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Na condição de relações-públicas da empresa Monotype, um dos principais

fabricantes de tipos, BEATRICE WARDE lotou salões de palestras nas décadas


de 1930 a 1950, dirigindo-se a gráficos, compositores, professores e estudantes.
De maneira bem literal, ela levou a arte para as massas. Por meio de frequentes
palestras e ensaios, dispôs-se a enfrentar a questão predominante da época – o
funcionalismo – com uma abordagem fundada na tradição. Em sua opinião, as
abordagens clássicas à tipografia não eram grilhões para serem rompidos, mas
uma história preciosa a ser levada em conta nos trabalhos novos. Durante uma
longa carreira na Monotype, Beatrice Warde trabalhou com o conhecido tipógrafo
e historiador Stanley Morison, que compartilhava a mesma paixão pela história
da tipografia. Além de escrever artigos para a Fleuron, ela foi editora da revista
Monotype Recorder e introduziu com êxito a família de tipos Gill Sans na Grã-
Bretanha. Em outubro de 1930, fez uma memorável palestra na British Typographers
Guild, intitulada “A taça de cristal, ou Por que a impressão deve ser invisível”. Essa
palestra, que continua relevante até hoje, baseou-se na metáfora da tipografia
ideal como uma janela de vidro, de construção bela mas translúcida, que silencia a
materialidade do texto e ao mesmo tempo ressalta a clareza prática da comunicação.

A TAÇA DE CRISTAL, dessa tribo em via de desaparecimento, a


OU POR QUE A TIPOGRAFIA dos apreciadores de safras excepcionais,
DEVE SER INVISÍVEL terá preferido a taça de cristal, pois nesta
BEATRICE WARDE | 1930 tudo é calculado para revelar, em vez de
ocultar, a beleza daquilo que deve conter.
Imagine que você está diante de um jarro Perdoem-me o emprego dessa metáfo-
com vinho. Pode escolher o seu vinho pre- ra prolixa e fragrante, mas logo ficará evi-
dileto para essa demonstração imaginária, dente que quase todas as virtudes de uma
mas que seja um tinto de tons avermelha- perfeita taça para vinho têm um paralelo
dos intensos e reluzentes. E à sua frente na tipografia. Há, por exemplo, a compri-
estão duas taças. da e fina haste que poupa a própria taça
Uma é de ouro sólido, entalhado com os das impressões digitais. Por quê? Porque
mais requintados padrões. A outra é de nenhuma nuvem deve se interpor entre os
vidro transparente como cristal, tão fino e olhos e o âmago flamejante do líquido. Não
translúcido quanto uma bolha. Sirva o vin- têm as margens nas páginas de um livro
ho e beba; conforme a taça que escolher,
vou saber se você é ou não um conhecedor “O mais importante a respeito da
de vinhos. Pois, se você não tiver nenhum tipografia é o fato de ela transmitir
tipo de sentimento pelos vinhos, irá prefer- pensamentos, ideias e imagens de
ir a sensação de bebê-lo de um recipiente uma mente para outras”.
que talvez tenha custado milhares de libras BEATRICE WARDE “A taça de cristal,
ou Por que a tipografia deve ser invisível”
esterlinas; mas, se você for um membro

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significado similar, a saber, o de evitar que solutamente mágico que eu tenha a capaci-
os dedos se coloquem sobre o texto? Mais dade de, por meio de marcas negras sobre o
uma coisa: o vidro é incolor ou, no máximo, papel, manter uma conversa com uma pes-
só ligeiramente tinto na taça, pois o con- soa desconhecida que está no outro lado do
hecedor avalia o vinho em parte com base mundo. Conversar, divulgar, escrever e im-
em sua cor, e impacienta-se com tudo o primir são, numa acepção bem literal, meios
que a altera. Há um milhar de maneirismos de transferência de pensamentos, e é essa
tipográficos que são tão insolentes e arbi- capacidade e essa vontade de transferir e
trários quanto servir um vinho do Porto em receber conteúdos mentais que, quase por
copos de vidro verde ou vermelho! Quando si só, está na origem da civilização humana.
a taça tem uma base que parece pequena Quem estiver de acordo com isso também
e insegura demais, não faz diferença com vai concordar com a minha ideia principal,
que engenhosidade é equilibrada; você a saber, que o mais importante a respeito
sempre fica nervoso com a possibilidade da tipografia é o fato de ela transmitir pens-
de que ela tombe. E há maneiras de com- amentos, ideias e imagens de uma mente
por linhas que, embora de aparência bem para outras. Essa colocação é o que se
razoável, deixam o leitor subconsciente- poderia chamar de porta de entrada para
mente preocupado, temendo duplicar as a ciência da tipografia. Lá dentro encon-
linhas, ou ler três palavras como se fossem tram-se centenas de aposentos; porém, a
uma, e assim por diante. menos que se admita que a impressão tem
Ora, quem primeiro escolheu o vidro – em por objetivo transmitir ideias específicas e
vez de cerâmica ou metal – para conter o coerentes, não há nada mais fácil do que
vinho era “modernista”, no sentido em que entrar na casa errada.
pretendo usar o termo. Ou seja, a primeira Antes de perguntar aonde nos leva tal
coisa que indagou desse objeto específico colocação, vamos ver aonde ela neces-
não foi “Como deve ser a sua aparência?”, sariamente não nos leva. Se os livros são
e sim “O que ela deve fazer?”, e nesse sen- impressos para que sejam lidos, precisa-
tido toda a boa tipografia é modernista. mos distinguir entre legibilidade e o que um
O vinho é uma substância tão estranha e oftalmologista chamaria de “capacidade de
poderosa que já foi usado no principal ritual enxergar”. Uma página composta em Bold
religioso de um tempo e lugar, e, em outro, Sans de catorze pontos é, segundo testes
foi atacado a machadadas por uma megera. de laboratório, mais “legível” do que out-
Há apenas uma coisa no mundo capaz de ra composta em Baskerville de onze pon-
despertar e alterar assim o espírito huma- tos. Nesse sentido, alguém que discursa
no, e essa é a expressão coerente do pens- em público é mais “audível” quando berra.
amento. Esse é o principal milagre do ser Mas uma boa elocução é aquela que não
humano, algo que lhe é exclusivo. Não há se deixa notar como voz. De novo a taça
“explicação” para o fato de que posso emitir translúcida! Nem é preciso dizer que, quan-
sons arbitrários e estes permitem que al- do se começa a acompanhar as inflexões e
guém completamente estranho acompanhe os ritmos da fala de alguém que discursa,
os meus pensamentos. Trata-se de algo ab- o mais provável é cairmos no sono. Quan-

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do ouvimos uma canção em língua que não nos serve de orientação através do labirinto.
entendemos, parte da nossa mente de fato Sem essa humildade essencial de espírito,
cai no sono, permitindo o exercício de sen- já vi designers fervorosos equivocarem-se
sibilidades estéticas bem distintas, livres de maneira irremediável, cometerem os er-
da faculdade da razão. É desse modo que ros mais absurdos por causa do entusiasmo
atuam as artes plásticas. Mas este não é excessivo, muito mais do que eu teria con-
o propósito da impressão tipográfica. Os siderado possível. E com essa pista, esse
tipos bem empregados são invisíveis en- propósito no fundo da sua mente, torna-se
quanto tipos, assim como a voz ideal é o possível fazer as coisas mais inusitadas, e
veículo despercebido para a difusão de pa- concluir que eles lhes justificam de modo
lavras e ideias. triunfal. Não há desperdício de tempo em
Podemos afirmar, portanto, que a im- voltar aos fundamentos básicos e racioci-
pressão tipográfica pode ser encantadora nar a partir deles. Em meio à afobação dos
por muitos motivos, mas que a sua relevân- problemas específicos, creio que vocês vão
cia maior é como um meio para realizar algo. considerar proveitoso dedicar meia hora a
Portanto, não convém considerar todo tipo um conjunto amplo e sensato de ideias rel-
de material impresso como obra de arte, em ativas a princípios abstratos.
especial de belas-artes, pois isso implicar- Certa vez conversei com um indivíduo que
ia reconhecer como seu principal objetivo a desenhou um tipo para publicidade muito
expressão da beleza em si e o deleite dos agradável e que, sem dúvida, todos vocês
sentidos. Hoje a caligrafia pode ser quase conhecem. Comentei então algo a respeito
considerada uma das belas-artes, uma da opinião dos artistas sobre um certo
vez que se eliminou a sua primeira função problema, e ele respondeu com um belo
econômica e educativa, mas a impressão gesto: “Ah, minha senhora, nós, artistas,
em inglês não pode ser incluída entre as ar- não pensamos – nós sentimos!”. No mes-
tes até que a língua inglesa deixe de trans- mo dia citei esse comentário a outro conhe-
mitir ideias às gerações futuras, e até que a cido meu, um designer, que, de inclinação
própria tipografia transfira a sua utilidade a menos poética, murmurou: “Não estou me
um sucessor ainda inimaginável. sentindo muito bem hoje, penso eu!”. Tinha
Não tem fim o dédalo das práticas tipográfi- razão, ele de fato pensava; era do tipo que
cas, e essa ideia do impresso como meio de pensava; e por isso não é um pintor tão bom
transmissão é, pelo menos na opinião de to- – e, para mim, um tipógrafo e desenhista de
dos os grandes tipógrafos com quem tive o tipos dez vezes melhor do que o outro, que
privilégio de conversar, o único indício que instintivamente evitava tudo o que fosse tão
coerente como uma razão.
“Os tipos bem empregados são invisíveis Sempre desconfio do entusiasta da
enquanto tipos, assim como a voz ideal é tipografia que recorta a página impressa de
o veículo despercebido para a difusão de um livro e a emoldura na parede, pois acho
palavras e ideias”. que, para satisfazer um prazer sensorial, ele
BEATRICE WARDE “A taça de cristal, mutilou algo infinitamente mais importante.
ou Por que a tipografia deve ser invisível”
Lembro-me de que T. M. Cleland, o famo-

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so tipógrafo americano, certa vez me mos- Ou pode trabalhar com o que chamo de
trou um leiaute muito belo para um folheto tipografia “transparente” ou “invisível”. Em
da Cadillac que usava ornamentos colori- casa tenho um livro do qual não tenho a
dos. Como não recebera o texto definitivo menor lembrança no que se refere à aparên-
para usar no projeto de suas páginas, ele cia dos tipos; quando penso nele, tudo o
mandara compor as linhas em latim. Isso que vejo são os Três Mosqueteiros e os seus
não se devia apenas ao motivo que deve companheiros pavoneando-se para cima e
estar na cabeça de todos vocês, se já vi- para baixo nas ruas de Paris. O terceiro tipo
ram o famoso texto Quousque Tandem das de janela é aquele no qual o vidro está frag-
antigas fundições de tipos (isto é, que o mentado em placas relativamente pequenas
latim tem poucas letras descendentes e, separadas por chumbo, e isso corresponde
portanto, resulta em linhas extraordinaria- ao que hoje se denomina “impressão fina”,
mente regulares). Não, ele me contou que no sentido de que você fica pelo menos con-
originalmente havia composto o “palavrea- sciente de que há uma janela ali, e de que
do” mais tedioso que poderia arranjar (ouso alguém apreciou construí-la. Isso não é re-
dizer que era do Hansard), mas constatou provável, devido a um fato muito importante
que o sujeito a quem apresentou o projeto que tem a ver com a psicologia da mente
começara a ler e comentar o texto. Eu disse subconsciente. Ou seja, o fato de que o olho
algo sobre a mentalidade dos membros da mental focaliza através do tipo e não sobre
diretoria, mas o sr. Cleland replicou: “Não, ele. O tipo que, por qualquer distorção arbi-
a senhora está enganada. Se o leitor não trária do design ou excesso de “cor”, obstrui
fosse praticamente forçado a ler – se não o quadro mental a ser transmitido é um tipo
tivesse visto aquelas palavras subitamente ruim. O nosso subconsciente sempre teme
imbuídas de prestígio e significado –, então os erros (nos quais podemos incorrer leva-
o leiaute teria sido um fracasso. Compor o dos pela composição ilógica, pelo espaceja-
texto em italiano ou em latim é apenas uma mento apertado e pelas linhas longas demais
maneira conveniente de dizer ‘Este não é o e com pouco entrelinhamento), os aborreci-
texto que vai aparecer’”. mentos e as intromissões. O título corrente
Permitam-me passar às minhas conclusões que insiste em atrair a nossa atenção, a linha
específicas à tipografia de livros, pois aí trato que mais parece uma única e longa palavra,
de todos os elementos fundamentais, e em as maiúsculas espremidas e sem qualquer
seguida abordar pontos relativos à publici- espaço fino – tudo isso significa desatenções
dade. Quanto aos livros, a tarefa do tipógrafo subconscientes e perda de foco mental.
é colocar uma janela entre o leitor dentro de E, se tudo isso vale para a impressão de
um aposento e a paisagem, que são as pa- livros, até mesmo nas mais requintadas
lavras do autor. Ele pode instalar um vitral de edições limitadas, é cinquenta vezes mais
maravilhosa beleza, mas que não funcione evidente na publicidade, em que a única
como janela; ou seja, pode lançar mão de justificativa para a aquisição de espaço é a
tipos complexos e requintados, como uma difusão de uma mensagem – que se quer
fonte gótica, que é algo para ser visto, mas implantar como um desejo, diretamente no
não para se ver através dele. espírito do leitor. É tragicamente fácil jogar

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fora metade do interesse do leitor por um experimentos autorreferentes e piegas. Não
anúncio ao se compor o texto simples e at- há nada de simples ou enfadonho na pro-
raente com um tipo desagradavelmente es- dução de uma página translúcida. A osten-
tranho ao que se considera classicamente tação vulgar é duas vezes mais fácil enquan-
razoável em termos de tipografia de livro. to disciplina. Quando nos dermos conta de
Chame a atenção como quiser por meio do que a tipografia feia jamais desaparece, en-
título, e recorra a qualquer aparência bela tão seremos capazes de alcançar a beleza,
nos próprios tipos se você está convenci- tal como os sábios alcançam a felicidade
do de que o texto não presta para vender ao visar outro objetivo. O “tipógrafo obsti-
o produto; mas, se tem a satisfação de tra- nado” conhece a superficialidade dos ricos
balhar com textos bons, não se esqueça de que odeiam ler. Não é para estes a apre-
que milhares de pessoas pagam um din- ciação detida de serifas e espaços entre le-
heiro suado pelo privilégio de ler páginas tras, tampouco eles vão se preocupar com
de livros compostas de maneira comedida, as difíceis decisões sobre espaços finos.
e que apenas a mais desenfreada inventiv- Ninguém (a não ser outros profissionais)
idade pode impedir as pessoas de ler um saberá apreciar metade que seja da habili-
texto de fato interessante. dade desses tipógrafos. Mas vocês podem
A tipografia requer humildade de espírito passar incontáveis anos de feliz experimen-
e, devido à falta desta, muitas das belas-ar- tação projetando uma taça cristalina digna
tes estão agora mesmo naufragando com de receber a vindima do intelecto humano.

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KATHERINE MCCOY eletrizou o mundo do design no fim da década de 1970
e na década seguinte. Sob a sua liderança, o trabalho experimental realizado
na Cranbrook Academy of Art, em Bloomfield Hills, Michigan, transformou
o design gráfico em provocação. Frustrados com os limites modernos dos
sistemas tipográficos suíços, os alunos dela inauguraram um período marcado
pela complexidade, pela ambiguidade e pela subjetividade na disciplina. Indo
além da experimentação radical mais formal de Wolfgang Weingart, McCoy
explorou “novas relações entre texto e imagem”. A obra pessoal e multicamadas
resultante requeria de propósito a interpretação por parte do público. A ênfase
do modernismo na forma deu lugar a um estudo extremamente singularizado da
expressão. A tipografia tornou-se um discurso a ser avaliado e discutido no denso
contexto cultural da filosofia, da linguística e da teoria da cultura. Furiosos, os
modernistas tacharam o trabalho de McCoy de “feio” e “pouco prático”, dando
início às “Guerras de Legibilidade” que caracterizaram a década de 1990. Tal
alvoroço tornou evidente a importância de Cranbrook. A atividade nessa pequena
escola do interior fez com que os princípios subjacentes da nossa profissão
ficassem explícitos. E assim eles puderam ser examinados criticamente e
encarados com o frescor de olhos pós-modernos.

A TIPOGRAFIA COMO DISCURSO Robert Venturi1, assim como o estudo da


KATHERINE MCCOY história do design gráfico passaram a influir
(COM DAVID FREJ) | 1988 sobre os estudantes da disciplina nos Es-
tados Unidos. Ao mesmo tempo, na Suíça,
A história recente do design gráfico nos a Escola de Basel viu-se transformada pela
Estados Unidos deixa patente uma série experimentação sintática de Wolfgang We-
de ações e reações. A década de 1950 te- ingart, um entusiasmo que logo se difundiu
stemunhou o florescimento do design gráf- pelas escolas americanas.
ico americano com a Escola de Nova York. A redescoberta, pelas universidades, do
Essa direção, de voltada para a imagem modernismo do início do século 20, o apa-
e para o texto publicitário, foi contestada recimento do pós-modernismo arquitetôni-
na década de 1960 com a importação do co historicizado e vernacular, a difusão do
minimalismo suíço, um sistema estrutural e expressionismo estrutural weingartiano,
tipográfico que divorciou o design gráfico tudo isso confluiu para a explosão gráfica
da publicidade. De modo previsível, na dé- que ficaria conhecida como New Wave.
cada seguinte os designers se rebelaram Romper com as regras do minimalismo era
contra a Helvetica e o sistema de grids, algo estimulante e bem mais divertido do
que haviam se tornado o estilo oficial das que a antisséptica disciplina da escola suíça
corporações americanas.
No início dos anos 1970, o livro Complex- 1. Robert Venturi, Complexidade e contradição
em arquitetura [1966], trad. Álvaro Cabral. São Paulo:
idade e contradição em arquitetura, de Martins Fontes, 1995.

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Se o design tem a ver com a vida, sequência, elementos de design há muito
por que não teria ele toda a negligenciados, como a expressão semân-
complexidade, variedade, contradição tica na forma, no texto e na imagem, es-
e sublimidade da vida?
tão começando a ressurgir. Grande parte
KATHERINE MCCOY E MICHAEL MCCOY
Cranbrook Design: The New Discourse, 1990
desses trabalhos recentes não pertence à
linhagem Bauhaus / Basel / New Wave, e
não surpreende que alguns de seus prat-
clássica. Após uma breve lufada de protes- icantes tenham formação em artes plásti-
tos na imprensa especializada, essa nova cas, fotografia ou literatura, e não em de-
abordagem permissiva logo se instalou na sign gráfico.
corrente central da profissão. Hoje, contu- Quando se examina a tipografia experi-
do, a dissidência foi domada, codificada em mental de hoje, o que se encontra não é
um estilo formalista que invade os anuários tanto uma nova tipografia, e sim novas
de design com as suas versões intermina- relações entre texto e imagem. Na reali-
velmente sofisticadas. O que na origem era dade, a tipografia, tão celebrada nos últi-
uma revolução tornou-se agora uma insti- mos dez anos de dissecção estruturalista,
tuição, tão previsível quanto a arquitetura está desaparecendo. A aparência e a estru-
clássica. É o novo status quo – a Nova Aca- tura da letra são desvalorizadas, e no seu
demia, como diz Philip Meggs. lugar privilegiam-se o significado verbal e a
Decidir se a New Wave é pós-modernis- interação de imagens e símbolos. Os mel-
mo ou apenas modernismo tardio é cru- hores trabalhos recentes com frequência
cial para entender as novas obras atuais. são informais e, por vezes, decididamente
A New Wave estende o interesse clássico antiformais, mesmo com a presença de el-
suíço pela estrutura às dissecções e re- ementos da New Wave.
combinações da gramática do design gráf- Na reação à perfeição técnica do design
ico. As imagens e as texturas em camadas gráfico majoritário, em geral o refinamen-
dão continuidade à estética da colagem to e a mestria são repudiados em favor da
inaugurada por cubistas, construtivistas e imediaticidade das formas improvisadas,
dadaístas. Mas o acréscimo de imagens e desenhadas à mão ou vernaculares – afi-
cores vernaculares reflete a descoberta da nal, a perícia técnica dificilmente é ainda
cultura popular pela arquitetura pós-mod- reveladora. Esses designers valorizam
erna, e a reintrodução dos tipos clássicos mais a expressão do que o estilo.
serifados tem como inspiração a história Aqui, nos limites do design gráfico, a pre-
anterior ao século 20. Tomados como um sença do designer chega a ser tão oblíqua
todo, porém, os complexos arranjos da que certos trabalhos parecem ter saltado
New Wave são sobretudo sintáticos, ab- diretamente da cultura popular. Refletindo
straindo a tipologia e as imagens em com- a atual teoria linguística, a noção de “auto-
posições barrocamente modernas. ria” como vocabulário pessoal formalizado
O conhecimento da Nova Academia, mui- é menos importante do que o diálogo entre
tas vezes lustrosa repetição, deixou alguns o objeto gráfico e o público; e já não há
designers gráficos insatisfeitos. Em con- mais declarações unilaterais por parte dos

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KATHERINE MCCOY Esta peça, intitulada “Renewal Equation” [Fórmula da renovação], apareceu
em um folheto sobre o tema da reciclagem, do reaproveitamento de papel e da sustentabilidade
ambiental, com o objetivo de apresentar o papel reciclado da Strathmore, em 1990. Essa “fórmula”
fictícia fala da complexidade de avaliar o impacto ambiental da nossa presença como megacon-
sumidores no planeta Terra. Todas as imagens foram copiadas de cadernos de anúncios dos jor-
nais, usando o lixo da nossa cultura de obsolescência comercial.

designers. A disposição em camadas do


conteúdo, em oposição à disposição formal
dos elementos em camadas de colagem na
New Wave, é a chave desse intercâmbio.
A comunicação objetiva é ressaltada por
significados diferidos, narrativas ocultas e
interpretações alternativas.
As fontes de grande parte do atual ex-
perimentalismo podem ser rastreadas nas
mais recentes obras de artes plásticas e
fotografia, e na crítica da literatura e da
arte. Influenciados pelo pós-estruturalismo
francês, críticos e artistas desconstroem
a linguagem verbal como um filtro ou viés
que inevitavelmente manipula a reação do
leitor. Quando tal abordagem se aplica à
arte e à fotografia, a forma é tratada igual-
mente como uma linguagem visual. Tan-
KATHERINE MCCOY Cartaz “See Red” [Ver ver-
to os textos como as imagens devem ser melho], curso de graduação em design, Cran-
lidos com cuidado, e seus significados, brook. Uma colagem de fotos feitas por alunos
decodificados. Obviamente, essa comuni- recém-formados é sobreposta por uma relação
de valores de design possivelmente opostos e
cação intelectualizada demanda muito de
com um diagrama de teorias de comunicação.
seu público; é um trabalho mais duro do McCoy concebeu o esquema “see red” por vol-
que os prazeres formais da New Wave. ta de 1988 a fim de simular o modo pelo qual as

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teorias literárias desconstrucionistas e estruturalistas / pós-estruturalistas poderiam ser aplicadas
aos procedimentos visuais e verbais do design gráfico. Subjacente está a premissa de que um obser-
vador recebe duas modalidades de estímulos: pela visão – um processo visual, simultâneo, intuitivo,
vivencial, perceptivo e gestáltico – e pela leitura – um processo verbal, sequencial, letrado, cerebral e
decodificador. Normalmente supomos que os observadores “veem” imagens e “leem” palavras, mas
esse modelo também associa a “visão” com o texto, e a “leitura” com as imagens.

Grande parte da nova tipografia é bastan- para que as suas partes sejam expressas. O
te contida. Na verdade, não há como inclu- texto deixou de ser o parque de diversões
ir aqui alguns dos exemplos mais interes- sintático dos descendentes de Weingart.
santes devido à sua escala radicalmente Essas sobreposições crípticas e im-
modesta ou ao seu desenvolvimento sutil passíveis de texto e imagem nem sempre
durante uma sequência de páginas. Par- buscam a elegância e o refinamento, em-
te é ousada em termos de escala, mas tão bora possam exibi-los sem querer. Agora
trivial que pouco se destaca em termos de o foco está na expressão por meio do con-
uma afirmação visual. (Um designer chama teúdo semântico, usando o software da
essas intenções estritamente linguísticas linguagem visual assim como o hardware
de tipografia “não alusiva”.) Os tipos agora estrutural e a gramática gráfica do mod-
variam do clássico ao banal, com frequên- ernismo. Trata-se de um processo intera-
cia industriais sem serifas. O texto costuma tivo que – uma vez que a arte sempre an-
ser tratado como tal – blocos indiferencia- tecipa a evolução social – anuncia a nossa
dos de palavras –, sem as manipulações economia da informação emergente, na
maneiristas da New Wave, na qual as frases qual importam tanto os significados quan-
e as palavras são alegremente explodidas to os materiais.

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STEVEN HELLER é o mais prolífico autor de design, tendo lançado até agora
mais de uma centena de livros e incontáveis artigos. Durante a maior parte da
sua carreira, ele fez tudo isso enquanto trabalhava como influente diretor de arte
do New York Times (primeiro da página de editoriais e, depois, do suplemento
de literatura, o Book Review). Como se sabe, o dia de trabalho começa para ele
às quatro da manhã. Desde o fim da década de 1970, Heller dedica essas horas
do princípio da manhã a documentar e criticar a história e a cultura do design
gráfico, registrando muitas histórias que acabariam por se perder.
Como educador, foi um dos fundadores e diretores do curso de mestrado
Designer as Author [O designer como autor] da School of Visual Art, e em 2008
criou na instituição o curso (também mestrado) de Design Criticism [Crítica
do design]. Heller marca as suas posições com uma voz característica, muito
baseada em princípios e, por vezes, polêmica. Atualmente, está explorando o
mutável domínio dos blogs, seja como editor, seja como autor de publicações on-
line. No texto a seguir, publicado no blog Design Observer, Heller faz um exame
aguçado do meio publicitário ao explorar o complexo relacionamento entre as
vertentes majoritária e alternativa do design.

O MAINSTREAM ALTERNATIVO ginais ou alternativas que oferecem as


STEVEN HELLER | 2008 maiores possibilidades de aproveitamen-
to, e as suas publicações ou jornaizinhos
A cultura publicitária somente sobrevive são os primeiros a serem saqueados. In-
graças ao furto de propriedade intelec- variavelmente, os pioneiros da forma rad-
tual. Os marqueteiros roubam ideias dos ical viram mananciais nesse processo de
visionários, nelas introduzem ligeiras al- apropriação. Todos os tipos de rebelião
terações (quando o fazem), e depois as acabam por criar seguidores, e o acúmulo
devolvem ao público como se fossem destes formam grupos significativos.Mas
produtos novos. Nesse processo, aqui- não se trata de fenômeno novo. Desde o
lo que era contestador vira mercadoria, e princípio do século 20, as vanguardas vêm
o que antes era o choque do novo vira a cedendo ideias originais para o mercado de
chatice da novidade. Quase sempre, são massas. Na Europa, a Wiener Werkstätte, a
as manifestações iniciais de culturas mar- Deutscher Werkbund, a Bauhaus e vários
outros movimentos e escolas reformistas
“Como é possível fazer design quando que procuravam melhorar o mercado com
se desconhece o passado? Como artes e ofícios anticonvencionais acabaram
instrumento político ele ajuda a entender engolidos pelo próprio sucesso. O objetivo
a linguagem da persuasão, mesmo geral deles era elevar o nível tanto da man-
se entre os objetivos da encomenda ufatura como do design, ao mesmo tempo
não está mudar a política”.
que alteravam hábitos antigos e expecta-
STEVEN HELLER entrevista a graphics.com, 2007
tivas obsoletas, mas no fim as suas ideias

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acabaram firmemente estabelecidas. A van- na realidade, no ramo das cópias baratas.
guarda é usurpada quando a sua excentrici- Todavia, quando tentavam ampliar as fron-
dade torna-se aceitável. teiras do design, os intrépidos publicitários
Na década de 1920, o americano Earnest também eram obrigados a conhecer aq-
Elmo Calkins, um publicitário progressis- uilo que o desenhista industrial Raymond
ta, argumentou que os produtos do dia a Loewy chamava de MAYA (Most Advanced
dia e as campanhas publicitárias deveriam Yet Acceptable [Mais Avançado Porém
adotar características da arte europeia de Aceitável]). Os vanguardistas ardorosos
vanguarda. Segundo ele, a despeito do criavam formas efetivamente sem prec-
viés antissistema da vanguarda, os ele- edentes, mas quando estas são usadas
mentos simbolistas, cubistas, futuristas e para fins comerciais o que se nota é uma
expressionistas iriam atrair mais a atenção espécie de diluição. Invariavelmente, o que
do consumidor do que uma centena de começa como subcultura elitista segue
slogans. No período posterior à Primeira uma trajetória previsível que vai da rejeição
Guerra, quando se exaltava a renovação, o popular até a adoção pelas massas.
novo-e-melhorado constituíam o mantra do Um exemplo é o movimento psicodélico na
comércio. Mas por que, raciocinava Calk- década de 1960, que surgiu em uma co-
ins, perder tempo inventando algo comple- munidade restrita com interesses compar-
tamente novo, se os artistas e designers tilhados por sexo, drogas e comportamen-
mais experimentais da época já estavam, to anárquico – todos ameaçadores para o
por conta própria, testando a tolerância em sistema estabelecido. Artistas plásticos,
relação às novas ideias? Calkins solicitou músicos e designers que se identificavam
então a publicitários que se apropriassem com o movimento aperfeiçoaram meios
da arte moderna e desbastassem as suas expressivos que ajudaram a definir as car-
arestas, acrescentando aqui e ali um orna- acterísticas reconhecíveis dessa cultura. A
mento para torná-la palatável aos consum- arte psicodélica constituía um vocabulário
idores, e – voilà! – atração instantânea e distinto, influenciado por estilos gráficos
vendas imediatas. anteriores, que subvertiam as regras rígi-
Calkins também defendia a doutrina da ob- das de clareza e legibilidade propostas
solescência forçada de modo a incentivar pelos modernistas que em certo momento
a circulação de novos produtos. Alegava haviam sido a vanguarda. Por meio de sua
que mudanças superficiais e frequentes própria aparência suja e sexualizada, ela
em todo tipo de produto, desde a embala- manifestava os ideais da cultura jovem. E,
gem do sabonete até o gabinete do recep- por um breve período, foi de fato um cho-
tor de rádio, fariam com que os consumi- que para o sistema. Porém, ao se tornar
dores descartassem o velho, comprassem mais conhecida (como na ocasião em que
o novo, reanimando assim a economia. apareceu na capa da revista Eye, do grupo
O desperdício não era um problema. Evi- Hearst, ou nos cenários do Laugh-In, um
dentemente, isso exigia visionários verda- programa de TV da NBC), virou um código
deiros, assistentes habilidosos e imitado- facilmente cooptável pelos marqueteiros.
res competentes. Os publicitários estavam, O psicodelismo artificial passou a ser pro-

11
duzido quando as visões dos pioneiros testadores, entre os quais o punk e o grun-
foram cooptadas pelos interesses lucrati- ge, surgiram com a intenção de desarticu-
vos dos empresários. E o que teve início lar os métodos e maneirismos dominantes,
como um pacto de interesse mútuo trans- mas acabaram absorvidos pela cultura de
formou-se em atos de imperialismo cultur- massas. E tornou-se axiomático que a arte
al. Grupos musicais alternativos abriram marginal, caso pretenda ter alguma in-
caminho em um redemoinho publicitário. fluência, vai se aproximar do centro, ou ser
A eles foram oferecidos contratos por grava- empurrada para ele. Basta apenas que os
doras pertencentes a grandes corporações seguidores dos seguidores abram caminho
que queriam dominar uma parcela significa- até o sistema principal. Na realidade, este
tiva do mercado. Por sua vez, as gravadoras abrange quase tudo o que é “de ponta”,
divulgavam e formatavam esses grupos us- ainda que, ao receber tal rótulo, já não es-
ando os próprios códigos pelos quais eram teja mais na ponta de nada.
reconhecidos como “alternativos” pelo cres- Muito pouco daquilo que se origina dos
cente mercado jovem. E esse código era o movimentos alternativos deixa de aparecer
design psicodélico. No princípio, a aparên- no sistema. A pornografia, antes o flagelo
cia era razoavelmente compatível com a da sociedade puritana, agora é usada pela
concepção e a motivação originais dos pi- publicidade devido ao seu fascínio picante.
oneiros vanguardistas. Muitas capas de dis- Apesar de protestos ocasionais por parte
cos da época tornaram-se hoje exemplos de grupos de defesa da moral, todo tipo de
“clássicos” do genuíno design psicodélico. sexualidade-tabu pode ser consumida em
Todavia, em um período muito curto, à me- revistas e outdoors. A tolerância popular
dida que começavam a se acumular os lu- ampliou-se de tal modo que é difícil fazer
cros, os caçadores de tendências na cultura algo chocante em qualquer domínio.
jovem ampliaram o alcance do estilo psi- De modo inverso, mesmo antes de o siste-
codélico, e com isso apararam suas arestas. ma começar a pilhar as culturas alternativas,
O psicodelismo deixou de ser um código estas se apropriaram satiricamente do sta-
alternativo, e tornou-se a confirmação do tus quo. Hoje, isso é conhecido como culture
comportamento conformista, o uniforme da jamming [intereferência cultural], mas na dé-
alienação. A sociedade estabelecida ainda cada de 1920 os modernistas vanguardistas
desaprovava a estética, mas era difícil ficar usurparam as formas fundamentais da publi-
apavorado com algo que se mostrara tão in- cidade ao transformar a própria arte em pub-
tegrado ao mercado de massa. As drogas licidade. O que eram as obras magistrais do
continuavam a ser nefastas, mas o psicodel- dadaísmo, do futurismo e do construtivismo
ismo era apenas decorativo. se não publicidade das novas ideias? Ao se
A vanguarda foi mercantilizada e o resulta- promoverem, eles ampliaram ainda mais as
do foi uma exploração comercial delibera- linguagens visuais da publicidade de ponta,
da e medíocre. O que restava era um estilo o que, não por coincidência, mais tarde seria
oco que denotava uma época. aproveitado pela publicidade convencional.
Ao longo das décadas seguintes, outros A publicidade sempre foi um dos alvos pre-
movimentos artísticos e de design con- diletos dos críticos sociais. Na década de

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1930, a Ballyhoo, uma popular revista de hu- Os membros da cultura alternativa atacam
mor (e o protótipo da revista Mad, que por os meios convencionais estabelecidos por
sua vez foi a mãe dos pasquins alternativos dois motivos: para alterá-los ou para ter
da década de 1960 e a avó dos atuais fan- acesso a eles, ou às vezes por ambas as
zines), dilacerava com selvageria a fachada razões. Raros são os designers que pref-
dos publicitários da Madison Avenue. A Bal- erem permanecer para sempre do lado de
lyhoo pegava anúncios comuns de carros, fora. Afinal, quem está fora invariavelmente
detergentes, alimentos e tudo o mais, alter- continua marginalizado até que o próprio
ava espirituosamente as marcas (à la Ad- sistema decida celebrá-lo como um gênio
busters) e caricaturava as peças de modo a desconhecido. Quem está fora pode decidir
revelar o absurdo inerente à publicidade dos se juntar ao mainstream nos seus próprios
produtos. Da mesma maneira, na década termos, mas de um modo ou de outro pre-
de 1950 e início da seguinte, a revista Mad cisa fazer isso, caso queira ter um impacto
fustigava as grandes marcas, ao atacar os mais amplo, para além do seu próprio cír-
slogans insidiosos que pululavam na publici- culo. Talvez este seja um dos motivos pelos
dade. Eles lançaram clássicos como “Olha, quais tantos que se consideram rebeldes
mamãe, sem cáries, e sem dentes também”, acabam fazendo publicidade convencional
uma réplica jocosa às falsas promessas de e, atualmente, publicidade viral. “É ali que
dentes sem cáries feitas pela pasta Crest, estão os melhores recursos”, me disse um
e “Feliz e bem mais sábio”, uma paródia da jovem diretor de criação de uma agência
cerveja Budweiser por meio de um anún- nova-iorquina “avançada”. “E também é
cio que mostrava um sujeito embriagado e onde acredito que vou ser capaz de produz-
desesperado que acabara de ser abandona- ir mais impacto no futuro do meio, e mesmo
do pela mulher. A Mad inspirou os cartões no da cultura.” Na realidade, na parede do
Wacky Packages [Embalagens malucas] escritório dele dá para ver uma folha de am-
(criados por Art Spiegelman), que vinham arelados e velhos adesivos de Wacky Pack-
com os chicletes Topps e faziam piada com age. “Isso é a publicidade em seu auge”,
marcas de produtos conhecidos, criticando explica ele. “Pois é irônica e irreverente
a sociedade, a política e a cultura (por ex- consigo mesma e com os outros. As mel-
emplo, as Reaganets, baseadas nas pas- hores peças publicitárias deviam ser feitas
sas com chocolate Raisinets, e que tinham com espírito e humor, com uma piscadela e
a cara do ex-presidente americano). Para- um aceno. A autoparódia é o caminho.” Na
doxalmente, a Ballyhoo, a Mad e os Wacky verdade, o processo já percorreu o círculo
Packages eram todos produtos para o mer- todo. Hoje, os designers para as grandes
cado de massa, mas devido a suas respecti- agências de publicidade, tarimbados em
vas influências acabaram tendo impacto sig- abordagens alternativas, já converteram o
nificativo sobre os garotos que, ao crescer, underground no mainstream, e passaram a
produziriam os ícones da cultura alternativa. chamar isso de “cool”.

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ELLEN LUPTON proporcionou ao design gráfico um novo vocabulário. Por meio
de livros e mostras influentes, ela tomou importantes conceitos teóricos relativos
à arte, à literatura e à cultura e os aplicou à nossa disciplina. Quando as pessoas
querem entender o design, elas procuram Ellen Lupton. Em 1992, ela tornou-se a
curadora de design contemporâneo do Cooper-Hewitt, National Design Museum.
Em 2003, criou um curso de mestrado em design gráfico no Maryland Institute
College of Art, em Baltimore. Por meio do seu trabalho nessas instituições, e
também de sua prolífica atividade editorial, ela aproximou o público em geral
do discurso do design. Com o acesso cada vez mais fácil às ferramentas de
edição, explica Lupton, o pensamento sobre o design torna-se cada vez mais
crucial. Graças a uma compreensão mais ampla a respeito do tema, os cidadãos
podem se tornar comunicadores; e os consumidores, produtores. Para Lupton,
como diz no texto a seguir, o design gráfico “é um modo de pensamento e de
atuação que tem a ver com todos os seres humanos”. Este ensaio foi escrito por
Ellen Lupton a quatro mãos com a sua irmã gêmea, Julia, renomada especialista
em Shakespeare que adotou o design como atividade paralela. Com isso, as
irmãs Lupton embarcaram em uma série de livros e projetos voltados à difusão
das técnicas e ideias do design para novos públicos. O ensaio “A vingança da
Univers” é o primeiro texto publicado da dupla.

A VINGANÇA DA UNIVERS “À medida que a informação procura


ELLEN E JULIA LUPTON | 2007 irradiar seu corpo físico, ideais de
comunalidade, transparência e abertura
renascem, lutando contra a opacidade e a
Em 2002, na revista Print, Katherine Mc-
singularidade de expressões visuais únicas,
Coy desafiou os designers a apoiar as cul-
baseadas em preferências regionais e em
turas locais praticando um design voltado obsessões particulares”.
para os usuários. McCoy estava exprimin- ELLEN LUPTON Pensar com tipos, 2006
do o descontentamento pós-moderno com
o design universal. “Como designer mod-
ernista da escola suíça no final da década nacional estão dilacerando comunidades,
de 1960”, escreveu, “eu sabia que íamos países e o próprio mundo. Ódios tribais e
refazer o mundo com a Helvetica.” O mod- guerra civil, assim como a ganância cor-
ernismo busca uma linguagem comum ba- porativa e a arrogância imperial, estão se
seada em sistemas e modularidade; em mostrando catastróficos. Não mais satis-
contraste, os pós-modernistas valorizam feitos pelo culto particularista das cultur-
as expressões específicas e os dialetos de as, filósofos, teólogos, jornalistas e artistas
culturas e subculturas. ao redor do planeta estão recuperando as
Atualmente, a cultura parece ser tanto ideias universais presentes em suas espe-
um problema quanto uma solução. As dif- cíficas orientações religiosas, nacionais ou
erenças de ideologia, religião e identidade comunitárias, seja sob a forma de amor ao

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próximo, igualdade dos cidadãos, direitos “O artesanato continua a ser parte
humanos ou responsabilidade comum pelo relevante do design hoje, mas o que
futuro do planeta. vem mudando é o movimento para fora.
O design está se tornando menos voltado
O filósofo Kwame Anthony Appiah, espe-
para dentro e apontando uma direção
cialista em ética da Universidade de Princ-
mais social”.
eton que nasceu e foi criado em Gana,
ELLEN LUPTON entrevista a Nicole Bearman
questionou os valores do multiculturalismo e Gabrielle Eade para o Design Hub, 2007
em favor de um novo “cosmopolitismo”,
literalmente, de uma “cidadania mundial”.
Kumasi, a próspera e multilíngue capi- culturas. Os indivíduos participam de uma
tal da região Axânti em Gana, é habitada humanidade e de uma civilização globais,
por membros das etnias Axânti e Hauçá, assim como da sua comunidade local. Um
por imigrantes do Sul da Ásia e do Oriente lugar cosmopolita, como Nova York, Paris
Médio, e por descendentes de britânicos. ou Kumasi, extrai o seu vigor da mescla de
Em um pequeno vilarejo distante cerca gente, pessoas inextricavelmente ligadas a
de trinta quilômetros, a população é mais um mundo mais amplo, e que têm o direito
homogênea em termos étnicos, mas tam- de participar em uma conversação global.
bém ali a cultura está conectada ao resto Para os pós-modernistas, o ideal da co-
do mundo. “Todos os moradores do vilare- municação universal não passava, na mel-
jo”, escreve Appiah, “têm aparelhos de rá- hor das situações, de uma utopia ingênua,
dio; e você provavelmente vai presenciar e, na pior, de uma atitude opressivamente
uma discussão sobre a Copa do Mundo, colonial. Depois da Segunda Guerra Mun-
Muhammad Ali, Mike Tyson ou hip-hop.” dial, as ideias introduzidas pela vanguar-
Eles bebem Coca-Cola e Guinness, assim da modernista passaram a servir à global-
como a cerveja ganense, a Star. No entan- ização, na qual campanhas publicitárias
to, nota Appiah, o que se ouve no rádio é a mundiais permitiram que marcas interna-
língua local, e não o inglês, e os seus times cionais, desde Coca-Cola e McDonald’s
de futebol prediletos são de Gana. Esses até Ikea e Starbucks, competissem com
vilarejos podem estar conectados ao res- os bens e serviços locais. Um exemplo, na
to do mundo, mas a homogeneidade deles cidade de Nova York, foi o gradativo desa-
“ainda é de tipo local” – uma homogenei- parecimento dos copos de papel para café
dade do mesmo nível e estilo, escreve ele projetados por Leslie Buck em 1963 para
de modo provocador, daquela encontrada um fabricante de artigos de papel de Con-
em um subúrbio de Nova Jersey.1 necticut; a difusão do Starbucks acabou
De forma eloquente, Appiah contrapõe-se fazendo desses copos, antes encontrados
à tentativa de criar museus artificiais a par- por toda parte, uma lembrança nostálgica.
tir das culturas locais. O mundo, argumen- Porém, pode o design global às vezes afir-
ta, é constituído de indivíduos, e não de mar identidades culturais ao mesmo tem-
po que melhora milhões de vidas? Basta
considerar a Ikea, uma empresa de móveis
1. Kwame Anthony Appiah, Cosmopolitanism: Ethics in a
World of Strangers. Nova York: W. W. Norton, 2006, p. 102. que integrou o design, a manufatura e o

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prestígio da marca às tendências sociais de navio, mesclando dois tipos de minimalis-
existência nômade, customização e des- mo, o nórdico e o asiático.
cartabilidade. Itens como o modesto sofá Outro exemplo é o do tamanho das
Klippan, projetado por Lars Engman em roupas. Em 1958, o governo dos Estados
1983, atendem bem aos ideiais democráti- Unidos padronizou os tamanhos de modo
cos dos pioneiros designers modernistas. a tornar mais confiáveis as compras por
Ainda que poucos produtos da Bauhaus parte dos consumidores. Em 1983, di-
tenham chegado ao mercado de massa, o ante das formas mutáveis dos corpos dos
sofá Klippan, vendido por menos de duzen- americanos, esses padrões foram abando-
tos dólares, encontrou o seu lugar em mais nados e substituídos por outros, definidos
de 1 milhão de residências em dezenas de por cada empresa. Quando você escolhe
regiões ao redor do mundo. uma marca, também está optando por
Bem que seria possível criticar a Ikea por todo um conjunto de identificadores – não
difundir a monotonia da globalização. Em- só de sexo, mas de faixa etária, classe e
bora seja uma empresa global, ela preser- modo de vida.
va uma nítida identidade regional (bas- A Hanes tem tamanhos grandes demais
ta lembrar das almôndegas, da geleia de para os mais pobres, ao passo que os da
mirtilo e do salmão defumado). Fundada American Apparel são menores e voltados
em 1943, constituiu a sua linha de produ- para o mercado de jovens. Tim Kaeding, o
tos com base em uma versão escandinava diretor de criação da 7 for All Mankind, uma
do modernismo – ressaltando o conforto, marca de jeans da Califórnia, confessou em
a informalidade e a adaptação ao gosto entrevista recente que, “no setor dos jeans,
individual. Não demorou muito para que o tamanho não é uma ciência precisa. É
a empresa abrisse lojas em outros países quase um sistema irrelevante, de númer-
da Escandinávia e, em seguida, por toda os inventados”. E de quem é a culpa, de
a Europa Ocidental e mais além. Quan- qualquer modo? Os consumidores praticam
do inaugurou a primeira loja nos Estados a arte da negação em reação a uma dieta de
Unidos, em 1985, a Ikea já estava esta- fast-food, carbonatada pelas imagens dos
belecida em Hong Kong, Austrália, Arábia ricos e magros. E lá estão os marqueteiros
Saudita e Dubai. Onde quer que ela se in- para fazer com que nos sintamos melhores
stale, as pessoas fazem filas diante das e compremos mais. Uma retomada dos ta-
lojas. Em contraste com a Coca-Cola e o manhos padronizados universais resultaria
McDonald’s, empresas que adaptam o seu em maior transparência para consumidores
marketing e as suas receitas aos gostos e produtores de todas as partes.
locais, as mercadorias e a disposição das E o que essa argumentação tem a ver com
lojas da Ikea são mais ou menos uniformes o design gráfico? Pensem no gabarito, que
em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os oferece soluções genéricas para prob-
seus produtos refletem e reconhecem in- lemas comuns em uma proposta careta
fluências globais. Em uma das suas lojas, de automatizar o design. O designer Dmi-
pode-se ver hoje um minúsculo salão de tri Siegel criticou o que chama de “mente
chá japonês na ponta de uma cozinha de gabaritada”, sempre atenta aos espaços

16
vazios que têm de ser preenchidos, às im- problemas específicos. Seus maneirismos
agens de fundo customizáveis, aos pro- e incertezas obrigam o design a mudar e a
dutos a serem classificados e avaliados. se expandir.
Os deprimentes modelos do PowerPoint Veja-se a tentativa de definir o “design
servem mais para controlar a produção do universal”. Este se refere a uma linguagem
que para capacitar os usuários com ferra- única ou a um tipo panlinguístico e global?
mentas que promovam a agilidade de ra- Ele incentiva o acesso comum à educação,
ciocínio, e a consequência são os docu- à ferramentas e programas? Cataloga os
mentos prolixos e repletos de truques. padrões e os protocolos compartilhados
No entanto, o PowerPoint tornou-se uma que permitem um intercâmbio mais fácil da
ferramenta indispensável, pois funciona informação? Requer design para usuários
em qualquer plataforma, oferecendo a to- com capacidades físicas e cognitivas di-
dos, de escolares a gerentes de nível mé- versificadas? Delineia uma linguagem for-
dio, acesso à criação de multimídia. O de- mal básica capaz de descrever um arran-
safio para os designers – grupo que cada jo infinito de relações visuais? O “design
vez mais inclui usuários meticulosos tanto universal” abrange todos esses pontos de
quanto tipógrafos profissionais – é descar- referência, muitos dos quais não foram
tar as limitações estilísticas dos gabaritos preocupações durante a primeira onda da
ou modelos sem abdicar do acesso ampli- teoria moderna do design.
ado às ferramentas de comunicação. Pois O multiculturalismo celebra as identidades
hoje o que torna “universal” o design não étnicas, raciais ou sexuais dos designers e
são as linhas nítidas da Helvetica, mas an- do seu público. Mas os designers também
tes a difusão de softwares como o Photo- se juntam em função do próprio design en-
shop, Flash e After Effects para imensos quanto linguagem comum. Cada leitor de-
grupos de novos usuários, não apenas ao sta revista produz obras definidas por sua
redor do mundo, mas na sala ao lado e no formação cultural. Mas também estamos
outro lado da rua. comprometidos em uma exploração co-
Transparência, uso de camadas e hibrid- mum da linguagem do design, ela própria
ismo vêm sendo características da práti- moldada por uma variedade de discursos,
ca artística, incluindo a tipografia e o de- desde a tipografia, passando pela músi-
sign, desde pelo menos o surgimento da ca, até a religião. Estamos refinando as
tipografia comercial. O que faz com que nossas vozes particulares como pessoas
esses princípios sejam outra vez novos no – como homens e mulheres, como mem-
contexto atual é a sua acessibilidade oni- bros de uma geração, como participantes
presente por intermédio de softwares dis- em comunidades e instituições locais, mas
poníveis corriqueiramente. Diferentemente também como praticantes de um discur-
da Helvetica, eles se tornaram universais. so global do design. Além disso, cada vez
A nova universalidade não busca uma to- mais, seja ou não do nosso agrado, pre-
talidade fixa e fechada, mas uma infinitude cisamos abordar os nossos públicos não
aberta. Ela decorre de situações particu- só como consumidores do nosso trabalho,
lares, de usuários individuais resolvendo mas também como contribuintes para o

17
mundo moldado pelo design. A linha bási- os axântis de Gana apreciam tanto a Co-
ca que nos reúne a todos é o design. ca-Cola como a cerveja Star, as pessoas
O design universal, tal como está se delin- ao redor do mundo têm acesso a lápis,
eando agora, em seguida ao pós-modern- caneta e tinta tanto quanto ao Photoshop,
ismo, não é um modo genérico e neutro de ao HTML e à linguagem de programação
comunicação. Em vez disso, é uma lingua- Processing. Em todo o mundo, as pessoas
gem visual emaranhada em um ambiente se acomodam no sofá Klippan da Ikea.
de comunicações em contínua evolução Elas conversam por celulares (em muitas
tecnológica, ampliado e testado por uma línguas) e navegam pela internet (usando
gama sem precedentes de pessoas. Os in- protocolos comuns). O design é uma lin-
divíduos podem lidar com essa linguagem guagem visual cujas infinitas permutações
em seus próprios termos, nela insuflando a resultam das particularidades de indivídu-
sua própria energia e sensibilidade a fim de os, instituições e locais que estão cada vez
criar comunicações apropriadas a públi- mais conectados uns aos outros por atos
cos e objetivos determinados. Assim como de comunicação e de troca.

18
GLOSSÁRIO

ARTESANATO BAUHAUS
Com a tecnologia digital dominando cada Sob a liderança de Walter Gropius, essa
vez mais a criação e a produção do design influente escola abriu as portas em 1919,
gráfico, um número crescente de designers na cidade alemã de Weimar. No princípio,
passou a se interessar pelo ato físico do o seu objetivo explícito era fundir artes e
fazer. Eles estão incorporando um toque ofícios, o que implicava ressaltar o design
da fabricação manual à nova tecnologia, industrial alemão. Ainda que tenham sido
ou mesmo descartando esta última por muito diversos os experimentos ali realiza-
completo, a fim de explorar métodos pro- dos, os designers gráficos com frequência
dutivos mais antigos, como a impressão se concentraram nos esforços de proemi-
tipográfica. Em “O macramê da resistên- nentes membros da Bauhaus, entre os quais
cia”, Lorraine Wild considera o artesana- László Moholy-Nagy e Herbert Bayer, para
to como elemento básico da “voz do de- criar uma linguagem visual de abrangên-
signer”. Para Wild, o artesanato sugere um cia universal. Tal busca influenciou muito a
conhecimento crucial adquirido na prática. Nova Tipografia. Também digno de nota foi
E esse tipo de conhecimento, argumenta o Vorkurs [curso básico] da Bauhaus, que
ela, complementando abordagens mais proporcionou um modelo de currículo para
verbais e conceituais, deve “constituir o escolas de arte e de design ao redor do
fundamento da formação e do ofício de um mundo, sobretudo nos Estados Unidos. Em
designer”. Muitas vezes, o artesanato tam- termos mais gerais, a Bauhaus tornou-se
bém é associado a um ressurgimento da sinônimo de design moderno.
ornamentação, assim como o movimento
mais amplo do faça-você-mesmo. CONSTRUTIVISMO
Em 1921, um grupo de 21 artistas russos,
AUTORIA GRÁFICA sob a inspiração da pintura Quadrado ne-
A expressão foi usada pela primeira vez gro, de Kasímir Maliévitch, fundaram o Gru-
por Katherine McCoy, diretora da Cran- po de Trabalho dos Construtivistas. Aban-
brook Academy of Art, em 1990. Na épo- donando os cavaletes, propunham que os
ca, empregou-se o conceito para explorar artistas deveriam criar apenas arte util-
um desvio pós-moderno para obras de itária. O artista devia se tornar um operário,
caráter pessoal e expressivo. Na década um construtor. Entre os membros iniciais
de 2000, contudo, a expressão revestiu-se do grupo estavam Aleksandr Ródtchenko,
de novo significado à medida que design- a sua parceira Várvara Stepánova, Vladímir
ers passaram a escrever textos de teoria Tátlin, Aleksiéi Gan e El Lissítzki. O movi-
e de história do design, e também a criar mento perdeu fôlego na União Soviética a
seus próprios empreendimentos. No âmbi- partir do início da década de 1930, após se
to desse modelo de autoria do design gráf- difundir por quase toda a Europa.
ico, a presença de um cliente não é mais
crucial no processo produtivo. CULTURA LIVRE [FREE CULTURE]

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Iniciativa social que defende uma estrutura amplamente a um estilo de design complexo
mais participativa e menos proprietária para e repleto de sobreposições que se difundiu
a sociedade. Para pôr em prática essa espé- nas décadas de 1980 e 1990, traduzindo lit-
cie de cultura aberta, os seus adeptos co- eralmente em leiautes visuais os conceitos
locam o poder da comunicação, da criação pós-estruturalistas, entre os quais o de de-
e da distribuição nas mãos dos indivíduos, sconstrução. Esses trabalhos originaram-se
por meio da resistência e da crítica aos con- sobretudo na Cranbrook Academy of Art,
ceitos de copyright e de propriedade intelec- onde os designers enfrentaram ativamente
tual. Nesse sentido, um texto fundamental é em suas obras a complexidade do pensa-
o livro Cultura livre, de Lawrence Lessig, pro- mento pós-estruturalista.
fessor de direito na Universidade Stanford.
As raízes desse movimento remontam à luta ESTILO INTERNACIONAL
pelo software livre. Ver freeculture.org. Essa ideologia do design deriva de
uma abordagem modernista, racional e
CULTURE JAMMING sistemática. Muitas vezes, os designers
Os adeptos desse movimento, cujo nome trabalham com uma palheta restrita de
significa “interferência cultural”, recorrem cores e tipos, de grids modulares metic-
a métodos de ruptura para se contrapor ulosamente elaborados e de imagens ob-
ao domínio da mídia pelas grandes cor- jetivas. Esses designers abdicam de uma
porações americanas. Eles combatem a concepção pessoal a fim de se tornarem
corrente dominante da publicidade com tradutores que transmitem de modo claro
várias técnicas, entre as quais a alteração e objetivo a mensagem do cliente. Essa
de outdoors, a promoção de falsos eventos abordagem “neutra” contribuiu para a
midiáticos, agitprop em áudio, a subversão profissionalização do campo do design nas
de propagandas e os antianúncios. A revista décadas de 1950 e 1960, deslocando-o da
Adbusters, criada por Kalle Lasn em 1989, proximidade das artes para a vizinhança
virou um catalisador dessas atividades. Ver da ciência. Tais sistemas revelaram-se
www.adbusters.org. O livro Culture Jam- particularmente úteis na construção da
ming (1993), do crítico cultural Mark Dery, é identidade das grandes corporações que
tido como o texto principal do movimento. surgiram na época.

DESCONSTRUCIONISMO FAÇA-VOCÊ-MESMO
Foi em seu livro Gramatologia, publicado [Do It Yourself, DIY]
na França em 1967, que o filósofo Jacques Movimento que prega a resistência ativa
Derrida introduziu o conceito de descon- aos bens produzidos em escala e às mul-
strução. Em linhas gerais, a desconstrução tinacionais que em geral produzem e dis-
é um modo de questionamento que desfaz tribuem essas mercadorias. Em vez disso,
as oposições hierarquizadas da linguagem, os seus adeptos incentivam os indivíduos
revelando a sua inerente instabilidade. No a fazerem eles próprios o que for possível,
âmbito do design, o termo aplica-se mais protestando assim contra a espoliação da

20
mão de obra e a destruição ambiental pe- Estilo Internacional ou ao design de esti-
las grandes empresas, ao mesmo tempo lo suíço. Para os praticantes dessa influ-
que possibilita a transformação dos con- ente abordagem do design, as malhas
sumidores em produtores. complexas e modulares cumprem papel
crucial no estabelecimento de uma rígida
FUNCIONALISMO metodologia de controle no design. Embo-
No princípio do século 20, os artistas de ra a popularidade dos grids tenha acom-
vanguarda despojaram as suas obras de panhado a do estilo suíço nas décadas de
tudo quanto era inútil e/ou ornamental, fa- 1950 e 1960, recentemente eles voltaram
vorecendo um design utilitário, extrema- a despertar interesse, pois a imensidão da
mente funcional. Essa abordagem evoluiu e internet requer complexos mecanismos de
tornou-se um princípio básico do modern- ordenamento universal.
ismo, o de que “a forma segue a função”,
ainda hoje muito citado como um elemento GUERRAS DE LEGIBILIDADE
indispensável de um design eficaz. Só no fi- As décadas de 1980 e 1990 foram mar-
nal do século 20 os pós-modernistas se re- cadas pela contraposição entre designers
belaram contra esse padrão. Mas, no início modernistas e pós-modernistas. Para os
do século seguinte, o funcionalismo voltou à modernistas, a legibilidade era um elemen-
ribalta na medida em que o imenso volume to-chave do design gráfico; já os pós-mod-
de informação arquivada e comunicada por ernistas questionavam isso, e se mostra-
meio da tecnologia digital deram protagonis- vam dispostos a sacrificar a legibilidade
mo às questões de interface e usabilidade. quando necessário para reforçar o impacto
visual. O ensaio “The Cult of the Ugly” [O
FUTURISMO culto do feio], de Steven Heller, é um texto
Liderados pelo poeta F.T. Marinetti, os fundamental sobre esse debate.
futuristas abalaram as convenções do sé-
culo 19, usando as artes para exprimir sua METAMÍDIA
singular concepção do século 20, na qual De acordo com Lev Manovich, todos os for-
ressaltavam a velocidade, a agressividade matos das novas mídias estão se fundindo
e a guerra. O radical experimentalismo em uma gigantesca e abrangente metamídia,
tipográfico de Marinetti abriu o caminho na qual os métodos e as técnicas de atuação
para outros vanguardistas, entre os quais nas distintas mídias são remixados no âmbi-
participantes proeminentes da Baúhaus, to de um único projeto. Essa metamídia em
explorarem formas tipográficas inovadoras evolução está transformando radicalmente a
e dinâmicas que levavam em conta a es- estética contemporânea.
tética maquinal do mundo industrializado.
MODERNISMO
GRID Esse movimento pode ser situado, em
Os grids dividem e organizam o conteú- termos gerais, entre a década de 1860 e
do, e são mais comumente associadas ao a de 1970. Normalmente, é definido pelas

21
reações dos artistas diante da nova socie- NOVAS MÍDIAS
dade industrializada. O modernismo é pro- Expressão que normalmente remete à
gressista e por vezes utópico, incentivando distribuição de informação por meios dig-
as pessoas a melhorar ou reformar os seus itais. Porém, como nota Lev Manovich no
ambientes. No interior do modernismo, con- livro The Language of New Media, os ter-
tam-se vários outros movimentos cruciais mos podem ser mais precisamente ampli-
para o desenvolvimento do design gráfico, ados de modo a incluir a transformação de
entre os quais o futurismo, o construtivismo todas as mídias, antigas e novas, por meio
e a Nova Tipografia. No campo do design do uso da tecnologia digital.
ainda se discute sobre o valor do modernis-
mo, uma vez que os seus princípios básicos NOVA TIPOGRAFIA
continuam a definir os padrões convencio- As abordagens vanguardistas da tipogra-
nais para um design eficaz. fia – tipos sem serifa, equilíbrio assimétri-
co, uso deliberado das características óp-
MORTE DO AUTOR ticas dos tipos e assim por diante – foram
Com este conceito, o teórico francês adotadas por artistas de toda a Europa,
Roland Barthes desconstruiu, em 1967, a mas sobretudo da Bauhaus. Com frequên-
posição do autor literário como originador cia, essas abordagens são conhecidas
dos significados da sua obra. Segundo pela expressão Nova Tipografia, usada por
Barthes, em vez de nos voltarmos para o László Moholy-Nagy no ensaio com o mes-
escritor a fim de discernir o significado do mo título que publicou em 1923. Jan Tsch-
texto, seria melhor enfocar a “rede aberta ichold codificou essas ideias em sua influ-
de referentes” na qual opera o texto. Na re- ente obra Die Neue Typographie [A nova
alidade, o autor como produtor de sentido tipografia], de 1928.
estava, e está, morto. Nas palavras de Bar-
thes, “o nascimento do leitor deve ocorrer PÓS-MODERNISMO
à custa da morte do Autor”. Para os pós-modernistas, o significado é
inerentemente instável; não há essência ou
NEW WAVE âmago a que se deveria tentar chegar. Na
Denominação muitas vezes usada com o acepção mais ampla, o termo “pós-mod-
mesmo sentido de modernismo tardio ou ernismo” vincula-se estreitamente ao cam-
pós-modernismo. O design New Wave cos- po da crítica pós-estruturalista. No âm-
tuma ser associado a Wolfgang Weingart, bito do design, pode ser empregado em
líder da segunda onda do estilo tipográfico relação a um estilo complexo que faz uso
suíço. Com a New Wave, Weingart rebel- de sobreposições, ou ainda a uma críti-
ou-se contra os luminares do design suíço ca pós-estruturalista do design. O início
das décadas de 1950 e 1960, privilegiando do pós-modernismo remonta à década
em seus trabalhos a intuição e a expressão de 1960; não há um momento definido de
pessoal. Os adeptos mais notáveis dessa conclusão, apesar de haver quem sustente
tendência são April Greiman e Dan Friedman. que vivemos em um mundo pós-pós-mod-

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erno. Os críticos descrevem o pós-mod- to permitia ao designer se comunicar de
ernismo seja como reação ao modernismo, modo claro e objetivo.
seja como a sua continuação. De qualquer
modo, trata-se de uma abdicação da bus- UNIVERSAL
ca pelos valores absolutos e de aplicação Herbert Bayer concebeu esse alfabeto
universal que marcam o modernismo. geométrico de tipos em caixa-baixa quan-
do estava na Bauhaus, em 1925. É um
RESPONSABILIDADE SOCIAL alfabeto que evoca a iniciativa de Bayer
Os participantes deste movimento in- para repensar a tipologia em seus funda-
sistem em que os designers gráficos con- mentos, despojando-a eficazmente de va-
frontem as consequências sociais e am- lores e convenções do passado. Embora
bientais negativas da nossa sociedade de não tenha sido usado em escala massiva
consumo desenfreado. Versão atualizada na primeira metade do século 20, recente-
do manifesto “First Things First” [1964], de mente foi transformado em tipos digitais.
Ken Garland, o “First Things First Manifes-
to 2000” [Manifesto Primeiro o Mais Impor- VANGUARDA
tante 2000], firmado no início por 33 profis- Impelidos por visões utópicas, os artistas
sionais influentes, trouxe essas questões de vanguarda do início do século 20, em
para o primeiro plano na comunidade dos especial aqueles associados ao contex-
designers. Publicado em diversos jornais to do design gráfico, pesquisaram novas
e revistas ao redor do mundo, até hoje o formas visuais favoráveis a uma comuni-
manifesto continua sendo controverso. cação objetiva e universal. Esses artistas
procuraram alterar radicalmente as suas
TAÇA DE CRISTAL sociedades por meio da fusão da arte com
Essa conhecida metáfora para a tipografia a vida cotidiana, do afastamento das ar-
surgiu em uma famosa palestra de Beatrice tes em relação aos conceitos do passado,
Warde em 1930, depois publicada como en- que lhes pareciam individualistas, subje-
saio. Segundo Warde, a tipografia deveria tivos e corrompidos. Com frequência os
ser bela e transparente, transmitindo o con- vanguardistas recorreram à comunicação
teúdo com toda a clareza possível, mas sem de massa – livros, revistas e exposições –
chamar a atenção para a sua própria forma. para difundir as suas ideias pelo mundo.

TIPOFOTO
Termo empregado por László Moho-
ly-Nagy em seu livro Malerei Fotografie
Film [Pintura fotografia cinema], publicado
em 1925. Refere-se à combinação de fo-
tografia e tipografia no leiaute, especifica-
mente nos formatos do livro e do anúncio
publicitário. Para Moholy-Nagy, a tipofo-

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