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Mini-curso: Ornamento e arquitetura na Alemanha na passagem do século XVIII para o XIX

Prof. Dr. Oliver Tolle (DF/FFLCH/USP)

Excertos

Da Arquitetura
Marco Polião Vitrúvio
Com base nisso, os antigos que instituíram a decoração mural imitaram primeiramente as variedades e as
disposições dos veios do mármore, e, em seguida, diversos arranjos de triângulos e faixas ocres. Mais tarde,
passaram a imitar até mesmo a forma dos edifícios, as projeturas salientes das colunas e das cumeeiras e,
doutra parte, em locais abertos como as êxedras, em razão da amplitude das paredes, representam frontões
com cenas trágicas, cômicas ou satíricas; passaram a ornamentar os passeios em virtude do comprimento de
seu espaço, com variedades de paisagens, exprimindo, por meio de caracteres bem definidos, as
particularidades dos locais. Assim, pintaram-se portos, promontórios, praias, rios, fontes, estreitos, templos,
bosques, montes, rebanhos, pastores, assim como, em alguns lugares, deixaram grandes pinturas contendo
imagens dos deuses ou ilustrações de fábulas, e também as batalhas da guerra de Tróia, ou as erranças de
Ulisses por diversas paragens, e outras que, tal como essas foram criadas pela natureza. Mas esses exemplos
tomados com base em coisas reais são agora empregados de forma injusta. Com efeito, pintam-se nos tetos
monstros, de preferência a imagens baseadas em coisas reais. Em lugar de colunas, colocam-se cálamos, em
lugar de frontões, enroscaduras estriadas com folhas crespas e volutas, assim como candelabros sustentando
representações de pequenos edifícios, caulículos brotando com volutas das raízes sobre suas cumeeiras,
muitos tendo, sem a menor razão, estatuetas sentadas por cima, e mais canículos repartidos ao meio portando
estatuetas, algumas com cabeças humanas, outras com cabeças de animais que, no entanto, não existem, que
não podem nem poderão vir a existir. Logo novos costumes impuseram-se de tal forma que maus juízes
poderiam tomar por ignorância a força das artes. Como, pois, um cálamo poderia sustentar um teto, ou um
candelabro sustentar os ornamentos de um frontão, ou calículo, tão delgado e tão mole, suportar uma
estatueta sentada, ou de raízes medrarem flores e estatuetas divididas ao meio? E, no entanto, os homens,
vendo essas coisas falsas, não se censuram, mas deleitam-se, nem atinam se alguma delas pode existir ou
não. Pelo contrário, mentes obscurecidas, não conseguem provar, por julgamentos incertos, com autoridade e
com o argumento do decoro, o que pode existir, nem devem auferir seu juízo a pinturas que não sejam
semelhantes ao verdadeiro nem se feitas elegantes segundo a arte, e, por esse motivo, julgá-las corretamente,
a não ser que tivessem as razões certas da argumentação explicadas sem hesitação.

Da Arquitetura (1452)
Leon Battista Alberti
O ornamento é, por assim dizer, um brilho que sustenta a beleza e por assim dizer o seu complemento. Disso
se segue, acredito eu, que a beleza é inata ao belo corpo, perpassando-o completamente, mas o ornamento é
mais uma ilusão inventada a partir da natureza e um componente exterior do que um elemento intrínseco.

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Sobre os recém-inventados adereços nas obras dos pintores e escultores (1747)
Johann Friedrich Reiffenstein
Ao meu ver, tudo gira em torno da seguinte questão: se não é possível inventar ornamentos que satisfaçam ao
mesmo tempo o olho e a razão sadia, e que em sua riqueza exterior contenham simultaneamente uma
verdadeira possibilidade, então porque se busca refúgio no inatural e insípido?

Considerações sobre o verdadeiro gosto dos antigos na arquitetura e sobre o seu declínio em tempos
recentes (1747)
Johann Georg Fünck
Diante de todas as coisas, a atenção [dos antigos] estava voltada para a intenção daquelas obras que queriam
inventar e criar: e assim cada coisa deveria ter, de acordo com a sua natureza, possibilidade e exigência, a sua
razão suficiente. De acordo com isso, não pensavam apenas na perenidade e firmeza, mas também na beleza
de seus edifícios: e como esses admiradores e investigadores atentos da natureza encontraram o universal de
todas as belezas em um padrão agradável e na relação recíproca correta das partes, então eles também não
tiveram quaisquer dúvidas de determinar as belezas de sua arte segundo esses conceitos.

A maioria dos ornamentos dos antigos eram os próprios elementos de suas ordens: cuja relação não resultava
tanto de uma imaginação arbitrária, mas muito mais de certa necessidade; na medida em que cada superfície
nelas não era senão uma ligação firme com as outras partes, e cada ressaltamente, ao lado do adereço, deveria
produzir ao mesmo tempo uma proteção contra vento e intempéries.

[…] não seria mais simples conservar o excelente, o verdadeiro e o esplendor dos antigos como um fio
condutor imutável tanto no que diz respeito às partes principais como dos elementos e dos adereços, do que
indicar por inovações desnecessárias mais a pobreza do que a riqueza do espírito?

As linhas da nossa visão, que não se curvam com a oscilação dos adereços de um lado para o outro, mas
prosseguem constantemente numa linha reta, enervam-se necessariamente quando percebem uma situação
desconfortável numa forma interrompida desta ou daquela maneira, já que uma parte extraída é coberta ou
desfigurada por outra, e em vez do todo se deixa ver apenas partes que se destacam […].

Pensamentos sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura (1756)


Johann Joachim Winckelmann
O bom gosto nos ornamentos atuais, que se corrompeu cada vez mais em época recente desde a época em
que Vitrúvio se manifestou com queixas amargas sobre a sua corrpução, em parte pelos grotescos produzidos
por Morto, pintor originário de Feltro, em parte pelas pinturas de nossos quartos que nada significam, poderia
ser purificado por um estudo mais detido da alegoria e ganhar em verdade e entendimento.
Os nossos adornos exagerados e os amados rocaille, sem o qual hoje nenhum adereço pode ganhar forma,
certas vezes não possuem mais natureza que os candeeiros de Vitrúvio, portados por pequenos castelos e
palácios. A alegoria poderia fornecer o conhecimento para que fazer com que até mesmo os menores
ornamentos estejam em conformidade com o lugar onde se encontram. (Winckelmann, Gedanken)

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Breve investigação sobre a origem dos ornamentos, de sua modificação e expansão até o seu atual
declínio, além de algumas propostas bem-intencionadas para o aperfeiçoamento e regramento de todos
os tipos de adereço (1759)
Friedrich August Krubsacius
O Sr. Messonier, um ourives de Paris, cujas obras temos gravadas em bronze, foi um dos primeiros deste
século que produziu algo de novo com a ornamentação de seus vasos. A sua imaginação, o bom desenho, a
fina elaboração e a preciosidade dos metais conferiram uma aparência magnífica às suas criações. Essa
novidade só podia ser desfrutada por algumas mulheres nobres, motivo suficiente para que toda Paris a
considerasse bela. Quem conhece essa cidade, reconhecerá tão bem quanto eu a escravidão da moda e
concordará comigo. Todos os joalheiros se sentiram obrigados a seguir essa nova maneira, de modo a não
perderem clientes. Mas a coisa não parou aí: o gosto desigual cresceu excessivamente em todas as artes,
inclusive nos artesãos que eram capazes de desenhar. Cada um copiou arbitrariamente o desenho, do feio
passou-se ao repulsivo e finalmente produziu-se coisas absurdas. A nobre e excepcional arquitetura era o seu
inimigo mais odiento. A partir da regularidade demonstrada há muito tempo por Vitrúvio e também por
arquitetos e eruditos mais recentes, fica comprovado que: tendo em vista a forma dos homens, sim, de todos
os animais, e levando em consideração a origem do ornamento ele mesmo, essas novas criaturas deveriam
ser consideradas monstruosidades. Apenas alguns arquitetos e construtores foram impelidos a aplicá-los às
suas construções, muitas vezes por ordem dos contratantes. Por esse motivo se vê várias novas construções
na França que, em virtude de grandes equívocos arquitetônicos e da aplicação destes ornamentos, constituem
um todo risível.

Verbete "Ornamentos" (Teoria geral das belas-artes — 1771-1774)


Johann Georg Sulzer
São partes menores singulares, que não pertencem à constituição essencial de uma obra da arte, mas
meramente foram acrescentadas a ela para o incremento da conveniência e, por assim dizer, se encontram
anexados à obra. Na arquitetura, os ornamentos são as estátuas, os vasos, as folhagens e outros entalhes, com
o que se enfeitam as partes essenciais da construção. Na eloquência e na poesia são ornamentos todos os
conceitos acessórios, pensamentos conectados, episódios, que conferem maior conveniência ao essencial; na
música, são contabilizados entre os ornamentos as diversas maneiras e modificações que tem como intenção
meramente uma conveniência maior. Os ornamentos podem ser removidos em todos os lugares onde foram
aplicados, sem tornar a obra deficiente ou modificar a sua espécie.
Os ornamentos têm a sua origem no gosto inato pelo belo que há em todos os homens. Praticamente não há
na terra um povo tão rude a ponto de ser insensível aos ornamentos. O homem ainda em parte selvagem
encontra gosto em colares, com os quais ele orna seus membros completa ou parcialmente desnudos, e o
pastor que vive na suprema simplicidade da natureza adorna o seu bastão ou a sua caneca com entalhes. Esse
gosto mostra que há algo de mais elevado e mais nobre na natureza humana do que na animal, que não
conhece nenhuma sensação além daquelas que têm origem nas necessidades corporais.
Uma completa insensibilidade em relação a qualquer ornamento denunciaria rudeza animal; por outro lado,
um gosto desmedido por ornamentos demonstra mediocridade e infantilidade. Assim como em espíritos
medíocres a razão degenera na sutileza, assim também em ânimos infantis o gosto pelo belo degenera na
mania pelo adereço.

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Noções preliminares para uma teoria dos ornamentos (1793)
Karl Phillip Moritz
O adereço é contraposto ao que é desajeitado, à massa pesada, ao rude. O espírito humano é sempre ativo, ele
não pode tolerar massas regulares e mortas; ele procura insuflar vida nelas, ele cria e configura a partir de si
mesmo, desde o selvagem miserável, que esculpe o seu arco e conduz sua canoa com o remo, até o artista
mais sublime.
O que é isso senão o impulso interior pela perfeição, que se revela também aqui, que procura fornecer uma
espécie de acabamento ao que se encontra inconcluso e que não possui limites, por meio do que ele ganha a
forma de um todo. —
O mais belo capitel de uma coluna não sustenta e suporta melhor que a pilastra mais grosseira —
A cornija mais preciosas não cobre e aquece melhor que a parede plana —
O homem não quer apenas morar com prazer em uma construção — ele quer também contemplá-la com
prazer — e tantas mãos trabalham para o alimento do olho tanto quanto para o sustento do corpo. —
Por esse motivo, a arte pode se desdobrar incessantemente; pois o olho e o ouvido não se veem jamais
satisfeitos. —
Assim como já na visão do céu abobadado, da campina verde e da folha na árvore a alma, que se encontra
aberta a essa cena com sentidos serenos, se eleva e enobrece imperceptivelmente, assim também o menor
adereço bem pintado pode deleitar a alma por meio do olho e atuar imperceptivelmente sobre o refinamento
do gosto e a formação do espírito. —
Por esse motivo, a ânsia por enfeitar é um impulso nobre da alma, por meio do qual o homem se diferencia
do animal, que satisfaz apenas as suas necessidades — e quando esse impulso não é mal conduzido, então ele
é tão benéfico quando o impulso para a ciência e para a arte elevada. —
Quão grande é o impulso do homem pela beleza pode-se ver já quando ele, mesmo ali onde a beleza não tem
mais lugar, procura encontrar lugar pelo menos para o adereço.

A moldura
A moldura embeleza a pintura na medida em que ela a isola e a separa do convívio das demais coisas que a
rodeiam.
A beleza da moldura e a beleza da imagem fluem de um mesmo e único princípio. — A imagem apresenta
algo acabado em si mesmo; a moldura circunscreve novamente o que é em si mesmo acabado.
A moldura se expande para fora, de maneira que olhamos por assim dizer gradativamente para o santuário
interior, que resplandece através dessa delimitação.
Mediante o valor e a abrangência da pintura se desenha por si mesma a linha limítrofe onde a moldura
adquire uma aparência sobrecarregada e grosseira, e desse modo tudo apareceria como que oprimido.
Assim como a moldura na pintura, as bordas se tornaram em geral, por meio da ideia do isolar e do ressaltar
a partir da massa, ornamentos; a cerca e a cantoneira na parede; a faixa púrbura na toga dos antigos romanos;
o anel no dedo; e, em torno da cabeça, a coroa e o diadema.

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