Você está na página 1de 10

Tópicos em Filosofia ContemporâneaUma Introdução à Filosofia da MenteProf.

André J. Abatt
João Victor Ferreira de Almeida-2021011709
1. Grosseiramente, a teoria da identidade é a teoria em filosofia da mente que afirma
que mente e cérebro são idênticos, o que a caracteriza como uma instância do fisicalismo. O que
se quer dizer por “idêntico” se tornará mais preciso abaixo. A teoria da identidade tipo-tipo pode
ser formulada como: para todo x, se x é um tipo de estado mental, então há um tipo de processo
cerebral y, tal que x=y. Daí o popular dor = ativação da friba c. Esta se opõe a teoria da identidade
tolkien-tolkien, que afirma a identidade de um processo físico particular com um estado físico
particular, por exemplo, uma dor específica para uma ativação particular de fibra c específica, o
que tem por consequência que outros casos de dor podem se idênticos a estados físicos que não
o tipo “ativação da fibra c”.
Para uma descrição mais precisa da teoria recorri à literatura sobre o tema. Embora
aponte precursores que remontam pelo menos ao século XVII (por exemplo, La Metrie e
Holbach), JJC Smart, em seu artigo para a Stamford Encyclopedia, se refere como principais
precursores da teoria da identidade os artigos “É a Consciência um processo cerebral?” (1956)
do U.T. Place e o artigo “O Mental e o Físico” do H. Fiegel, que consultei a fim definir, e saber
as motivações e argumentos, da teoria por seus principais defensores. Decide tratar exclusiva
exaustivamente a argumentação de Place por sua originalidade.
Place introduz seu artigo caracterizando o fisicalismo de sua época, em oposição ao
materialismo dos séculos XVII e XVIII, como behaviorista. O behaviorismo lógico, entendido
como a tese de que estados mentais são disposições para um comportamento, é descrito por
ele como, “sem muita dúvida”, uma análise sensata de conceitos cognitivos como “crer” e
“compreender”, e volitivos como “querer”. O problema está em estados como “experiências”,
“sensações”, “imaginação” ... Ele considera possível que algum dia o behaviorismo forneça
relatos satisfatórios sobre eles, mas para fim de argumento, supõe que não pode e que
precisamos aceita-los como estados privados dos sujeitos. Aceitá-los assim implica o dualismo?
Não. A modesta motivação da primeira formulação da teoria da identidade, tal como a
entendemos na filosofia da mente contemporânea, é simplesmente mostrar que uma resposta
fisicalista para lidar com estados internos nos quais o behaviorismo, talvez, não seja capaz de
fornecer explicação satisfatória, não implica contradição. Seu objetivo sequer é mostrar que se
o behaviorismo falhar na descrição dos supostos estados interiores aos quais se referiu, temos
a teoria da identidade como uma descrição correta; trata-se de simplesmente mostrar que ela
não é logicamente impossível, mas contingente; apta, por isso, a ser uma hipótese científica.
Apesar da motivação modesta expressa por Place, Smart considera que seu artigo o motivou a
abandonar a abordagem behaviorista para o tipo de estado interno considerado por Place.

Voltando a Place, a fim de mostrar que a teoria da identidade é apta a ser uma hipótese
científica, ele tornou mais preciso o que entende por “é”, a marca da “identidade” que nomeia
a teoria, esclarecendo a distinção russeliana do “é” definitório para o “é” “de composição”.
“Quadrado é um retângulo equilátero” é um exemplo que ele dá do primeiro tipo, “sua mesa é
um caixote velho” é um que ele dá do segundo. A primeira identidade é aquilo que um kantiano
ou positivista lógico chamaria de “analítica”, porque a verdade da proposição pode ser verificada
somente pela análise do significado dos termos. No segundo caso, o que acontece é que ambos
os conceitos, “sua mesa” e “caixote velho”, são instanciados pelo mesmo objeto. Trata-se, claro
do tipo de identidade, não analítica e não tautológica que interessou à Frege quando tratou dos
diferentes modos de apresentação para um mesmo referente (o mesmo referente é
apresentado como “Estrela da Manhã” e “Estrela da Tarde”), mas há uma pequena diferença
entre a abordagem dele e a do Russel que será interessante adiante. Voltando à distinção entre
identidade de composição e de definição, é importante notar que, embora diferentes, elas têm
algo em comum: ambas podem ser entendidas como “é isto, e nada mais”, ao contrário de
predicações do tipo “x é alto”. “Estados mentais são estados cerebrais, e nada mais” tem
sentido; “estados mentais são imateriais, e nada mais”, por exemplo, não. Place suspeitou que
aqueles que negam a possibilidade da afirmação da identidade da consciência com estados
cerebrais, estavam se baseando na suposição equivocada de que expressões com sentidos muito
diferentes, como “x é um processo cerebral” e “x é estado de consciência”, não poderiam ser
usadas para caracterizar o mesmo objeto; o que é evidentemente falso por seu exemplo da “sua
mesa é um caixote velho”.

Mas há uma diferença: a mesa/caixote é uma afirmação de identidade particular, a da


teoria é uma afirmação de identidade geral. É este aspecto geral da teoria de Place que a
caracteriza como uma teoria da identidade de tipo-tipo. Poderia-se argumentar que no caso da
mesa-caixote não há identidade definicional porque vivemos num mundo em que nem todas as
mesas são caixotes, de modo que dizer “sua mesa é um caixote” para nós é estabelecer uma
identidade particular, que poderia ser contraexemplificada por mesas que não são caixotes.

Segundo ele,
“se nós vivêssemos em um mundo no qual todas as mesas, sem exceção, fossem caixotes, os
conceitos de ‘mesa’ e ‘caixote’ não teriam, em nossa linguagem, o seu presente estatuto de
independência lógica. Em um mundo assim, uma mesa seria uma espécie de caixote, assim como o
vermelho é uma espécie de cor.”.

Pessoalmente, considero pouco convincente a premissa que ele toma como evidente de
que “num mundo assim uma mesa seria uma espécie de caixote, assim como o vermelho é
espécie de cor”. Nesse mundo, a extensão das coisas que caem sobre o conceito mesa estaria
contida na extensão dos caixotes, e as pessoas, em suas práticas linguísticas poderiam até
mesmo identifica-las definicionalmente, mas isto não implicaria que são logicamente
equivalentes. A extensão dos conceitos coincide, mas não por consequência das naturezas
daquilo que os conceitos de “mesa” e “caixote” capturam, que é o que parece ser a condição
necessária e suficiente para a identidade genuinamente definicional, como é o caso de
“vermelho é um tipo de cor”. Embora a maioria das pessoas poderia pensar que “mesa” é
definicionalmente um tipo de “caixote” nesse mundo possível, não seria surpreendente que um
metafísico observasse que isto se dá por uma contingência de seu mundo, e que outras coisas
que não caixotes poderiam exemplificar o conceito de mesa. A prática linguística das pessoas de
identificar definicionalmente “mesas” e “caixotes” é simplesmente errada. Afinal, nós mesmos
corretamente não identificamos definicionalmente “ser racional em sentido estrito” (i. e, o
sentido de racionalidade que humanos têm e animais não-humanos não têm) e “ser bípede
naturalmente sem plumas” (uma galinha depenada não vale como contraexemplos), embora
eles tenham a mesma extensão. Sem esta premissa, parece bastante menos problemático e
misterioso o caso da conjunção entre identidade por composição e geral. JJC Smart comenta
que o uso de “lógico” por Place acompanha o sentido usado pelos filósofos de Oxford à época,
diferente do sentido usual atual, talvez isto ajude a explicar o estranhamento.

Voltando ao caminho percorrido por ele, isto constitui um problema para um teoria da
identidade tipo-tipo como a dele. Se sua teoria nega qualquer identidade definicional entre os
conceitos de processos mentais e estados de consciência; e se num mundo possível, fosse o
caso que houvesse uma regularidade tal que “para todo x, se x é uma mesa, então x é um
caixote”, então a identidade definicional passa a valer para as “mesas-caixote”, mesmo sendo
mesa e caixote tão discrepantes em significado; então, como seguir defendendo que há uma
identidade universal entre estados de consciência e processos cerebrais, mas não há uma
identidade definicional, que implica a dependência lógica de ambos os conceitos?
Para resolver o problema, Place precisa propor que a regra de inferir a independência
ontológica da independência lógica (se duas sentenças s e p são logicamente independentes,
então os entes x e y, por elas referidos, são ontologicamente independentes) é quase universal,
mas tem exceções e que a relação entre estados de consciência e processos cerebrais
contraexemplifica isto. Ele sugere que a regra deve fracassar nos casos em que os processos
para verificar as propriedades raramente podem ser feitos simultaneamente. Ele dá o exemplo
das nuvens e as pequenas gotas, geralmente de água, que as compõe, já que não verificamos ao
mesmo tempo que um ente é uma nuvem e que ele é composto de gotículas de água.
Naturalmente, é possível pensar, sem contradição, que nuvens sejam compostas de outras
coisas que não gotículas de água. Ademais, jamais experimentamos simultaneamente que um
referente é uma nuvem e gotículas de água. É esta “falta de conexão lógica em nossa linguagem”
que constitui a consequência importante da condição “os processos para verificar as
propriedades raramente são simultâneos”, e que torna as nuvens/gotículas um bom
contraexemplo: como os processos por meios dos quais se verificam as propriedades do
referente não são simultâneos, nossas práticas linguísticas dissociam gotículas e nuvens,
tornando-as logicamente independentes, o que faz a verdade do antecedente da implicação:
“se duas sentenças s e p são logicamente independentes, então os entes ou estados de coisas x
e y, por elas referidos, são ontologicamente independentes”. Adicionalmente, não parece digno
de contestação que gotículas e nuvens são o mesmo ente, e não dois entes distintos, o que os
torna “ontologicamente dependentes”. Com premissa verdadeira e conclusão falsa, temos um
contraexemplo à implicação que gerava um problema à teoria dele. Estados mentais e processos
cerebrais podem ter, assim, aquele tipo de identidade não tautotlógica, mesmo sendo uma
identidade geral, como a identidade nuvem-gotícula.
A escolha do exemplo da identidade nuvem/gotículas é relevante para diferenciar o tipo
de identidade tipo-tipo que Place tinha em mente para o tipo de identidade tipo-tipo de
Smart/Fiegel. Place estava interessado, como disse, na identidade por composição de Russel, o
tipo de identidade que nos permite dizer que água = H2O, nuvens = gotículas e, raio = descargas
elétricas... Smart/Fiegel estavam interessados no tipo identidade fregiana por sentidos, ou
modos de apresentação, de um mesmo referente, o tipo de identidade Cholomungma = Everest,
Estrela da Manhã = Estrela da Tarde. É esta a principal diferença entre os teóricos da teoria da
identidade tipo-tipo.

Place caracteriza o que entende por “falácia fenomenológica” como o erro de supor que
a descrição de um sujeito de sua experiência é uma descrição dos estados objetivos dos eventos
de um tipo particular em seu campo fenomenal. Place considera um erro inferir do fato de que
conhecemos as coisas por suas aparências, que é da descrição dos fenômenos que inferimos as
propriedades reais das coisas. Ele julga que a realidade é o exato oposto: conhecemos as coisas
por suas aparências, mas conhecemos antes as propriedades reais das coisas, antes que
possamos nos fazer uma descrição de nossa experiência. Prescindindo da falácia
fenomenológica, Place julga que a explicação dos estados conscientes como processos cerebrais
torna-se bastante menos dificultosa, tudo o que o fisiologista teria de fazer é constatar que o
processo cerebral, normalmente correspondente a um estado subjetivo S, ocorre quando um
sujeito relata S. Talvez com alguma adaptação, parece que seu conceito de “falácia
fenomenológica” pode ser, ainda hoje, útil para lidar com argumentos anti-fisicalistas que
apelam para estados subjetivos supostamente inexplicáveis fisicamente.
Passarei agora à discussão do argumento contra a teoria da identidade. Smart comenta
que as duas principais fontes de argumentos contrários são Chalmers e Kripke. Escolhi o
argumento de Kripke na terceira palestra de Nomear e Necessidade.
Em primeiro lugar, Kripke considera as relações entre designadores rígidos, portanto,
necessária a posteriori. Uma teoria de designação pra nomes próprias foi defendida antes por
J.S Mill: “Aristóteles” denota, isto é, fixa uma a referência a, um homem independente de
descrições que venhamos a fazer dele, como “grego”, “discípulo de Platão”, “autor da
Metafísica”, “estagirita”... Um ponto forte para os milliano é que se descobríssemos que um
aluno de Aristóteles foi quem, na verdade, escreveu a Metafísica não consideraríamos esta
condição suficiente para passar a usar o nome “Aristóteles” para designa-lo. Assim como
também são concebíveis mundos em que Aristóteles não é grego, nasceu em Estagira, foi
discípulo de Platão... Um designador rígido denota um referente à despeito de contingências
conotativas, assim como somente ser descoberto por meio da experiência, daí ser necessário a
posteriori. A principal inovação Kripkiana é defender que nomes gerais, como aqueles que
usamos para tipos naturais, são designadores rígidos. Assim, considerando que processos
cerebrais e estados mentais são tipos naturais, eles são uma instância de necessário a
posteriori. É esta teoria que constitui a base de seu argumento contra a identidade tipo-tipo.
Se correta a teoria de Krikpe sobre tipos naturais serem designadores rígidos, se a
identidade de designadores rígidos for necessária, e se estados mentais e processo mentais
são tipos naturais, e se a relação entre conotações for contingente, somente pela conjunção
destas condições, a teoria de Smart-Field estaria derrotada. Como escrito acima, a teoria
Smart-Field está fundamentada na distinção fregeana de sentido e referência, e considera
estados mentais e processos cerebrais sentidos diferentes para a mesma referência. Esta seria
uma identidade do tipo “autor da Metafísica” e “inventor da lógica do silogismo”, claramente
contigente, enquanto a relação entre processos cerebrais e estados mentais, no espírito de
Krikpe, é necessária.
É neste sentido que Krikpe que o tipo de identidade que processos cerebrais e estados
mentais teriam entre si não pode ser de tipo conotativo:
“Seja «Descartes» um nome ou designador rígido de uma certa pessoa, e seja «C» um
designador rígido do seu corpo. Então, se Descartes fosse realmente idêntico a C, a suposta identidade,
sendo uma identidade entre dois designadores rígidos, seria necessária, e Descartes não poderia existir
sem C, e C não poderia existir sem Descartes. Este caso não tem comparação possível com o caso,
alegadamente análogo, da identidade do primeiro director-geral dos Correios com o inventor das lentes
bifocais. E verdade que esta identidade se verifica apesar do facto de poder ter havido um primeiro
director-geral dos Correios ainda que as lentes bifocais nunca tivessem sido inventadas. A razão disso é
que «o inventor das lentes bifocais» não é um designador rígido; um mundo no qual ninguém inventou
as lentes bifocais não é ipso facto um mundo no qual Franklin não existiu. A alegada analogia colapsa,
portanto; um filósofo que pretenda refutar a conclusão cartesiana tem de refutar a premissa cartesiana,
o que não é uma tarefa trivial.”

A teoria de Place, entretanto, que não defende este tipo de identidade permanece de
pé, apenas teria que conceder que a identidade entre processos cerebrais e estados mentais é
necessária e a posteriori. O próprio Krikpe adota o tipo de identidade para tipos naturais
postuladas por Place para alguns tipos naturais, famosamente água = H2O. Para atacar a teoria
de Place Kripke precisaria mostrar que processos cerebrais e estados mentais não têm a
identidade de composição postulada por Place, como acontece com raio = descargas elétricas,
calor = transmissão de energia cinética, e etc.
Antes de fazê-lo Kripke repete o argumento de que é logicamente possível que um
processo cerebral e um estado mental supostamente idênticos existam um sem o outro, e que
a identidade necessária de designadores rígidos não permite que o teórico da identidade siga
incólume. Este argumento é surpreendentemente ruim, quase inacreditável. Em primeiro
lugar, o teórico da identidades pode responder com um tu quoque: o defensor de uma tese da
necessidade a posteriori é o último que tem o direito de identificar a necessidade à lógica, e
quem afirma que H20 = água não pode usar como argumento contra a uma sentença de
identidade que é concebível que haja um idêntico sem o outro. É também perfeitamente
concebível que haja água sem H20, é precisamente por isso que é posteriori, mas isso não
impediu Krikpe de alegar que são idênticos. A exigência contradiz as próprias premissas que
usa para atacar o teórico da identidade. Em segundo lugar, uma das maiores motivações de
Smart era justamente oferecer uma abordagem da identidade que não fosse lógica, e
ofereceu. Smart e Field também o fizeram, atacar a teoria da identidade com base em uma
exigência de necessidade lógica entre os idênticos é atacar um espantalho. Contra mim talvez
se argumente que a necessidade que Krikpe tinha em mente não é necessidade/identidade
lógicas. Respondo que a motivação dele é o desafio cartesiano de que é concebível um estado
mental sem processos cerebrais, o mesmo tipo de necessidade que suas próprias relações
necessárias a posteriori não satisfazem, e seria ridículo tentar fazê-lo.
Mas por que a identidade processos cerebrais - estados mentais não é análoga à
identidade H2O – água? Ele exemplifica pela identidade calor = transmissão de energia cinética
entre corpos. Para o calor a ilusão da relação de contigência pode ser explicada pelo modo como
se determinam as referência dos designadores: poderia haver dois tipos de criaturas habitando
o planeta, tais que o tipo A não tem sensação de calor na presença do aumento de energia
cinética e o tipo B que tem a sensação de calor por outras vias que não o aumento de energia
cinética. Estar situação faria com que as criaturas não fizessem a mesma identificação que a
ciência faz entre os designadores rígidos. Neste caso, Kripke explica que o que realmente está
acontecendo aí é que o movimento molecular poderia ter existido sem ser sentido como calor,
e que a sensação de calor é um intermediário entre o sujeito e um estado externo do mundo,
mas que não há analogia entre o que ocorre no caso do calor e o que ocorre entre estados
mentais e processos cerebrais. Dizer que a fibra C pode ser estimulada sem ser sentida como
dor é dizer que pode haver estimulação da fibra C sem dor. Esta hipótese, segundo Kripke, seria
um contraexemplo à teoria da identidade. Não há, ao contrário do calor, nenhuma diferença
possível entre a fenomenologia do sujeito e a realidade que pudesse explicar a falha epistêmica
da identidade, noutros termos, sentir dor é o mesmo que dor.
Em suma, o ponto do Krikpe é que não há calor sem movimento de moléculas, mas
podemos explicar esta ilusão porque a sensação de calor pode estar dissociada do movimento
de moléculas, tanto num sentido quanto no outro. No caso da dor, não é possível esse tipo de
explicação porque sentir dor é igual a dor, então se um sujeito tem estimulação da fibra C sentir
dor, temos um contraexemplo, e a teoria afunda.
O argumentos de Kripke não me convencem. Ambos, calor = aumento de energia
cinética e dor = estimulação da fibra C não são logicamente necessários, e é isto que nos
permite criar cenários imaginários em que temos um sem o outro, como poderíamos criar
cenários em que outras identidades postuladas pela ciência falham. Poderíamos pensar num
mundo físico distinto do nosso em que todas as propriedades sistêmicas do calor se
apresentam (por exemplo, os sistemas físicos continuam evaporando e se condensando), mas
sendo explicado por outra coisa que não movimento de moléculas. Neste caso, sua questão
sobre a fenomenologia do calor é irrelevante. Calor e movimento de moléculas, H20 e água,
raio e descargas elétricas, estados mentais e processos cerebrais podem ser todos claramente
pensados uns sem os sem os outros, e não parece haver qualquer razão particular para
imaginar que as propriedades sistêmicas de raios, água, calor, tenham metafisicamente de
emergir dessas condições. Tratam-se de condições necessárias em nosso mundo, mas disso
não segue que são em qualquer mundo possível. As exigências que Kripke faz para a
identidade mente-cérebro são muitíssimo mais fortes do que aquelas que parece exigir para as
outras identidades da ciência afirmadas pela ciência, quando para falsifica-la, ela deveria falhar
em cumprir as mesmas exigências que as outras identidades cumprem.
Contra a teoria da identidade tipo-tipo, me parece que ela é mais vulnerável à
contraexemplos empíricos (não metafísicos) por causa da natureza mais complexa e funcional
da vida em comparação com a natureza inorgânica, não de uma mística propriedade da mente.
Estados mentais, suponho, cumprem, ou ao menos supervém de, funções biológicas que
podem ser realizadas por arranjos materiais diferentes, além de a vida ser um fenômenos mais
dinâmico e menos sujeito a leis. Assim como é difícil identificar um tipo de arranjo físico à dor,
também parece difícil fazê-lo com a digestão ou à respiração. A teoria da identidade tipo-tipo
deve estar errada, mas não pelas razões que os anti-ficalistas apontam.

2. Duas razões principais: em primeiro lugar, pela conjunção de os polvos estarem


muito distantes de nós na história evolutiva e ao menos tempo apresentarem um nível de
consciência e inteligência muito alto, que poderia-se pensar estar presente somente em aves e
mamíferos. A segunda razão é pelo funcionamento especial do seu sistema nervoso,
descentralizado.
Como o último ancestral comum entre polvos e humanos e provavelmente foi uma
criatura minúscula sem consciência, ou com um grau muito baixo, a evolução das habilidades
mentais dos cefalópodes (classe da qual os polvos são constituem uma ordem) se deu de
modo praticamente independente da linhagem que levou à nossa espécie. Não há nada
conhecido mais distante de nós em termos de vida mental.
Sua posição é gradualista. A tese gradualista é de que a evolução de grandes traços
em seres vivos, como por exemplo as faculdades mentais, se dá pela a acumulação de várias
pequenas mudanças contínuas ao longo de muito tempo. Eles se opõem ao saltacionismo, que
defende que às vezes as mudanças aceleram-se, às vezes até durante uma única geração. A
motivação para o saltacionismo são os populares “elos perdidos”, que não nos permitem
verificar esta continuidade. Exemplo de defensores do gradualismo são Dawkins e Dennet, e o
próprio Darwin.
3. A insatisfação de Nagel com os fisicalistas, segundo ele próprio, é que à época eles,
ou ignoravam, ou construíam teorias reducionistas implausíveis sobre a consciência, o
problema que ele considera interessante e difícil no problema mente-corpo.
Segundo ele, um organismo tem estados mentais conscientes, sse, existe para ele a
experiência de “ser como ele” (daí a pergunta título do artigo), que não é capturada por
nenhuma das teorias redutivistas, já que a ausência da experiência subjetiva é sempre
logicamente compatível com as explicações dos reducionistas; nem pelo funcionalista, que
explica a função de um estado mental, que também poderia ser desempenhada por uma
autômato, mas não explica seu caráter próprio.
Para mostrar a diferença entre as descrições que podemos fazer da fisiologia e
comportamento de um animal e sua experiência subjetiva, ele propõe que tomemos como
exemplo os morcegos. Eles estão próximos à nós escala evolutiva suficientemente para a
maioria não duvidar que tenham experiência subjetiva, e ao mesmo tempo seu sonar faz com
que tenham um tipo de experiência subjetiva radicalmente diferente de tudo o que
experienciamos. Então ele gasta algumas linhas argumentamos como somos incapazes de
imaginar como é ser um morcego, considerando que nossa imaginação está limitada às nossas
experiências.
Nagel tem uma posição realista quanto a subjetividade: a subjetividade é um aspecto
da realidade, independente de nossas práticas linguísticas e esquemas cognitivos, inclusive a
de outros animais, e até de extraterrestres. Mas que a realidade da subjetividade de outros
seres consciente, a depender da distância de sua experiência em relação a nossa, nos é
conceitualmente inacessível.
Enquanto aspecto da realidade a subjetividade, a princípio, qualifica-se como objeto
de investigação científica. Mas uma teoria bem sucedida da subjetividade devia ser capaz de
passar do objetivo ao subjetivo, e é precisamente isto que Nagel nega ser possível.
Seu argumento não visa refutar ou impossibilitar o fisicalismo, sua intenção é mostrar
que as teorias fisicalistas atuais não são bem sucedidas em seu projeto e que o fisicalismo é
uma teoria que não podemos compreender. Sua formulação é: eventos mentais são eventos
físicos. Não é, segundo Nagel, nada claro o que devemos entender por “é”, porque eventos
mentais e físicos são discrepantes demais para entedermos extamente o que significa uma
identidade entre as duas coisas.
É difícil dizer quais são exatamente os argumentos do Nagel, mas não tenho maiores
objeções ao que ele disse, embora também não me impressione, e não vejo porque alguém
deveria ficar impressionado com o que ele escreveu. Eu não estou em dúvida de que há grande
diferença intensional entre estados mentais e cerebrais; que há uma lacuna entre nossas
explicações físicas e estados mentais, de modo que não somos capazes de saber exatamente
como é ser um morcego mesmo se estudarmos sua neurofisiologia e comportamento.
Também acho plausível que experiências subjetivas são um aspecto da realidade e que haja
fatos que escapam aos nosso esquemas conceituais. Tenho até simpatia por enfatizar a
existência de estados mentais internos contra o behaviorismo. Mas é difícil ver porque ele
fornece um bom argumento contrário ao fisicismo. Ele apresenta mais um problema, não
propriamente ao fisicismo, mas ao reducionismo. Embora eu deva reconhecer que
“reducionismo” é um termo vago, e que não estou certo sobre quais tipos de reducionismo
realmente poderiam sofrer com alguns dos argumentos de Nagel. Um fisicista que adota uma
teoria não reducionista, um emergentista ou fisicista de superveniência, não têm razão para se
incomodar com os argumentos do Nagel, em minha opinião.
Jackson apresenta seu argumento neste trecho:

“Mary é uma cientista brilhante que, seja lá por que razão, é forçada a investigar o
mundo de um quarto preto e branco com um monitor de televisão preto-e-branco. Ela é uma
especialista em neurofisiologia da visão e suponhamos que ela adquira todas as informações
físicas possíveis a respeito do que acontece quando vemos tomates maduros, ou o céu, ou
quando usamos termos como “vermelho”,“azul” e daí por diante. Ela descobre, por exemplo,
exatamente que combinações de comprimento de onda do céu estimulam a retina, e
exatamente como este estímulo produz, através do sistema nervoso central, a contração das
cordas vocais e a expulsão do ar de nossos pulmões, o que resulta no proferimento da frase “o
céu é azul”. (Dificilmente pode-se negar que, em princípio, é impossível obter todas essas
informações físicas através de uma televisão preto-e-branco; caso contrário, a Open University
teria necessariamente que utilizar uma televisão colorida). O que acontece quando Mary é
libertada de seu quarto preto e branco, ou ganha um monitorde televisão colorido? Ela
aprenderá mais coisas, ou não? Parece óbvio que ela vai aprender mais coisas a respeito do
mundo e da experiência visual que temos a respeito dele. Mas, então, é inegável que seu
conhecimento prévio estava incompleto. Contudo, ela tinha todas as informações físicas.
Portanto, há mais do que informações físicas, e o Fisicalismo está errado”
Então temos que:
Antes de sair Mary tinha todas as “informações físicas” acerca da física e da
neurofisiologia envolvida na percepção das cores.
Se Mary sair do quarto ou receber uma televisão à cores Marry aprenderá algo novo,
mesmo já tendo todas as informações físicas. Se ela aprende algo, embora já tenha todas as
informações físicas, então há algo não-físico.
Por conclusão, o fisicalismo está errado.
Tenho dificuldade em entender a reputação do argumento, não me pareceu nada
convincente.
“Informações físicas”? No início do texto ele caracteriza “informação física” como
aquelas informações que as ciências naturais nos dão. Um problema evidente aqui é que é
absurdo identificar o que se sabe por ciência natural com o que é objetivamente físico. O
fisicalismo em sentido latu é uma teoria ontológica, que afirma que tudo o que há é físico, seja
diretamente seja por superveniência, não epismológica. Assim, é perfeitamente compatível
com a) podem haver fenômenos físicos que não somos capazes de investigar cientificamente
(exemplos óbvios são objetos muito distantes como outras galáxias, muito pequenos como
possíveis partículas subatômicas menores do que as conhecidas); b) há obviamente outras
outras fontes informacionais sobre entidades físicas que não as ciências naturais. Além disso,
as ciência se ocupam tipicamente com tipos não com tolkiens. O que quero dizer é que se abrir
um livro de neuroanatomia vou me deparar com um modelo do cérebro humano normal, e
com isto, aprender sobre a estrutura do meu próprio cérebro, mas é óbvio que ainda que me
torne um exímio neuroanatomista, a grande maior parte do meu próprio funcionamento
cerebral vai me escapar, simplesmente porque eu não teria condições de monitorar
exaustivamente seu funcionamento. Do mesmo modo, Mary, somente porque sabia
teoricamente sobre neurofisiologia e física das cores, não tinha acesso a tudo de físico que
está envolvido em sua própria percepção das cores. Se abandonarmos a ridícula identificação
entre o que é de fato físico e o que ele entende por “informação física”, todo o argumento cai
por terra.

Você também pode gostar