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Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), ou simplesmente, Hegel, foi um filósofo

alemão de importância impar para a história da filosofia enquanto produção humana de


conhecimento. Famoso pela complexidade de suas obras, o pensador se perpetua nas diversas
discussões em filosofia, direito, política, arte, entre outras áreas. Dito isso, cabe elencar que
veremos alguns conceitos fundamentais na tentativa de compreensão de um pensamento
sofisticado que é a Fenomenologia. Dizem os estudiosos, não nestas exatas palavras, que “ler
Hegel é uma experiencia intelectual que equivale a sensação de mastigar pedras”. Ainda assim,
ao final desta leitura, vossa senhoria estará mais familiarizada com os conceitos dessa Filosofia.
Para entender Hegel, precisamos retornar aos primórdios da filosofia. Dessa maneira,
você deve se lembrar de Heráclito (c.535-475), estudamos seu pensamento no primeiro período
do curso. A nível de recordação, precisa-se mencionar que para este pensador “tudo é fluxo’’.
É dele a famosa frase de que “não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”. Isso significa que
nem você, nem o rio, serão os mesmos na segunda experiencia. Para esse filósofo, tudo é
movimento e mudança. O dia se torna noite, o calor tem contrariedade com o frio, enfim,
existem inúmeras dualidades na natureza e no mundo as quais se dão por meio de um processo.
O nome de tudo isso é Dialética (guarde esse conceito), esse processo, fluxo, acontecimento.
Pensamento altamente teórico e descolado da realidade? Jamais, isso é a própria realidade se
fazendo, a vida, a morte, o cosmos. Pense nos processos fisiológicos do corpo, nos estados da
matéria, nos acontecimentos do quotidiano. Você, ao final do curso não será mais o mesmo ser
sob nenhum aspecto, a não ser pelo seu nome, caso não deseje muda-lo.
Seguindo nesta digressão, temos de mencionar que dois conceitos são de fundamental
importância, a saber, dialética e fenomenologia, uma vez dominando tais conceitos, o
pensamento do sistema hegeliano ficará mais evidente. Há de ser sublinhado que o pensador
em questão está situado na área da metafísica, daí um dos motivos da complexidade de suas
ideias. A metafisica é uma área da filosofia que trata de questões que ultrapassam o trivial da
física, não é à toa que essa palavra significa “além” da physis, aquilo que atravessa, que
transpassa o mundo físico. Também conhecida como a ciência do Ser dos entes. A grosso modo,
a palavra ente pode significar todos os objetos que existem no mundo. Esse notebook aí na sua
frente é um ente. Porém, não se assuste, não é disso que queremos tratar neste humilde escrito.
Destarte, chega-se a um dos pontos mais importantes deste resumo, aqui devemos
entender o conceito da dialética de Hegel. Pois bem, lembre-se de Heráclito e sua dialética a
qual é muito parecida com a do alemão idealista. A nível didático, imagine que A é diferente
de B, porém, se junto A e B, posso originar C, que carrega elementos de A e B em si, mas é
diferente desses dois e melhor acabado, ao mesmo tempo que carrega o contraditório dos dois.
Pense em uma tese, que tem uma antítese, uma vez confrontando uma à outra, temos uma
síntese. Não entendeu nada? Nem eu, portanto, vamos a outro exemplo. Acompanhe o seguinte
raciocínio. O seu pai encontrou sua mãe, sua mãe pode ser diferente ou contrária do seu pai sob
muitos aspectos, tanto físicos quanto psicológicos, eles carregam contradições entre um e outro,
mesmo assim, geraram você, que não é um, nem outro, mas uma síntese de ambos. Mas calma,
não perca a dimensão altamente didática desse exemplo.
Ainda assim, caso não tenha gostado do exemplo, pense nos estados físicos da matéria.
O ciclo d’água, que vai de uma forma à outra de movimentos de partículas a outras e mesmo
tomando várias formas, não deixa de ser água em sua constituição. Em outras palavras, a água
vira pedra, depois vapor, condensa-se, em seguida torna-se chuva, mas em nenhum momento
perde-se enquanto substancia água. Que me perdoem os cientistas.
Seguindo na explicação, o livro da filosofia com vários colaboradores (2011) diz, “um
estado de tirania, por exemplo, gera demanda por liberdade, mas, uma vez que ela seja
alcançada, só pode haver anarquia- até que um elemento da tirania seja combinado com a
liberdade criando a síntese “lei”. Enfim, mais um exemplo para dominarmos o conceito de
dialética. Tirania(tese), anarquia (antítese), liberdade (síntese).
Segundo o professor Thiago David Stadler, doutor em História e Filósofo, podemos usar
o conceito de dialética para explicar tudo, isso mesmo, aplicar a qualquer coisa. Portanto, na
hora da prova, use sua criatividade, fale da vida, da morte, de amor, relações políticas, de
assuntos relacionados à praticas da Psicologia, entre outras coisas. Abuse da criatividade.
Seguindo o raciocínio, vale lembrar que Hegel usa esse conceito para explicar a história
da humanidade. “A sua ideia central é que todos os fenômenos da consciência, às instituições
políticas, são aspetos de um único espirito (mente, ou ideia), que ao longo do tempo reintegram
esses aspectos a si mesmo’’ (BUCKINGHAM, et al, 2011, p. 181).
Com isso, para fechamento deste raciocínio, vale dizer que a história se faz de modo
dialético. “A realidade histórica desenvolve-se enquanto manifestação da razão, num processo
incessante de autossuperação desencadeado pelo conflito e pela contradição que lhe são
inerentes. Tal é o movimento dialético, esse caminho que produz a si mesmo’’ (QUITANEIRO,
2009, p. 28).
As ideias, os pensamentos, pressupostos, ciências, saberes, valores, crenças de uma
época, ou qualquer coisa que você imaginar, mudam, e irão mudar. Essas coisas se chocam, se
misturam, e se transformam na existência por meio do fluxo da história. “Certas mudanças
como a Revolução Americana, são explicadas por Hegel como o progresso do Espírito, de um
estágio do desenvolvimento para outro, mais elevado” (BUCKINGHAM, et al, 2011, p. 180).
É relevante lembrar que a palavra “Espírito”, nessa Filosofia, tem um significado todo
especial, não à toa, é escrita com letra maiúscula. Quando aparecer “Espírito”, leia
“mentalidade”, “razão” ou mesmo “intelecto”. Você deve ter percebido que Filosofia também
está grafada com letra maiúscula, isso se deve ao fato dessa filosofia ser um sistema próprio,
algo que iremos conversar posteriormente.
Outro ponto que não se deve perder de vista é que Hegel era um idealista porque não
entendia a realidade como algo material, a realidade para ele é concebia pela “mentalidade”
(Espírito). Neste ponto, torna-se necessário fazer um paralelo com Kant, outro grande nome da
mãe das ciências. Immanuel Kant é anterior a Hegel, e afirmava que a coisa em si é
incognoscível. Isso é uma maneira difícil e complicada de dizer que não podemos conhecer as
coisas em sua completude, podemos apenas conhecê-las como fenômenos por meio das
categorias do entendimento. Por exemplo, você agora lendo este texto em um celular ou
notebook, não vê esse objeto na sua totalidade do real, você vê apenas cores, sente texturas, vê
signos que são as letras, sente o cheiro do látex, vê a forma geométrica, entre outras coisas. Em
suma, você enxerga por meio dos seus sentidos um amontoado de categorias que formam um
objeto que se manifesta como fenômeno no mundo, de modo que você pode afirmar, isto é um
notebook.
Ademais, é bom lembrar que Kant escreveu a “Crítica da Razão Pura”, em resumo, ele
vai delimitar o alcance da razão humana. Imagine que o intelecto é uma imensa árvore, esse
filósofo irá podá-la e dizer os limites do que podemos conhecer. Deus por exemplo, é um
conceito que ultrapassa os limites da razão, portanto não podemos defini-lo, podemos, imaginá-
lo, apenas.
Por outro lado, Hegel discorda de Kant, ele afirma que “tudo o que é real é racional, e
tudo o que é racional é real’’ (QUITANEIRO, 2009, p. 28). Em outras palavras, o que pode ser
pensado pode ser explicado, pode ser conhecido. Há coisas que não existem só no mundo
visível, há coisas que existem no campo da mente, por exemplo, os conceitos de amor, verdade,
justiça, honra, entre outros. Eu pelo menos, nunca esbarrei com a Verdade em um rolê da
endiabrada. Todavia, pressupõe-se que exista a Verdade na existência e que essa por sua vez
permeia muito das relações humanas.
Neste momento, chega-se a hora da fofoca, mas ao contrário da fofoca dos Schultz da
“História da Psicologia Moderna”, essa fofoca é ontológica conceitual. Um nome difícil para
falar das teorias do “Ser”, a grosso modo, uma maneira de tentar explicar o porquê que as coisas
são, por que o mundo é e tudo mais existe.
Enfim, a treta é a seguinte. Para Heráclito - como você já sabe – tudo é fluxo, movimento
e mudança, já para Parmênides, tudo é uno, o mundo é imutável, nada muda, não existe
movimento. Influenciado pela lógica e ciência do pensamento pitagórico, Parmênides afirma
que não é possível o fluxo porque isso fere o princípio de identidade na lógica. O princípio de
identidade afirma que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto.
Se nada é permanente, se as coisas são e não são, a ideia de Heráclito fere a lógica, argumenta
Parmênides. Para resolver essa briguinha que perdurou por séculos, Hegel propõe o conceito
de “VIR-À-SER”, pronto, acabou a briga. Por exemplo, você não é psicólogo(a), mas, sob
determinado aspecto, está se fazendo um(a), profissional, assim, és um profissional em potência
de vir-à-ser.
Outrossim, já ambientadas e ambientados aos conceitos, iremos tentar entender juntos,
do que se trata afinal, a “Fenomenologia do Espírito”. Para isso, precisamos em primeiro lugar,
entender o que é Fenomenologia. Assim, é válido dizer que essa palavra significa um
empreendimento filosófico, ela é um método, um caminho, uma Filosofia, um sistema. Porém,
a sutileza desse método é que ele não é uma ferramenta pronta, ele se faz a si mesmo enquanto
processo. Por exemplo, não existe caminho sem caminhada, a caminhada dá sentido ao
caminho. Nas palavras de Emanuel Leão, filósofo brasileiro, professor emérito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, “não pode haver um método ou caminho da Filosofia sem uma
Filosofia do caminho ou método. E por que não pode? Porque a filosofia já é sempre o caminho
de e para si mesma” (2007). Parece difícil entender, mas perceba que isso é pura dialética. Um
método que vai se fazendo em uma investigação, que muda e vai se construindo de maneira
espiral. Faça uma imagem mental de uma bola de energia que vai rolando como uma bola de
neve a qual desce uma montanha, pense no movimento, na mudança, nos opostos. A bola de
neve, ao descer a montanha vai se fazendo, pegando os galhos de árvores, pedras e outros
resíduos ao passo que cresce e ao mesmo tempo se desfaz em parte quando um resíduo fica para
trás a modo de dar lugar a outro. A bola de neve uma hora fica grande e para a dialética não
para.
Entendido isso, cabe retornarmos ao conceito de Espírito que vossa senhoria já tanto
conhece. E lembrar do desmembramento no mundo desse Espírito, o Zeitgeist. Esse termo
significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É uma palavra alemã.
O Zeitgeist é o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as
características genéricas de um determinado período de tempo.
Pois bem, agora de fato iremos adentrar em alguns aspectos da obra a fim de facilitar
a leitura. Sendo assim, cabe dar relevo ao fato de que o primeiro nome da Fenomenologia do
Espírito ter sido “Uma ciência da experiencia da consciência’’. Esse primeiro nome da obra a
deixa mais acessível. Uma dica é pensar na Fenomenologia como isso: “Uma ciência da
experiencia da consciência’’. Demais, alguns professores gostam de pensar na obra como um
romance, sim, isso que você leu, um romance. E nele, podemos ver as peripécias da consciência.
Nessa obra, Hegel coloca a consciência na cadeira da razão a modo de examiná-la. Ele
quer investigar o que chamamos de consciência por meio da própria consciência. Ao ler a
Fenomenologia, não devemos trazer critérios de verdade de fora e tentar aplicar às ideias
apresentadas. A saber, critérios de verdade são elementos que dão estamento de Verdade para
determinado saber. A nível de exemplo, podemos pensar nos critérios de verdade das ciências,
das religiões, das filosofias, entre outros. Por exemplo, o critério de verdade das religiões é a
fé, o das ciências, o método científico. Em outras palavras, não tragam critérios de verdade para
consciência, ela tem os seus critérios.
Dessa maneira, é de bom tom recordar que é nessa obra que o autor define o Espírito
como uma coletividade de consciências. A realidade nesse sentido, seria a reunião de
autoconsciências. Por exemplo, eu enquanto autoconsciência entro em contato com você que é
outra autoconsciência que por sua vez se encontra com uma terceira autoconsciência, de
maneira dialética, infinita, assim, a realidade se cria, porque esses encontros de consciências se
materializarão no mundo por meio das instituições humanas que criamos. Para mencionar, o
Estado, família, religião, escolas, entre outras. É como se as ideias saíssem de nossa cabeça
para o mundo. Parece bobo, mas muitos autores pensam o contrário, Marx é um exemplo. Para
ele, as ideias, ou consciências, são elementos do mundo, que vem do lado de fora para o lado
de dentro da nossa cabeça. Isso se chama materialismo histórico dialético.
Para entender melhor a obra, é bom pensar que existe uma consciência fora da
consciência, e uma consciência da consciência. Bugou? Pense assim, que existe uma
consciência no mundo, e uma consciência que é você que faz parte desse mundo. E você
conhece esse mundo em uma relação dialética com essa outra consciência de fora. Assim,
podemos dizer que a fenomenologia é uma observação passiva, nós observamos a consciência
se fazendo no mundo por meio da argumentação de Hegel.
Outro ponto importante, é que a proposta da Fenomenologia é elevar o leitor comum ao
nível da filosofia, é uma preparação, uma educação. É educar a consciência comum para o
âmbito da filosofia. É como se por meio do estudo da obra o leitor se qualifica-se ao final para
compreender um pensamento sofisticado como o saber filosófico.
Portanto, à nível de conclusão, é preciso trazer um ponto que sempre é debatido nas
aulas de didática do ensino de filosofia. O ponto é o seguinte: alguns sistemas filosóficos são
altamente complexos e sofisticados, com isso, uma tentativa de deixá-los em fácil compreensão
pode jogá-los em uma vulgarização do conhecimento fazendo assim que se perca a sua
magnitude. Por causa disso, cabe salientar que este escrito foi uma tentativa de aproximação
dessa Filosofia com F maiúsculo. Logo, a leitura da obra se faz indispensável. Boa prova.

Referências;

BUCKINGHAM, et al. O livro da filosofia. 2ª ed. São Paulo: Globo Livros; 2ª edição, 2016.

HEGEL, GEORGE. Fenomenologia do Espírito. 4ª ed. Petrópolis RJ: Vozes, 2007.

Hegel e a "Fenomenologia do Espírito" - dicas metodológicas e indicações bibliográficas.


Glauber Ataíde. YouTube. 29 de janeiro. 2021. 17min53s. Disponível em:
https://www.youtube.com/results?search_query=hegel+filosofia+vermelha> acesso em 29 de
janeiro de 2023.

https://www.google.com/search?q=zeitgeist&sxsrf=AJOqlzVqWoCHUaiDv1zG

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