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Ornamentos em ânimos infantis o gosto pelo belo


(Belas-artes) degenera na mania pelo adereço.
Como é certo que um uso comedido

S ão partes menores singulares,


que não pertencem à constituição
essencial de uma obra da arte, mas foram
dos ornamentos, acompanhado por um
gosto sadio, confere conveniência e
encanto a obras das belas-artes, também
meramente acrescentadas a ela para o é certo, por outro lado, que ornamentos
incremento da conveniência e, por assim sobrepostos e aplicados sem gosto
dizer, se encontram anexados à obra. tornam desprezível a melhor obra. Uma
Na arquitetura, os ornamentos são as jóia modesta e escolhida com bom gosto
estátuas, os vasos, as folhagens e outros pode ainda acrescentar conveniência
entalhes, com o que se enfeitam as partes também à pessoa mais bela; todavia,
essenciais da construção. Na eloquência onde tudo está repleto de penduricalhos
e na poesia são ornamentos todos os e jóias a beleza natural é obscurecida.
conceitos acessórios, pensamentos A um excelente crítico de arte os
conectados, episódios, que conferem ornamentos nas obras da eloquência
maior conveniência ao essencial; parecem coisas colocadas mais para
na música, são contabilizados entre agradar ao amante ordinário do que
os ornamentos as diversas maneiras ao conhecedor (*). Verdadeiros (*) “Cultu et ornatu
se commendat ipse,
(*) Ver “maneiras” - e modificações (*) que tem como conhecedores consideram em tudo o qui dicit, et in ceteris
modificações. [NA]
intenção meramente uma conveniência essencial das coisas e encontram o maior judicium doctorum,
maior. Os ornamentos podem ser agrado na perfeição; quem, todavia, não in hoc vero etiam
popularem laudem petit. »
removidos em todos os lugares onde possui sensibilidade suficiente para ser Quintiliano, Institutiones
foram aplicados, sem tornar a obra tocado pela perfeição essencial das coisas, oratoriae, 8, 3. [O orador
se recomenda a si mesmo
deficiente ou modificar a sua espécie. satisfaz-se com adereços acrescentados. pela elegância e pelo
Os ornamentos têm a sua origem no É certo, portanto, que os maiores artistas ornamento, e mesmo
que no resto ele venha
gosto inato pelo belo que há em todos em cada gênero também demonstram encontrar o juízo dos
os homens. Praticamente não há na a maior parcimônia no emprego de doutos, é nisso que ganha
as graças do público.
terra um povo tão rude a ponto de ser endereços. Nos edifícios gregos que [NT]]
insensível aos ornamentos. O homem restaram dos bons tempos da arte
ainda em parte selvagem encontra gosto encontramos apenas poucos ornamentos;
em colares, com os quais ele orna seus eles são empregados excessivamente
membros completa ou parcialmente nos assim chamados edifícios góticos
desnudos, e o pastor que vive na suprema da Idade Média, que se queria destacar
simplicidade da natureza adorna o seu por meio de beleza e esplendor.
bastão ou a sua caneca com entalhes. Não há uma parte da arte que exija
Esse gosto mostra que há algo de mais mais gosto e juízo do que essa. Procede
elevado e mais nobre na natureza humana bem o artista que, no tocante aos
do que na animal, que não conhece ornamentos, toma como sua a máxima
nenhuma sensação além daquelas que “prefiro fazer pouco do que muito”,
têm origem nas necessidades corporais. já que a completa falta de ornamentos
Uma completa insensibilidade em não torna deficiente nenhuma obra, mas
relação a qualquer ornamento denunciaria o acúmulo deles certamente a altera.
rudeza animal; por outro lado, um gosto Há certas obras da arte que
desmedido por ornamentos demonstra praticamente não permitem nenhuma
mediocridade e infantilidade. Assim espécie de ornamento. Onde se busca
como em espíritos medíocres a razão uma comoção intensa ou profunda do
degenera na sutileza, assim também coração, a saber, em temas patéticos e
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delicados, eles parecem não ter lugar. surgiram ou porque estão ali, como
Em geral pode-se estabelecer o seguinte observamos em grande parte nos artigos
como regra fundamental dos ornamentos: a esse respeito (*): e na maioria das vezes (*) Ver “cornija” - mísula
- consola etc. [NA]]
que uma obra suporta tanto menos eles servem para multiplicar a aparência
adereços quanto mais força estética de solidez. Por conseguinte, não foram
essencial possuir. Nas Filípicas de aplicados de modo leviano ou por mera
Demóstenes e nas Filípicas e Catilinárias obstinação; em quase todos os lugares
de Cícero não encontramos nenhum os ornamentos são simples ou de forma
adorno, que o orador romano talvez compreensível, então nem excessivos ou
preferisse apenas onde ele era menos opulentos; eles possuem um significado
sério. Em obras que servem meramente na medida em que servem para o suporte
ao entretenimento e em todo lugar onde o ou apoio, como as mísulas, ou para unir
conteúdo ou a matéria são em si mesmas com firmeza, como as pedras angulares
menos importantes, menos sérias, os ou as faixas contínuas e cornijas, ou
ornamentos podem contribuir bastante então despertam conceitos secundários
para o incremento da conveniência. apropriados como troféus, festões e coisas
O artista que leva verdadeiramente a semelhantes. Em nenhum lugar são um
sério ensinar ou comover não pensa em mero brilho, que meramente atrai a visão
ornamentos, que não podem contribuir sem possuir uma finalidade determinada:
em nada para isso; mas aquele que em nenhum lugar eles ocultam a forma
quer divertir precisa, quando a sua natural e a configuração simples das
matéria não é suficiente, buscar abrigo partes essenciais a que foram aplicados.
nos ornamentos. As fábulas gregas Em contrapartida, nas construções
atribuídas a Esopo e as latinas de Fedro posteriores dos antigos, realizadas pelos
são praticamente destituídas de qualquer sucessores do primeiro imperador,
ornamento; porque os autores levavam vê-se ornamentos que não possuem
a sério o ensinamento: ao contrário, em si nada das boas características
pelos frequentes ornamentos nas fábulas necessárias. Por meio do entalhe das
de La Fontaine, percebe-se que ele folhagens, partes que devem ser fortes
procurou mais divertir do que ensinar. e firmes adquirem a aparência de serem
O artista não tem apenas de julgar onde fracas e frágeis. Verifica-se entalhes e
os ornamentos têm lugar, mas também folhagens cujo fundamento não se pode
como devem ser obtidos. Quintiliano compreender; imagens talhadas em
disse em poucas palavras o que há para pedras angulares que poderiam conferir
dizer a esse respeito: “Ornatus virilis, a elas apenas mera imprecisão ou uma
fortis, sanctus sit: nec effeminatam fantasia excessiva e aventuresca. O que
levitatem, nec fuco eminentem colorem deveria ser reto ou plano segundo sua
amet; sanguine et viribus niteat.” Os natureza, foi rompido ou desfigurado
ornamentos devem ser viris, intensos em virtude do pretenso adereço, ou
e puros; eles não devem denunciar tornado crespo pelo trabalho de entalhe.
leviandade efeminada e também não Não é possível ser suficientemente
fornecer um mero lustre, mas possuir cuidadoso para impedir que os ornamentos
força e significado estéticos verdadeiros. não sejam aplicados no lugar errado, não
A maioria dos ornamentos se tornem sobrecarregados, não entrem
empregados na arquitetura grega pura em conflito com a espécie e o caráter da
podem ser indicados como exemplos obra ou com as partes a que deveriam
para o esclarecimento desses requisitos. servir de adereço. O que não eleva uma
Em quase todos compreende-se como parte essencial, confere apoio a ela ou a
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torna mais agradável parece condenável. pintor de teatro é o seguinte: que ele deve
Seria contudo de pouca utilidade levar em consideração a finalidade de
tratar com maior complexidade uma seu trabalho e não representar nada além
matéria que depende mais de um gosto do que é necessário para dar suporte
bem fundamentado e refinado do que à verdade da representação. Ele deve
de um pensamento desenvolvido. tão-somente prestar atenção para que o
Denominam-se também ornamentos olho do espectador considere o cenário
(decorações) aqueles eventos teatrais como o verdadeiro local da ação, e evitar
em que o local da ação é representado cuidadosamente que o olho não encontre
através de pintura: mas não de maneira nenhuma ocasião para se afastar da
apropriada, pois esses ornamentos não ação ela mesma, de modo a censurar
são elementos secundários com vistas ou admirar a decoração, em virtude de
ao embelezamento, e sim elementos algo artificial ou indecoroso, que esteja
essenciais que pertencem ao espetáculo. em conflito com o costumeiro ou que
Já falamos dos eventos teatrais por meio se destaque sobremaneira. Ele realizou
dos quais pode ser produzida para cada a sua parte da melhor maneira para o
caso a representação do local, e da escolha espetáculo quando o espectador não
(*) Ver “teatro” - do cenário (*). Não me encontro aqui pensa de modo algum no seu trabalho,
“cenário”. [NA]
em condições de dizer algo satisfatório mas assiste apenas às personagens
sobre as particularidades da arte do agentes e acredita se encontrar
pintor de teatro. No que diz respeito ao efetivamente no local do cenário.
gosto, o mais importante a se dizer ao (OT)

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