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Moralidade sem fatos morais

Parte 1caracterização das posições e refutação das teorias concorrentes


Capítulo de Horgan and Mark Timmons

Comentários João Victor F. de Almeida

Finalidade do capítulo: desenvolver e defender o expressivismo cognitivista, como


uma visão semântica fiel à fenomenologia moral, combinado com o não-factualismo.

1. As posições em metaética
a) Caracterização da metaética: parte da filosofia que estuda principalmente a
semântica, metafísica e epistemologia da moral. A epistemologia aqui não será
interessante. O expressivismo não cognitivista é uma posição à respeito semântica.
b) Expressivismo e descritivismo: ao invés de cognitivismo e não-cognitivismo, a
principal divisão entre posições semânticas apresentada por eles é expressivismo e
descritivismo:
b.1) O descritivismo afirma que a semântica de um determinado domínio tem por fim
descrever elementos do domínio de discurso. Estamos inclinados a pensar que um
astrônomo faz isso ao dizer que o Sol é o astro mais massivo do Sistema Solar e que
os planetas orbitam ao seu redor. Crenças com este caráter podem ser chamadas de
crenças descritivas.
b.2) O expressivismo, termo geralmente identificado como uma teoria não-cognitivistas
(não se deve confundir), aqui está sendo entendido como o não-descritivismo. O
expressivismo, então, afirma que expressões morais não são primordialmente
descritivas. O expressivismo pode ser uma cognitivista ou não-cognitivista. Cognitivistas
são aqueles que afirmam que expressões morais são crenças, não-cognitivistas
afirmam que expressões morais têm outro caráter.
c) Factualismo e não-factualismo:
c1) Os factualistas afirmam a existência de fatos morais, independentes ou não.
c2) não-factualistas são os que negam que existem fatos morais.

Síntese de b) e c)
Factualismo x não-factualismo e descritivismo x expressivismo substituem,
respectivamente, realismo x anti-realismo e cognitivismo x não-cognitivismo, como as
principais posições, respectivamente, na metafísica e na semântica moral.
d) Combinações entre factualismo x não-factualismo e descritivismo x não-
descritivismo e exemplos
a) Logicamente são 4 as hipóteses de combinações entre posições semânticas e
metafísicas: as combinações mais óbvias entre as posições são factualismo
descritivista e não-factualismo expressivista. Uma terceira, adotada famosamente
pela teoria do erro, é a cópula de não-factualismo e descritivismo. Uma posição
factualista mas descritivista, embora seja logicamente possível, não é exemplificada.
b) As posições combinadas acima são exemplificadas como se segue:
i Factualismo descritivista: realismo, relativismo e construcionismo.
- que o realismo seja considerado um tipo de factualismo, e que o relativismo conte
como um factualismo, indica que o factualismo está considerando fatos morais
dependentes da mente-linguagem. É estranho que o construtivismo seja
essencialmente um descritivismo. Kant certamente é um construtivista, mas não parece
que ele está descrevendo algo. Parece que o construtivismo pode ser expressivista.
ii não-factualismo descritivista: teoria do erro
iii não-factualismo expressivista: não-cognitivismo (por exemplo, o emotivismo) e
expressivismo cognitivista (posição dos autores).
- O expressivismo factualista não tem exemplificação. Sua possibilidade será
considera à frente.

2. Avaliando as posições
a) Critério da fenomenologia moral
Enquanto teoria sobre a epistemologia, semântica e metafísica da moral, a metaética
deve dar conta de explicar a fenomenologia moral, isto é, explicar os aspectos aparentes
da moral.
“1. Os julgamentos morais são tipicamente expressos linguisticamente como declarações no
modo indicativo, e essas declarações parecem expressar crenças genuínas e fazer afirmações
genuínas. O julgamento moral de que o apartheid é errado afirma que o apartheid é errado.

2. Os julgamentos morais podem ser verdadeiros ou falsos e, de fato, muitos desses julgamentos
são verdadeiros e seus contraditórios são falsos.

3. Pode haver desacordos morais genuínos e profundos – incluindo desacordos entre pessoas
sobre princípios e pressupostos morais fundamentais.

4. Julgamentos e declarações morais orientam a ação; eles normalmente estão preocupados em


direcionar o comportamento.

5. Os julgamentos morais são tipicamente baseados na autoridade das razões. Baseamos nossos
julgamentos morais no que consideramos boas razões a favor dos julgamentos – razões que têm
uma autoridade especial.

6. Os julgamentos morais são sobre assuntos de importância profunda e fundamental para


nossas vidas, enquanto, digamos, julgamentos estéticos e julgamentos de etiqueta são
geralmente sobre assuntos de menor importância.”
- Uma teoria não pode simplesmente desconsidera-los. Uma interpretação caridosa do
texto parece ser que estes aspectos da moral não são dogmas, mas que deve haver
uma razão forte para falsea-los.
- A esta exigência eles chamam de critério da fenomenologia moral.
b) Critério da coerência
Outro critério é que a teoria metaética deve ser coerente com nossas próprias teorias
filosóficas exteriores à metaética (sobre metafísica, semântica, epistemologia...), e com
as teorias científicas mais bem confirmadas.

3. Problemas com o factualismo


a) caracterização das teorias factualistas
a.1) Realismo: o realismo moral afirma uma objetividade forte, que há fatos ou
propriedades morais independentes.
a.2) Relativismo: um factualismo sobre fatos dependentes e não universalista. O
relativismo torna os fatos morais condicionais a parâmetros sociais, grupais, e no limite,
individuais. Um fato moral é determinado por uma regra firmada socialmente, ou por
uma crença subjetiva.
a.3) Construtivismo: o construitivismo é o factualismo intermediário em relação ao
realismo e ao relativismo, anti-realista mas universalista. Contra o realismo, nega que
haja propriedades e fatos morais mundanos, e os condiciona a aceitação subjetiva;
contra o relativista, que elas são imperativas pra qualquer agente racional competente,
negando uma multiplicidade de normas morais básicas, como faz o relativista.
b) Objeção suscinta às teorias factualistas: construtivismo e realismo, embora
tentem evitar, acabam caindo no relativismo moral. A razão para isso precisa de
esclarecimento. O relativismo moral falha pelo critério da fenomenologia moral.
c) Objeção da localização ao realismo, o dilema e a queda no relativismo
c.1) O problema da localização: o problema da localização é “se os fatos morais
existem de modo independente, onde estão?” O naturalista deve localiza-los em algum
lugar da natureza. Onde? O não naturalista deve mostrar que eles podem existir de
modo independente da natureza.
c.2) Respostas realistas ao problema e o problema com a resposta:
- O realista tem a missão de caracterizar as referências de seu discurso. Precisa dar o
conjunto de propriedades que são capazes de caracterizar sua referência, todos os
objetos que caem sobre propriedades e fatos morais (como moralmente certo e
moralmente bom) e diferencia-las do que não cai sobre o conceito. O realista pode
buscar caracterizações em lugares comuns no discurso sobre a ética:
- O problema é que o realista não tem recursos para mostrar quais propriedades
exatamente deveriam contar para caracteriza a sua referência. A correção moral é
definida pelo utilitarista como aquilo que maximiza a felicidade para o maior número; o
deontologista define a correção moral como aquilo que motiva a benevolência. Aqui é
que está o ponto em que o realismo colapsa em relativismo.
Conclusão: ou o realismo não fornece critérios para identificar as propriedades que
postula, ou o realismo colapsa em relativismo.
Uma resposta óbvia do realista seria: somente uma teoria normativa está correta, o
utilitarista dirá que sua teoria é correta e que é ela que captura corretamente as
propriedades morais, o deontologista dirá que é a teoria dele é que rastreia corretamente
as propriedades morais. Não fica claro como ele poderia lidar com as objeções.
d) Construtivsmo moral colapsando em relativismo
- O construtivismo parece atraente porque promete evitar o problema metafísico do
realismo de rastrear propriedades e fatos morais, e evitar o relativismo. A crítica é que
ele não cumpre sua promessa de evitar o relativismo.
- O construtivismo tem duas tarefas:
(1) o processo ou método de deliberação produza normas morais definidas com implicações
morais determinadas e (2) o faça de uma forma que produza um único conjunto de normas
morais “corretas” ou “verdadeiras”

Se fracassarem na primeira tarefa, fracassariam em defender o construtivismo; se


fracassarem no segundo, sua posição colapsaria em relativismo. Segundo os autores,
Nenhuma teoria conhecida satisfaz essas exigências.
- O problema é que o construtivista para assegurar (1) precisa se comprometer com
uma teoria normativa com base em suas própria intuições morais, que pode estar em
desacordo com outras teorias, o que não satisfaz (2), colapsando em relativismo.

e) O problema com o relativismo


Como adiantado, o problema com o relativismo é que ele não é capaz de explicar a
fenomenologia da moral, mais especificamente não dão conta de do ítem 3 da
caracterização da fenomenologia moral acima. É bastante claro porquê: se o relativismo
moral afirma que as verdades morais são relativistas a grupos, indivíduos e sociedades,
então os desacordos entre eles não é genuíno, falam simplesmente de perspectivas
diferentes.
- Seu argumento é válido, e a definição de relativismo parece adequada ao uso comum,
um adversário da tese defendida aqui, poderia atacar a necessidade de atender a todos
os critérios da fenomenologia moral, mostrando que há boas razões pro relativismo que
suplantam a necessidade de se adequar à intuição.
f) Finalmente, o problema com o factualismo: o argumento contra o factualismo pode
ser resumido como se segue:
P1: o factualismo é a disjunção de três teses: realismo, construtivismo e
relativismo
P2: cada uma delas falha.
- o relatitivismo por não dar conta de explicar desacordos morais genuínos, parte de
nossa fenomenologia moral, as restantes por caírem em relativismo.

O factualismo moral é falho


- O argumento é válido. Mas a premissa dois contestável, pelas razões descritas acima.
Há também um problema com P1: talvez seja o caso, que todas as posições factualistas
apresentadas até agora seja falhas, mas disso não segue que qualquer posição
factualista possível seja falha. A objeção se extende somente à extensão atual do
factualismo, mas não à intensão do factualismo propriamente.

4. O problema com o não-factualismo descritivista, ou a teoria do erro


(ontológica)
Na expressão dos autores, qualquer teoria que negue algum elementos da
fenomenologia moral, pode ser entendida como “teoria do erro”. Aqui, entretanto, se
chama teoria do erro a tese mackiana, bem como a tradição dele se segue, segundo a
qual o discurso moral está intrinsecamente errado, por ao mesmo tempo ter a intenção
de descrever propriedades e fatos morais objetivos, e falhar sistematicamente em fazê-
lo, pois não há tais propriedades e fatos mundanos (antirrealismo moral).
Eles limitaram-se a argumentar que a teoria do erro não satisfaz ao critério da
fenomenologia moral.

5. Expressivismo
a) Expressivismo factualista
Ainda que o expressivismo factualista seja uma posição coerente, ela não tem
representantes. É possível que alguém sustente uma forma de realismo moral não
naturalista e ao mesmo tempo sustente que expressões éticas tem caráter expressivista.
Eles somente objetam que, dado que rejeitam o factualismo, segue a rejeição a este
tipo de expressivismo. Mas isso é contestável, já que sua objeção diz respeito à
extensão do conceito, mas não foi justificado que as objeções citadas aplicam-se
essencialmente ao factualismo.
b) Não-cognitivismo
O não cognitivismo é essencialmente expressivista, e caracteriza-se como: (1)
expressões morais não expressam crenças, (2) declarações morais não são afirmações
genuínas, (3) julgamentos e declarações morais não são nem verdadeiros nem falsos.
Um exemplo é um emotivismo de Ayer, segundo o qual, expressões morais só
expressam atitudes positivas e negativas em relação às proposições que em nada altera
o seu valor de verdade: “matar é errado”, significa simplesmente “matar, (junto a um tom
particular desaprovação)”. A objeção a ele é que ele não dá conta de dos itens 1 e 2 do
critério fenomenológico.

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