dá forma à finalidade prevista pelo ato de ler, que
gera experiências, origina reflexões, exige posicionamentos, leva à renovação.
As atividades de produção textual compreendem ações das mais variadas, prevendo
composição de narrativas e poemas, concepção de entrevistas, criação de livros, recriação de
poemas, brincadeiras com a sonoridade das palavras, jogos dramáticos, exercícios físicos,
organização de painéis, desenhos, ilustrações, confecção de bonecos, de fantoches, execução de
dobraduras, agregando diferentes modalidades de linguagem, para promover a capacidade
expressiva e comunicativa das crianças, cujo reconhecimento se busca através do envolvimento
da comunidade escolar.
A compreensão de que a leitura e a produção textual devem ser orientadas para um
público receptor e a convicção de que o trabalho com a literatura só se solidifica mediante o
apoio dos diferentes atores que compõem o ambiente escolar conduz à dinâmica da articulação
entre Literatura e Alfabetização. Ela envolve os alunos da escola, a administração e a
supervisão escolar e os pais, transformando-se em interlocutores do processo e corresponsáveis
pelo sucesso da aprendizagem e pela valorização do livro e da leitura.
Os resultados alcançados, que são comprovados a seguir, permitem afirmar que
mudanças positivas em relação à leitura são possíveis, desde que as ações integrem, em um
trabalho coletivo, a escola, a família, os órgãos públicos responsáveis pela educação e a própria
universidade.
SARAIVA, J. A. S. et al. Pressupostos teóricos e metodológicos da articulação entre
literatura e alfabetização. In. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da
ação/organizado por Juracy Asmann Saraiva. – Porto Alegre: Artmed, 2001.

Referências
ALBERT, m. p.; CASTAING, J. A Poesia no ensino primário. In: COSEM, M. (org.) O poder
da poesia. Coimbra: Almeidina, 1980.
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Círculo do livro, s.d.

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