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O tempo fora do tempo: entenda como funcionam as

ilusões temporais (6 min)


“Parece que foi uma eternidade”; “Nossa, o tempo voou...”. Possivelmente, você já se
viu repetindo algumas dessas expressões ao longo da vida. E é provável que, na
maior parte das vezes, elas se referiam a situações totalmente opostas. Aquela
semana de férias? Piscou e passou. Um acidente de carro? Uma vida inteira. Mais do
que uma simples sensação cotidiana, tema de conversa de elevador, a percepção
subjetiva do tempo é tema de interesse científico há pelo menos 150 anos e, mais
recentemente, tem despertado a atenção também de quem estuda o fracasso e o
sucesso de empreendimentos, ideias e negócios. Poderia o nosso cronômetro interno
afetar nossa produtividade e o gerenciamento de projetos? Que circunstâncias
biológicas ajudariam a explicar isso?

Perder a noção da hora, para o voo da United Airlines 173 que havia saído do
Aeroporto JFK, em Nova York, com destino a Portland, Oregon, em 28 de dezembro
de 1978, foi um componente fatal. Com a atenção fixada apenas no trem de pouso,
que parecia ter falhado, o comandante do voo não enxergava outro perigo: o
combustível que se esvaía enquanto ele adiava a descida sobrevoando o subúrbio da
cidade. Durante o período em que ele tentava se certificar de que as rodas haviam
descido, o verdadeiro desastre era ignorado. O avião fez um pouso forçado já com o
motor pegando fogo, levando 10 pessoas a óbito. Posteriormente ouvido por um dos
investigadores do caso, o piloto mantinha-se certo de que o combustível havia
acabado antes do prazo, o que, para ele, era resultado de um vazamento no tanque.
Uma ilusão do comandante. Os dados da investigação comprovaram que a aeronave
não tinha ficado sem combustível mais rápido do que o normal. O vazamento não era
no tanque, mas na percepção de tempo do piloto.

A sensação de ficar tão imerso em uma atividade a ponto de perder a noção da hora,
como no caso do comandante envolvido no pouso forçado em Portland, pode estar
relacionada ao conceito formulado pelo cientista Mihaly Csikszentmihalyi, da
Claremont Graduate University. Csikszentmihalyi, foi um dos primeiros pesquisadores
a identificar o que chamou de fluxo, ou seja, um estado em que podemos estar tão
envolvidos em algo, que todas as distrações ao redor são excluídas. Segundo o
pesquisador, geralmente essa impressão acontece nos momentos relacionados ao
bem-estar, quando nos concentramos em coisas boas da vida, algo bem parecido com
aquele fim de semana romântico que passa como um comenta, conhece? Contudo,
quando se trata de foco no trabalho, esse tipo de resposta pode ser tanto um bônus
quanto um ônus. Excelente para quem precisa virar a noite finalizando um projeto,
escrevendo uma tese ou resolvendo uma equação matemática, por exemplo, mas
prejudicial quando o desafio envolve investigar pontos distintos, de diferentes
perspectivas, obrigando uma abordagem mais holística.

De fato, a busca pelo prazer parece mesmo ativar o cronômetro interior, acelerando a
passagem do tempo. Em um estudo de 2012 realizado na Universidade do Alabama,
os psicológicos Philip Gable e Bryan Poole examinaram a “motivação de abordagem”,
ou seja, a resposta a impulsos para atingir objetivos, experiências positivas ou
recursos vitais como comida e água. A dupla descobriu que os estados de alta
motivação para a abordagem nos fazem sentir como se os instantes estivessem
passando rapidamente, porque eles estreitam nossos processos de memória e
atenção, ajudando-nos a bloquear pensamentos e sentimentos irrelevantes. Para os
autores do estudo, este fenômeno pode ter uma função útil em projetos que exijam
foco e motivação: se atingir uma meta requer espera ou trabalho árduo sustentado
durante um período, seria uma vantagem se esse período parecesse breve, ou seja,
que estímulos de prazer fossem oferecidos à equipe durante o processo.

Se o foco extremo ou o prazer ajudam o cérebro a interpretar o decorrer das horas


como algo mais veloz, outros sentimentos, como medo, excesso de expectativas ou
até traumas fazem tudo passar mais devagar. Embora seja uma das coisas mais
certas da vida, na mente, o tempo é flexível e leva em conta não só o quanto as
tarefas exigem da gente como também nossas emoções e expectativas, diz a
psicóloga Claudia Hammond, no livro em que se debruça sobre o tema, intitulado Time
Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception. A autora explica que aquele
clichê cinematográfico da batida de carro em slow motion é, na verdade, um registro
bem próximo do modo como percebemos uma situação de perigo extremo em que não
somos nós os responsáveis diretos pela resolução do desafio, como no caso do piloto
da United Airlines. Nesses momentos, o tempo mental, que é como o livro chama a
maneira como o cérebro percebe a passagem dos minutos e segundos, realmente
desacelera. O cérebro se comporta assim diante de qualquer situação em que se
sente ameaçado.

O neurocientista David Eagleman demonstrou a famosa conexão entre o medo e as


ilusões em um estudo em que conectava dispositivos cronométricos em um grupo de
voluntários para experimentar os pulsos dos participantes antes de os lançar em um
brinquedo de queda livre de 15 andares em um parque de diversões. Quando
questionados posteriormente, a maioria dos indivíduos envolvidos na pesquisa
superestimou a duração da queda. Outro estudo publicado em 2011 e conduzido por
Sylvie Droit-Volet, professora de psicologia cognitiva e do desenvolvimento na
Université Clermont Auvergne, França, testou como estudantes experimentariam a
percepção da passagem do tempo ao serem submetidos a três sessões de vídeos que
induziam a um clima de medo, tristeza ou uma emoção neutra. Na sessão “medo”, os
participantes assistiram a clipes de filmes de terror; na sessão “triste”, assistiram a
trechos de dramas comoventes; e, na “neutra”, a vídeos informativos como boletins
meteorológicos e atualizações do mercado de ações. Todos eles disseram que a
sessão de terror durou mais do que de fato havia durado, enquanto nas demais
sessões estimaram a duração de forma muito parecida com a real. Os resultados
sugerem que o temor de algo distorce nossa experiência do tempo para estarmos
preparados para agir o mais rápido possível em caso de perigo.

Além do medo e das expectativas, a própria natureza pode retardar nosso senso do
relógio. Em uma série de estudos, psicológicos da Carleton University, no Canadá,
testaram se as pessoas percebiam os minutos se movendo mais lentamente na
natureza em comparação com os ambientes da cidade. Nos estudos, que
contemplavam caminhadas virtuais ou reais em trilhas na floresta ou em locais
movimentados de Nova York, por exemplo, os participantes na condição natural
relataram sentir uma passagem mais lenta do tempo em comparação com aqueles no
ambiente urbano. Indivíduos na condição natural também relataram se sentir mais
relaxados do que aqueles na condição urbana.

Ou voa ou custa uma eternidade para passar: é inegável que as emoções humanas
fazem do tempo um pêndulo no interior do cérebro, raramente sintonizado com o
relógio do mundo exterior. Acertar o ponteiro biológico exige equilíbrio emocional ou,
como sugerem os cientistas, a aceitação de como as emoções podem influenciar
nossa relação com as horas. Ser sensível aos estímulos pode desviar nosso foco de
atenção de uma atividade, tornando-a mais enfadonha ou induzindo a sensação de
que tudo parou, mas, curiosamente, para alguns projetos em equipe, pode ser
essencial para que se olhe ao redor e se identifique ameaças secundárias tão ou mais
importantes do que a inicial. Conforme especialistas, um caminho para um possível
equilíbrio pode estar na milenar meditação, hoje festejada no mundo dos negócios
com o nome de mindfulness. Baseada na atenção plena, um estado mental que
“obriga” o cérebro a observar e absorver sensações corriqueiras com mais atenção e
concentração, a técnica ajudaria a equilibrar o foco e a permissão da entrada de
percepções novas do corpo e do ambiente que geralmente são deixadas
inconscientes. É como se pudéssemos azeitar nosso relógio mental colocando “o
tempo que corre” e “o tempo que para" para dançar, em uma mesma valsa, chamando
um pouco para nós mesmos a responsabilidade pela composição dessa intrigante
coreografia.

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