Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A autora sugere um motivo psicocultural para que a noção de direitos humanos tenha
emergido após a publicação de novelas epistolares – destacando três: Pâmela, de Richardson
(1740); Clarissa (1748) e Júlia (1761), de Rousseau. Nesses três, personagens femininos
passam por situações de “busca da independência”, sendo essa senda imediatamente
provocadora de comoção nos leitores, que então “compreendiam as restrições que essa[s]
mulher[es] inevitavelmente enfrentava[m]”4. Surge, assim, um sentimento que, para a autora,
é essencial para o surgimento dos direitos humanos: a empatia. “Ler romances criou uma nova
experiência individual (empatia), que tornou possível o aparecimento de novos conceitos
políticos e sociais (direitos humanos)”5. (HUNT, 2005, on-line). Apenas quando esses
sentimentos de empatia surgiram é que os direitos humanos puderam florescer, quando então
“as pessoas aprenderam a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhantes em
algum modo fundamental”6.
3. Há um direito da arte?
O direito da arte diz respeito à regulamentação jurídica da atividade artística. Para Mascaro,
os campos relevantes são a produção da arte, a propriedade da arte, a circulação da arte e a
regulação da arte. Nesse sentido, diz o autor:
O Estado é elemento ativo na intermediação das redes de relações que envolve a arte. Além
dos direitos subjetivos, há uma série de garantias, poderes e deveres relacionados ao tema.
É possível pensar, assim, em estipulações que envolvem a garantia da criação artística, sua
liberdade em relação aos poderes públicos, à religião e outras ideologias constituídas8.
Existem também instrumentos da UNESCO relevantes para pensar sobre os direitos dos
artistas, particularmente a Recomendação da UNESCO sobre o Estatuto do Artista em 1980 9 e
a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais de 200510. Ataques a locais de importância cultural, ou itens culturais, são
reconhecidos como crimes de guerra em algumas circunstâncias, de acordo com as leis de
conflito armado e o direito penal internacional. Nesse sentido, o art. 8, 2, IX, do Estatuto do
TPI: Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra": ix) Dirigir
intencionalmente ataques a edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às
ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem
doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;
8
MASCARO, Alysson. Sobre Direito e Arte. In: MAMEDE, Gladston (eds). Direito da Arte. São Paulo: Atlas,
2015
9
Disponível em: < https://en.unesco.org/creativity/governance/status-artist> Acesso em: 14 mar. 2021.
10
Disponível em: < https://en.unesco.org/creativity/convention> Acesso em: 14 mar. 2021.
especialmente no caso de Museus e Coleções Pessoais cujas obras foram originalmente
saqueadas de suas nações originais – caso da espoliação de obras de arte durante a 2 GM;
C) O direito à tolerância religiosa pode entrar em atrito com o direito à liberdade artística,
especialmente em casos em que a obra refira-se especificamente à símbolos de determinada
religião.
11
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I - Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense,
1994. P. 120 ss.
12
Id. p. 122.
13
Id. p. 136.
b) No Prefácio de “Sula”, Toni Morrison declara que a crítica de sua arte insistia em separar
“político” e “estético”, sendo frequentemente julgada apenas pelo primeiro. “A crença comum
é de que ficção política não é arte; que é menor provável que uma obra assim tenha valor
estético porque a política – a política como um todo – é plano de ação e, portanto, sua
presença macula a criação estética. (...) Se o romance era bom, era por ser fiel a certo tipo de
política; se era ruim, era por não ser fiel. A crítica era baseada em ‘os negros são – ou não são
– desse jeito’. (...)”14. Em “Ancestral como Fundação”, aponta: “(…) Se qualquer coisa que eu
faço, na forma de escrever romances (ou o que quer que eu escreva) não é sobre a aldeia ou a
comunidade ou sobre você, então não é sobre nada (…) ou seja, sim, o trabalho deve ser
político. (…) Parece-me que a melhor arte é política e deves poder torná-la
inquestionavelmente política e irrevogavelmente bela ao mesmo tempo”15. Assim, em
Morrison, deve haver uma intenção de engajamento, para que a arte seja explicitamente
política.
c) No texto “Engagement”16, Adorno trabalha especificamente a questão da arte engajada em
contraposição à arte autônoma. Há duas posições objetivas sobre esse debate: 1) Uma obra de
arte comprometida despoja a magia de uma obra de arte que se contenta em ser um fetiche,
um passatempo ocioso para quem quer dormir no dilúvio que os ameaça, num apolitismo que,
aliás, é profundamente político; 2) Uma obra de arte autônoma, contudo, considera o trabalho
da arte engajada como uma abdicação da liberdade imaginativa de fazer arte pautada em uma
“vida da mente”. Ambas essas perspectivas se negam ao negarem a outra. A arte engajada, ao
diluir a diferença entre realidade e arte, nega a própria arte. A autônoma, ao querer ser
pautada em algo completamente interior, nega o a priori da conexão do humano com a
realidade. O que a discussão sobre o engajamento deixa de considerar é que, ao colocar-se a
literatura à serviço de ideias políticas, corre-se o risco de vulgarizar-se a própria
potencialidade literária de resistir ao real. O engajamento declarado, assim, não
necessariamente gera uma maior transformação no mundo, que pode ser provocada por textos
literários sutis, mas esteticamente revolucionários.
14
MORRISON, Toni. Sula. Trad. de Débora Landsberg. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 13-
19.
15
MORRISON, Toni. Rootedness: The Ancestor as Foundation. In: Black Women Writers (1950-1980): A
Critical Evaluation. NY: Anchor Press/Doubleday, 1984. 339-345.
16
ADORNO, Theodor. Commitment. In: Aesthetics and Politics. Londres: Verso, 1977, p. 177-195.
17
CANDIDO, Antônio. A Literatura e a Formação do Homem. Disponível em:
não seja aquela vinculada à pedagogia “oficial”. Para o autor, “(...) podemos abordar o
problema da função da literatura como representação de uma dada realidade social e humana,
que faculta maior inteligibilidade com relação a esta realidade. Para isso, vejamos um único
exemplo de relação das obras literárias com a realidade concreta: o regionalismo brasileiro,
que por definição é cheio de realidade documentária”18.
No ensaio “Os Poetas como Juízes”19, Nussbaum defende que o contato com a literatura
promove identificação e reações emocionais importantes para o desenvolvimento do exame
equânime.
QUESTÕES: