Você está na página 1de 46

.

1
.y fA R.E'Y$aM
l.p . u \ G,t
'D Ê,.. z.s'í E'r )c.R
'o$ Ç' ã.,o e, L e \ ( h s
'ro /.\J-T'E' çi
F''l Õ:.-ü'l l Ng
$. Ç) h-u l.,,o ,

À.'3 q')-.
(. ?:.$ a.A«'

Capitulo X
Lei,ttlra da obra de pote
..., OS PROBLEMAS DA ESTÁ'RICA
LEITURA DÁ OBR/l.DEARTE 203

contribuir:pat:a a penetração na obra, acaba por desconlleoer


.a pessoalidàde e a multiplicidade das interpretações e, pot
isso, por recomendarum absurdo e impossível conceito de
leitura e de fidelidade, como se a atividade launlanapudesse
despersonalizar-se e como se únic;devesse sel' não só a obra,
lhas a própria reevocação. De ouvia pai'te, a concepção gen'
tiliana utilmente recorda que cada nova leitura é uma nova
interpretação, e que são milllares as interpretações de.urna
mesma obra, sempre novas e diversas, de acordo com a diver-
sa personalidade dos leitores; alas acaba por conceber esta
inultiplicidàde colmoa consequênciafatal de uin intinlisino
arbitrária, e
que induz qualquer coisa a atividade suUetiva e i. .i.... 'ln
por desconllecei a realidade .imutável e constante da obra de
arte. Feliz no recoi:dat que toda operação humana, atê;â mais
receptiva, tem sempre.uln caráter atino, esta concepção acaba
criatividade, esque-
poi exageihr a atividade numa absoluta l l l ... !n na..ü z4/\
ceado que é difícil pensar numa receptividade mais atava do
que a leitura de:uma obra de arte, onde o receber é iec(instruir,

UllB:i =1='::==u'='=::=='z
l"':li: .:':::=:Vii===',:,«'':-',.'"'' --''q!.-
in, .ediscutir. lle ulteriores soluções. Agora trata-se de dis-
cutir brevementeos problenaasda fruição e da contempia-
.br..A OS PR OB ÇEMÀ S DA ESTÉTICA
LEITURA DA OBRA DEÀRTE 205

não se trata de limitam-seao corpo sensível da obra ou de


procurar qualquer coisa dentro, ou atrás, ou além dele, mas
de fazer falar o prÓPrio rosto físico da obra com sentidos es-
pirituais e de saber olhar a sua própria realidade sensível
como significado, uma vez .que o aspecto sensível da obra
não é nunca tão evidente corno quando irradia ó seu signifi-
cado espiritual, e o significado espiritual da obra ngo é nunca
tão profundo como quando é visto na sua encarnação f'isica
Em segundo lugar, é.preciso não esquecer o P.rihcípio
da mú/aa ímp/ícaçãó da eJPec acaÇ o e da/üncjoha// a e
dã urze,cola base.no qual na arte n8o há valores de arte que
não implihueh bÚtros valores nem os outros valores .estão
presentes de outro modo, senão contribuindo pára o valor
artístico, e a obra de arte exerce muitas funções não artísti-
cas, teóricas,t)ráticas, filosóficas, morais, políticas, religio-
sas, sociais e assim por diante, mas as exerce precisamente
do arte
como obra de arte; já que, por um lado, não.há obra ' ' .
eh que não penqçrea vida, arrastando os mais diversos valo-
o h6h OS PROBLEMAS D/l. ESTETIC/t
LEITUR/\DA OBRADEARTE 207

ra e autõhotüa natureza,"precisamentepara fixa-lo sem fal-


sear-ltaeos baços; mas aquela qt//eftlde não tonanada de
/paó's/v/dada, nem de inércia, porque antes ieptesenta o cume
de uma cz/ív/dada intensa e opeiosa, e esta /'eceprív/dúzde nã?
tom nada do abandono e do esquec:intento de si, porque é
antes po.s.sevigilante e imperiosa.
De fato,. ein priiheiro lugar chega-se à contemplação
atravlls de uin processo muito ativo de infe/p/"ezczção, que,
longe de abandonar-sepassiva e,supinamente à obra, buscou
cinto dg,yistq onde.colocar-se para olha-la: perscrutou-a
por todo lado, .deÊontou-a de mil...maneiras, interrogou-a
longamente.* insfãuróu uin verdadei{.o d próprio diálogo com
ela, feito de perguntas.e de.respostas, de.perguntas que se
souberant fazer e delrespostas que.se souberam captar, ten-
tou compieend$r-lhe Ó segredo, buscou a perspectiva mais
reveladora'e o aspecto Mais eloqtlente; em suma, desenvol-
veu uma atividade intensa e contínua. Toda esta atividade, que
exigiu unia iniciativa consciente.e. uin controle vigilante,

em que uma aspiração culmina, isto é, é mais o premio e a


recompensadé.um esfoi.çoejogiável do que a supressãode

' .
208 OS PROBLEMAS DÀ ESTÉTICA

Luraperfeita e Ruina totalidade indivisível, colhe a obra no


ato de chegar a ser como ela própria quem'iaser, de adeqt.tar-se
consigo, e de aprovar-se tal colho resultou; é .extreiüamente
atino este estado, que meiatem nada do abandono e da perda
de si, porque antes implica uma tomada de posse, uma afir-
maçãode dotnínio, uma verdadeira e própria conquista da
obra de arte.

2. Os problemas da execução.da obra de arte:.a exe-


cução e as várias artes. luas o quanto são ativa$ .a IQitu.ra e
a contemplação da obra de arte aparece sobretudo no fato de
que ler sigüificá executar,e executarsignifica fazer com
q.ue a obra viva de sua própria vida, torna-la presente na ple-
nitude da sua realidade kensívél e espiritual. Trata-se de uma
atividade semelhante àquela de quem.executa um texto mu-
sical ou dramático: chamar o texto à sua.vida e atear.a sua
realidade originária; tirar a obra da sua aparenteimobilidade
para devolver-lhe a sua pulsação; fazer cóm que aquele con-
junto de sons, de vozes, de.gestos q.ue o intérprete realiza iey'a
a própria obra;na sua realidade.'plena .eleoinpleta. Aquele
tipo de atividade que exercitãi:ü, .q\Jer.o intérpr.ete .nlusicall
"'' s àuaig, i\o ato .de tirar a
quer o intérpretediaólá:Ligo-:o ;. obra
i:lv::â ;i.::::=;:'p=:=::i=i=:=s?
:
é, fazem-na viver, devolve\n-ll\e a sua realidade -- aquele
tiPO de atividade, portanto, não é específico da música e do
teatro, mas estende-se a todas as artes. .
Esta tese não é conforme ao ponto de :vista correncçi
que peinlanece tenazmente aferrada à ideia de.que só a mú-
sica e o teatro iequereila execução, e de que, neste aspecto,
LEI'TURA DA OBRA DEARTE' .. '''
210 OS PROBLENIAS D/l 'ES'fÉTiC/!

mente aquelas estão confiadas a villa escrita simbólica pala


sei'êm deciâ'idas. Em segundo lugar', se executar signif'ica
apresentar uma obra ao público, salta para o primeiro platao
a distinção entre as artes que:gerallnlenteobtêm a gua exis-
tência e realidade artística somente no decurso de unia me-
diação entre ó púbJiéo e a obra e aquelas que, pelo contrário,
revelam a sua realidade artística sem a intervenção de Me-
diador'es: parece, portanto, existir üma distinção entre as
ai'tes que exigem a obra dos mediadores, colado:precisamen-
te são.a música e o teatro, e todas as.õ.utrnsque, não tendo
necessidade detal !mediador,.não exigiria:m.execução. Mas la
situação .não é tã.o n.ítida como parece .à.:.primeira vistas e
como parece ao ponto.de vista comum;.Impõem-se algumas
particul-arizações, dirigidas a distinguir três aspectos diver-
sos nisto que comumente denominamos 'Jexécução'':a deci-
fração, a mediação e.a realização; e mostrar.que somente esta
última contém o que é êsséncial à êxeêução, e. dlz respeito,
indistintamente, a todas ag artes.
No que se refere ao. primeiro. caso,.alntes.de. tudo é pre-
ciso notar que há artes que,.mesmo.oferec.ando-seà vista e
não ao: óuvidQ, :e por isso, mesmo a15regçntando-secom si-
nais..físicos que coãstityern seu corpo: e.iua realidade.,artíÉ.ri-
ca, são passívêiÉ de. notações convencionais' e simbólicas.
Trata-se, .como,õb.orttinamente.foi observado, da.ãrquitetura
e da dança; e é notável.observar due se trata precisamente
dos dois casos em que é, respectivamente, máxima .e.míni-
ma a distância entre a criação e a execução, Éorqué na«nrqui-
tetura o einpreiteiró é sempre diverso do arquiteto, e em to-
do caso eles têm funções bem diversas, enquanto na dança
com fteqtiência o dançarino é autor:e executor a uma ÉÓvez
e, em todo caso,o coreógrafo condiciona a própria invenção
ao dançarino :de que dispõe, criando de propósito as suas
dállças para ele. É certo qtíe se trata de notações convencio-
nais que nem sempt'esão tão precisas como as da músicae
LEITUlvI'D.40BRA DEARTE 2'1 1

as ]iteráiias, especialmei\te no caso da dança, mas é preciso


n8o esquecer que também na escrita alfabética, e ainda mais
na notação nausical,há mais aproximação do que precisão, e
que freqtlentemente o músico, ou o poeta, ou o dramaturgo,
sentem a instificiêhcia da escrita é das indicações e dãs
didasc.alias para transmitirem as suas intenções; e de muitos
irados manifestam esta sua insatisfação. De qualquer ma-
neira, a realidade artística da arquitetura e da dançapode vir
confiada a notações escritas, as quais podem até .permitir
que o apreciador ''leiam' a obra ainda não executada, execu-
tando,a mentalmente,.no próprio ato de decifrar a escrita sim-
bó[icã. Ein sega.indo iLiBar, ]er uma obra: de arte não significa
somente sonorizá-la, como pode parecer .a quem .reduz a
execução à decifração de uma escrita convencional, confia-
da a uma.página que,..deper si, não tem nada de artíéticot
Ler uma obra de arte podo também q\ierer dizer ''visualizá-
la'', já que a existência de uma pin.lura, no escutai está tãó
distante da sua existência artística quanto o Cita uma parti-
tura dà execução públ:ica de uma obra musical:. e toda a ati-
vidade.que se requer para passar da simples partitura de uma
peça musical à sua realidadeartística completa e sonora, re-
quer-se também para passar de uma pintura no escuro àque-
le modo de .perspectiva-lae dé ilumihá'la que Ihe realiza e
evidencia toda a realidade artística.;..Em.cada um dos casos,
tratam.gede gonbrilzar e de visuálizarda madeira querida pela
própria obra, de modo a fazê-la viver como ela própria quer
viver. Sem dúvida, isto diz resi)eito a todas as artes, mesmo
às vis\tais, nas quais o olhar não se limita a registrar passiva-
mente, mãs realmente ''executa'', isto é, reconstrói a realida-
de viva da obra, multiplicando as -perspectivas, escolhendo
os pontos de vista, dando maior relevo a certas linhas do que
a outras, notando os tons e as relações, e os contrastes, e o$
relevosl e as sombras, e as luzes, em suma, dirigindo, regu-
lando e oÍ)orando a''Visão''
212 OS PROBLEMAS DA ESTÉTICA

No que se refefê ao segundo caso, é preciso reconhecer,


em primeiro lugar, que o número das artes que podem exigir
a intervenção de um mediador é maior do que parece à pri-
meira vista, o que reduz em muito aquela distinção, que so-
bre este ponto parecia radical, entre o teatro e a música, de
um lado, e todas as outras artes do outro. Eis, antas de tudo,
a poesia, que numa sociedade analfabe.taex/gê.o mediador
e, numa sociedade culta, o de.9cga,colho atestam oi diversos
casos dos rapsodos e tios cantadores popiilêrés;doéjograis e
dos modernos diz.odores.ou declamadores..É evidente que
onde a.escrita é universalmente ignorada, .a poesia.ngo.tem
outra- existência s.anão a&l.uela.sonora, isto é,. a su.a.&ei'dadeil'a
e própria realidade artística, que gd oferece ao ''leite)r''l ou
melhor, ''ouvinte'', diretamente; seno necessidade dd nenhu-
ma decifração, mas precis4h.ente porque há á mediação do
executor. E lá onde todos poldein ter acesso diretdmente à
poesia, porque esta circula amp:lamente em livros impressos
que todos sabem ler, pôde nascer o g(.isto de execuções par-
ticulareil que a realizam em determinadàÉ interpretações:
renascem, então, os inediadorés também na poesia,não mais
expressão de uma primeira. necessidade,.luas de uin luxo
tefiõ.ado. Além dias(5,eis o .ças.odas pr6priag artes visuais,
já que ob.ra de mediador, se bem àue hãõ:.cha.tnativa, é a dos
diretores dos museus ê dós orgáni2â.dói:es: de éxposiêões,
qüe aíhbientam e il.utninaha.ó quadro e a egtátüa,.prepafá.ndo
e sugerindo o ponto de.viità de onde olha-lósl e a dos.ilrba-
n.iscas,quando criam em torno de um edil(iio ou de um mo:
aumento uih ambiente congenial, que .o faça viver.no seu
mundo, ou o coloque no relevo apropriado, ou dele ofereça
uma perspectiva iluíníriànte e reveladora; e a dos cineastas,
q\i:ando apresentam,.nula documeiltáfio, UHa obra pictórica
ou 2\rquitetânica,aproveitando as possibilidades oferecidas
pela objetivo e pela mon:vagempara fornecerem um olho in-
teipretatate e pala realizarem, de ulll !nodo bem mais amplo
e mais eficaz do que o:possível ao olho e aos olhares do
LEITül\A DA OBRA DE ARTE 213.

homem, aqt.tela ''dança''.em torno do monumento que gabo


transfoiinar.
a imobilidadeein movitnentoe o espaçoeill
tempo. Somente naquelas que denominaiei ''artes figurati-
vas imóveis'' falta, iQteiranlente, o mediador: ho cinema e
na danêã, efetivainente, a .obra nasce caiu o espetáculo e nêle
se exaure, somente ali está acabada, completaineiite presen-
te nos sinais Hsicos que se sucedem no tempo sobre a tela ou
sobre o palco. O inteiro .de um filme não é um texto acabado
para ser executado, mas uma etapa do processo criativo: os
atores cinematográficos e os. dançar'idos não são, propria-
mente, executoCes=intérpretes de uma obra já acabada,mas
du. ''matéria'' nàs ihãds:do diretor e do coreógrafo, ou. Cola-
boradores da sua criaçião, quase co-atitoreg, ou, na verdade,
matéria-e .autores.a um 96 tempo, caso interesqánte de autor.
que inventa e êi'ia a.dotandopor matéria o própri.o corpo. A
realidade artística do filme e da dança consiste inteiraítleiite
na película enquanto prajetada sobre a tela e na sucesbgode
figuram que o dançarino .traça com o próprio corpos salvo os
rai'os casos de notações para çonservai uma dança;-não há,
ein tais artes, iim texto que sda completo, independente-
mente da realização que Q autor faz, e que, poi' isso, exija a
obra dõ modiad(i)r.Em segundo.!usar, é preciso não esque-
cer que.:erratodas estas artes a.intervenção do mediador não
é indispeJlgável: taht6 é:.verdade que, e= algumas. ar.tés,vai
desaparecendo, como na poesia; em outra.s, apresenta:se so-
mente emceítas cifêünstâncias, doma nas:artesvisuais; tamr
bém lá onde parece principalmente hecéssáriC),como da músi-
ca e :no teátró, algumas vezes falta, no setatido de que o pró-
prio autor é executor, e a obra nasce diante do público no
p{(5prio ato da apresentação, de modo que o atou é mais autor
que mediador: é o caso da c0/7zmed/ade.l/ 'óz/,fee da inapiovi-
s.açãomusical, onde o ca/lovc/co/o' e o telha não são textos

1. Na cona/7ted/a í/e//'ü/'/é é o relIDo que designa umn espécie de está'u


Lula da com!)osição gei'al da peça. (N. da T.)
214 OS PROBLEMAS DA ESTÉTI'CA

acabados,que enquanto tais trailsfornlain todo intérprete em


mediador', alas getines e esboços, e, portanto, etapas do pro-
cesso criativo.
Urna ulterior reâexão sobreestasduasúltimas observa-
ções inostrat'á ainda mais .dai'anlénte que a execução não se
reduz à obra;dos nlediadoies. Cóm efeito, ein primeiro lu-
gar, a mediação absolutamente não substitui a execução.,
unia vez que, enquanto é inseparável da execução é ''realiza-
ção'' dada pelo intérprete públíéo, não dispensa da execução
que o espectador ou o.ouvinte devam dar por conta própria
se, de algum.Díodo, querem ter acesso à obra: Ver um drama
no teatro, ou ouvia cun conceito no auditório, não dignifica
limitar-se a registrai'passivamente,porque o vei'e o ouvir pres-
supõem o olhar e o escutai, isto é, implicam que se dê uma
execução própria da obra que se olha e que se escuta, execu-
ção (jue a faça viver segundo aquela vida que o espectador
ou o ouvinte consideram que lhe seja própria. Com respeito
a esta execução do público, a dó mediador se encontra.na
condição dúplice de propor-se a dirigi-la e de solicitar sdu
julgamento. Com efeito, por um lado o Mediador,longe de
substituir.a própria execução.àquela .do público, antes pre-
tende facilita;la; sugeri-la, iegulá-la, e por.outro lado ó es-
pectador e ó .ouvinte, para.julgaiein acerca da execução do
tnediador, não têm outro critério a não sei sua própria exe-
ct\ç8o, que, para eles, coincide cona a mesma obra. Além dis-
so, quando falta mediação, Hein por isco cessa a execuç:ío, o
que mostra o quanto aquela é contingente é inesgencial, e o
quanto esta, .pelo contrário, é indispensável e necessária. O
teatro lido será muito diferente daquele visto ou ouvido,
mas também ele almqa unia reconstrução, inesnao que ideal
e interna, do espetáculo: o sagaz leitor de diarrlas, nascidos
para o espetáculo, ngo cometerá o e:rro de lê-los como se se
tratasse de un] texto conaposto s6 pala a leitura, a maileita de
uin romance, mas ilá ailiJná-]os sobre una palco ideal, confe-
LEITURA DÁ OBRA.DE'ARTE 215

Findara cada palavra aqt.telas\lbsídio do gesto e do tonacom


que ela fo:i, oi'iginal'lamente, concebida. Ler um dratlla é o
mesmo que ler uma música, para o naúsico hábil, que per-
cottendo a partiu.uaconaos olllos sonoiiza-aillteriormente,
superando,de unl salto. a instruinentalidade da notação e
tornando o pentagrama ti'ansparénté para a i'validade sono-
ra. E não consegue apreciar a poesia quem, ao lê-la, não a
sonorizâ.;interiormente, isto é, não a proferir dentro de si
coinoacredita qqe ela queira ser prontlnciada, porque as pa-
lavras nãó são verdadeírainente tais se estão desaconlpaíüa-
das da salacondição coipóiea, se não são restituídas àquela
voz qtle: o.riginariamente as proferiu, se não são interpreta-
das coiü a ênfase, a entonação, a mííüica que elas reolamana
e em que desejam ser encarnadas . Esta execução intei'ior po-
derá sei imperfeita, e quem a realize poderá ser incapaz de
extrinse(5á-la daquelainterioridade em que a limita, mas isto
não muda a naturezadas coisas.
Todas estás observações cértainénte bastam para mos-
trar que a execução não se reduz a decifrar ou a mediar. Es-
certa-
tas operações são casos particulares da execução, que
mente levantam graves problemas, como o da insuficiência
das notações musicais, o da importância que lla poesia.pode
ter a página vista, o do influxo da presença de ltm público, o
da especial técnica do executor-mediador, em que sentido
ele pode ou.deve seí chamado artista, em que relação estão,
nele, a invenção e a repetição; a espontaneidade e o automa-
decifra-
tismo, a expressão e o exercício, a interpretação e a . . ' .

a orla viva de sua vida própria é o faz ser na sua nlesnla rea-
lidade at'tística- diz respeito a todas as dites, e não se teill
acesso à obra a ngo sei executando-a. Quando, portanto, pa-
216 OS PKObLEUAS OA ESTÉTICA

ia aludir a esta n.ecessidadede execução que a obra de arte


enquanto tal possui, faz-sé referência à música.e ao teatro,
isto acontece porque eln tais artes esta ''realização'' tem um
aspecto mais evidente e aparatoso, e.por iss.omais apropria'
do para exemplificar e concretizar uma ideia .geral,.e não
porque a execução si.gnifique decifração ou mediação,.aspec
tos que na .música, no teatro e também.em outras .artes.apa'

recemjuntos como o da ''realização'', mas que, dõ m:odo al-


gum, identificam-se com ele.

3. As relações entre obra e execução A obra de arte,

ou â.presente-!a a um: público, não basta ''deixa-.la ser'' nesta


sua realidade artística? A execução não se arrisca ases um
acréscimo indiscreto e estranho, destinado inevitavelmente
a sobrepor-se a ela e a falsear-lhe os verdadeiros ljneãmen-
exige
tos? À resposta,sobre*esteponto, é simples: a obra .f. . :

execução porque ela ndice executada. .se uma peça de .=usi-


217
LEITURA D''A'OBRADEARTE
218 OS PROBLEMASD/\ ESTÉTICA

ilaam que a obra, de.per si, é uma realidade inerte, um corpo


inánirüado, unacadáver sem vida, ao qual é pí'Coisoinfundir
nova vida e enaprestai novo espíi'itoj e é precisamente este o
oficio das várias execuções,.q\te, colmo numa espécie de me-
teinpsicose, oferecem-llle 'reaninlaçõeÉ teinporál'ias. Mas,
contra estemodo .de ver, é preciso i'acordar.que executei não
significa, exatameJlte, nem acczóczr,isto é, prolongar 't.lm
processo incompleto, nem ihfundii /lava v/da a tim coi'po
irei'te: significa, porém, ó/a/'uma obra, na plenitude da sua
realidade tanto espi!'igual colho sensível, quemsda visual quer
sonora, eJ2zzé-/cz v/vel' da su4 própria vida, daquela vida. que
o autor tule deu e cjuese trata de despertei',.daquela vida com
aqual ela nasce e. da qutil ela quer continuar a viver ainda.
Uma realidade inconapleta, antes.dé iBais nada taco poderia,
a.rigor, ser ''executada'', uma vez qu;e executar significa pre-
cisamente dar .unia obra /za sz,/àínfe/reza: quando muito po-
deria ser, precisamente, ''acabada'', isto é, dotada daquilo
que Ihe f.alta.levada a seu teimo natural, provida do se.uçoin-
plemento. Daí fica logo evide4)teque acabar é coisa cotnple-
talnente diversa de executar,já que o acabar pressupõe uma
insuficiência e implica um complementa bei l preciso e do-
tei:nlinadb,lêhquanto o executar pressupõe a perfeição e se
cohcreti2la numa ]nultiplicidade .inexãurívêl de exec.uções:
enquanto o incotnpleto s6 .pode ser completados e ainda.mais,
completado.daúnica maneira exigida pelo seu pt6prio ina-
cabaniento, aquilo que é perfeito; pêlo contrário, exige exe-
cução, e precisamente ein virtude da suaperfeição é suscetí-
vel de execuções sempre novas, diversas. Aluna disso, uin
corpo inerte não tem tanta.força para exigir, ou melhor, soli-
citar a execução, isto é, o ser dado. /lcz .çua \i/da, porque, de
preferência, sofreria passivamente qualq\.ter àrbitiário trãta-
ilaento. ao qual se quisesse subnletê-lol A execução é a ativi-
dade que unia realidade., poi' sua vez atiça, dinâtnica .e eficaz
exige pat'a ser coHuniczâdâe i'econhecida como tal, de modo
LEITURADA OBRADE ARTE 21.9

que só. unlà-realidade viva está em condições de solicitam


uma operação tão atiça quanto a execução. Além disso. a
vida que a obra espera da execução é a sua própria vida orí.
ginária, que, simplesmente. exige ser despertada, e não uma
vida qualquer',mesmo que nova, ou melhor, arbitrária, como
a que se quereria infundir num corpo :inerte. Bm suma, o ca-
ráter extremamenteativo da execuçãopode induzir.a duas
balsas opiniões, muito mais difundidas do que merecem:
{be a obra é uma realidade incompleta, cuja leitura, levam.
do-a ao acabamento, exalta o leitor a verdadeiro co-autor pro-
priamente dito, ou que a obra .éuma realidadeinerte até que
o contemplados não á resgate da morte, vivificando-a com o
seü olhar; Com isso se esquece que só. aquilo que é acaóczdo
e v/vo tem a força. de exigir a execução, isto é, q\.íe sqa dado.
na sua inteireza:e na sua vida.
Mãs, dir-se-á, se aobra é verdadeiramente v/vcz,a exe-
cução dão gera alguma cc)isa de secundar/o e .de .s'upé/yZuo,
uin reflexo passageiro e momentâneo desta sua vida, que.é.o
único que é real? Assim arguinentain alguns que vêem na
execução nada além de uma cópia ou de urna reprodução,
feita s6 para fins práticos e com a única função de suscitar a
lembrança e a nostalgia do original, isto.é, uma realidade que
renuriéia à.pr(Spriaautonomia e se contenta com uma exis-
tência temporária e instrumental. Contra es.t;adesvalorização,
é necessário recot:dar que a execução ceí'temente não preten-;
de sel autónoma.com relação à obra, mas seguramentenão
renuncia.à vida daquela: ela não se contenta com /'ecordczra
obra mas quer, antes, .çe/'a própria obra na plenitude da sua
realidade, serBíVel e espiritual, e também não se contenta
com ser uma c(5p/czdela, mas quer, antes, ser a rea/idade
p/ena e V/vzz
da obra. E,:dir-se-áainda, se a obra está verda-
deiramente czcczóada;ela não tem necessidade arguida de
exécuçãoj a qual portanto, quando existe, seria uma ;'ecz/ida:
de nova e d/veria, qué se acrescenta à obra ou: na. x/erdade,
220 os P-kOBtEmÁS
/ DA ESTÉTICA

pretende substituí-la. Assim, por exenaplo, àqueles que vêem


na representação teatral uma obra nova com relação ao texto
do drama, que, em $i, está concl.uído e completo. }\4asquem
afirma isso esqueço que a.obra exige execução prece.s'amen-
/e .pó'/"queestá acabada e perfeita: a sua necessidade de exe:
cação não s6 não ti:ra nada da sua completezá, ma!, antes, é
parte integrante dela, já que em tal completeza está contida
a execução originária que o aut.or Ihé dava enquanto a fazia,
e que ela mesma pretende do leitor como condiç.8o do aces-
so a ela. Assitn também a execução não pretende acrescen-
tar coisa alguma à obra de .arte,ou mesmo substituir-se.a ela;
antes, ela pretende se/' a obra de.arte,.na sua verdadeira, aca-
bada e perfeitareali:dado.
Analisando. beml portanto, o inténtó .da. e.xecução .en-
contra-se com o próprio desejo da obra: a obra.quer continuar
a viver da vida com que originariamente nasce, e a execução
não quer viver senão da própria vida da obra. E assim como
aquele desejo é essencialpara a obm., assim est;e.intento é
essencial para a execução:.a execução extrai vida da obra
enquanto a faz viver de sua vida originária, e a obra não teM
outro modo de viver a não sei' aquela execução que somente
quer viver de sua vida..Desse modo,::o:bra e .execução coinc!,
dent aré se ídenr4l#careú: a realidade e a.:vida.de uma não é
sen.ão a realidade e a vida da t;uti:a.,Por ulln lado; a execução
é o ú/zíco modo de }'íver da oê/"a:.a obra s6 vive nq bétlie.das
suas execuções, .dando vida a. todas e se identifica.ndo eH
cada uma; e não se dirá, deveras, .que a poesia e a música vi-
vem na página impressa, pois que s6 ''vivem'' naquele.com-
plexo sonoro a que dá lugar a sonorização quer externa, quer
eterna; nem se pode dizer que uma pintura ''vive'' sem soli-
LEITURA DA OBRA DE ARTE 22 \

forma se apoderou da obra, que se identifica com ela: o exe-


cutor estuda a obra em todos os seus aspectos e pretende dó-
/a pomo ela própria.quer .çe/" e, para tanto, experimen.ta e
reex$erimenta a própria execução; e quando Ihe parece que
esta atingiu o seu objetivo, ela nãó é, para elê, nada de diver-
so da obra, éí antes a própria obra na plenitude da sua reali-
dade sensível e espiritual.
Acerca deste ponto, é preciso prestar atenção para não
cair num fácil ''atualisho'', que da excita Constatação. dê que
a obra não \,'/ve senãonas próprias execuções, id.entifican-
do-sé óra com ürüa ora com outra, tira a ilegítima ct)nseqtiên=
cia de que a obra.ie-/'aduz às próprias execuções, dissolven-
do a .própria única realidade na sua naúltipla cxistêociãi Na
verdade, é demasiado numerosa a fileira daqueles que afia--
mam que, propriamente, não existe a Paférlc;ade Beethõveh,
mas apenas, de tempos em tempos, a Pa/é/íccz de .Cortót; a
/)aféf/cczde Backhauss, e assim por diàntel Da evidente cons-
tatação de que a realidade artística da /)a/é/íoz2 nãoreside na
sua ilaerte e muda partitura, mas se desdobra, em toda a sua
exe-
plenitude, precisamente no momento das suas diversas . . :
cações, há quem se sinta no direito de abandonar-se àquelas
afirmações extremistas e perigosas, além de falsas e incon-
oludeãtes. Quais são ós perigos inerentes a afilhações do
gênero, vererüos examinando a teoria da arbitrariedade da
execu-
iàterpfetação. Esquece-se.4ue à presença da obra na 1 !

ção que dela-se faz não é uma identificação pela qual a pri-
meira; sê r.educa à segunda, sem resíduo, mas é .uma pre?en'
se:dizer
ça normativa e judicante. Ma:is precisamente, pode
que a coittcidên.cia de obra e execução não exclui uma tratts-
222 OS PROBLEMAS DA ESTÉTJCÁ

rio dejuízo, isto é, estimula-as todas, regula-ás no seu curso,


aprova-as se adequadas, denuncia-as se falidas ou arbitrá-
rias, entrega-se soberanamente àquelas que a revelam, mas
subtrai-se àquelas que a traem: em suma, a obra se rende à
execução que sabedá-/a, identifica-se com aquelas qué 90u-
beram;colher a sua vida. Há uma verificação deste fato, e é
que diante de uma obra que conhecemos pela primeira vez,
através da execução, n6él conseguimos formular, embora
i'udimentar e imperfeitaúenté, limjuí20 acerca da obra e um
juízo acerca da execução. lstopode pzifêcêlrestranho: de fa-
to, como julgar a obra se s6 a:coühÊcemos:mediante esta
exectiçião?E como julgar a exêcuêãói se não a 'distinguimos
da obra? E, na verdade, este duplajuízo é possível precisa-
mente em virtude dó fatal de que.entre a Q.braé a süa execii:
ção .há, à um s6 tempo, identidade.e.transcendência:a exe-
cução é a própria obra e, ao mesmo.tempo, não é senão zzpla
execução dela, e a obra é esta sua execução, Das, ao mesmo
temPO,:é juiz e norma dela: Enquanto a execução é a própria
obra, é poésíve]julgar a obra através dela; enquanto a obra é
norma da execução, ela oferece uM oritéfio para julgar acer-
ca ããexecução.
Se esta é a estrutiiia da exec\iéãoj dual o dever quedelá.
deéórfe, etn.concreto, para o":eiéêbt6i', gaja urü leitor diféto
seja.um mediadora entre a obt.a é.o p\iblico? Dar a obra como
ela própdã quer. Élé tém ÜMa üorilhalêlatà e preêisal a própria
obra..Basta que ele a obriguéa rêvelâr a sua execuéã.ocón-
gênita e originária, isto é, à vida bóú"dué ela nasce e da dual
quer êontiduar a viver, o modo pomo éla quer viver ainda e
sempre. Costuma-se dizer: é preciso executar as obras como
o autor as executaria; a /)a/é/íca está executadacomo o pró-
prio Beethoven tê-la-ia executa.do.Nada mais falso: não é

mudanças trazidas pelo tempo, pelas circunstâncias e pelos


instrumentos, há sempre o fato, bastante frei:ciente: de que c
LEITURADAOBRA DEÀRTE

próprio autor pode enganar-seacerca


um mau Juiz acta, pior interprete e pesa
i

liso ir mais fundo:penetraria oficina


à sua criação, .escutar com ele as exigêpç.mil
obra no atõ de regular a sua própria foCmqç.ã811
gue ser ]ei para o executor somente se IhQ
do autor quando a fazia: assim (tomo a obra:.flç?.
ta a fazê-la como ela própria queria que ele li!
ela solicita o leitor ou o mediador a executá-
prla quer ainda existir.Isto significa q
da màii. à obra ertquattto formante do que à obz'd;
Jormàda; É certo que é bem a obra, na suacomplq
preciso executor e fazer viver na plenitude da sua
mesa plenitude.desta vida é aq\ida querida pelo d
intefnodaobra, dà própria obra enquanto é, ao me.
'poi lei.t resultado.db processo da sua foanaç8
será assim autorizado a melhorar a obra naque
res em que é) autor não soube obedecer plenamente àsl.ç81f
gências da própria obra - o que poderá, talvez, conter algum
berigój:mas no. fundo é uma operação da mesma natureza.
daquélâ.do. crítico, que desapro\'à algum aspééto part;ieulâí'
de unia obila bém-sucedida ho seu conjunto, já que ele.coÕ-
seguéfai:er isto: comente enquanto compara a obra ty .corpo
ela .é: cbm à obra tal colho ela pr6pria queria ser. É nesta
do
coübaraçãd qué reside quer o critério e a posei.bilidade ' .

juízo sobre a obra de arte, quer a lei e 8 possibilidade da exe:-


cação da obra. E trata-se de um critério e de uma lei extW-
mãHente sólidos e evidentes, como é firme e evidente a rea
lidado artística da obra de arte para quem soube olha-la e in-
terroga-la.

4. Os problemas da interpretação. A primeiraldojs.õ


que salta à vista no fenómeno da interpretação é a sua bÚn .
dado: a interpretação é infinita quanto ao seu número g aç)
224 O$PROBLEMAS DA ESTÉTICA

seu processo. Por um lado, não la.áintetpretaêão definitiva


alem processo de interpretação que, alguma vez, possa di-
zer-se verdadeiramente acabado: a série das revelações; não
está nunca fechada, e toda proposta de interpretação é passí-
vel de revisão, integração, aprofundarüento, e. há sempre
alguma nova Gire\.Instância que a desmente, ou limita, ou cor-
rige: cada vez qué se relê uma.obra, o processo de interpre-
tação qt.ie se mantinha fechado reabre-se, e.tudo é recoloca-
do em questão; mesmo aquilo que se coríiervoil da primeira
interpretação é prófundamehte mudado; acolhido dum novo
contexto e integrado por novas deé]cóbeftas. Po]' outro ]àdo,
as interpretações Éãó muitas, taútág qual:tas ás pessoas que
se aproximam de uma deter'minadaobra;.e.atémais, sepen-
sarmos nas mudalaçasa que, no ctlrsó ;de sua vida, uíhã
mestra pessoa é Invada, sob o estímulo dé novas circuiístân-
cias e de novos pontos de vista: não é sefh lazão que, quando
se fala de matéria interpretávõ], pensa-se .logo no .dito fof cc2-
p//a fo/ sen/en//cze,já que a interpretação é,'gérarfhente,qua-
lificada pelo possessivo, ''minha, tua; sua interpretação'',
sempre persoflalíssima, por isso múltíp.la, bu melhor, infinita.
Destes dois fatos dãó-se ekplicaçõqé qbe, parecendo
óbvias e muito naturaibl-geràlínente sãó ãtieitás e repetidas,
mas que, na realidade, aéabãmlÉor ofuêéàrltódá a questão,
de modo que serial oportuno desembaraçar delas o tei'feno
desde o início, se a sba falsa aparehêia«d:everdade e a força
do hábito não tornassem bastante dif\cil a extirpaçãó. Portih
lado, diz-se que a interpretação, por aquela siÂãnatureza que
Ihe impede de se apresentarcomo definitiva: é, no fundo,
somente uma aprc>x/mação:ela nunca atinge o coração do
seu objeto, não faz nazis que girar em torno dele, deixando
con-
escapar a sua essência profunda e seu íntimo segredo,
tentando-se com colher.algum aspecto periférico e limitan-
do. se a um conhecimento impreciso e parcial. Por outro la-
do, diz-se que a interpretação,poi aquele seu caráter pês
LEITURA..DÁÓBRÁ DEARTE 225

soam,e portanto múltiplo, é o reino da it(Z#e//t'/dczde e da f'e-


/a/zv/dada: ela não nos dá a realidade do objeto, mas a ima-
gem que nós fazemos nele, ou com o sobrepor-lhe as nossas
mutáveis reações e,..por isso, vendo-o através de uma lente
deformante,ou com o dissolvo-lo na nossainterioridade e,
por isso, desconhecendosua obletiva independência; com
isso não fica nenhum critério para julgar as diversas inter-
pretações e para preferir uma à outra, mas elas são«indife-
rentes, todas aceitáveis e todas igualmente legítimas.
Estas.duas .concepções têm o efeito de desvalorizar o
conhecitnento ihtçi'pretativo, confinando-o no.: campo do
impreciso,.do arbitrário, do rüutáve], do relativo. Evidente-
mente, originatn-se dos dois pressupor.tos seguintes, impli-
citamente afirmados ou abertamente declarados: em primei-
ro lugar, que um conhecimento s6 é pleno e completo se é
único, de Modo qué onde ós modos de conhecer são muitos
não há senão aprokimaç8o, e, em segundo lugar, que a natu-
reza pessoal da interpretação é uma condição fatal e iiitrans-
poníve,l,l que Confere a todo o nosso conhecimento um cará-
ter irremediaveltnente subjetivo. Deste ponto de vista, a
notada característica da interpretação, de ser infinita quanto
ão número é:ão processo, é considerada como uma desvan-
tagem.ihíciàl. e decisivas e se a arte é urna das regiões mais.
vastas.do amplo reino da interpretabilidade, por isso mesmo
ela vem abandonadaàs consideraçõesm.ais imprecisase
aproxiínativas e aos tratamentos mais subjetivos e arbitrários.
O erro destes prejuízos é o de conceber a precisão, a
evidência, o acordo, as leis e os critérios de moda tão mate-
rial e aparatoso; a ponto de nelas não saber encontrar algum
onde estala 'vigente a variedade e a multiplicidade do pensa'
mento, e o de converter em defeito e desvantagemaquela
que, ao contrário, é a condição feliz e a incoinparáve! rique-
za da interpretação, De fato, a /nferp/'efação é o encon/ro de
z,//laapes.s'oacon? !./;?la.jo/'/?tcz;e se p.ensarmos que tanto a
226 'OS PROBLEMAS DÀ ESTÉTICA

pessoa quanto a fotrüa não são realidades simples, nuasnão


um infinito encerrado em algo de.definido, teienlos, de
pronto, .a ideia dõ quanto é positiva a idfinidadeda interpre-
tação, a ser considerada antes colho .inexaurível riqueza do
que como ojreino da imprecisãoe da arbitrariedade.A
forma temi uma infinidade de aspectos, cada um dos quais a
:contém inteira, aiesttlo não Ihe exaurindo a infinidade; e a
pessoa pode adotár infinitos pontos de vista, isto é, concreti-
zar-se nona infinidade de ólllates balde tnodos do ver, cada
um .dos quais contém sua espiritualidade.inteira, mesmo não
Ihe exaurihdo todas as possibilidades. A .i.interpretaçãoocor-
.re quando se instaura uma simpaÇiq, uma congeniajidade,
uúa sintonia, ulh encontro entre; unl .dos infinitos aspectos
da forma e um dos:infinitos pontos de vista dá t)escoa: inteC-
prqtar significa c.onseguir Éintoni.áat' toda a.rêàlídade de uiva
forma através da feliz adequação.entre utn:dos getasaspectos
e a perspectiva pessoal de queih a o:lha. Em.resumo, é esta a
está:aturada intorpietação,.que basta para iúogtrar o quanto
são inadequados e injustos aqueles modos de concebê-l.ae
para explicaráei:nprimeiro lukab goma.a interpretação deve
ser um processo .i.nfinito e sempre' passível de revisão, sem
pt5r.igsó.:assumir :utn çarátdt' de meta,aproximação; e como
ela deve ser núlti.pla e sempre .nova e:diversa, sem por isso
cair no .subjetivismo e no relativisiho. «

5.. Infinidade do processo Interpretativo. Em primei-


ro lugar, a interpretação exige um .pPoóe.ç.s.o.
Com efeito, tra-
ta-se de sintonizar um ponto de vista pessoa:lcom um aspec'
com
to da obra, e é preciso proçulrar esta correspondência,
uin esforçohábil e atento,vigilante e controlado,dúctil e
preciso, agudo e multiforme, gongo a revelação não aconte-
ce e a vontade de penetração fica frustrada, desembocando
na incompreensão. Este l"isco perna/zeníe da íncontpreen-.
são é essencial e constitutivo da interpretação, que sõ e oem
LEITURA b.A OBRA DS ARa'8 zza

sucedida como vitória consciente e superação aviva da contí-


nua ameaça de mal.obra que a espreita no decurso de seu tra-
balhoso processo:
O processoda interpretaçãoconsistenum movimento
que vai pouco a palco representando os esquemas cle uma
imagem destinada a revelar a verdadeira realidade da obra;
tempos, com
põeinos à prova comparando-os, de tempos eln
as descobertas que a obra fornece se devidamente interroga-
da; descartaos' falsos, integra os íhcompletoê,corrige os
inexQ.tós;,:-melhora ob defeituosos e escolhe: os adequadost
cuida dé óâo ãfrótlxar a atenção, de evitar a impaciência e a
precipitação, de conservar sempre aberta a p.ossibilidade do
conâonto e da verificação, áté que não se alcance a desco-
berta, .isto éí a precisar a imagêtri qué É)reside àverificação e.
dá a obra colho ela quer aparecer e revela sua realidade ver-
a ima-
dadeira e ptofuhda; então não há mais.dist.unçãoentre . -J- .

mais
é a ot5raque se revela nela. A imagina bem sucedida, J!...
'dó- quecaptar,
-''- ou. representar,
. ou
. dar
. a obra,.,,.-.
pode-se dizer
:--.-,..
..,q Q OS PROBLEMAS DA ESTÉTIC.A
LEITülU DA OBRADE ARTE . ' 229
arbitrária
as quais, no entanto,. acàbain falseadas por aquela
e iinodesta presunção. Pretender ter compreendido definiti-
vamente uma obra é como pretender compreendê-la a um
primeiro olllar: assim colmoa obra.de arte só se ófelece a
quetnconquista o seu acesso,também ie feclaaa quem quer.
monopolizar a sua posse.Com efeito, poi uin lado, não há
compreensãoda obra senãoatravés de uin processo de inter-
pretação, porque se pt)de olhar sem ver e procurar sem en-
contrar, idas não encontrar sem procurar neill ver sedater
atilado: e inebino nog raras casos .de compreensão quase lnle-
diata .não é que tenha faltado o movimento de 'acessoe a
busca interpretativa,.porque se deve recoithecer, antes, que o
olllar estava:preparadopor uma afinidade eletiva ou por un]
longo exercício, a.ponto de criar como que olha espera e de
abrevia,[«oÉ)roçéssona rat)idez de um ato de p.articular pede'

'.
230 OS PROBLEMASDA ESTÉTICA

próprio ato de ser um processo infinito: de unir.ao mesmo


tempo, numa síntese que parece paradoxal e não facilmente
explicável à primeira vista, o conhecimento de uma posse
firme e a consciência de ainda dever procurar. Por um lado,
o intérprete está certo depossuir a obra: para ele, a suaiiitor-
prêtaçãó éa própria obra, antes de tudo porque não pode ver
a obra fora da execução que ele Ihe dá, nem portanto proce-
der a um absurdo confronto: é depois porque o seu.desígnio
não era o de dar uma cópia da obra, üas o de colher a pró-
pria obra na sua realidade, de modo q\,íeei.e.não pára senão
quando a imagem Ihe parece tão reveladora a ponto deiden-
tificar-se com a própria obra. Por o\itro lado, o intérprete
não pretende, dé fato, converter esta.posse em UH monópÓ-
lío exclusivo, porque ele sabe bem que a sua é, precisamen-
te, uma interpretação, isto é, ó conhecimento de alguma coi-
sa de inexaurível, que contém a constantepossibilidade de
novas revelações e impõe a necessidade de uma contínua vi-
gilância pára não se tornar surdo a novasmensagens.Esta
dupla consciência, de pois\iir a obra e dê aprofunda-la sem-
pre, isto é, da identidade da própria interpretação cóm a mes-
tra obra-e da~poss.ibilídade de intérpre@ç.ões .sempre novas,
é .esseãcia] a.o ítítét'15tete, qiJÇ cesià de se?.;tal se descuida um
dos .do.is aspectos em favor. do obtró;.é:explica-se ainda com
.bale na. infinidade da .obra.de .arte, já que.s'e cada. um dos
infinitos aspectos da obra acon.tém inteira, basta colher um.
deles para nele. colher a totalidade.da obra, é se nenhum
deles.está em condições de exaurir a infinidade da obra, esta
promete novas revelações e exige ulteriores .aprofundamen-
tos. Assim se explica como, realmente, se pode possuir' algu-
ma coisa que se dava ainda e sempre indagar, e colho se pensa
dever e poder aprofundar alguma coisa quejá se possui: sobre
esta base, posse e busca s8o extremamente compatíveis e
representam os dois gonzos da atividade do intérprete.
LEITURÀDÀ OBRADEÀRTE 23 1

É precisamente aqui que se vê o quanto .é inadequado


conceber'á interpretação como aproximação. C) fato de que
ã interpretação óão sda, nem possa ser uma posse definitiva
e exclusiva, não só não implica, mas exclui do modo mais
absoluto que ela sqa uma simples aproximação periférica,
uma aproximação ignara de posso e penetração. Porquanto
sempre exposta à eventualidade de retomar a interrogação e
continuar o colóquio é sempre solicitada pela posiibílidade
de novas descobertas e pela necessidade de novas indaga-
ções, a interl)retaçgo é uma Verdadeira posse propriamente
dita, :que atinge.o coração do seu objeto, que penetra na inti-
midado daóbra, que; sobretudo, a colhe inteira. e total. A sua
instabilidade não deriva de uma impotência do seu modo de
conhecer, mas do privilégio de ter por objeto uma realidade
como a obra de arte: ela não é afetadapor um limite que a
confina i buperficie ou à periferia, transformando-a numa
espécie de conhecimento manco ou irremediavelmente in-
completo, pótque conhecetudo aquilo que há de conhecer e
colhe inteiramenteoseu oUeto; se.nuncaé definitiva é por-
que oseü objêto.é infinito e elã não pode ehem quer arro-
jar-se olha p(ésse exclusiva dele. Em suma, ela .é instável
nãa poro\ie sela uma posse, mas porque não quer ser UMa
posse ekclüsi+á; hão porque não àlcanée o seu objeto, irias
porque este é inexaurível: esta n8o é, certamente, uha con-
dição de insuficiência e de imperfeição, mas.antes, de per-
.feição e de riquezas também irremediável empobrecimento
seria a presunção de uma posse exclusiva, que negaria a pró-
pria infinidade do seu objeto. Que maior riqueza do quero.ç-
st(/r alguma coisa de /ne.xa r/pedi?Esta é a condição da inter-
pretação, a qual precisamente por isso deve ser um processo
infinito, sem com isto reduzir-se a hera aproximação.

6..iWult:iplícidade e pessoalidade das interpretações.


Em segundolugar, a Ínterpletaçãoé múltipla, e estasua
232 .ÓS PROBLEMAS DA ESTÉTICA

multiplicidade tem certamente a ver não s6 com a inexauri-


bilidade da opta, mas tanlbéna com a diversidade das pes-
soas, senlpi'e novas, dos intérpretes. A interpretação tem,
portanto, uln ingtlÉ(imóvel e fundamental caráter de pes.90a-
//dada. Isto não significa, todavia, que ela sqa irremediavel-
mentesubjetiva, isto é, abandonadaao arbítrio do intérprete.
A subjetividadedasmúltiplas interpretações
não é genroa
alternativa de um í'alslodilema que, diante da evidente uni:
dado da obra .e da,não menos evidente inuitiplicidade .das
execuções, declara que estas.o.usão todã$ in.adequadas,me-
nos yma, ou são todas igualm.ente legítimas,. o .que é o mes:
mo quem: dizer que, dê uma obra, .ou há unam s6 interptetaçao
justa, ou todas ' são igualmente
. . .justas. . Na. bás.é
. deite . /a/se
,.'.,
ditemd ente'e ttnicida.de e arbitral'iedade.da interpretação \xâ
dós
uln pressuposto: a ideia de que aldiversa personalidade
intérpretes é, necessariamente,.um obsta.cujo.e urlaa lente
deforlnante, donde o intérprete ou.d.evefazer o .possível pa.ra
remover este iinpediinento, isto. é, fazer uin esforço de.des-

$reté ehcontfaf:se-ia, pói:tahtoi-na ót)ridiQãodé ter que esco- ':


' ' . .e'l

.' . .: ;

LEiruR.A DA c)nRÁDE ARTE .:.i:.:.:..


:.;::: .,-i-l.;..' '':

.t

objetivo, e, por isso, impessoal, ou é Subjetiva,;:e,ç:Bilglliiéüll


infiell em suma, ela não pode chegar à verdades.úííllÍ.dlígêt ll
com prquízo dó que a torna múltipla, variada e semêjgjjãj8VBi:lnl!
e não pode asi)irar à originalidade sem com isso cohPF&$g#l.:l
ter a fidelidade à obra. ' .. :.},,i:!iíl1ll1l.ilÍli
1411i
Analisando bem, não.há nada mais distante dà efêtWâ'1l':;:
condiçã(i da in.térPretagão do qyé. este modo de:-ver, qud, hb
entanto, é tão difundido e corrente. Basta recorrer aos dados
.da experiênci.a. O que ge espera de üm intérprete? Voltemó..
nos, para íüaior evidência, a uln executor p.úblico, isto .é,;.a
\lm atar ou a urh.íntél'Frete musical,.sem esquecer,porém, que
acerbadeste ponto o discurso vale para um leitor qualquer de
uma arte qualqiJer. Não esperamos de um intérpreteque ele
nos dê a ún/cózinteQretação justa, tanto é verdade que vamos
ouvir determinado executor de preferência a outros, desejo-
sos de escutar a izzczinterpretação, ou porque conhecemos
sua particular agudezae sensibilidade,o especialestilo
interpretativo, a singular congehialidade com o autor, ou
também«porque estamos.curio$oi para ver que precioso re-
sultado pôde ter advindo dó cantata entre czgtre/aobra .e
aquele executor;.nem esperamos que ele só se deixe gui.ar
pelo critério da oríg?nzz//dada.
como se pudessem.os permi-
tir-lhe sobrepor-se à obra e não ter outra preocupação a não
ser a expressãode si, e como se, para n6s, fossemais inte-
ressante a execução do que a obra. Em suma; nós nem pre-
tendemos que ele det'a renunciar a si mesmo, nem permiti-
mos que ele qz.íe/>cz
exprimir a si mesmo: nós quereznosque
seja e/e a interpretar cz:gue/a obra, que a sua execução sela:,
ao n esmo /enzpo, a obra e a sua interpretação dela, já quem
por unl lado, a obra não tem outro modo de viver a não:ser a
execução, a qual .njío .teill lugar. senão através da atividadje
234 OS PROBLEMAS DÁ ESTÉTICA

riessoal do intérprete, e, por outros a execução não pode que-


i'ei substituir-se à obra, inasdeve antes propor-se a apresen-
ta-la, ou melhor, a sê-la. Desta recurso à experiência se.#ê,
ein primeiro lugar que a unicidade é da obra e não.da intei'-
pietação,. enquanto a multiplicidade é da ipt9rpretação e não
da obrar,uiná vez que a obra permanece idêntica e igual a si
rr\esina na multiplicidade das suas interpretações; e, e,m
segundo lugar, que a otigidálídade ea novidade da interpre-
tação não são uin programa, mas uih resultado, no sentido
de que o. intérprete as :consegue esp.ohtaneamente.,quanto
maior foro seu .eg.forçopessoal de oo.lher..aobra.na.suã ver-
dadeira realidades màs n8o tem o direita) 'de fazer delas um
objetivoi porque nesse.caso.estaria alterada a ecónoihia in-
terna da interpretação, prevalecendo .o desígnio expressivo
sobre o revelativó, e tornandQ o-.óbjeiió.dela mão nlàis a obra
a ser executada,mas a pr(5priãpessoado intérprete.
Desbloqueado desta maneira o falho.dilelpa entre a uni-
cidade e a arbitrariedade da ihterpretaçãó,.taihbém acaba mu-
dada a relação entre objetivídade êl pêssóaiidade, :f'idelidade
e liberdade; verdade e originalidade, as quais, examinando
hein;: estão entre si não eih proporção invers.a,mas direta.
Com.efeito:,"apersonalidade.do iü:térptetp,.longe de ser dé
per si ul:n irhpedilnento para o cótiheêilhento do objeto, ou
ulalãcondição invencível que fecha o sujeito em si mesmo, ê
o t2n/co ó:rgão de que o intérprete diépõepara penetrar na.obra

térprete é, muitas vezes, obstáculo para.o .conhecimento e


lentedeforúante, a ponto de a intert)retaêgofalhar e cair na
mais cabal incompreensão; e isto acontece quando, por uma
cor-
espécie cle incompatibilidade, não se realiza nenlnuma
respondência entre um aspecto da obra e uln ponto de vista
da pessoa, o que, de t'esta, é muito â'eqttente no Kiuildo da
ai'te e no reino da intérpretabilidade. Mas se o intérprete não
dispõe de aLtEravia além'nda sua pr'5prla personzalidade para
LE{TURADA OBRA DEARTE 235

ter a(iess,ç).à
obra, cabe-lhe fazer dela uin órgão de p«letra-
ção o:mais agudo e potente possível, como um rara revela-
dor projetado sobre ela, como uma antena tornada sensível
às suas mensagens,como um..receptor capaz de sintonizar
seus aspectos cais reveladores e eloqtlentes. Aparece aqui,
em todo o seu vigor, a potência cognoscitiva da personalida-
de, que se exerce através da simpatia e da afinidade espiri-
tual, a ponto de se poder caracterizar a interpretação dizen-
do que ela é uma forma de conhecimento onde não há pene-
tração ã h8o éer como simpatia, nem descobertaa não ser
como sinto)nia.Se 4 interpretação não tem outro órgão de
cónhecim.Gato senão a personâlidadédo intérprete, esta não
chega à comPreelnsãoa não sei.:através da congén/a/idade,
que se torna,; portanto; o grande dever do intérprete. Na-
quelearTiêéádge diãcil colóquio qué é a interpretação,a
obra.fala a quem.sabeinterroga-la meihol' e a quem se põe
em condições de saber escutar sua Voz: eJa espera ser inter-
rogada de um certo modo para responder revelando-se. De
fato, certas obras permaneceram incompreendidas por anos,
oudeéêQiós, ou séculos, antes de encontrarem um olhar que
sdubegselvê-las, isto é, uma pessoaque, por uma particular
congeniálidadel soubesseinterroga:làs, fazê-las raiar, com'
preender sua: voz;.encontram o ponto de vista de onde pers-
pectiva-las e t;orhá-las evidentes; .é certos .leitores.tiveram de
egperárahbsou decêniosantasdêénóóntrarem a via de aces-
so a unia obra qt.ieexigia dêles urna transformação, ou um
incremento; ou uma maturação espiritual que os tornasse
afins cofn o seu mundo e capazesde nele entrarem. Certa-
mente, a obra de arte usa, com quem Ihe fala, a linguagem
caiu que este bode escuta-ia ihelhor, isto é, revela-se ã cada
t.!mda sua ma11eira,oferecendo aos mais diversos pontos de
visa os aspectos qué, respectivamente, ]he correspondelnl
mas, nxâturalmente,cabe ao intérprete interrogar a obra de
inodõ a obter dela a resposta mais reveladora para e/e, da-
.v.14. OS PROBLEMAS DA ESTÉTICA

qt/e/eseuponto de vista, i.stoé, cabe ao leitortornar-secon-


LEITUllA DA OBRA DEARTE. .'b4'H

quando se alcança a congenialidade, não Itá rLerlhtun ól'gggj: ':=.''


de conlaecinaentotão agudo, peneti'antee infalível colnó. ã
pessoa. A interpretação colhe, não dissolve a obra; revela:êi::-
ena si, não a oculta,. sobrepondo-lhe o SL\jeito; entrega-a ná
sua verdadeira natureza, não a dissolve na consciência.àd
intérprete; e consegue fazei isto precisanlénte en] virtude dali
sua .pet'sonalidade, que íia multiplicidade das execuçõêhjjj:
refuta lhas não rompe aunicidade e identidade da obt'a. Loã; :!
ge de sei abandonada à piópriá subjetividade, sem lei ne.ÜI
crité;io, a interpretaçãotem umalei muito firmo e uin cri.tdlili
rio nauit(5 segufó: .a suà .le/ é a própria obra, olhada na sü;ãli
irredutível index.endência e, precisamente por isso, passível!:lj:ji
de ser. interrogada e eséutadai e o set:i cr/4é/,/o é a canga/z/a/il+illÊI
dada, :.única garantia de vaidade e condição de penetraç8ÓjiHjll.
Tgo jmportailtíe é o critério da colagenialidade; que iladq:..ê11í$1ê
perdoa nICHos a um executor do que não saber escolher-é:ê1ljl
os próprios àut(aresOl] o fato de pretender poder executa-lQê; ?l
a todos. Embofal tlm executor monocorde seja, no funda;"'
apoucado, e'se imponha a ele o devemde alargar a sua pefsjl
bectiya, de .rüódo 4ue tanto mais é apréclado quanto mais,q
seu horizonte for vasto, o seu ideal não é.o de sabei' executar.
igualmente bem a /odo.ç os aut(ares, coifa impossível; -por.'
ãue toda agudeza tear as suas surdezas, assim como toda
virtude tem os seusdefeitos: o ideal do perfeito executor .é
saberescolher bem os próprios autlqrés,sabei desfrutar até Q
fundo ãs próprias afinidades eletivas, e entender, o mais po.ê+
síve.l,ê)âmbito dà p16$ria congenialida.dé. De tudo isto.epal'-
.regedue a Interpretação deve ser múltipla, pessoal e sempre
nova e diversa, sela por isso assumir um cat'ater subjetivi$ça
o u. i'e ] a tiv is ta . - - ::.:.!..\:}.'r
?li
> Ç:/

7. os problemas do juízo est;ético: sensiblljd.4dlSl:jÉl!


pensaméhto. Uin dos pontos mais complexos.dela:d$:1#$S
tética é o problema do juízos Ein toiro da avaliaçêci::i.d;êJlt2€a:
.. ':
eB P . e ee
238- OSPROBLEMAS D.AESTÉTICA

de arte se adensa uma problemática hirta de dificuldades e


fonte de infinitas discussões. Para de algum modo deslindar
a intrincada meada, bastam o:sseguia.tes esboços.
Ei$ uma primeira divcii'gência: a.avaliação .ga obra de
arte é obra dó sensibilidade iiÜ.ediataou de pensaihentore-
flexivo? Para alguns, o j\iízo é um movimento espontâneo da
sensibilidade, eito tal :caso cllaíüada f'gosto'': tratar-se-.ia de
uma impressão imediata, cai)az,-de pér ii, de valorizar dire-
tamenie a obra, de .operar a distiiiçãõ eh.tre belo e feio, e de
assegurar o gozo da beleila: a reflexão.posterior não teria
outra função qué não aquela de désdobrai- estejuízo imedia-
to. de analisa-lo no seu conteúdo, desenvolver o quantonele
.houver. de implíc.ito, .ratifica\r :sua predl.çã(51e comunicar seus
resultados. Para outros,.no encanto, aquela.primeira intuição
r\ão contém juízo algum, e .pe fed\.iz a uin gozo imediato e
ignaro das própr.ias razões:. para chegar à valóração é neces-
sário naif da fruição imediata e paséãtà esfera da reflexão,
onde o pensamentoe o juízo dirigeml-gea controlar as pri-
meiras impressões, ê assegurar.a posse dó que elas própuse-
rarn, a muda-lo num conheciméãto.:Verdadeiro e. propria-
mente.dito. Em suma, por um lado o juízo seria obra da sen-
sibilidade é, por outro,. da reflexão: dQ,f)cimeiro ponto de
vista a sensibilidade faz tudo, isto é, colhe, avalia, aprecia,
goza, enquanto.a reflexão apertas dfsêréve seu conteúdo e
ratifica'seus decretosl do segunda:ponto de vista,:a sensibi-
lidade s6 fornece o gozo, enquanto a reflexão o fundamenta
e motiva mediante ojuízo.
Ora. analisando bem, é preciso fazei, acerca destepon-
to. uma distinção entre a relação de expor/ane/dadaé /'ege-
xão e a relação de .seniíó.///dada e penianlenfo: na atividade
espiritual, espontaneidade e reflexão sgo sempre antitéticas
por isso, sucessiva:s, enquanto sensibilidade e pensamento
''r.''
bodemsercontemporâneose' ' ' }go,. àsvezes,
. .. inseparáveis..A
. . .'. ...,.
leitura da obra de arte, por exemplo,é caracterizadapela
/
LEITURA DA OBRA DEARTE 239

inseparabiJidade entre sensibilidade e pensamento, donde


não existe entre os dois termos neh uma divisão. não uma
relaçãode gradaçãoe de sucessão:poi uin lado, a sensibili;
dado nãõ é nunca tão imediata que não condensel na própria
espontaneidade,
todo um exercíciode pensamentoe toda
ramalsérie de escolhas, apreciações e juízos; por outro lado,
a atividade do pensamento que suscita e rege o movimento
consciente dá interpretação e do juízo que procede a uma
avaliação refletida da obra culmina num ato de fruição e de
gôzo: sda;que se trate de uma pritneira impressão, elemen-
tar e tosca, lhas assim mesmo .incoativa e prenhe, sda que se
trate da plenitude da fruição,. isto é, do supremo cume da
con:l:emplaçãb, este ato de sensibilidade fruitiva é sempre
acomjpànhado, ou melhor, Constituído da vivacidade do pen-
sahéntQ e d15exercício dó juízo, quer extraía deles ihcita-
meíito para uma busca mais aprofundada, quer conclua e in-
clua UH processo.dé análise e de indagação, quer deles nutre
o próprio ólhàr move! e atento. Em suma, pensamento e jljf-
zo estão sefn15iepresentes, tanto na reflexão quanto na es-
pontanei.dado, de .forma naturalmente deveria,. isto é, ora
desdobrada e hótjvada, ora contraída e condensada. A pas-
sagem:da:eipdntàneidade para a reflexão não muda ós in-
grediénteg:da àtiQidade, mas somente a intervenção da cons-
ciência, é, ge quisermos, o grau de perfeição, no sentido de
que ógo2ó ãisegurado por uma primeira impressão é, certa-
mente,tosco cóm respeito àquele que conclui um atento mo-
vimento de buscae de análise. No fundo, trata-sedo único
processode interpretação,o qual, em cada etapade seu
movítnento; sda ela espontâneaou reí:lixa, imediata ou dis-
cursiva, tosca ou refinada, incoativa ou perfeita, él sentir e
pensar ao mesmo tempo, gozo ejuízo: mesmo o gozo maia
imediato e espontâneo inclui um juízo e pressupõe a ínEer-
preÉ:ação,e mesmo a ieflekão mais consciente e destacada
visa gozar a obra,.é longe de !imitar-se a da!' a razão do gozo
240 óS PROBLEMAS D.A ESTÉTICA

da prinleit'a inapressão, visa. aumenta.lo coiü novas buscas.


Tinta-se, ein surgia,do processoda interpretação que, de eta-
pa em etapa, de uua priilleira. leitura inaediataa leituras ca-
da vez mais intensas e profundas, avãiiça estimulado lpe.lo
sensibili-
gozo e excitado peia juízo, e em todo hloinento é
dado e pensamento, prazer e apreciação,;pausa de contem-
plação e ato de va;loraç8o conjuntamente. . :
' O que dizer da conoep:ção,bastante acreditada en] 'cer-
tos ambientes culturais, que réservaojulzo para un] estágio
sucessivo ao da leitura? HÁ queial digo.que o juízo: é Grei'ci-
tado pelo crítico; hão pelo leitor:. ler sigoifiç.a aprender,go-
zar, participar, isto. é, peidef-sl39 e$;quéóér-sç. na. obra:de
arte, atitude esta que ngQtem nada .de.ayaliativg.nçmde dis-
criininante, dé modoqu.e,parapoder éxercitàro.J.uízo, e pre-
ciso dista.nciar-se
da obra e, depoisde à ter ltcto?relietlr
.s.ob/'êesta leitura. Ofa, deixando..delado o fato de que ditt-
cilinente se pode considerei a .leitura como. um. perder'se na
l.EITUli..4 DA OBRA DEARTE . z''tl

colmo quer ainda existir; e tudo isto reconduz à consideração


dinâmica da obra de arte. Mas precisamente isto é o juízo:
comparar a obra têl como é com a obra tal como ela própria
h
ortãnto, aparece o quanto é essencial o jtií- ..
.:..! J . J . '

Existe, então, alguma coisa de comum entre a atividade


do leitor e a atividade do artista? De Croce, q\.ie.sempre
combateu a teoria da arfa/2x addííu.s a/-rePc/,afirmando que
a crítico éi antes,..p&!/o.soP;zu.s'
czddf/ui a/"/l/Zc/, a Valéry,.que
242 OS PKOBLENiAS DA ESTÉT)CA

trata-se de ver à obra c(5rno.leipara si mesma,ou como lei


da produção da dual resultará, ou como lei da execução que
a fará reviver: artista e leitor vêetn a obra nó seu caráterdi-
nâmico e operativo, o priMeii'o para fazê-la e ci:já-la, a se-
gundo.para executa-la e dela fruir.

8. Gosto pessoal e juízo uhíversal. Eis um segundo

do gosto ou éjuí20 universal? Há quem afirnae que, faltando


um critério absoluto para julgar, é impossível uma avaliação
universal.da obra .de arte, de modo que.não resta'senão con-
fiar-se à .sensibilidade pessoal e ao:}.gosto histé)rico. Deste
naodo, temos juízos múltiplos.:e diversos, mutáveis de pes-
soa.pata pessoae de época para épõêa,:piivadói de toda e
qualquer autoridade que não sqa a;.ihàiórdifusão ou a ade-
são a um gosto dominante, incápa:zdé tlniversalizar-se, a
não ser tóediante a.ilegítima absoluti2aêão de um.gesto pât-
tidt.tear. De outra parte, há quem afiride qüe uma.Valoração
que se ficasse neste estágio não.séria digna dessenome,
reduzindo-se ao puro gosto, cujo oráêtilt),.embora ateste sen-
sit5ilidade e fineza, é todavia dém:aliado ;pessoal, mutável,
aleatório é imi)ressionisU.pára qüe15os:$ã l5retender estabe-
}ecei' o valor das obras e, códseqeiehté úeiitq discrirüiná-las .
Requer-se ttin ponto de:refetênóiã: hyêl.Êérmita tí'ahsportãr,a
'-'-'x'-' '' ' '
.avaliaçãóparauin campomals ' cónt+81âVell
. ... ... de modo. ...que..:..
ela
possa ter umâ motivação e.almavetifijçáçao e, porisso, yma
comunicabilidade evidente e objeti<'a, .ê "este critério deve
ser um preciso ''conceito't da arte, filosoficamente acertado,
ou seja, a ''categoria'' universal da bêlézB. {LntCO
Ota. o fato ê que gostopessoa! e histórico e .jtcizo
LEITURA DÁ OBRA'DE ÁRI'E 243

tor e o clitic(i não ter.lealconta,.poruln lado,o próprio


gosto? É'precisamente do gosto que eles pal'tem para encon-
trar' o acessoà obra, do gosto eles extraem aquela sensibili-
dade que lhes adverte sobre a presença da poesia, no gosto
encontramas condiçõesde cohgeniàlidadequeosintroduz a
determinadas .formas de arte: o gosto é, com efeito, a espiri-
tualidade de umapessoa, ou de um período histórico, tradu-
zida n\lma espora de arte, um modo de ser, viv;er, pensar,
sentir,.resolvido num concreto ideal.estético, um sistema de
idéias. pensamentos, convicções, crenças, aspirações,atitu-
des, tornado sistema de afinidades eletí.vasem campo ai'dís-
tico. Portanto, .não é pengável que. o leitor e.o crítico, ao
lerem 9.ao avaliarem a obra de arte, possam despojar-se des-
ta..bagagem espiritual e cultural: .seria como pretender .que
eles se privassem da.própria personalidade. Pór outro lado,
.não.seria verdadeira crítica aquela que se confia ao puro
gosto: ojuízo acerca de uma obra de arte não pode permane-
cer ao ní.Vel da mudança, reduzindo-se à simples declaração
de uma pre:ferêhcia s\ibjetíva ou a uma mera degustação sen-
sual. e papilar, mas. deve alçar-se ao p]ano do.universal,
exprimindo ymá Vàloração imutável e única, onirreconhecí-
vel-ea:ceia;ável.bortodos
Ma.é.é;stáprecisamente .aqui a dificuldade do probleiha:
como pç)dem conciliar-se a multiplicidade, a mutabilidadé..e
a hibtOridÍdade dd.gosto com a unicidade, a defiàitividade e:
a uniQersalidadé do juízo? Como podem dois elementos tão.
diversos; ou fhelh.or, opostos, coexistir e Éer amuo.çnecossá-
riós à leitura é à.crítica de arte? O fato é que, por um lado, o
gosto diz respeito não propriamente à avaliação, mas à inter-
pretaçãoda obra, e, por outro, o juízo para atingir a univer-
salidade absolutamente não tem necessidadede remeter-se a
uma categoria vazia e abstrata, mas basta-llle a concre.tae
singular individualidade da obra. De una lado, o gosto pes-
soal â histórico do llêitor e do crítico se inclui na interpreta-
0.É PROBLEMASDA ESTÉTICA
LEITURA DÀ OBRA DE ARTE ' "'
246 OS PROBLEMASDA ESTÉTICA

de valor: o fato é que a ín/erpre/anão é trai d/ó'ctlrso/nexat/-


r/ve/, porque o processo interpretativo' é .infinito, e infinitas
são as novas perspectivaspessoais,e inexaurível é a própria
obrar enquanto, pelo contrário. o./}/ízo é unl dÍ;s'cu/'.90breve,
reduzindo.se à própria adequação da ,obra consigo }nesma,

reconhecimento
do, ele não tem outro conteúdo que nãg o ó' ' 1. . e . .

do valor da arte, e exprimê=setotálmehte em formulações


cóncisas como as seguinteél é belo, é bÊm:sucedido, é uma
forma, él uma obrado arte: ...l: . .. ,
É certo que, na leittirá e na .críticas i:pterpretação .eJuízo
obra
;ãoÚél4à;á;ei:l, . ?e.h'g. à aval.iaêjjójp$:""g .'
''' '''''' dapessoalidadedogo
através ' ' sto; ê l.itó ::tbtriá- difícil
. ,.:.. . a for-
<.,..,.
mulação e a comunicação do juízo. idas.-üMá.bÀiversabdade
que deve desprender-se das condições ;lhist6ticas e pessoais
;';.;="; :1;ãlÍ;;ão impossívél{ o liÚííóê.õ Ó'-l'i no qu:l,
através da mutabilidade do gaita liiil6}ióó, sê realiza é pode

:1$114$XI
He:Ê:;:':Ü'i:;;:zã::'=

dado, a objetividadé, a \unicidade do jüiíb.

Você também pode gostar