Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Analogia Mecânica Na Política
Analogia Mecânica Na Política
Um mecanismo implicava a noção de que o todo era completa e totalmente igual à soma
de suas partes. Que não importando o número de vezes em que fosse desmontado e
refeito, continuaria a se comportar de maneira exatamente igual à antes. Mais ainda, não
importava também a ordem em que a desmontagem ocorria e que a remontagem se
fazia. Finalmente, as partes podiam, em caso de necessidade, ser substituídas e trocadas
por outras iguais, e o mecanismo continuaria funcionando.
Francisco Ferraz
Por que o domínio do tempo passou a ser uma obsessão dos pensadores ocidentais. Há
5.000 anos, media-se, ainda que de formas diferentes, o ano, os meses, a semana e o dia.
Enquanto a humanidade viveu da agricultura e do pastoreio, estas medições eram
suficientes e satisfatórias.
O "dia útil" era o dia iluminado pelo sol. Medir o tempo útil era então medir as horas de
sol. A noite era a escuridão, que trazia consigo a impossibilidade de trabalhar.
Desnecessário medi-la.
O relógio de sol marcava as horas do dia, mas com muitas imperfeições e imprecisões.
A hora exata e uniforme é uma invenção moderna, e o minuto e o segundo são ainda
mais recentes. Este avanço, entretanto, dependia da identificação de uma unidade de
tempo formal - arbitrária e abstrata - que tivesse correspondência com a realidade
cósmica.
As unidades menores de tempo não podiam, pois, ser buscadas na natureza, e sim numa
convenção, isto é numa fórmula abstrata.
Para dominar o tempo então tornou-se necessário inventar um mecanismo de precisão: o
relógio mecânico. Como em tantas outras descobertas e invenções, o novo relógio,
capaz de fazer a medição mecânica do tempo, teve uma origem religiosa.
Grosseiramente podiam ser descritos como máquinas movidas por pesos que faziam
soar um sino, dentro de intervalos regulares, correspondentes às 7 horas canônicas. A
queda dos pesos acionava o braço, que, ao bater no sino, produzia o som.
O dispositivo que impedia a queda livre dos pesos, permitindo a queda seletiva a
intervalos regulares, chamava-se "escape", que, ao exercer uma pressão de sentido
contrário, era capaz de interromper a queda livre dos pesos.
Foi em meados do século XIV que nasceu a nossa hora moderna, e que o dia foi
dividido em 24 partes iguais. Esta foi uma das grandes "revoluções silenciosas" da
história. Dar as horas iguais tornou-se um serviço público que o cidadão necessitava,
mas não podia proporcionar a si mesmo.
Coube às igrejas e catedrais esta função. Esta a origem dos famosos relógios de
catedrais e dos campanários das igrejas antigas. A partir deste momento, começa a
perseguição, empreendida por inventores e cientistas, do relógio perfeito, da máquina de
medir mecanicamente o tempo, absolutamente precisa e universal.
Depois do pêndulo, o erro na medição do tempo caiu para 10 segundos por dia. A
medida em que novas máquinas aproximavam-se do modelo de relógio idealizado - uma
invenção do cérebro humano, isolada do seu ambiente, não modificável pela passagem
do tempo, capaz de ser montada e desmontada, de ter peças substituíveis - o paradigma
do mecanismo se universaliza, e passa a servir de referência para explicar e descrever o
universo, a natureza e a sociedade.
A organização política não seria mais, então, a obra da evolução de um "corpo vivo",
com memória e história, mas, ao contrário, seria o resultado de uma dedução produzida
pela razão e verificada pela observação. Em outras palavras, um mecanismo.
Burke, o mais articulado defensor da analogia orgânica nesta nova fase, sinaliza o
combate ao atacar diretamente o postulado central do modelo mecanicista: a
superioridade da razão face à tradição: "Veja senhor que nesta era iluminada, eu sou
suficientemente atrevido para confessar que nós (os ingleses) somos, de maneira geral,
pessoas de sentimentos não educados. Ao invés de atirar fora os nossos antigos
preconceitos, nós os preservamos e apreciamos, e, para maior vergonha nossa, nós os
apreciamos por que são preconceitos. E, quanto mais antigos eles forem, e mais
amplamente prevaleceram, mais nós os apreciamos. Nós temos medo de deixar os
homens viverem e transacionarem entre si, apoiados apenas na sua própria reserva
privada de racionalidade, porque nós suspeitamos que esta reserva, em cada ser
humano, é pequena, e que portanto, seria melhor para eles abastecerem-se no grande
banco geral e no capital das nações e das épocas."
Francisco Ferraz