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O QUE É OBRA DE ARTE? O QUE É UM OBJETO ARTÍSTICO?

PROBLEMA: O que faz com que um certo objeto possa ser considerado uma obra de arte?

TEORIA DA ARTE COMO IMITAÇÃO/REPRESENTAÇÃO

Tese: Tudo o que é arte imita algo.


Se uma coisa é arte, então representa algo.

Argumentos:
• É incontestável que muitas obras imitam algo –
paisagens, pessoas, objetos.
• A teoria dá-nos um critério objetivo que permite
classificar aquilo que pode ser considerado arte.
• Dá-nos igualmente um critério para valorar as obras
de arte. As melhores obras de arte são aquelas que
melhor imitarem o objeto representado.

Autores:
PLATÃO (427 a.C. – 347 a.C.)
− defende que um objeto é belo pelas suas características intrínsecas, isto é, as características que se
encontram somente no objeto. O belo é belo por si, independentemente do sujeito que o frui.
− distinguia a beleza ideal do tipo de beleza a que aspiravam os artistas. Esta beleza considerava-a
prescindível, já que não era autêntica, e daí a sua visão negativa dos artistas que considerava ilusionistas da
beleza ideal, pois a verdadeira beleza, defendia, está nas ideias e não nas coisas sensíveis, que são meras cópias
da realidade.
− para Platão, a arte é sempre imitação (mimesis), é uma reprodução inadequada dos objetos ideais que lhe
estão subjacentes. Nesta medida, considera-a uma aparência sensível do que é representado e, como tal, nada
tem a ver com a verdade. A verdade reside nas ideias; a representação sensível é mera cópia imperfeita e,
como tal, é apenas aparência de verdade.

ARISTÓTELES (384 a.C. – 322 a.C.)


- Tal como Platão, afirma que a arte é imitação, porém, essa imitação é verdadeira.
- As pessoas podiam aprender com a imitação, pois o artista ao imitar o belo presente em alguns objetos
aperfeiçoa e completa a realidade, dando-lhe harmonia, equilíbrio e ordem. Por exemplo, a poesia, o teatro,
a dança e a música imitam ações humanas, usando meios diferentes (descrições, atores, gesto e sons).
- A arte é verdadeira, é imitação natural, é invenção do real, tem um efeito purificador e tem uma função
pedagógica.

Objeções:
1º O critério de classificação falha: há obras que são reconhecidas como arte e não são tidas como tal.
2º O critério valorativo falha: há obras de arte que não imitam nada. A música instrumental não parece imitar
o que quer que seja.
3º Não há maneira de saber se a obra imita ou não realmente o seu objeto; o artista não representa o que vê,
mas o modo como vê.
Reformulação da tese: Tudo o que é arte representa algo.
Apesar de todas as imitações serem representações, nem todas as representações são imitações. Deste modo,
e porque o conceito de representação contém em si o de imitação, torna-se possível classificar como arte,
não apenas o que imita, mas também o que representa (ou simboliza) alguma coisa, e que, por conseguinte,
reclama interpretação. Assim, embora a Ave Maria Schubert, por exemplo, nada imite, o facto é que podemos
argumentar que representa a alegria, introspeção ou esperança e que, por isso, é arte.

Contraexemplos
Exemplo 1: Há pinturas monocromáticas e outras pinturas abstratas geométricas que são concebidas para
provocarem em nós um certo tipo de experiências visuais… mas representam o quê?
Exemplo 2: O artista Wassily Kandinsky dizia que as manchas, linhas e cores dos seus quadros representavam
coisas como a morte. Será?

Juízos de valor estético


Arte como imitação Arte como expressão Arte como forma significante
Caracteriza bem uma certa realidade. Impressionante! Bonito!
É o retrato de uma época. Emocionante! Equilibrado!
Remete-nos para muitas coisas. Tocante! Elegante!
É uma obra irónica (sarcástica, Envolvente! Harmonioso!
mordaz, sugestiva,...) Atraente!
Obsessivo!
O que significa isto? Delicado!
Não se entende.
Arrebatador! Cativante!
Qual é a história, afinal? Sincero, autêntico. Gracioso!
Não vejo aqui nada. Deixa-me indiferente. Complexo!
Demasiado frio e racional. Mal escrito!
Não há ali um pingo de emoção. Incoerente!
Impessoal e vazio. Desconexo!
Desagradável!
Desequilibrado!
Sem graça.
Confuso!
Teoria expressivista (A arte como expressão)

Tese: Uma obra é arte se e só se exprimir sentimentos e emoções do artista.

Argumentos:
• Vários artistas reconhecem que na origem da criação artística estão emoções e sentimentos.
• Apresenta um critério abrangente para classificar um objeto como obra de arte (p.ex., os artistas podem usar
a distorção e a abstração como meios para se exprimir) .
• O seu critério valorativo é claro, já que uma obra de arte será tanto melhor quanto melhor conseguir
expressar os sentimentos do seu criador.

Autores:
LEV TOLSTOI (1828-1910)
• A arte é a que produz emoção estética genuinamente partilhada pelo artista e público; não há arte se não
houver expressão de sentimentos ou se tais sentimentos não contagiarem outras pessoas.
• Para Tolstoi só há arte se houver essa unidade do sentimento entre o artista e o público, e essa unidade
deve assentar numa autenticidade dos sentimentos do artista na altura da criação.
• Cada obra de arte faz com que aquele que a frui comungue com aquele que a produziu. Sendo a transmissão
de sentimentos autêntica, também a fruição desses sentimentos o será.
• Tolstoi considera que há arte desde que sejam respeitadas, em conjunto, as seguintes condições,
independentemente de as obras imitarem ou não e
de proporcionarem ou não prazer:
1. Particularidade do sentimento transmitido;
2. Clareza na transmissão desse sentimento;
3. Sinceridade no artista, isto é, na força com
que o artista experimenta os sentimentos que
transmite.

Objeções:
1º Dificilmente se podem classificar como arte todas as obras de arte.
2º O critério valorativo falha, pois como podemos saber se uma obra exprime exatamente as emoções do
artista quando ele já morreu ou decide ocultá-las?
3º Há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento.
4º Não há qualquer garantia que aquilo que sentimos perante uma obra de arte corresponde ao sentimento
do seu criador.

Contraexemplos:

https://gulbenkian.pt/musica/videos/paixao-segundo-sao-mateus/
A arte como forma significante

Tese: algo é arte se e só se é um artefacto e tem forma significante.


Por exemplo: cores, formas e linhas na pintura; a melodia simples, sóbria e elegante na música; a riqueza da
linguagem, do ritmo e da densidade da obra na literatura).

Argumentos:
• Pode incluir todo o tipo de obras de arte e evita
contraexemplos.
• Explica por que razão a arte é objeto de contemplação
desinteressada.
• Tudo o que promove emoção estética é arte. Esta é a condição
necessária e suficiente para atribuir a designação de arte a um
objeto.
• A mesma história contada de diferentes formas gera em nós
um efeito diferente, pelo que a forma é relevante e não o
conteúdo representacional (religiosos, morais ou políticos).

Autores:
Clive Bell (1881-1964)
• Procura esclarecer a relação especial que existe entre as propriedades formais das obras e a emoção que elas
despertam a quem as aprecia.
• Considera que sabemos que estamos perante uma obra de arte quando sentimos uma emoção peculiar, a
emoção estética.
• A emoção estética é de quem aprecia, não da obra, e é única, leva-nos ao êxtase (diferente da alegria,
esperança ou euforia).
• Não haveria qualquer emoção estética se não houvesse na própria obra alguma caraterística responsável por
tal emoção; é a forma significante que nos chama a atenção e desperta o nosso interesse.
• Identificar a forma significante é uma questão de sensibilidade e de inteligência.

Objeções:
1º É demasiado inclusiva (abrangente), pois há coisas que não são arte e cuja forma é perceptualmente indistinguível de
outras (ready-made de Duchamp) e que são classificadas como arte.
2º A definição cai em circularidade, pois explica-se a noção de forma significante como aquelas propriedades que causam
emoção estética e explica-se a emoção estética como aquilo que é causado pela forma significante.
3º Assenta numa conceção elitista da arte, ao reconhecer que a sensibilidade para se emocionar esteticamente e a
capacidade para a apreensão da pura forma não estão ao alcance de todos (nem todas as pessoas estão aptas a apreciar
a arte).
4º A arte é um composto de forma e conteúdo inseparáveis.
(Pieter Brueghel, o Velho, Paisagem com Queda de Ícaro)

Contraexemplos
TEORIAS NÃO ESSENCIALISTAS

TEORIA INSTITUCIONAL DA ARTE


Tese: Algo é arte se, e só se, é um artefacto ao qual uma ou várias pessoas, agindo em nome de uma certa instituição
social (o mundo da arte), conferem o estatuto de candidato à apreciação.
• George Dickie, ao verificar que objetos de uso quotidiano, sem qualquer valor estético (uma roda de bicicleta, um
urinol ou um secador de garrafas), eram elevados à condição de arte, apenas por serem apresentados em espaços
especializados, percebeu que o conceito deveria ser revisto. Começou por distinguir entre o que é estético (experiência
individual) e o que é artístico (prática social, produção coletiva).
• Por exemplo, o teatro esteve ligado à sociedade de diferentes formas. Na época clássica, a ligação estabelecia-se
através da polis; na época medieval, a relação com o público foi mediada pela Igreja (e pela iniciativa privada); e, mais
tarde, quando surgiram os teatros nacionais, a relação passou a ser mediada pelo Estado. Todos as formas artísticas –
pintura, escultura, música, dança… - tiveram um desenvolvimento semelhante.
• A definição de objetos artísticos assenta nas propriedades extrínseca e relacionais e não nas propriedades intrínsecas
e manifestas dos objetos. (Andy Warhol, A caixa de Brillo (1964). Para Dickie, o conceito de arte não tem sentido
valorativo, mas de classificação. O sentido valorativo da arte é aquele pelo qual julgamos se uma obra é boa ou má arte.
O sentido classificativo é o que fornece um critério para separar o que é arte daquilo que não o é, não importando o valor
estético do objeto. Algo é arte se é um artefacto que, em determinado contexto institucional, adquiriu o estatuto a
candidato à apreciação, que lhe foi atribuído pelas pessoas ligadas ao mundo da arte.
• O mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar para atribuições de estatuto, por parte dos seus
representantes (artistas, produtores, diretores de museus, visitantes de museus, jornalistas, críticos, etc.)

OBJEÇÕES
• Oferece uma definição viciosamente circular de arte: para saber o que é uma obra de arte
temos de saber o que é o mundo da arte e vice-versa).
• Torna a definição de arte vaga ou inútil, pois qualquer coisa pode tornar-se arte: o que é ser
candidato a apreciação? e quem exatamente tem autoridade para agir em nome de uma
determinada instituição?
• Impossibilita a existência de arte primitiva (não havia o mundo da arte) e de arte solitária
(artista que vive e cria à margem da sociedade).
• Dilema: quem propõe para apreciação tem razões ou não tem razões; se tem razões, então
são estas que contam; se não tem razões, então a escolha é arbitrária e vazia.
TEORIA HISTORICISTA
Tese: Algo é uma obra de arte se, e só se, alguém com direitos de propriedade sobre isso tem a intenção
séria de que seja encarado da mesma forma que outros objetos artísticos foram ou são corretamente
encarados.
• Segundo Jerrold Levinson, a arte é necessariamente retrospetiva, uma vez que a criação artística
estabelece uma relação com a atividade e o pensamento humanos presentes ao longo da história da arte;
o que faz de um objeto arte não é o contexto histórico em que ocorre, mas a ligação específica que
estabelece com outras obras do passado.
• Define-se a arte apelando também a propriedades extrínsecas e relacionais/contextuais, mas
possibilitando a existência de arte solitária.
• Basta que a obra criada se enquadre na categoria dos bons precedentes históricos, isto é, que
corresponda a formas como as obras de arte foram corretamente encaradas ao longo dos tempos.
• Tem de haver por parte do artista intenção séria (o artista tem de ter uma finalidade em mente e
desenvolver ações para a atingir) e direito de propriedade (o artista não pode transformar em arte
objetos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado pelos seus
proprietários).
• Levinson refere que é o conhecimento da história da arte que nos torna capazes de prestar atenção a
determinados detalhes – cor, luminosidade, textura –, de sermos sensíveis à estrutura formal de uma obra,
de identificarmos o enquadramento histórico, ideológico ou cultural de uma obra ou de avaliarmos a sua
capacidade de representar algo.
• Mesmo que o artista não conheça a história da arte, o facto é que ela existe e que foi sempre sob a sua
luz e orientação que as obras foram perspetivadas como arte. Por isso, para Levinson, somente a ligação
ao passado – e ao que tem vindo a ser (com sucesso) reconhecido como arte – torna possível reconhecer
uma obra como arte.

OBJEÇÕES
• Algumas formas de encarar a arte no passado já não são válidas atualmente; Levinson deixa por resolver
o problema da indefinição do estatuto das obras primordiais e das obras primitivas que se lhe seguiram.
Se toda a arte, para o ser, tem de relacionar-se com a sua história, as obras primordiais não podem ser
arte porque antes delas não há arte. Mas se não o são, como podem as obras seguintes – a arte primitiva
– ser arte?
• Há obras de arte que não foram criadas com intenção séria de que fossem vistas como obras de arte
precedentes; o melhor contraexemplo é fornecido por Kafka. Os manuscritos de O Processo e O Castelo
deveriam ter sido destruídos a pedido do autor aquando da sua morte. Contudo, as obras foram
publicadas e ninguém questiona a sua artisticidade enquanto obras literárias, apesar de o autor ter
formulado exatamente a intenção contrária àquela que Levinson supõe ser necessária para haver arte.
• Não se exige que os artistas tenham direito de propriedade sobre algumas das suas obras (exemplo:
graffiti).

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