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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000026602

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


1001378-30.2015.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que é apelante
ANTONIO FERNANDO CORREA BASTOS, é apelado O JUÍZO DA
COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores A.C.MATHIAS


COLTRO (Presidente sem voto), JAMES SIANO E MOREIRA VIEGAS.

São Paulo, 31 de janeiro de 2018.

J.L. Mônaco da Silva


RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto : 25370
Apelação : 1001378-30.2015.8.26.0363
Apelante : Antonio Fernando Correa Bastos
Apelado : O Juízo da Comarca
Comarca : Mogi-Mirim
Juiz : Fernanda Pereira de Almeida Martins

DECLARATÓRIA - Ação que objetiva a


declaração do direito de opção pela ortotanásia e
pela cremação após a morte - Extinção do processo
- Ausência de interesse de agir - Inconformismo do
autor - Desacolhimento - Aplicação do disposto no
art. 252 do RITJSP - Pedido hipotético - Ausência
de pretensão resistida - Pedido formulado pelo
apelante que dispensa intervenção judicial, pois
pode ser obtido por meio de “testamento vital” -
Sentença mantida - Recurso desprovido.

Trata-se de ação declaratória de direito de


opção ajuizada por Antonio Fernando Correa Bastos, tendo
a r. sentença de fls. 182/187, de relatório adotado, julgado
extinto o processo, nos termos do art. 485, inc. VI, do
Código de Processo Civil.

Inconformado, apela o autor sustentando, em


síntese, a possibilidade de o Poder Judiciário declarar seu
direito de opção pela ortotanásia, a fim de não receber
tratamento médico fútil, que sirva exclusivamente para
prolongamento de sua vida em caso de doença irreversível
bem como seu direito de opção pela cremação em caso de
morte. Reputa presentes as condições da ação. Requer,
pois, o provimento do recurso (v. fls. 194/199).

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Recurso não respondido, pois ausente a


indicação de réu na presente lide.

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de


Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (v. fls.
213/215).

O recurso foi redistribuído a esta Colenda 5ª


Câmara de Direito Privado, por v. acórdão da Colenda 8ª
Câmara de Direito Público que declinou da competência à
Primeira Subseção de Direito Privado (v. fls. 211 e
219/221).

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

É caso de aplicar o disposto no art. 252 do


RITJSP e ratificar os fundamentos da r. sentença apelada,
proferida nos seguintes termos:

“(...)Trata-se de ação declaratória ajuizada por


ANTONIO FERNANDO CORREA BASTOS em pretende
ver declarado pelo Poder Judiciário seu direito de opção
pela ortotanásia, ou seja, por não receber tratamento fútil,
que implique unicamente em prolongamento de sua vida, e
sua opção pela cremação em caso de morte.
Alega o autor que é pessoa maior e capaz e faz
tratamento médico rotineiramente com os profissionais que
aponta na inicial. Aduz que quer ver declarado seu direito a
optar pela ortotanásia e pela cremação.
O Ministério Público apresentou parecer.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
A ação deve ser extinta por falta de interesse
de agir.
O autor afirma, ipsis litteris, que busca a tutela
jurisdicional para ver declarado seu direito de opção pela
ortotanásia, ou seja, a sua vontade quanto aos tratamentos
a serem ou não empregados caso advenha situação na

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qual não possa mais expressar suas intenções em virtude


do estado de saúde em que se encontre em decorrência
de moléstia grave, assim como manifestar a sua vontade
de não ser mantido vivo em condições que considere
indignas, cuja qualidade de vida não pode mais ser
preservada diante da batalha travada para vencer a morte
(fls. 2).
Ou seja, evidentemente o autor pretende se
valer da presente ação para declarar um direito subjetivo
em tese. Não há qualquer lide resistida. Sequer há réu na
presente ação.
A ação declaratória, que pode sim ser exercida
independente de qualquer pedido condenatório, se presta
a declarar a existência ou inexistência ou o modo de ser de
relação jurídica concreta, ou, ainda, a autenticidade ou
falsidade de documento. Tal é a redação do artigo 19 do
Novo Código de Processo Civil:
'Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à
declaração:
I - da existência, da inexistência ou do modo de
ser de uma relação jurídica;
II - da autenticidade ou da falsidade de
documento.'
Assim, ainda que o pedido seja exclusivamente
declaratório, deve haver relação jurídica e lide concreta.
Somente as ações declaratórias de controle abstrato de
constitucionalidade admitem pedido de declaração do
direito em tese. As ações declaratórias fundadas no artigo
19 do CPC exigem demanda, ou seja, lide resistida. Na
presente ação o autor não pede que seja autorizada a
ortotanásia por motivo atual, e não pede que seja
declarada a validade de seu direito de opção pela
cremação. Sequer apresenta qualquer documento para
que sobre ele recaia análise quanto à sua admissibilidade.
E, por fim, sequer aponta um réu que tenha resistido ao
pedido, tornando necessária a intervenção jurisdicional.
Dessa forma, não havendo lide resistida, mas
mera intenção de declaração de acerto de tese jurídica
e/ou de direito em tese, não demonstrou o autor interesse

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jurídico, sendo de rigor a extinção do processo, sem


resolução do mérito.
Exatamente nesse sentido, veja-se julgado do
STJ:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇAO
DECLARATÓRIA. MULTA MORATÓRIA. FALTA DE
INTERESSE DE AGIR. EXTINÇAO DO PROCESSO SEM
RESOLUÇAO DE MÉRITO. ART. 138, DO CTN. ART. 61,
DA LEI N.º 9.430/96. INTERPRETAÇAO.
1. A ação declaratória não é servil à simples
interpretação de tese jurídica ou de questão de direito,
revelando a sua propositura com esse escopo ausência de
interesse de agir, posto transfigurar o judiciário como mero
órgão de consulta. Art. 4º O interesse do autor pode limitar-
se à declaração: I da existência ou da inexistência de
relação jurídica; II da autenticidade ou falsidade de
documento. Parágrafo único. É admissível a ação
declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.
O interesse de agir por meio de ação declaratória envolve
a necessidade, concretamente demonstrada, de eliminar
ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. A
declaratória tem por conteúdo o acertamento, pelo juiz, de
uma relação jurídica (RTJ, 83/934). Logo, se não há dúvida
ou incerteza quanto à relação jurídica, descabe a ação
declaratória (RJTJESP, 107/325, 4 votos a 1). Igualmente,
não cabe ação declaratória para mera interpretação do
direito em tese (RTJ, 113/1.322). Neste sentido: RJTJESP,
94/81, JTJ, 174/18. O Judiciário não é órgão de consulta.
Com essa finalidade, não cabe ação declaratória
(RJTJESP, 105/91). Para que possa obter pronunciamento
jurisdicional sobre a existência ou inexistência de uma
relação jurídica, o autor haverá de explicitá-la, deduzindo
todos os seus termos. Impossibilidade de a sentença emitir
comandos genéricos, não referidos a uma situação
concreta, perfeitamente identificável (RTFR,
164/119).Súmula nº 181 do STJ: É admissível ação
declaratória, visando a obter certeza quanto à exata
interpretação de cláusula contratual (v. jurisprudência s/
esta Súmula em RSTJ, 91/375). No mesmo sentido, RSTJ,

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10/417, 48/427, 75/287, 88/97. Só admitindo a ação


declaratória quando a pretendida interpretação de cláusula
contratual implique problema de existência ou inexistência
de relação jurídica: JTA, 106/374.
2. In casu, o Tribunal a quo, ao analisar a
situação fática dos autos , aduziu que: A demanda
formulada é abstrata, não se referindo a qualquer relação
jurídica existente: a autora apenas pede que, nas
eventuais denúncias espontâneas que porventura possa
vir a fazer, não lhe seja exigida a multa de mora (fl. 136).
3. O interesse jurídico-processual, uma das
condições do exercício do direito de ação, deflui do
binômio necessidade-utilidade da prestação jurisdicional,
sendo certo que: O interesse, como conceito genérico,
representa a relação entre um bem da vida e a satisfação
que o mesmo encerra em favor de um sujeito O interesse é
a posição favorável à satisfação de uma necessidade, de
que titular é a pessoa física ou jurídica e cujo objeto é um
bem (in Frederico Marques, Instituições, vol. II, 1971, p.
40). Esse interesse assume relevo quando juridicamente
protegido fazendo exsurgir o direito subjetivo de natureza
substancial. Ao manifestar seu interesse, o sujeito do
direito pode ver-se obstado por outrem que não reconhece
aquela proteção jurídica. Em face da impossibilidade de
submissão do interesse substancial alheio ao próprio por
via da violência, faz-se mister a intervenção judicial para
que se reconheça, com a força da autoridade, qual dos
dois interesses deve sucumbir e qual deles deve sobrepor-
se. À negação de submissão de um interesse ao outro,
corresponde um tipo de interesse que é o de obter a
prestação da tutela jurisdicional, com o fim de fazer
prevalecer a aspiração própria sobre a de outrem,
definindo o Judiciário qual delas é a que encontra proteção
jurídica. Essa situação que reclama a intervenção judicial
sob pena de um dos sujeitos sofrer um prejuízo em razão
da impossibilidade de autodefesa é que caracteriza o
interesse de agir O interesse processual tem como objetivo
direto e imediato a atividade do órgão jurisdicional
(Crisanto Mandrioli, LAzione Esecutiva, 1965, p. 103). " Por

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essa razão, já se afirmou em bela sede doutrinária que a


função jurisdicional não pode ser movimentada sem que
haja um motivo. Destarte, como de regra, o interesse
substancial juridicamente protegido nada tem a ver com o
interesse meramente processual de movimentar a máquina
judiciária O interesse substancial se dirige ao bem da vida
e o interesse processual à atividade jurisdicional. Assim,
v.g., não pode o credor mover uma ação de cobrança sem
que a dívida esteja vencida, tampouco pode o locador
despejar o inquilino antes de decorrido o prazo de
notificação que a lei lhe confere para desocupar
voluntariamente o imóvel etc. Advirta-se, entretanto, que
alguns direitos só podem ser exercidos em juízo, como por
exemplo, o direito à separação entre os cônjuges, ou o
direito-dever de interditar alguém que esteja sofrendo de
suas faculdades mentais etc. Nesses casos, o interesse de
agir nasce juntamente com o direito substancial; por isso,
por exemplo, um casal não pode separarse
extrajudicialmente, tampouco é possível interditar-se
alguém por ato particular de vontade. Tratam-se de
hipóteses de jurisdição necessária, onde o interesse de
agir é imanente. Outrossim, cada espécie de ação reclama
um interesse de agir específico. Assim, na ação
declaratória em que a parte pleiteia que o Estado-juiz
declare se é existente ou não uma determinada relação
jurídica, mister que paire dúvida objetiva e jurídica sobre a
mesma, para que o judiciário não seja instado a definir um
pseudo litígio como mero órgão de consulta Art. 4º O
interesse do autor pode limitar-se à declaração: I da
existência ou da inexistência de relação jurídica; II da
autenticidade ou falsidade de documento. Parágrafo único.
É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido
a violação do direito. O interesse de agir por meio de ação
declaratória envolve a necessidade, concretamente
demonstrada, de eliminar ou resolver a incerteza do direito
ou relação jurídica. A declaratória tem por conteúdo o
acertamento, pelo juiz, de uma relação jurídica (RTJ,
83/934). Logo, se não há dúvida ou incerteza quanto à
relação jurídica, descabe a ação declaratória (RJTJESP,

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107/325, 4 votos a 1). Igualmente, não cabe ação


declaratória para mera interpretação do direito em tese
(RTJ, 113/1.322). Neste sentido: RJTJESP, 94/81, JTJ,
174/18O Judiciário não é órgão de consulta. Com essa
finalidade, não cabe ação declaratória (RJTJESP,
105/91).Para que possa obter pronunciamento jurisdicional
sobre a existência ou inexistência de uma relação jurídica,
o autor haverá de explicitá-la, deduzindo todos os seus
termos. Impossibilidade de a sentença emitir comandos
genéricos, não referidos a uma situação concreta,
perfeitamente identificável (RTFR, 164/119).Súmula nº 181
do STJ: É admissível ação declaratória, visando a obter
certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual
(v. jurisprudência s/ esta Súmula em RSTJ, 91/375). No
mesmo sentido, RSTJ, 10/417, 48/427, 75/287, 88/97. Só
admitindo a ação declaratória quando a pretendida
interpretação de cláusula contratual implique problema de
existência ou inexistência de relação jurídica: JTA,
106/374. Em consequência, não cabe ação declaratória
para interpretação do direito subjetivo; bem como para
indicar qual a legislação aplicável ao negócio jurídico
objeto mediato do pedido. (Luiz Fux, in "Curso de Direito
Processual Civil", Vol. I, 3ª Ed., Rio de Janeiro, 2008, págs.
162/163).
4. A declaração de inconstitucionalidade do art.
61, da Lei n.º 9.430/96, não pode ser veiculada como
premissa para a suposta ação inibitória, com nítido
desígnio de engendrar o controle difuso à luz da causa de
pedir da demanda e da competência exclusiva do Supremo
Tribunal Federal.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.106.764 RJ).
Ante o exposto, JULGO EXTINTO O
PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, diante da
patente ausência de interesse de agir, nos termos do artigo
485, VI do Código de Processo Civil.
Não havendo parte contrária, não há
condenação nas verbas de sucumbência (...)”.
E nada justifica a reforma do julgado.

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Note-se que se trata de pedido hipotético, pois


o apelante não aponta sequer a doença que o acomete,
sem a indicação de pretensão resistida, o que torna
patente a falta de interesse de agir.

Se não bastasse isso, não se mostra


imprescindível a intervenção judicial, haja vista que o
apelante pode se valer de “testamento vital” para obter sua
pretensão, nos termos do enunciado n. 528 da V Jornada
de Direito Civil, do seguinte teor:

“É válida a declaração de vontade expressa em


documento autêntico, também chamado “testamento vital”,
em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de
tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no
caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua
vontade”.

E o direito de ser cremado também não


depende de intervenção judicial.

Em suma, a r. sentença apelada não comporta


reparos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego


provimento ao recurso.

J.L. MÔNACO DA SILVA


Relator

Apelação nº 1001378-30.2015.8.26.0363 - Mi 9

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