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DOI: 10.1590/1413-812320172210.

17552017 3235

Vigilância em Saúde Mental e Trabalho no Brasil:

ARTIGO ARTICLE
características, dificuldades e desafios

Work-related Mental Health Surveillance in Brazil:


characteristics, difficulties, and challenges

Tania Maria Araújo 1


Tarciso de Figueiredo Palma 2
Natália do Carmo Araújo 2

Abstract This paper addresses the challenges Resumo Este artigo aborda as dificuldades e os
and difficulties in Work-related Mental Health desafios da Vigilância em Saúde Mental Relacio-
(WMH) Surveillance in Brazil, based on a review nada ao Trabalho (SMRT) no Brasil, com base em
of the bibliographic literature. From the compi- levantamento de produção bibliográfica. Busca-
lation of identified academic research, it seeks to se, a partir da compilação da produção identifi-
foster reflections about the current landscape of cada, fomentar reflexões sobre o panorama atual
surveillance actions, its main obstacles, and pos- em que se encontram as ações em Vigilância nesse
sibilities for improvement. A survey of national campo, seus principais entraves e possibilidades de
publications was carried out using Scielo, Lilacs avanços. Efetuou-se levantamento de publicações
and PUBMED databases from 2002 until 2017. nacionais nas bases do Scielo, Lilacs e PubMed,
Systematizing the results allows us to group the de 2002 a 2017. A sistematização dos dados per-
following themes: Epidemiology of WMH in mitiu a sua estruturação nas seguintes temáticas:
Brazil; Policies for WMH and VISAT; Work En- Epidemiologia da SMRT no Brasil; Políticas para
vironment for Mental Health; and, Actions and a SMRT e a VISAT; Organização do Trabalho e
Interventions in the VISAT and WMH. The sur- Saúde Mental; e, Ações e Intervenções em VISAT
veillance actions are still in the early stages; how- e SMRT. As ações para Vigilância encontram-se,
ever, there is an effort to strengthen the RENAST, ainda, em estado incipiente, porém há esforços
materialized in the creation of protocols and the para o fortalecimento da RENAST, materializa-
promotion of national meetings which reflect do na construção de protocolos e na promoção
the construction of a new surveillance model for de encontros nacionais que visam à reflexão e à
worker health. We noted a search for new con- construção de um novo modelo de Vigilância em
ceptual models of mental illness, a redefinition of Saúde do Trabalhador. Registra-se a busca por
the focus of care, and of intervention approaches novos modelos e concepções de adoecimento men-
1
Escola de Saúde Pública
do Estado de Minas Gerais.
highlighting the active role of workers, who are es- tal, de redefinição do foco de atenção, de modos de
Av. Augusto de Lima 2061, sential players in facing the challenges in this area. intervenção com destaque para o papel ativo dos
Barro Preto. 30190-002 Key words Occupational health, Mental health, trabalhadores, protagonistas imprescindíveis ao
Belo Horizonte MG Brasil.
araujo.tania@uefs.br
Health surveillance, Surveillance of the workers enfrentamento dos desafios nesse campo.
2
Núcleo de Epidemiologia, health Palavras-chave Saúde do trabalhador, Saúde
Departamento de Saúde, mental, Vigilância em saúde, Vigilância em saúde
Universidade Estadual de
Feira de Santana. Feira de
do trabalhador
Santana BA Brasil.
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Araújo TM et al.

Introdução das energias vitais para a criação de valores de


uso destinados à satisfação das necessidades3. Os
O mundo do trabalho tem-se tornando cada elementos objetivos do trabalho constituem-se
vez mais complexo e multifacetado. Nos últimos dos objetos (matéria-prima) e dos meios. O tra-
anos, profundas transformações ocorreram em balho comparece como mediador entre ordem
decorrência da adoção de um novo modelo de individual e social: não vale apenas pelo que
acumulação capitalista. Este modelo, baseia-se representa enquanto garantia de sobrevivência,
no capitalismo flexível e na precarização social mas também por ser capaz de assegurar ao in-
do trabalho1. Trata-se de um modelo ancorado divíduo as especificidades que o identificam e o
na ideia de flexibilidade, no qual tudo passa a ser distinguem dos outros – o que o sujeito sente, in-
descartável, substituível, efêmero, incluindo não terpreta e enuncia como sendo eu, por oposição
apenas as mercadorias produzidas, mas também àquilo que vivencia como não eu4. O trabalho,
aqueles que produzem. Opera na dissociação portanto, comporta relações de identificação, na
entre o capital e as formas materiais de riqueza medida em que inscreve marcas na imagem de si
(valores de uso), patrocinando a financeirização e do mundo, que são internalizadas como per-
da economia (que absolutiza o caráter abstrato tencentes àquele sujeito.
do trabalho) e promove a globalização sem pre- O trabalho, por meio de seu duplo caráter, re-
cedentes dos processos de produção1. aliza também um movimento duplo no processo
A precarização social do trabalho produz de construção social de identidade do sujeito:
processos complexos e intrincados que se mate- conforma um campo objetivo de condições de
rializam em condições de trabalho e de emprego produção-reprodução e permite o jogo simbóli-
precárias, de permanente insegurança e vulne- co, a inscrição de significado humano ao mundo.
rabilidade frente, sobretudo, à possibilidade de Ao mesmo tempo que o trabalho é estruturador,
desemprego. É engendrada, entre outros aspec- sendo via de construção de identidade, satisfa-
tos, por vulnerabilidade das formas de inserção e ção e prazer, pode, sob determinadas condições,
desigualdades sociais, intensificação do trabalho, constituir-se em elemento patogênico5.
terceirização, insegurança e múltiplas exposições Portanto, aspectos relacionados ao ambiente
ocupacionais1, longas jornadas, ausência de po- e ao conteúdo do trabalho, condições organiza-
der de decisão na realização das tarefas, repeti- cionais, necessidades e competências do trabalha-
tividade e monotonia2. Assim, por sua vez, essas dor, associados aos aspectos do contexto cultural
novas-velhas formas de dominação e exploração e social no qual os indivíduos estão inseridos e
do trabalho inauguram ou agudizam diversos características pessoais são fatores que podem
tipos de impactos sobre a vida e a saúde dos tra- interferir na saúde do trabalhador, repercutindo
balhadores. negativamente em seu equilíbrio psíquico6.
No processo de trabalho, entram em cena re- O monitoramento das características do tra-
des dinâmicas de relações do homem com a na- balho é fundamental para a estruturação de con-
tureza, do homem com os outros homens e do dições capazes de fortalecer o polo do trabalho
homem consigo mesmo. É também por meio do como via de construção identitária e prazerosa.
trabalho que os indivíduos realizam sua inserção Ações de Vigilância em Saúde, mais especifica-
concreta na realidade, recortando possibilidades mente neste caso de Vigilância em Saúde do Tra-
objetivas de alimentar-se, morar, crescer, realizar- balhador, constituem o pilar sobre o qual se pode
se, adoecer e também morrer. A característica ilu- edificar essa possibilidade.
sionista do trabalho decorre de seu duplo caráter: A Vigilância em Saúde do Trabalhador (VI-
o trabalho é, de um lado, concreto (valor de uso) SAT) é um dos componentes do Sistema Nacio-
e, de outro, abstrato (valor de troca). Enquanto nal de Vigilância em Saúde, responsável por um
valor de uso aparece como dimensão conforma- conjunto articulado de ações de promoção da
dora de identidade, como valor de troca aparece saúde e de redução da morbimortalidade da po-
como capacidade de produzir valor material so- pulação trabalhadora. Em 2002, como principal
cialmente reconhecido aqui prevalece a univer- estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS) para
salização do trabalho, a equivalência entre todos garantir a integralidade da promoção e atenção
eles, expressa em unidade de tempo e esforço em- à saúde do trabalhador, foi criada a Rede Nacio-
butido na mercadoria3. nal de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
O processo de trabalho engloba elementos – RENAST. A RENAST integra a rede de serviços
objetivos e subjetivos. O elemento subjetivo com- do SUS por meio de Centros de Referência em
preende a forma de trabalho e o gasto produtivo Saúde do Trabalhador (CEREST)7.
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Em 2004, os Transtornos Mentais Relaciona- gerais de vida. Segundo o IBGE12, o desemprego
dos ao Trabalho (TMRT), em conjunto com mais bateu recorde, atingindo 13,5 milhões de pesso-
dez agravos relacionados ao trabalho (ART), fo- as. Essa situação, como já mencionado, atende
ram definidos como agravo de notificação com- ao modelo de flexibilidade e precarização social
pulsória, passando a ser registrado no Sistema do trabalho, com crescimento de condições pre-
Nacional de Agravo e Notificações (SINAN)8. cárias de trabalho às quais as pessoas aceitam
Este fato constitui importante marco regulatório submeter-se, pressionadas pela possibilidade do
nas políticas de Vigilância à Saúde do Trabalha- desemprego. Tais condições incrementam subs-
dor, ainda que limitado apenas às unidades de tantivamente os riscos à saúde dos trabalhadores,
saúde de uma Rede Sentinela. A portaria, no en- especialmente a saúde mental, em função de atu-
tanto, foi implementada somente em 2006, com ar na fragilização dos trabalhadores, operada pe-
as primeiras notificações de ART em âmbito na- los modelos de gestão e desregulação das relações
cional. de trabalho².
A RENAST tem papel central na identificação, Portanto, o papel da Vigilância em Saúde
encaminhamento e notificação dos TMRT bem nesses contextos, centrado em práticas de mo-
como dos fatores determinantes ou contribuintes nitoramento dos fatores nocivos à saúde, ganha
para sua ocorrência. No caso da saúde mental, há enorme relevância. Este artigo tem por finalida-
lacunas importantes tanto no que se refere ao di- de discutir aspectos relacionados à vigilância em
mensionamento do problema (a subnotificação é saúde mental e trabalho no Brasil, com base em
característica marcante no seu monitoramento), revisão de literatura da produção registrada entre
quanto na identificação e atuação sobre os fatores os anos de 2002 a 2017. Objetiva-se, fomentar as
que produzem esses eventos (exposição). reflexões sobre saúde mental e trabalho no Bra-
Os dados sobre TMRT, ainda que não per- sil, para um melhor entendimento do panorama
mitam obter um quadro mais fidedigno de sua atual da VISAT em Saúde Mental, de modo a
magnitude, evidenciam sua relevância na ques- fortalecer os programas e as ações da vigilância,
tão de adoecimento entre os trabalhadores. Se- no que se refere às ações de monitoramento dos
gundo a OMS, uma em cada quatro pessoas que agravos e às iniciativas de identificação e de inter-
visitam um serviço de saúde tem pelo menos um venção efetiva sobre os fatores que os produzem.
tipo de transtorno mental, mas a maioria não é
diagnosticada e nem tratada9.
No Brasil, os TMRT estão entre as principais Métodos
causas de perdas de dias no trabalho, represen-
tando a terceira causa de concessão de auxílio- Foi realizada revisão de literatura de publicações
doença por incapacidade laborativa. Em estudo nacionais, atendendo ao objetivo de verificar as
das concessões no período 2008-2011 observou- produções brasileiras e fomentar reflexões sobre
se aumento médio anual de concessões de 2,9%10. a temática de Visat em Saúde Mental. Foram con-
De 2008 para 2009, o número de afastamentos sultadas as bases de dados virtuais: Google Scho-
do trabalho notificados na Previdência Social su- lar, SciELO, Lilacs e PubMed, utilizando os se-
biu de 12.818 para 13.478, chegando, em 2012, a guintes descritores: saúde do trabalhador, saúde
16.978 casos11. mental, trabalhadores, saúde mental e trabalho e
No atual cenário brasileiro, há propostas Vigilância em Saúde, indexados na base de dados
de reformulações dos direitos trabalhistas que Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). A bus-
apontam na direção de uma maior vulnerabi- ca ocorreu no período de abril a maio de 2017.
lização das relações de trabalho com impactos Como a RENAST foi instituída em setembro
diretos e indiretos sobre a saúde psíquica dos tra- de 2002 (Portaria nº 1.679), este ano foi definido
balhadores. O Legislativo aprovou a terceirização como o ponto inicial para a busca bibliográfica,
irrestrita para as atividades laborais, o que terá sendo este o primeiro critério de busca. A reten-
reflexos nas condições de trabalho. Além disso, ção dos artigos pautou-se na inclusão daqueles
há proposta de reforma previdenciária que im- que abordavam os temas: Vigilância em Saúde
plica ampliação do período de contribuição e do Trabalhador e Saúde Mental. Para essa etapa,
de trabalho para a aposentadoria. Essas medidas foi realizada a leitura do título e resumo de cada
contextualizam-se num momento de crise eco- obra. Ao final, considerando os critérios estabe-
nômica e fragilidade social, na qual se observa a lecidos, a revisão identificou 16 documentos: dez
diluição da linha de separação entre incluídos e artigos, duas dissertações, duas teses e dois proto-
excluídos, com claro rebaixamento dos padrões colos de atenção à saúde mental e trabalho.
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Araújo TM et al.

Feita a seleção do material, foram coletadas Com base no material identificado foram es-
informações sobre: título da obra, descritores, truturadas as seguintes categorias de análise: (a)
bases consultadas, periódico científico onde foi panorama da SMRT, contextualização do quadro
veiculado, métodos empregados, objetivos e re- epidemiológico atual; políticas e normas vigen-
sultados. Os resultados foram categorizados de tes, aspectos relativos à organização do trabalho e
acordo com o conhecimento prévio sobre o tema suas repercussões na saúde mental; (b) principais
e suas lacunas e por repetição no conteúdo dos limitações (insuficiência ou ausência de integra-
mesmos. lidade das ações e de articulação entre as Vigilân-
Nesse processo, emergiram como norteado- cias em Saúde, dificuldades de nexo causal e sub-
ras para a apresentação de resultados e discussão notificação) que resultam na baixa visibilidade
as seguintes temáticas: Epidemiologia da Saú- do problema; (c) questões relacionadas às poucas
de Mental Relacionada ao Trabalho no Brasil ações de intervenção, insuficientes e pautadas em
(SMRT); Políticas para a SMRT e a VISAT; Or- lógicas reducionistas que não combatem a gênese
ganização do Trabalho e Saúde Mental e Ações e dos problemas relacionados ao adoecimento do
Intervenções em VISAT e SMRT. trabalhador. As categorias/temáticas que proble-
matizam esses aspectos são apresentadas a seguir.

Resultados e discussão Epidemiologia da saúde mental relacionada


ao trabalho no Brasil (SMRT)
Caracterização do material de estudo
Apesar da pouca atenção dada aos transtor-
O material identificado incluiu produções nos mentais e do comportamento e sua relação
com abordagens em Saúde Coletiva, Ciências com o trabalho, estatísticas oficiais da Previdên-
Sociais e Políticas. Destacaram-se publicações cia Social e resultados dos estudos epidemioló-
em: Saúde Pública/Coletiva (n = 5), Saúde Ocu- gicos reforçam a relevância desses eventos como
pacional (n = 2), Psicologia (n = 1), Epidemio- causa de concessão de auxílio doença por inca-
logia (n = 2); duas dissertações e duas teses que pacidade ou apontam elevadas prevalências de
analisaram o perfil dos TMRT, as ações da VISAT adoecimento mental em grupos de trabalhadores
e aspectos para subsídios de ação/intervenção da no Brasil10.
Vigilância em Saúde do Trabalhador/saúde men- Brito14 investigou os casos registrados de
tal. Identificaram-se também dois protocolos de TMRT no Brasil, desde o inicio do registro no
ações para a VISAT na Bahia e em São Paulo. SINAN (2006), até 2012. Neste período foram
A produção concentrou-se no período 2011- registrados 2.444 casos, com aumento expressivo
2017 (n = 12), alcançando maior visibilidade em (média de aumento anual de 142%) até o ano de
2014 (n = 6). A revista Ciência & Saúde Coletiva 2011. Os CEREST foram responsáveis por 74,1%
foi aquela com maior número de publicações (n dos registros, seguidos pelas Unidades Básicas de
= 3). Com relação à perspectiva metodológica, a Saúde (8,4%) e os CAPS (6,2%). A participação
maioria das pesquisas foi elaborada a partir de das Unidades de Saúde da Família foi muito bai-
revisões de literatura/ensaios-teóricos (n = 10), xa (apenas 1,4%), mas com crescimento grada-
sendo que, dentre estas, quatro incluíram pesqui- tivo de notificações ao longo dos anos. Os diag-
sa com abordagens qualitativas, utilizando fontes nósticos mais frequentes foram os transtornos
variadas de captura de material (análise de docu- neuróticos (56,4%) e do humor (30,4%).
mentos, oficinas e entrevistas semiestruturadas); Cordeiro et al.15 analisaram dados do SINAN
outras quatro pesquisas foram de caráter epide- referentes ao estado da Bahia. Os homens repre-
miológico (Quadro 1). sentaram 51,2% dos casos. Maior frequência de
Dos protocolos identificados, um foi elabo- casos foi observada em trabalhadores do ensino
rado pela Diretoria de Vigilância em Saúde do médio e superior, do mercado formal de traba-
Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde da lho, nos ramos do comércio e serviços. Os agra-
Bahia, em 2014, voltado para a identificação/aco- vos mais notificados foram o estresse pós-trau-
lhimento e acompanhamento dos casos, notifica- mático e episódios depressivos. A incapacidade
ção e ações de Vigilância em Saúde do SUS9. Em temporária representou 74,4% dos casos, segui-
São Paulo, no mesmo período, foi elaborado um do de incapacidade permanente parcial (13,3%)
manual com orientações técnicas para a notifica- e cura não confirmada (2,4%).
ção no SINAN dos Transtornos Mentais Relacio-
nados ao Trabalho13.
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Quadro 1. Distribuição de documentos por tipo, abordagem metodológica, autores, período e periódico de
publicação.
Tipo Abordagem Metodológica Autores Ano Periódico
Revisão bibliográfica sobre a influência das ciências Minayo-Gomez 2003 Ciência &
sociais para a superação de concepções reducionistas e Thedim-Costa Saúde Coletiva
da relação trabalho-saúde.
Revisão de literatura; análise de entrevistas realizadas Sato e Bernardo 2005
no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(CRST) de Campinas, São Paulo.
Ensaio-teórico que sistematiza e discute abordagens Leão e Minayo- 2014
teóricas e experiências práticas em saúde mental e Gomez
trabalho; aborda estratégias para integração da saúde
mental nas ações de VISAT.
Ensaio teórico que apresenta reflexões sobre a Leão e Brant Physis Revista
incorporação de aspectos relativos à saúde mental 2015 de Saúde
no escopo de ações da vigilância em Saúde do Coletiva
Trabalhador no SUS. Discute critica-mente conceitos
em SMRT.
Pesquisa documental (análise dos planos estaduais Conciani e 2015 Revista Espaço
de saúde) e pesquisa qualitativa com observação Pignatti para a Saúde
Artigo participante e entrevistas.
Revisão de literatura com foco na relação Saúde/ Borsoi 2007 Psicologia &
Saúde Mental/ Trabalho e suas repercussões. Sociedade
Revisão de literatura para aprofundamento Daldon e 2013 Revista
de aspectos envolvidos no campo da VISAT e Lancman Brasileira
compreensão das políticas e diretrizes que a de Saúde
norteiam. Ocupacional
Estudo epidemiológico, de caráter descritivo, Cardoso e 2016
envolvendo 161 CEREST, com a finalidade de Araújo
descrever as principais ações em saúde mental
relacionadas ao trabalho na RENAST.
Ensaio-teórico que sistematiza a experiência do Machado e Porto 2003 Epidemiologia
campo da Saúde do Trabalhador considerando e Serviços de
as temáticas de promoção da saúde e da Saúde
intersetorialidade.
Estudo epidemiológico de caráter descritivo, que Cordeiro et al. 2016
analisa os casos de TMRT notificados no SINAN no
estado da Bahia no período de 2007 a 2012.
Estudo exploratório com desenho de série temporal. Brito 2014 Programa em
Foram analisados os casos de TMRT registrados no Pós-Graduação
banco de dados do SINAN para o Brasil, no período em Saúde
de 2006 a 2012. Coletiva da
UEFS/ BA
Dissertação
Revisão de literatura; análise documental; realização Freire 2014 Escola
de Oficinas, pensadas a partir das contribuições do Nacional de
Movimento Operário Italiano - MOI, da Medicina Saúde Pública
Social e da Psicodinâmica do Trabalho. Sérgio Arouca,
Fiocruz/ RJ
Revisão de literatura com sistematização das Leão ARCA –
abordagens teóricas e práticas existentes sobre a 2014 Repositório
saúde mental dos trabalhadores com investigação de Institucional
relatórios de diferentes fóruns coletivos em saúde do da Fiocruz
Tese
trabalhador.
Pesquisa qualitativa, com análise de documentos e Souza Biblioteca
entrevistas com trabalhadores do SUS que trata da 2017 Digital da PUC
saúde do trabalhador no campo da saúde mental. - Campinas
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Araújo TM et al.

De acordo com o Anuário Estatístico da tradicional de concepção do adoecimento cen-


Previdência Social16, tem sido registrada queda trado no modelo médico com foco na doença,
nas aposentadorias por invalidez relacionadas o que dificulta, impede ou fragiliza as ações de
aos Transtornos Mentais e Comportamentais VISAT na RENAST19.
concedidas. Em 2013 foram registrados 12.068 A subnotificação dos TMRT é apenas uma
e em 2015, 8.417, contrastando com os dados das dificuldades enfrentadas, que se estende tam-
no período de 2008 a 2011 no qual se verificou bém para a oferta de serviços de saúde voltados
incremento no número de benefícios por essa ao adoecimento mental. Em inquérito para ava-
causa10. O número de aposentadorias rurais por liar ações em saúde mental na RENAST, realizado
invalidez, neste mesmo período, também caiu, de por Cardoso e Araújo20, em 2014, 47,8% dos CE-
876 para 640. A mesma lógica prevaleceu para a REST referiram realizar ações informativas e de
quantidade de auxílios doença no período, que educação permanente para os profissionais dos
caiu de 209.218 para 156.895. Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e apenas
Observou-se aumento no número de benefí- 26,0% referiram tal atividade com os ambulató-
cios acidentários a partir de 2007, como descrito rios de saúde mental; 40,9% realizavam ações de
acima, aventando-se a hipótese de que este au- apoio matricial para os serviços do SUS; 35,5%
mento estaria associado à implantação do nexo desenvolviam ações informativas frequentes so-
técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), bre SM para os trabalhadores em geral. Inspe-
que permitiu o reconhecimento dos casos com ção em ambientes de trabalho (58,8%) e o re-
base em evidências epidemiológicas. De modo gistro sistemático de casos de TMRT no SINAN
análogo, é provável que a redução no número (53,2%) foram as ações mais referidas. Portanto,
de casos a partir de 2012 revele barreiras para o há muito em que se avançar na estruturação de
reconhecimento dos casos, sendo reflexo de es- serviços de saúde mental e trabalho no SUS, in-
forços governamentais para a não concessão dos cluindo sua expansão na própria RENAST, posto
benefícios aos trabalhadores adoecidos, por meio que as ações realizadas ainda eram incipientes.
de restrições normativas e de regulação adotadas Registra-se que 67,7% dos CEREST relataram ter
pelo INSS. Esses exemplos, por sua vez, revelam profissionais capacitados para atendimento em
o quanto esse evento atrela-se ao contexto de Saúde Mental.
correlação de forças das relações entre capital e Esses dados, em conjunto, evidenciam mui-
trabalho e o quanto ainda estamos afastados da tas fragilidades na incorporação da saúde mental
apreensão mais exata de dimensionamento do às ações de VISAT. Mesmo que, como apontam
problema. Leão e Minayo-Gomez21, as práticas em saúde
Deve-se considerar que estes dados depen- mental e trabalho caracterizem-se pelo predomí-
dem de notificação e estabelecimento de nexo, nio de ações voltadas para a assistência e para o
sendo assim, certamente, não correspondem à diagnóstico e notificação dos TMRT, estas ainda
magnitude e abrangência dos casos no país – a ocorrem de modo tímido, com abrangência mui-
predominância de trabalhadores formais celetis- to limitada (são desenvolvidas por metade dos
tas nos registros de TMRT no SINAN é um exem- CEREST existentes).
plo disto –, embora deva ser registrado o esforço
dos CEREST em melhorar tal sistema e aumentar Políticas em saúde mental relacionada
a visibilidade dos TMRT. ao trabalho (SMRT) e a VISAT
Diversos estudos15,17-19 evidenciam o caráter
crônico de invisibilidade dos TMRT atrelada ao A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde
fenômeno da subnotificação. Como consequ- do Trabalhador (RENAST) foi criada em 200222,
ência das estatísticas enviesadas, a saúde mental e atualizada pela portaria 2.728/097.Constituem
no trabalho deixa de ter caráter prioritário para a RENAST, os Centros de Referência em Saúde
o planejamento das ações e políticas públicas. O do Trabalhador (CEREST), que podem ser de
papel do profissional de saúde na investigação abrangência estadual, regional ou municipal7.
e estabelecimento de nexo entre o agravo men- Apesar da robustez da Rede de Saúde do SUS,
tal e a condição de trabalho, na notificação, no há enorme dificuldade de articulação entre os di-
acompanhamento dos casos e monitoramento versos órgãos e setores que atuam nas questões
das condições e organização do trabalho é enfa- relacionadas à SMRT. As ações de vigilância são
tizado, destacando-se que os profissionais ainda pontuais e reduzem o problema, muitas vezes, à
enfrentam dificuldades concernentes à sua for- atenção curativa, e não focalizam os fatores de-
mação, que inclui a falta de capacitação, a visão terminantes para o adoecimento observado. O
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Ciência & Saúde Coletiva, 22(10):3235-3246, 2017


próprio entendimento, por parte do trabalhador, A definição e a implementação de políticas
das funções e aplicações dos órgãos da Rede, re- públicas de proteção e promoção da saúde men-
vela o estado de incipiência em que se encontra a tal é um aspecto central nesse contexto. Freire18,
VISAT no campo de ações para a Saúde Mental. em consonância com as questões abordadas, res-
Um aspecto crucial na consolidação e forta- salta a ausência de protocolo normativo especí-
lecimento da VISAT refere-se ao papel do traba- fico para os TMRT, decorrente, sobretudo, das
lhador como sujeito ativo e agente articulador da dificuldades em se construir consensos mínimos
transformação do seu trabalho. O exercício desse entre os sindicatos, peritos do INSS, empresas e
papel ativo, decisivo na efetividade da ação da técnicos do SUS.
Vigilância, depende da sensibilização do próprio Algumas iniciativas para superar esses desa-
trabalhador em se reconhecer como protagonis- fios têm sido observadas, como o Protocolo de
ta dessas ações. Isto articula-se, por sua vez, com Atenção à Saúde Mental e Trabalho elaborado
o processo de autovalorização e apropriação dos pela Divisão de Vigilância e Atenção à Saúde do
saberes concernentes ao seu contexto laboral. Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde da
Esse processo tem seus próprios desafios. Daldon Bahia. Neste documento foram reunidos ins-
e Lancman23 confrontam o desenvolvimento da trumentos normativos para orientação e apoio
VISAT, incorporando este trabalhador consciente teórico na atuação em saúde mental e trabalho:
atuante, com o atual panorama de limitação de configuração de nexo causal para os transtornos
recursos materiais e humanos e o pouco investi- mentais, condutas e encaminhamentos de casos
mento em capacitação técnica, evidenciando que e monitoramento das condições e organização
a estratégia de agregar este ator no processo da do trabalho. Este instrumento reforça as ações da
Vigilância é ainda algo a ser construído. A parti- Vigilância na perspectiva de fortalecer as relações
cipação ativa dos trabalhadores como um ponto institucionais e de interconexão entre os diferen-
crucial para o desenvolvimento da VISAT é um tes tipos de Vigilância em Saúde9. Da mesma for-
aspecto realçado por praticamente todos os au- ma, a Divisão de Vigilância Sanitária do Trabalho
tores que produziram sobre essa temática17,21,24,25. do CEREST de São Paulo construiu um manual
Além destas, outras lacunas existentes nas com o propósito de facilitar a notificação dos ca-
ações da VISAT são percebidas, como a distinção sos de TMRT no SINAN19.
entre tais ações nas diferentes regiões. De fato, Outras iniciativas foram realizadas com o
regionalizar tais ações poderia ser considerado intuito de se normatizar os processos de esta-
positivo no sentido de se compreender as de- belecimento de nexo técnico epidemiológico,
mandas específicas de cada local, e atuar sensivel- como instituído na Lei 11.430/2006, do TRT de
mente sobre elas. Na prática, entretanto, isto tem São Paulo, que provê o aumento no valor dos
significado grande heterogeneidade de ações na benefícios da Previdência Social, fortalecendo as
RENAST, com focos, pressupostos teóricos e me- perspectivas de reparação e compensação ao tra-
todológicos muito diferenciados. Logo, ao invés balhador27. Apesar de não confrontar a gênese do
de fortalecer as ações nesse campo, tem produzi- adoecimento em si, reconhece a necessidade do
do a sua fragmentação, ausência de ordenamento estabelecimento de políticas que atentem à Saúde
e consensos mínimos que, concretamente, atu- Mental Relacionada ao Trabalho, o que já repre-
am tamponando o desejado crescimento dessas senta disposição para a atenção a tais questões.
ações. Os avanços necessários ficam, assim, invia- Leão26 destaca ainda a necessidade de mobi-
bilizados ou dificultados. lizar os atores sociais do Estado brasileiro para
Dentre os avanços necessários, Leão e Mi- o desenvolvimento de ferramentas de controle
nayo-Gomez21 destacam a inserção do contexto das formas de organização do trabalho indutoras
da saúde mental dos trabalhadores na legislação e de sofrimentos e transtornos. Souza19 ressalta a
nas normas técnicas da Vigilância em Saúde com necessidade das abordagens interdisciplinares no
base em diretrizes específicas. Cardoso e Araújo20 entendimento da constituição da subjetividade
salientam a necessidade de novas pesquisas para a do indivíduo com o propósito da promoção da
construção de instrumentos que orientem e auxi- saúde mental. Para tal, ações conjuntas e coorde-
liem os processos de estabelecimento de nexo dos nadas, por diferentes atores, em diferentes níveis
agravos em saúde mental no trabalho e as ações de complexidade, são imperativas. Outro aspecto
de monitoramento dos aspectos associados à pro- relevante nessa direção é a aproximação da Saú-
dução dos mesmos, possibilitando uma base de de do Trabalhador com a Atenção Básica, como
maior respaldo para as ações da VISAT, em fun- estrutura de primeiro acolhimento ao indiví-
ção do caráter prevenível do adoecimento mental. duo, reforçando seu caráter de atenção integral e
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universal, enfatizando-se a atenção psicossocial, um ambiente saudável para o trabalhador, uma


ao invés de manter o modelo de atendimento vez que o trabalho tanto pode ser fator equili-
individualizante e manicomial. Novamente o brante como fatigante, a depender de como os
papel social dos trabalhadores ganha relevo na desejos do indivíduo se manifestem, ou sejam
discussão, destacando-se como fundamentais os reprimidos28. Identificar os aspectos relacionados
movimentos sindicais para as ações de Vigilância, ao sofrimento ou prazer, levando em conside-
devido ao seu papel de representação coletiva dos ração a vivência do trabalhador, é fundamental
interesses dos trabalhadores. para conhecer/compreender as relações entre a
Articulações entre os diferentes atores da VI- organização do trabalho e o adoecimento6,21. Os
SAT são necessárias para uma mudança efetiva elementos do trabalho interagem dinamicamen-
que alicerce a adoção de novos modelos de in- te entre si e com o trabalhador, o forçando a um
tervenção e a estruturação de leis específicas que processo de adaptação aos processos e cargas de
coloquem no centro da discussão a própria orga- trabalho enfrentados que se convertem em des-
nização do trabalho e a necessidade de regular as gaste e, por conseguinte, repercutem em sua ca-
relações que se tecem no seu interior de modo a pacidade corporal e psíquica23.
promover e proteger a saúde dos trabalhadores. O trabalho, gradativamente, tem sido consi-
Machado e Porto27, no início dos anos 2000, já derado como determinante no processo saúde-
discutiam as possibilidades das ações interseto- doença, consolidando as concepções sobre seu
riais como estratégicas para a VISAT, estabele- papel na gênese do adoecimento23. Porém, quan-
cendo como insuficiente a perspectiva da abor- do se trata da saúde mental e do reconhecimento
dagem sanitária para estabelecer as relações do etiológico de seus agravos específicos, a VISAT
adoecimento no trabalho. se encontra em estado embrionário, enfrentan-
Para o enfrentamento dos muitos desafios do muitos impasses para o estabelecimento de
encontrados pela VISAT, fazem-se necessárias nexo entre trabalho e adoecimento mental. Ou
ações conjuntas e coordenadas, a nível nacional, seja, colocam-se, nesse caso, desafios maiores do
que envolvam consensos sobre as ações em saú- que aqueles que são encontrados, por exemplo,
de mental e a capacitação por meio de encontros na análise de um acidente de trabalho típico, no
para a difusão, a discussão e a reflexão de expe- qual é possível a observância do caráter palpável
riências, como mecanismo inicial deste processo. do agravo, como também de seu agente causa-
Cabe, no entanto, o alerta, como aponta Leão e dor26. Segundo Sato e Bernardo17, o CEREST é
Minayo-Gomez21, de que, embora haja especifi- percebido pelo trabalhador como um centro vol-
cidade nas questões relacionadas à saúde mental, tado apenas para a atenção a problemas físicos
não se deve operar no campo exclusivo do que causados pelo trabalho, sendo pouco frequente
comumente se rotula como “mental”, “psíquico” sua procura por demandas relacionadas à saúde
ou “subjetivo”. As ações sobre as quais se deve mental, em função das características subjetivas
lançar luz englobam aspectos mais gerais, envol- que as envolvem, que não são diretamente ob-
vendo o processo e a organização do trabalho; serváveis, perceptíveis ao olhar desatento, im-
portanto, não estão limitadas às ações no cam- pregnado pelo modelo biológico tradicional de
po da clínica. Leão e Brant25 consideram que a abordagem clínica. Portanto, no que se refere aos
questão central para suplantar essa abordagem TMRT, há dificuldades que se colocam no âm-
está na “dessacralização” da perspectiva clínica bito da atuação profissional, na qual não estão
e epidemiológica para o desencadeamento das claramente definidos os critérios de identificação
ações da Vigilância, devendo-se concentrar os de casos, quanto da percepção dos problemas re-
esforços na compreensão da complexidade dos lacionados à saúde mental pelos próprios traba-
fenômenos inerentes ao sofrimento no trabalho lhadores.
para a produção de informações e de práticas que Tal situação obscurece as questões relacio-
não sejam baseadas somente no diagnóstico e na nadas à saúde mental no trabalho. Ou seja, o
quantificação desses fenômenos. próprio entendimento do trabalhador pauta-se
numa compreensão de adoecimento vinculada
Organização do Trabalho e Saúde Mental: ao corpo, dificultando o reconhecimento do ado-
um debate ainda necessário ecimento mental. O isolamento do trabalhador
frente ao sofrimento é construído pelas concep-
É necessário o entendimento das relações ções dominantes de sua inadaptação ao trabalho,
existentes no mundo do trabalho e suas reper- de compreensão do adoecimento psíquico como
cussões para se traçar estratégias na direção de falha, fraqueza, inabilidade pessoal. Portanto,
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sustenta-se em certo apagamento das situações de adoecimento, mas é particularmente cruel no
nocivas presentes no contexto laboral. O próprio caso da doença mental uma vez que lhe falta a
trabalhador, que deveria ser protagonista nas materialidade que a doença física ou o acidente
ações da Vigilância, por melhor entender a si e ao de trabalho possuem. Nesse caso, a vivência do
trabalho que executa, é capturado pelo discurso adoecer como incapacidade individual é mais in-
de culpabilização imposta pelo capital e sucum- tensivamente experimentada pelo trabalhador2.
be diante da “sorte” em estar trabalhando. Essa Como se observa, das relações entre carac-
dimensão é reforçada nos estudos de Freire18, que terísticas do trabalho e adoecimento mental
identificou uma habitual tentativa de inviabiliza- ainda é algo a ser construído, o que pode ser fa-
ção de diagnósticos dos agravos psíquicos rela- cilmente constatado pela completa ausência de
cionados ao trabalho nos discursos dos técnicos qualquer regulação dos aspectos relacionados à
do SUS, peritos do INSS, técnicos dos Serviços de organização do trabalho, embora farta literatura
Saúde e de Medicina do Trabalho das empresas e, científica evidencie essa relação. Minayo-Gomez
até mesmo, nos sindicatos. Apagadas ou natura- e Thedim-Costa29 apontam a centralidade dos
lizadas as contribuições do trabalho no processo determinantes psicossociais neste processo: a di-
de adoecimento mental, posto que suas origens visão sexual do trabalho e as relações desiguais
repousam, sobretudo, em aspectos relacionais e de gênero, o assédio, o não reconhecimento so-
psicossociais, resta a ideia de que o trabalhador cial, a desqualificação e a ausência de autonomia
é o responsável pela sua situação ou até mesmo e controle sobre o próprio trabalho são conside-
que este simula a doença para se beneficiar. Tanto rados como condicionantes ao sofrimento e ao
os trabalhadores, quanto os demais atores envol- esgotamento profissional. Destacam a intensa
vidos, reforçam a concepção de que as caracterís- fragmentação das tarefas, a ausência de domínio
ticas do trabalho decorrem da sua natureza pró- das etapas do trabalho e a supressão do prazer
pria, logo, são condições inerentes ao exercício da em trabalhar como situações devastadoras à saú-
atividade laboral. Assim, se aceitam situações que de do trabalhador.
seriam insustentáveis. Diante de situações que produzem sofrimen-
Esta relação de submissão é materializada to no mundo do trabalho, emergem as estraté-
no medo do afastamento do trabalho. Segundo gias de defesa coletiva5. O trabalhador constrói e
Minayo-Gomez e Thedim-Costa29, os estados desconstrói o sentido de seu trabalho, tornando
de degradação da saúde mental podem implicar possível o seu desenvolvimento em condições ad-
longo período de afastamento do trabalho e no versas. Estas estratégias minimizam o sofrimento,
medo do desemprego, confirmados no estudo mas não representam a restauração da saúde do
de Souza19 como cristalizantes de situações que trabalhador e nem possibilitam a supressão dos
empurram o trabalhador para o isolamento, in- determinantes para o adoecimento. Direcionar o
tensificando e agravando o sofrimento. Frequen- foco da vigilância das ações de registros e notifi-
temente, o adoecimento mental torna-se visível cações das doenças para ações que contemplem
quando a situação encontra-se agravada e não é as fontes geradoras do adoecimento na organiza-
mais possível ocultá-la ou subestimá-la. ção do trabalho, é fundamental.
Tal situação decorre do modelo de acumu-
lação flexível, da precarização social do trabalho Ações e Intervenções no processo
como estratégia de dominação1. Nesse modelo, a da VISAT e SMRT
condição de desemprego e ameaça permanente
da perda do emprego produzem o isolamento As limitações conceituais e de práticas da
dos trabalhadores, gerando a perda de víncu- Vigilância em Saúde do Trabalhador em Saúde
los e da perspectiva coletiva de enfrentamento. Mental ficam evidentes na medida em que con-
Sentimentos de insegurança provocados pela templam ações em esferas muito restritas como a
descartabilidade eminente, desvalorização e ex- notificação e alguns poucos protocolos clínicos.
clusão quebram o sentido de solidariedade entre Conciani e Pignatti24 retratam o isolamento des-
os trabalhadores, passando a predominar a con- sas ações, que são pontuais e assistemáticas, além
corrência entre eles. Isolados pela heterogenei- de insuficientes para intervir sobre as fontes de
dade de vínculos empregatícios, divisão e con- produção do adoecimento mental.
corrência, as potenciais ações dos trabalhadores Segundo Daldon e Lancman23, investimentos
fragmentam-se, fragilizando, sobretudo, a ação para a criação de rotinas efetivas nas ações de
dos sindicatos. O baixo grau de proteção social vigilância são indispensáveis. Leão26 destaca que
advindo desse processo atinge todas as formas tais ações precisam ter caráter sistemático, com
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foco nos processos de trabalho, visando pro- tes Comunitários de Saúde como alternativa de
porcionar transformações no contexto laboral, acesso aos serviços do SUS também em saúde do
redução ou eliminação de fatores associados aos trabalhador e em saúde mental e trabalho. Este
processos do adoecimento presentes na organi- processo de articulação e descentralização de res-
zação do trabalho, ancoradas no papel ativo do ponsabilidades coloca o município como grande
trabalhador, na necessidade de espaços para a responsável pelas ações da VISAT. Nesse processo
interlocução com os trabalhadores, com valori- é evidente também a necessidade de redefinição
zação de suas perspectivas e entendimentos sobre destes serviços de saúde em bases que questio-
sua atividade. nem o modelo dominante centrado na doença20.
Portanto, compreender o trabalhador como Apesar dos muitos desafios na construção e
detentor do conhecimento sobre sua atividade é na efetivação de políticas para a saúde do traba-
apenas uma etapa para o processo da vigilância, lhador, cabe destacar que muito já se avançou,
que precisa envolver outros atores para que o especialmente com o estabelecimento de uma
desdobramento em ações ocorra de forma mais Politica Nacional de Saúde do Trabalhador e
estruturada e consequente. Cardoso e Araújo20 da Trabalhadora30. Para garantir e ampliar esses
destacam a importância da participação de todos avanços, são fundamentais o comprometimento
os níveis de atenção do SUS nessas ações, suge- ético dos profissionais de saúde, a defesa de um
rindo a ampliação das relações inter e intraseto- sistema de saúde público e integral e o fortale-
riais em toda a RENAST, destacando o papel dos cimento de iniciativas que incorporem os traba-
CEREST e principalmente dos CAPS, além da lhadores e suas instituições representativas como
própria articulação entre as Vigilâncias. protagonistas dos processos de definição e imple-
Assim, cabe reforçar a necessidade de articu- mentação das ações em saúde do trabalhador.
lação da VISAT com os demais serviços da rede
de atenção à saúde, seja no sentido de integrar-se
às demais vigilâncias (ambiental, epidemiológi- Considerações Finais
ca, sanitária) seja com as outras redes de atenção,
como a Rede de Atenção Psicossocial e a Atenção Apesar das conquistas alcançadas, como a obri-
Básica importantes no acolhimento, prevenção, gatoriedade da notificação de TMRT e o NTEP,
promoção e recuperação da saúde mental26. Se- ainda existem muitos desafios a serem enfren-
gundo Conciani e Pignatti24, a ausência das ações tados. Importantes problemas permanecem:
da Vigilância para a SMRT contribuiu para au- subnotificação; pouca ou nenhuma articulação
mentar a lacuna existente entre os CEREST e a entre os atores envolvidos; ausência de acompa-
Rede do SUS, lhe dando caráter de isolamento e, nhamento dos casos, adoção de modelos de atu-
consequentemente, de invisibilidade, que perdu- ação ainda centrados na doença com intervenção
ra, materializada na precariedade de boa parte medicalizante; ações reducionistas e pontuais;
das ações atuais. dificuldades no estabelecimento de nexo causal;
Há registro de iniciativas de articulação dos ausência de um protocolo único norteador. Por
CEREST com os CAPS, no qual se busca superar outro lado, há esforços significativos para se for-
os enormes desafios encontrados, porém, estas talecer a Rede no que tange a VISAT e a SMRT,
ações são pontuais e muito distintas nas diferen- materializado na construção de instrumentos
tes regiões do país20. Atrelado a este emaranhado como o Protocolo de Atenção à Saúde Mental e
difuso de ações, salienta-se que os modelos da Trabalho, e a promoção de encontros nacionais
atenção predominante nas ações da VISAT em que visam a reflexão e a construção de um novo
Saúde Mental são pautados nos moldes médico modelo de Vigilância em Saúde do Trabalhador,
-ambulatoriais, de caráter curativo e reducionis- para enfrentar os enormes desafios que ainda
ta19,25, indo de encontro às concepções integrado- persistem no campo de SMRT. Deve ganhar rele-
ras do modelo psicossocial defendido na Lei Or- vo nesses esforços as ações para identificar os fa-
gânica da Saúde. Daldon e Lancman23 reforçam tores determinantes do sofrimento e adoecimen-
a necessidade da descentralização dos serviços, to mental presentes na organização do trabalho,
como essencial para as estratégias da VISAT, dan- dando à VISAT a perspectiva transformadora que
do relevo ao papel da Atenção Básica e aos Agen- dela se espera.
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Artigo apresentado em 30/05/2017


Aprovado em 26/06/2017
Versão final apresentada em 13/07/2017

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