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Direitos

Humanos e Arte
Disciplina: Introdução aos Direitos Humanos
Professora: Ana Paula Barbosa-Fohrmann
Monitor: Gustavo Cardoso
Estagiária: Luana Adriano

Descrição do Plano de Fundo: Pintura “Operários”, de Tarsila do


Amaral, na qual as faces desenhadas de pessoas de diferentes raças e
etnias estão posicionadas de maneira triangular. No fundo, ao lado
direito, pode-se visualizar torres industriais e fábricas.
Há uma relação entre direitos
humanos e arte?
• De acordo com Hunt (2009, 2005), os romances desempenharam um papel
fundamental no surgimento do conceito de direitos humanos na Europa do século
XVIII;
• A autora sugere um motivo psicocultural para que a noção de direitos humanos
tenha emergido após a publicação de novelas epistolares – destacando três: Pâmela,
de Richardson (1740); Clarissa (1748) e Júlia (1761), de Rousseau. Esses romances ;
• “Ler romances criou uma nova experiência individual (empatia), que tornou possível
o aparecimento de novos conceitos políticos e sociais (direitos humanos)”. (HUNT,
2005, on-line) “Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas
aprenderam a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhantes em
algum modo fundamental.” (HUNT, 2009, p. 58)
A arte é um direito humano?
• A defesa de que existe um direito à arte se pauta especialmente no art. 27 da
DUDH.
• Artigo 27 da Declaração de Direitos Humanos de 1948
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios. 
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja
autor.
• Implicações: que “acesso” a “que” arte garante o direito a arte?; que critérios
utilizar para definir a arte que será promovida por meio de políticas públicas?
(cf. também art. 19, 2, do PIDCP; art. 15, 1, c, do PIDESC, art. 13, 1, do Pacto de San
José da Costa Rica; art. 14, 1, a, do Protocolo Adicional ao Pacto de San José da
Costa Rica)
Há um direito da arte?
• O direito da arte diz respeito à regulamentação jurídica da
atividade artística. Para Mascaro (2015), os campos relevantes
são a produção da arte, a propriedade da arte, a circulação da
arte e a regulação da arte.
• O Estado é elemento ativo na intermediação das redes de
relações que envolve a arte. Além dos direitos subjetivos, há uma
série de garantias, poderes e deveres relacionados ao tema. É
possível pensar, assim, em estipulações que envolvem a garantia
da criação artística, sua liberdade em relação aos poderes
públicos, à religião e outras ideologias constituídas (Mascaro,
2015, p.23).
Há um direito da arte?
• Existem também instrumentos da UNESCO relevantes para pensar sobre os
direitos dos artistas, particularmente a Recomendação da UNESCO sobre o
Estatuto do Artista em 1980 e a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005. Ataques a
locais de importância cultural, ou itens culturais, são reconhecidos como
crimes de guerra em algumas circunstâncias, de acordo com as leis de
conflito armado e o direito penal internacional (EUROPEAN AGENCY FOR
FUNDAMENTAL RIGHTS, 2017).
• Art. 8, 2, ix, do Estatuto do TPI: Para os efeitos do presente Estatuto,
entende-se por "crimes de guerra": ix) Dirigir intencionalmente ataques a
edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou
à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se
agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;
Que direitos humanos importam
para a arte?
• O direito à liberdade de expressão artística está presente no art. 5º, IX, da CF: “É
livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”. (Cf. também art. 220, § 2º). Ameaças ao
direito à liberdade artística podem surgir de leis sobre censura, blasfêmia,
obscenidade, manutenção da “moral e dos bons costumes”, difamação e leis de
segurança nacional;
• Os direitos autorais são assegurados no art. 5º, XXVII, que diz que “aos autores
pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”;
• O direito à educação gera o dever do Estado de garantir o acesso aos níveis mais
elevados “da criação artística” (art. 208, V)
• O direito à cultura garante a obrigação do Estado na asseguração do patrimônio
histórico, artístico, cultural e ambiental (cf. Art. 216 da CF);
Alguns dilemas entre dh e arte
• Situação: Em 2013, artistas da cidade de Pasárgada fizeram intervenções
em um Farol, datado do século XIX, localizado na periferia. Embora o bem
fosse tombado, não era palco de políticas públicas de acesso à cultura,
estando, ademais, em más condições de preservação. De acordo com a Lei
9.605, art. 65, pichações fazem parte dos crimes contra o ordenamento
urbano, patrimônio cultural e meio ambiente. De acordo com o §2 do
artigo, o grafite, embora não seja crime, deve ser previamente autorizado
pelo proprietário do imóvel e, no caso de bem tombado, pelo órgão
cultural responsável.
• Perguntas: Há um conflito de direitos humanos nesse caso? Se sim, entre
quais?
Que direitos humanos importam
para a arte?
• O direito à honra, a imagem, a privacidade e à vida privada(art. 5º, X, da CF
e art. 20, CC) podem entrar em atrito com a liberdade de expressão
artística, especialmente no caso das biografias não autorizadas;
• O direito à herança cultural pode entrar em conflito com o direito de
propriedade artística, especialmente no caso de Museus e Coleções
Pessoais cujas obras foram originalmente saqueadas de suas nações
originais – caso da espoliação de obras de arte durante a 2 GM;
• O direito à tolerância religiosa pode entrar em atrito com o direito à
liberdade artística, especialmente em casos em que a obra refira-se
especificamente à símbolos de determinada religião.
Alguns dilemas entre dh e arte
• Situação: Em 2016, estudante da Universidade Federal de Pasárgada
realizou performance intitulada “Sangue de Crista”. Nela, o performer
realizava cortes no próprio corpo, deixando que o sangue jorrasse sobre
um crucifixo posicionado ao meio do palco. A performance, trabalho final
de uma disciplina curricular do Curso de Artes Cênicas, foi gravada e
amplamente divulgada. De acordo com a OAB de Pasárgada, o autor
excedeu os limites de sua liberdade artística, ofendendo símbolos
religiosos, além de cometer o crime previsto no art. 208 do CP, devido à
conduta de “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
• Perguntas: Há um conflito de direitos humanos nesse caso? Se sim, entre
quais direitos?
Que arte importa para os direitos
humanos?
• Toda arte é relevante para o tópico de direitos humanos?
A arte pode narrar os abusos dos direitos humanos (p. ex., arte de
denúncia e arte de memória), apoiar causas de direitos humanos e
trazer visibilidade para questões de interesse do campo dos
direitos humanos (p. ex., a arte de protesto).
A mensagem relevante para os direitos humanos precisa estar
explícita (p. ex., arte panfletária e arte engajada) para que a arte se
qualifique como socialmente engajada?
Que arte importa para os direitos
humanos?
• É possível pensar a arte social fora da caracterização “engajada”?
a) No texto “autor como produtor”, escrito entre 1934 e 1938, Benjamin (1994,
p. 120 ss) sugere que toda obra de arte é relevante para que se analise o
contexto em que ela é produzida, independentemente de ser proveniente de
um autor progressista ou autônomo: “Em vez de perguntar: como se vincula
uma obra com as relações de produção da época? É compatível com elas, e
portanto reacionária, ou visa sua transformação, e portanto é revolucionária?
(...) Antes, pois, de perguntar como uma obra literária se situa no tocante às
relações de produção da época, gostaria de perguntar: como ela se situa
dentro dessas relações? Essa pergunta visa imediatamente a função exercida
pela obra no interior das relações literárias de uma época” (1994, p. 122)
Que arte importa para os direitos
humanos?
• A arte deve ser socialmente engajada e política?
b) No Prefácio de “Sula”, Toni Morrison declara que a crítica de sua arte insistia em
separar “político” e “estético”, sendo frequentemente julgada apenas pelo primeiro.
“A crença comum é de que ficção política não é arte; que é menor provável que uma
obra assim tenha valor estético porque a política – a política como um todo – é
plano de ação e, portanto, sua presença macula a criação estética. (...) Se o romance
era bom, era por ser fiel a certo tipo de política; se era ruim, era por não ser fiel. A
crítica era baseada em ‘os negros são – ou não são – desse jeito’. (...)”. Em “Ancestral
como Fundação”, aponta: “(…) If anything I do, in the way of writing novels (or
whatever I write) isn't about the village or the community or about you, then it is
not about anything (…) which is to say, yes, the work must be political. (…) It seems
to me that the best art is political and you ought to be able to make it
unquestionably political and irrevocably beautiful at the same time."
A arte tem um papel na formação
jurídica?
• Para Antônio Cândido (2002), a literatura pode cumprir uma função social
pedagógica – desde que não seja aquela vinculada à pedagogia “oficial”.
Para o autor, “(...) podemos abordar o problema da função da literatura
como representação de uma dada realidade social e humana, que faculta
maior inteligibilidade com relação a esta realidade. Para isso, vejamos um
único exemplo de relação das obras literárias com a realidade concreta: o
regionalismo brasileiro, que por definição é cheio de realidade
documentária” (2002, p. 85-86).
• No ensaio “Os Poetas como Juízes” (1995), Nussbaum defende que o
contato com a literatura promove identificação e reações emocionais
importantes para o desenvolvimento do exame equânime.
Direitos humanos e arte na
pandemia
• Counter storytelling da Teoria Crítica Racial (DELGADO,
STEFANFIC, 2017): criação de narrativas contra-hegemônicas para
desfazer mitos raciais.
• Obras de arte distópicas, que ajudam a refletir sobre experiências
humanas em cenários epidêmicos (“A Peste”, Camus; “Amor nos
tempos do cólera”, GGM; “Um diário do ano da peste”, Daniel
Dafoe);
• Acesso à arte durante a pandemia: restrições de circulação vs.
promoção de eventos culturais;
REFERÊNCIAS
• BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I - Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1994.
• CANDIDO, Antônio. A Literatura e a Formação do Homem. Disponível em:
<http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/118273/1/ppec_8635992-5655-1-PB.pdf>.
Último Acesso em: 15 mar. 2021.
• EUROPEAN AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Exploring the connections between art and
human rights. Disponível em: <https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/fra-
2017_arts-and-human-rights-report_may-2017_vienna.pdf> Acesso em: 15 mar. 2020.
• HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Editora Companhia das Letras,
2009.
• MASCARO, Alysson Leandro. Sobre direito e arte. In: Direito da Arte. São Paulo: Atlas, p. 17-25,
2015.
• MORRISON, Toni. Sula. Trad. de Débora Landsberg. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2020.
• NUSSBAUM, Martha C. Poets as Judges: Judicial Rhetoric and the Literary Imagination. The
University of Chicago Law Review, v. 62, n. 4, p. 1477-1519, 1995.

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